Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JTRC | ||
Relator: | ANABELA MARQUES FERREIRA | ||
Descritores: | RATIFICAÇÃO DE EMBARGO DE OBRA NOVA QUESTÃO NOVA TRANSAÇÃO JUDICIAL HOMOLOGADA INTERPRETAÇÃO DO CLAUSULADO DECLARATÁRIO NORMAL | ||
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Data do Acordão: | 06/24/2025 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Tribunal Recurso: | JUÍZO DE COMPETÊNCIA GENÉRICA DE TONDELA DO TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE VISEU | ||
Texto Integral: | N | ||
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Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | CONFIRMADA | ||
Legislação Nacional: | ARTIGOS 217.º, 236.º, N.º 1, 238.º, N.º 1, E 405.º DO CÓDIGO CIVIL | ||
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Sumário: | I – O uso de uma expressão conclusiva num dos articulados, não tendo sido tema de debate no julgamento, acabando por ficar consignada na sentença nos seus exatos termos, é questão que não pode ser apreciada pelo Tribunal ad quem, por se tratar de questão nova.
II – Um acordo homologado judicialmente é um contrato cuja interpretação segue o regime geral do negócio jurídico, previsto nos artºs 217º e segs., do Código Civil. III – A vontade real do declaratário é matéria de facto, a apurar em sede de julgamento. IV – Nada se tendo apurado, cumpre levar em conta o sentido objetivo da declaração, por referência à impressão de um declaratário normal, honesto e diligente, colocado na posição do real declaratário. V – Homem normal que, neste caso, se deve entender como um homem normal com formação jurídica, dada a intervenção de mandatários na elaboração do acordo. (Sumário elaborado pela Relatora) | ||
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Decisão Texto Integral: | Apelação nº 396/24.9T8TND.C1
Juízo de Competência Genérica de Tondela
Recorrente AA Recorrida BB
Juiz Desembargador Relator: Anabela Marques Ferreira Juízes Desembargadores Adjuntos: Maria João Areias Chandra Gracias
Sumário (da responsabilidade do Relator – artº 663º, nº 7, do Código de Processo Civil) (…).
Acordam os juízes que nestes autos integram o coletivo da 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra: I – Relatório
Nos autos de procedimento cautelar de ratificação de embargo de obra nova, que correram termos no Juízo de Competência Genérica de Tondela, a Requerente BB demandou a Requerida AA, pedindo: Ao disposto no artigo 397.º, n.º 2 e 3 do Código de Processo Civil, se digne ordenar a ratificação do embargo extrajudicial efectivado a em 10 de Outubro de 2024, pelas 11 horas, na pessoa do encarregado da obra, CC, residente na Rua ..., ..., ... ..., perante as testemunhas, confirmando-se a ordem de suspensão dos trabalhos e ordenando-se a reposição do “status quo ante”. observando-se o disposto no artigo 400.º do mesmo Diploma e seguindo-se os demais termos até final. Alega em síntese que a requerida ordenou a construção de um muro, numa propriedade que confina com a sua, e na construção não respeitou os seus limites. Citada a requerida, veio o mesmo deduzir oposição, alegando, em síntese, que o local onde foi implantado o muro se encontra adstrito à sua propriedade, sendo que nunca invadiu qualquer parcela da propriedade da requerente, mantendo-se sempre nos limites da propriedade confinante. Termina pedindo a improcedência do presente procedimento cautelar. Foi proferida sentença, decidindo: Por todo o exposto o tribunal decide, julgar como provado e procedente o presente procedimento cautelar de ratificação de embargo de obra nova requerida, determinando que a requerida não continue com a obra em causa.
A Recorrente AA interpôs recurso da sentença, concluindo, nas suas alegações, que: (…).
A Recorrida BB interpôs respondeu ao recurso, concluindo, nas suas contra-alegações, que: (…).
II – Objeto do processo Dispensados os vistos legais, prestados contributos e sugestões pelos Exmos. Juízes Desembargadores Adjuntos e realizada conferência, cumpre decidir. Da conjugação do disposto nos artºs 635º, nºs 3 e 4, 637º, nº 1 e 639º, todos do Código de Processo Civil, resulta que são as conclusões do recurso que delimitam os termos do recurso (sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso - artº 608º, nº 2, ex vi artº 663º, nº2, ambos do mesmo diploma legal), não vinculando, porém, o Tribunal ad quem às soluções jurídicas preconizadas pelas partes (artº 5º, º 3, do Código de Processo Civil). Assim: Questões a decidir: 1) Da alteração da decisão relativa à matéria de facto 2) Da interpretação da transação judicial homologada nos autos n.º 446/22.... III – Fundamentação A) Fundamentação de facto
Factos julgados indiciariamente provados na sentença recorrida: 1. A requerente é a titular inscrita na matriz e no registo predial do seguinte prédio: Misto, situado em ..., ..., freguesia ..., concelho ..., composto de terreno de cultura com árvores de fruto, pinhal, casa de dois pavimentos e casa da eira, com a área total de 22.500m2, incluindo a parte urbana, a confrontar do norte com herdeiros de DD, do sul com EE, herdeiros de FF e herdeiros de DD, nascente com estrada camarária, AA e herdeiros de DD e poente com estrada nacional e herdeiros de GG, inscrito na matriz, a parte rústica sob o artº ...27 (parte) e a urbana sob o artº ...28 (parte) e ...32 (actualmente ...92), todos da freguesia ..., descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o nº ...75, inscrito a favor da requerente pela Apresentação ...55 de 2018/01/24. 2. A requerente adquiriu este prédio por doação verbal que lhe foi feita, no ano de mil novecentos e noventa e quatro, por seus avós HH e II e pelos seus tios-avós JJ e mulher, KK e LL. 3. A requerente, por si e antepossuidores, tem vindo a usar este prédio, há mais de 30,40 e 50 anos, procedendo à sua limpeza, mandando cortar eucaliptos e pinheiros, tratando das árvores e colhendo os respectivos frutos, procedendo a obras de reconstrução, reparação e conservação da parte urbana, utilizando-a como habitação, e nela exercendo a actividade de alojamento local. 4. À vista de toda a gente, ininterruptamente, sem oposição de ninguém, na convicção de que é coisa sua, ignorando que lese direitos de outrem, sem oposição e quem quer que seja. 5. A requerida consta, do ponto de vista fiscal, como titular dos rendimentos tributáveis do prédio "um barracão e casa, dando origem ao Prédio Urbano, composto por casa com r/c e sótão e barracão anexo com s/c de 162 m2, logradouro e quintal com 578 m2, sito às ..., que confronta do nascente com MM, do norte, poente e sul com DD, com a área total de cerca de 740 m2, inscrito na matriz sob o artº ...06, omisso na Conservatória do Registo Predial. 6. Na Acção Judicial de Processo Comum que correu seus termos por este juízo, à qual foi atribuído o nº 446/22...., a ora requerida AA demandou a aqui requerente, pedindo: "Deve a acção ser julgada procedente por provada e consequentemente a R. condenada a reconhecer que: I - O prédio identificado no artº 1º da p.i., hoje tem a configuração descrita no artº 4º da p.i. e que os limites do prédio identificado em 1, com o prédio da R. se situa desde o peirão em granito (vértice mais a sul/poente) onde existe a cerca de 7 metros em linha recta no sentido sul norte um marco em pedra e enterrado, que segue em linha diagonal em cerca de 49m2 em direcção ao pial de pedra existente a norte, devendo o mesmo ser entregue à A. livre e desimpedido sem quaisquer ónus ou encargos; II - Condenando-se ainda a R. remover todos os postos, rede e vedação colocados sob o prédio da A. na extrema dos prédios A. e R., identificados nos artºs 1º, 4º e 5º, respectivamente na extrema poente do prédio da A. e extrema nascente do prédio da R." 7. A requerente, na qualidade de Ré, contestou tal acção, pedindo que a mesma fosse julgada totalmente improcedente e ela absolvida do pedido. 8. Esta acção terminou por transacção, de 4 de Junho de 2024, com o seguinte teor: Cláusula Primeira "A Ré aceita alterar a localização do portão que se encontra no caminho principal de acesso à sua propriedade para o seguinte local: em linha recta, no alinhamento com o limite superior da parte designada com a letra D do Anexo I ao Relatório Pericial junto aos autos: a) O topo a poente dessa parte D tem a extensão de 7,10 m, tendo o portão a largura de 4,50 m; b) A vedação que actualmente separa a parte B da parte C do mesmo Anexo I ao Relatório Pericial será retirada (do início até ao sexto poste sendo que este se manterá onde se encontra), numa extensão de aproximadamente 16 m e será recolocada a partir do limite direito do portão, em linha diagonal até ao referido sexto poste (extensão de 11,50m) – tudo conforme documento que ora se junta com a respectiva marcação e legendas (Anexo I) Cláusula Segunda "O espaço que fica livre em consequência desta alteração ficará afecto ao uso do prédio da Autora, identificado no artº 4º, da P.I." Cláusula Terceira " Tanto o caminho principal de acesso à quinta como o caminho paralelo ao cordão de videiras, já discutido na Providência Cautelar apensa, deverão manter- se sempre livres e desimpedidos de forma a que não haja qualquer obstáculo às passagens de pessoas ou viaturas pelos mesmos". Cláusula Quinta " A rede que delimita a parte D (do Anexo I do Relatório Pericial dos autos) com o caminho principal será retirada pela Ré, no momento da recolocação do portão e postes anteriormente mencionados" 9. A requerente recolocou o portão e rede tendo retirado a rede que limitava a parte D). 10. No dia 10 de Outubro, de 2024, pelas 10h, no espaço que resultou das alterações acordadas na transacção judicial, a requerida (que se encontra habitualmente acamada), por intermédio da sua irmã que com ela habita, NN, e um trabalhador, andavam a abrir uma vala junto à rede. 11. Iam construir muros para delimitar a área que pertencia ao prédio da requerida. 12. A requerente, pelas 11 horas do dia 10 de Outubro corrente, embargou extrajudicialmente a obra, na pessoa do encarregado que estava a fazer os trabalhos de abertura da vala para construção do muro, CC, residente na Rua ..., ..., ..., e na presença da representante da requerida, NN. 13. Na altura, a obra encontrava-se no estado que as fotos documentam - Doc. s nºs 3 e 4 juntos co o RI. 14. Nesta parte, o encarregado, na altura, respeitou o embargo, mas começou a abrir outra vala, considerando o limite da parte designada por D do Anexo I do Relatório Pericial. 15. A obra continuou em seguida, no ponto em que tinha começado, encontrando-se, a 15 de Outubro de 2024, pelas 13 horas, no estado que documentam as fotografias juntas como Doc.s nºs 5, 6 e 7, com o RI. 16. O presente procedimento deu entrada neste tribunal no dia 15-10-2024, pelas 16:51 horas. Mais se diz na sentença recorrida: Não se provaram outros factos com relevância para a decisão da causa.
Da alteração da decisão relativa à matéria de facto
Veio a Recorrente alegar que Da prova produzida não podia ser dado provimento ao embargo, atendendo que, a Requerida nunca foi interpelada, nem sequer as pessoas que as testemunhas mencionaram estar no local no dia 10 de outubro, foram advertidas de que a obra estava embargada, pois que, as duas testemunhas ouvidas nos presentes autos mencionaram apenas que foi dito aquelas duas pessoas que tinham de parar a obra. Trata-se de uma questão nova, levantada pela primeira vez em sede de recurso. Na verdade, a Requerente, no requerimento inicial, utilizou, em parte, uma expressão conclusiva para descrever o ato de embargo: A requerente, pelas 11 horas do dia 10 de Outubro corrente, embargou extrajudicialmente a obra, na pessoa do encarregado que estava a fazer os trabalhos de abertura da vala para construção do muro, CC, residente na Rua ..., ..., ..., e na presença da representante da requerida, NN. Já a Requerida, na sua oposição, não pôs em causa a existência do embargo, não o impugnando, dando-se por notificada - Assim, não se compreende qual o fundamento para os presentes embargos de obra nova -, discutindo apenas o seu direito à utilização/vedação do espaço nos termos em que o fez, na sequência do acordo firmado nos autos que correram termos no Juízo de competência genérica de Tondela, sob o nº 446/22...., e sua interpretação. Não tendo esse sido tema de debate no julgamento efetuado, acabou por ficar consignada na sentença tal expressão conclusiva, nos seus exatos termos. Não pode agora a Recorrente trazer tal questão à apreciação deste Tribunal ad quem, por se tratar de questão nova. Como se diz no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 8 de Outubro de 2020, proferido no processo nº 4261/12.4TBBRG-A.G1.S1, disponível em www.dgsi.pt: I - Os recursos são meios a usar para obter a reapreciação de uma decisão mas não para obter decisões de questões novas, isto é, de questões que não tenham sido suscitadas pelas partes perante o tribunal recorrido. II - As questões novas não podem ser apreciadas, quer em homenagem ao princípio da preclusão, quer por desvirtuarem a finalidade dos recursos: destinam-se a reapreciar questões e não a decidir questões novas, por tal apreciação equivaler a suprir um ou mais graus de jurisdição, prejudicando a parte que ficasse vencida. (sublinhado nosso) Ainda que assim não fosse, sempre estaria por cumprir o ónus da impugnação da matéria de facto, a que alude o artº 640º, nº 1, al.s a) e c), do Código de Processo Civil. Assim, improcede o recurso na parte relativa à forma como o embargo foi efetuado.
Da matéria de facto provada consolidada
A supratranscrita, que não se mostra necessário reproduzir aqui novamente.
B) Fundamentação de Direito
Da interpretação da transação judicial homologada nos autos n.º 446/22....
Assim, a questão que resta apreciar prende-se com a interpretação da transação judicial homologada nos autos n.º 446/22....: se dela resulta que a parcela de terreno em causa passou a integrar o terreno da Recorrente, ou se, pelo contrário, se mantém propriedade da Recorrida. Diz-se na sentença recorrida que: É manifesto que com tal transacção não foi transferida a propriedade do terreno apenas e só "O espaço que fica livre em consequência desta alteração ficará afecto ao uso do prédio da Autora”. Ou seja, ficará afecto mediante uma servidão predial ao prédio da aqui requerida, mas não se transfere a propriedade. Com efeito, nesses autos discutia-se a existência ou não de uma servidão de passagem, sobre o prédio da aqui requerente a favor do prédio da aqui requerida. Dos elementos literais da transacção, entendemos não ser possível retirar outra conclusão. Vejamos. Na petição inicial dos autos onde veio a ser celebrado o acordo (certidão junta aos autos a 18/10/2024), diz a Autora, aqui Requerida e Recorrente, que: É precisamente em relação a tal trato de terreno que se instaura a presente ação, porquanto, a A. desde a doação do prédio identificado em 1 que passou a cultivar tal trato de terreno, Assim, há mais de 20, 30, 40 anos que a A., por si e pelos seus antepossuidores, vêm possuindo tal trato de terreno como coisa exclusivamente sua, à vista de toda a gente, sem oposição de quem quer que seja, continuamente, neles semeando milho, erva, batatas, hortaliças e outros mimos, quer fosse estacionando viaturas. Mais diz: Com a colocação dos postes, rede e portão a requerente não consegue aceder aos seus prédios, nem de carro nem a pé. Pois que, há longos anos que a A. e sobrinha por serem acamadas necessitam de ser semanalmente levadas ao hospital para tratamentos e sempre que o condutor da ambulância ai se dirigia era nesse espaço que efetuava as manobras. Colocou, portanto, duas questões a julgamento, por um lado, a propriedade da parcela de terreno e, por outro lado, a possibilidade de por ele passar para aceder aos seus prédios. Vejamos. No acordo celebrado, diz-se que: Cláusula Primeira "A Ré aceita alterar a localização do portão que se encontra no caminho principal de acesso à sua propriedade para o seguinte local: em linha recta, no alinhamento com o limite superior da parte designada com a letra D do Anexo I ao Relatório Pericial junto aos autos: a) O topo a poente dessa parte D tem a extensão de 7,10 m, tendo o portão a largura de 4,50 m; b) A vedação que actualmente separa a parte B da parte C do mesmo Anexo I ao Relatório Pericial será retirada (do início até ao sexto poste sendo que este se manterá onde se encontra), numa extensão de aproximadamente 16 m e será recolocada a partir do limite direito do portão, em linha diagonal até ao referido sexto poste (extensão de 11,50m) – tudo conforme documento que ora se junta com a respectiva marcação e legendas (Anexo I) Cláusula Segunda "O espaço que fica livre em consequência desta alteração ficará afecto ao uso do prédio da Autora, identificado no artº 4º, da P.I." Cláusula Terceira " Tanto o caminho principal de acesso à quinta como o caminho paralelo ao cordão de videiras, já discutido na Providência Cautelar apensa, deverão manter- se sempre livres e desimpedidos de forma a que não haja qualquer obstáculo às passagens de pessoas ou viaturas pelos mesmos". Cláusula Quinta " A rede que delimita a parte D (do Anexo I do Relatório Pericial dos autos) com o caminho principal será retirada pela Ré, no momento da recolocação do portão e postes anteriormente mencionados" (sublinhado nosso) Um acordo homologado judicialmente é um contrato cuja interpretação segue o regime geral do negócio jurídico previsto nos artºs 217º e segs., do Código Civil, dispondo o seu artº 236º, que: 1. A declaração negocial vale com o sentido que um declaratário normal, colocado na posição do real declaratário, possa deduzir do comportamento do declarante, salvo se este não puder razoavelmente contar com ele. 2. Sempre que o declaratário conheça a vontade real do declarante, é de acordo com ela que vale a declaração emitida. A vontade real do declaratário é matéria de facto, a apurar em sede de julgamento, nada se tendo apurado aqui. Assim, resta apurar o sentido objetivo da declaração, por referência à impressão do declaratário, um declaratário normal, honesto e diligente, colocado na posição do real declaratário. Neste sentido, Manuel Pita, “Código Civil anotado”, coordenação de Ana Prata, volume I, 2ª edição, pág. 323: Este ecletismo está presente no texto do artigo 236.º. O ponto de partida Homem normal que, neste caso, se deve entender como um homem normal com formação jurídica, dada a intervenção de mandatários na sua elaboração. Ver acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 12 de Setembro de 2023, proferido no processo nº 7624/15.0T8LSB.L1-7, disponível em www.dgsi.pt, onde se diz: 1.A transação judicial reveste a natureza de um contrato processual, bivinculante, oneroso, constitutivo de obrigações recíprocas para os litigantes, dirimente da relação material controvertida trazida à liça no processo e, por consequência, extintivo da relação processual em causa. 2. Como contrato que é, a transação judicial está sujeita ao regime geral do negócio jurídico (arts. 217.º ss. do CC), gozando as partes, dentro dos limites legalmente estabelecidos, da liberdade de o conformarem, pela melhor forma que satisfaça os seus interesses (art. 405.º do CC). 3. Por conseguinte, o seu sentido e o seu alcance, terão de ser aferidos, o mesmo é dizer, interpretados, à luz das regras contidas nos arts. 236.º, n.º 1 e 238.º, n.º 1, do CC. 4. (…). 5. O homem normal e médio a colocar na posição de real declaratário de uma transação judicial e da sentença que a homologou, para efeitos da sua interpretação, não é um qualquer leigo em matéria de direito civil ou de direito processual civil, mas o advogado, mandatário judicial, profissional do foro, cuidadoso, empenhado e de elevado saber técnico-jurídico, que responde aos legítimos anseios do seu constituinte, esclarecendo-o sobre o direitos de que desfruta e da obrigações que sobre ele impende. In casu, como vimos acima, nos autos que correram termos no Juízo de competência genérica de Tondela, sob o nº 446/22...., onde foi homologada a transação em análise, foram colocadas duas questões a julgamento, por um lado, a propriedade da parcela de terreno e, por outro lado, a possibilidade de por ela se passar para aceder aos seus prédios da aí Autora. Objetivamente analisado o acordo, verificamos que, em momento algum se diz que se reconhece que o espaço que ficou livre, em consequência da alteração da vedação, integre o terreno da aí a Autora, aqui Requerida e Recorrente, bem pelo contrário. Se assim fosse, para tanto bastaria dizer: "O espaço que fica livre em consequência desta alteração integra o prédio da Autora, identificado no artº 4º, da P.I.", mas não se disse, certamente porque se não quis dizer. Do acordo celebrado, atenta a sua letra e contexto em que foi celebrado, resulta claramente que a aí Ré, aqui Requerente e Recorrida, aceitou o segundo pedido – direito de passagem - mas não primeiro, tendo sido nesses termos que foi celebrada a transação. Assim, também nesta parte, improcede o recurso.
IV - Decisão
Nestes termos, acordam os Juízes Desembargadores da 1ª Secção deste Tribunal da Relação em julgar improcedente o recurso, mantendo a decisão recorrida.
Custas pela Apelante – artºs 527º, nºs 1 e 2, 607º, nº 6 e 663º, nº 2, todos do Código de Processo Civil.
Coimbra, 24 de Junho de 2025
Com assinatura digital: Anabela Marques Ferreira Maria João Areias Chandra Gracias
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