Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
14/14.3T8SCD.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: ISABEL VALONGO
Descritores: CONTRA-ORDENAÇÃO AMBIENTAL
SUSPENSÃO DA SANÇÃO
Data do Acordão: 03/25/2015
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: VISEU (SANTA COMBA DÃO - INSTÂNCIA LOCAL, SECÇÃO DE COMPETÊNCIA GENÉRICA - J2)
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO CONTRA-ORDENACIONAL
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ART. 39.º DA LEI N.º 50/2006, DE 29-08
Sumário: A suspensão da sanção prevista no art. 39.º da Lei n.º 50/2006, de 29-08 (regime aplicável às contra-ordenações ambientais) se refere tão só às sanções acessórias, e não também às coimas.
Decisão Texto Integral:
I – Relatório
Por decisão da Inspecção-Geral da Agricultura, do Mar, do Ambiente e do Ordenamento do Território, de 4 de Março de 2014, o Município deA... foi condenado pela prática de uma contra-ordenação ambiental muito grave, prevista no artigo 81.º, n.º 3, al. a), do Decreto-Lei n.º 226-A/2007, de 31 de Maio, e punida pelo artigo 22.º, n.º 4, al. b), da Lei n.º 50/2006, de 29 de Agosto, com as alterações introduzidas pela Lei n.º 89/2009, de 31 de Agosto, por aplicação do artigo 72.º, do Código Penal e dos artigos 32.º e 18.º, n.º 3, do RGCO, na coima de € 19.250,00€ (dezanove mil, duzentos e cinquenta euros).

Inconformado com a decisão administrativa, o arguido dela interpôs recurso de impugnação judicial para o Tribunal Judicial de Santa Comba Dão, - ao abrigo do disposto no artigo 59.º do Decreto-Lei n.º 433/82, de 27/10, com as alterações introduzidas pelos Decretos-Lei n.º 356/89, de 17/10 e 244/95, de 14/9 (Regime Geral das Contra-Ordenações, doravante designado por RGCO), - pugnando pela substituição da coima aplicada ao impugnante pela sanção de admoestação.
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Admitido o recurso, foi realizada audiência de discussão e julgamento nos termos do disposto no artigo 65.º do Decreto-Lei n.º 433/82, de 27 de Outubro, e proferida sentança que manteve a decisão administrativa.

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Inconformado novamente com a decisão, o arguido dela interpôs recurso para este Tribunal da Relação, concluindo a sua motivação da forma seguinte(transcrição):
I - A douta sentença do Tribunal “a quo” julgou improcedente o recurso de contra-ordenação e manteve a decisão administrativa proferida que determinou o “arquivamento da contra ordenação p. e p. pelas disposições conjugadas aos artigos 5°, nº 4, e 14ºn.°s 1 e 2, do Decreto-Lei n.º 152/97, de 19 de Junho, com as alterações introduzidas pelo Decreto-Lei 198/2008, de 8 de Outubro” e condenou o recorrente “na coima de € 19.250,00 pela prática de uma contra-ordenação ambiental muito grave p. e p. pelo artigo 81° n.º 3, alínea a), do Decreto-Lei n.º 226-A/2007, de 31 de maio, sancionável nos termos da alínea b), do n.º 4, do artigo 22.°, da Lei n.° 50/2006, de 29 de agosto com as alterações introduzidas pela Lei n.º 89/2009, de 31 de agosto, por aplicação do art. 72° do CP, e aplicação do art. 32° e 18.º, n.º 3. do RGCO” e ainda “ao pagamento de custas de processo nos termos do disposto no artigo 58° da lei n.º 50/2006 de 29 de agosto, no montante de € 100,00 correspondente a encargos com comunicações, nomeadamente com as notificações efetuadas”.
II. Concluiu a douta sentença recorrida que “esta possibilidade de aplicar ao infrator uma admoestação está reservada para as contra-ordenações de reduzido grau de ilicitude, pelo que será de afastar aquelas a que são potencialmente aplicáveis sanções acessórias, nos termos dos artigos 21° e 22° do RGCO. (...) In casu, a contra-ordenação praticada pelo recorrente é qualificada pela lei como sendo uma contra-ordenação muito grave - cfr. artigo 81.º, n.º 1 alínea 3), Decreto-Lein°226-A/2007 de 31 de Maio - pelo que, como já deixámos escrito, é insuscetivel de ser considerada de reduzida gravidade, sendo impassível - ao contrário do que defende o recorrente - de ser aplicada a sanção de admoestação” e “constituindo o regime contra-ordenacional ambiental previsto na Lei n.º 50/2006 de 29 de Agosto, com as alterações introduzidas pela Lei n.º 89/2009 de 31 de Agosto, um regime especial relativamente ao Regime Geral das Contra-ordenações - previsto no Decreto-Lei n.° 433/82, de 27 de Outubro -, que a este se sobrepõe, considero que nele - através do artigo 39.º - apenas é admissível a suspensão das sanções acessórias previstas no capítulo III do título III desse diploma, onde aliás se insere. Consequentemente, é insuscetivel de suspensão na sua execução a coima aplicada pela prática de uma contra-ordenação ambiental, aplicada ao abrigo da citada Lei, por ter sido opção do respetivo legislador a sua não consagração - neste sentido, vide, o Acórdão do Tribunal da Relação de Évora, datado de 26/02/2013, e os Acórdãos da Relação do Porto, datados de 22/05/2013 e 20/11/2013, respetivamente, todos disponíveis in www.dgsi.pt. Assim sendo, deverão falecer todas as pretensões do recorrente, mantendo-se em toda a sua extensão a decisão administrativa impugnada. O que se decidirá.
III.      Entende o recorrente que a coima aplicada deveria ter sido suspensa na sua execução pela autoridade administrativa e pelo Tribunal “a quo”, ou substituída pela sanção de admoestação.
IV.      O presente recurso versa sobre matéria de direito, nomeadamente, sobre a impossibilidade de aplicação do artigo 39.° da Lei n.° 50/2006, na redação dada pela Lei n.° 89/2009 de 31 de Agosto, para suspender a execução da coima, uma vez que o Tribunal a quo considera que essa norma só se aplica às sanções acessórias, não se podendo assim aplicar às coimas e sobre a impossibilidade de aplicação da sanção de admoestação.
V.  Entende o recorrente que o artigo 39° da Lei n.° 50/2006, na redação dada pela Lei n.° 89/2009 de 31 de Agosto, tanto se aplica à suspensão da coima como à suspensão da sanção acessória, podendo, assim ser aplicável no processo objeto do presente recurso.
VI. Nesse sentido, decidiu o Acórdão da Relação do Porto de 23.03.2011, proferido no processo n.° 800/10.3TBYLG.P1 (in www.dgsi.pt), referente a uma contra-ordenação ambiental muito grave, onde a coima aplicada foi “parcialmente suspensa na sua execução, nos termos do artigo 39.º, n.ºs 1 e 3 da LQCOA”.
VII. Atentas as circunstâncias que rodeiam o caso presente, justificava-se que a sanção aplicada ao recorrente pela prática da referida contra-ordenação fosse suspensa na sua execução.
VIII. Não obstante a qualificação que decorre do artigo 81° n.° 3 alínea a) do DL n.° 226- A/2007 não está demonstrado, nem se verificou qualquer dano efetivo para o ambiente.
IX. O recorrente não retirou benefício económico relevante com o sucedido, sendo infrator primário.
X. O funcionamento da estação de tratamento de águas residuais sempre ocorreu em estrito cumprimento dos parâmetros legalmente definidos.
XI. A suspensão da execução da coima no valor de € 19.250,00 por período a ser determinado, será suficiente e adequada para satisfazer as necessidades legais de prevenção geral e especial.
XII. A suspensão da execução da coima é a sanção mais adequada ao caso em apreço, sendo suficiente e adequada para as necessidades de prevenção geral e especial.
XIII.   Não obstante a recorrente não ter renovado a licença da ETAR na data da prática dos factos, a sua atuação não colocou em risco o cumprimento dos corolários preventivos, subjacentes às normas de tutela do meio ambiente, relacionadas com o tratamento de águas residuais, nem criou quaisquer riscos, significativos ou perigosos, para os seres humanos.
XIV. Não se verificaram quaisquer repercussões ambientais decorrentes da utilização da ETAR.
XV. O recorrente não colocou em risco, nem lesou os interesses de conservação do meio ambiente, nem colocou em perigo a saúde de terceiros.
XVI. Não obstante a presente contra ordenação ser considerada de grau muito grave, nos termos do disposto no art. 81° n° 3 alínea a) do Decreto -Lei 226-A/2007 de 31 de Maio, os factos que o recorrente praticou não traduzem esse grau de gravidade elevado.
XVII. Embora o artigo 51° do DL n° 433/82 refira que a admoestação será aplicada quando a gravidade da infração e da culpa forem reduzidas, as circunstancias do caso concreto parecem permitir a conversão da pena aplicada numa admoestação.
XVIII. Embora se justifique alguma censura ao comportamento do recorrente, esta seria reduzida e, conjugada com a ausência de proveito económico, o facto de ser primário e de não ter sido criado qualquer perigo para o meio ambiente, seria razoável e apropriado com tais parâmetros, substituir a coima aplicada pela sanção de admoestação.
XIX. Não se tratava de uma ETAR que nunca tivesse sido licenciada desde a sua construção e início de funcionamento.
XX. A ETAR sempre esteve licenciada até 2007, faltando, na data dos factos ter procedida à renovação da licença, que sempre existira desde o início da sua atividade.
XXI. Não se tratava de uma estação de tratamento que nunca tivesse sido objeto de controlo por parte das entidades competentes para a emissão da licença ambiental em questão.
XXII. O recorrente quando verificou a situação da licença referente à ETAR, cujo prazo de validade havia expirado, de imediato diligenciou no sentido de a renovar.
XXIII. A estação de tratamento de águas residuais reunia todos os requisitos necessários ao seu funcionamento, pelo que foi, de imediato, deferido o pedido de renovação formulado e emitida a licença n.° LIC-2011-0794.
XXIV. A coima aplicada deverá ser substituída pela sanção de admoestação, ou caso assim se não entenda, ser suspensa na sua execução, nos termos do artigo 39.° da Lei n.° 50/2006, na redação dada pela Lei n.° 89/2009 de 31 de Agosto,
XXV. A presente decisão violou o disposto no artigo 39.° da Lei n.° 50/2006, na redação dada pela Lei n.° 89/2009 de 31 de Agosto e artigo 51° n° 1 do DL n° 433/82.
Termos em que as razões invocadas e as doutamente supridas conduzirão ao provimento do presente recurso para se fazer Justiça.”
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O Ministério Público junto do tribunal a quo respondeu ao recurso, pugnando pela manutenção do julgado.
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Nesta instância o Exmo. Procurador-Geral Adjunto, na intervenção a que alude o artigo 416.º do Código de Processo Penal, acompanhando a resposta apresentada pelo Ministério Público na 1ª instância, emitiu parecer no sentido de que o recurso deve ser julgado improcedente.
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No âmbito do disposto no artigo 417.º, n.º 2 do CPP, o arguido nada disse.
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Colhidos os vistos, o processo foi presente à conferência para decisão.
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II - FUNDAMENTAÇÃO
1. A sentença recorrida configura a factualidade provada e não provada, assim como a respectiva motivação da seguinte forma (transcrição):

« II – Fundamentação:
 1. De facto:
 a) Dos factos Provados:
 1. No dia 6 de Setembro de 2011, pelas 9h30m, foi realizada uma ação inspetiva na Estação de Tratamento de Águas Residuais (ETAR) de A... , sita em (...) , A... , pertença do Município de A... , que se encontrava em funcionamento.
 2. A ETAR de A... serve uma população de cerca de 5000 habitantes.
3. Nessas circunstâncias o sistema da ETAR encontrava-se a descarregar o efluente tratado para o meio recetor, isto é, a Ribeira de A... .
4. Desde 31/03/2007, que a ETAR de A... não se encontrava licenciada para descarga de águas residuais.
5. Na sequência da referida ação inspetiva, o Município de A... diligenciou de imediato pela obtenção da licença da referida ETAR para descarga de águas residuais.
6. Pelo referido em 5), em 5/12/2011, foi concedida à ETAR de A... a respetiva licença de descarga de águas residuais, registada sob o n.º LIC-2011-0794, válida até 31/12/2013
 7. Foram realizadas análises de qualidade às águas residuais referentes aos anos de 2009, 2010 e 2011, sendo que dos respetivos Relatórios de Ensaios se conclui que os valores apurados cumprem os valores de referência que constam do quadro n.º 1, al. b), do Anexo I, do Decreto-Lei n.º 152/97.
 8. O Município de A... ao proceder à rejeição de águas residuais no solo e linha de água, sem estar munida da respetiva licença que a habilitasse a proceder ao tratamento de águas residuais, não agiu com o cuidado a que estava obrigado e de que era capaz.
 9. O Município de A... , exercendo a atividade específica de tratamento de águas residuais, com necessários impactos, para o meio natural, tinha a obrigação de conhecer e cumprir todas as regras legais que subjazem ao seu exercício.
 10. Com a sua conduta, o Município de A... não agiu com a diligência necessária para conhecer e cumprir com as obrigações inerentes ao exercício da atividade de tratamento de águas residuais.
 11. O único benefício económico obtido pelo Município de A... na consequência da sua atuação circunscreveu-se ao valor pecuniário coincidente com as taxas tendentes à obtenção da referida licença de tratamento de águas residuais.
12. É desconhecida a prática pelo Município de A... de contra-ordenações ambientais anteriores.
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 b) Dos factos não provados:
 Com relevância para a discussão da presente impugnação judicial, inexistem factos não provados.
Este Tribunal não se pronuncia sobre os demais factos constantes quer da decisão administrativa quer do requerimento de interposição de recurso por os reputar de conclusivos, matéria de direito ou irrelevantes.
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c) Motivação:
O Tribunal formou a sua convicção na análise probatória na concatenação de todos os documentos juntos aos autos e a prova produzida em sede de audiência de discussão e julgamento, com recurso a juízos de experiência comum.
Tendo em conta o concreto objeto da presente impugnação judicial, para dar como provados os factos descritos de 1) a 10), este Tribunal considerou a confissão protagonizada pelo impugnante – no seu requerimento de impugnação judicial junto aos autos a fls. 273 a 285 – relativamente aos factos aluídos e que se reportam à prática da contra-ordenação em que foi condenado pela autoridade administrativa –, e, bem assim, o auto de notícia de fls. 4 a 5, e o relatório com o n.º 852/2011, que dele faz parte integrante e que consta de fls. 6 a 10; relatórios de ensaio realizados pela CESAB, junto aos autos a fls. 131 a 212; alvará de licença de utilização do domínio hídrico, junto aos autos a fls. 214 a 216; e a licença de utilização de recursos hídricos para rejeição de águas residuais urbanas com o n.º LIC-2011-0794, junta aos autos a fls. 218 a 219. Para dar como provado os factos descritos em 11) e 12), este Tribunal alicerçou-se no teor da decisão administrativa junta aos autos a fls. 225 a 246, e, bem assim, no depoimento da testemunha B... que, na qualidade de Chefe de Divisão da Conservação do Território e Serviços Urbanos, junto da Câmara Municipal de A... .”
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2. Apreciando
Dispõe o artigo 412.º, n.º 1 do CPP, ex-vi artigo 41.º, n.º 1 do RGCO, que a motivação enuncia especificamente os fundamentos do recurso e termina pela formulação de conclusões, deduzidas por artigos, em que o recorrente resume as razões do pedido.
Por isso é entendimento unânime que as conclusões da motivação constituem o limite do objecto do recurso, delas se devendo extrair as questões a decidir em cada caso, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso.
Assim, atenta a conformação das conclusões formuladas, as únicas questões a apreciar e decidir consistem em saber se estão reunidos os pressupostos legais para ser decretada a suspensão da execução da coima ou para ser aplicado ao recorrente uma admoestação.
A este respeito consta da fundamentação da sentença recorrida o seguinte:
«Da aplicação ao impugnante da sanção de admoestação:
O impugnante pugna pela aplicação da sanção de admoestação como consequência da prática da contra-ordenação em que foi condenado, alegando, em síntese, que agiu com negligência; que na sequência da fiscalização de que foi alvo diligenciou imediatamente pela obtenção da licença de funcionamento da ETAR em discussão; que sempre cumpriu os parâmetros legalmente definidos no funcionamento da ETAR; que inexistiu qualquer dano efetivo para o ambiente; que não tem antecedentes contra-ordenacionais ambientais; que é inexistente a quantificação do benefício económico; por isso conclui que a contra-ordenação em discussão, em termos práticos, é de reduzida gravidade.
No âmbito da decisão administrativa impugnada e em virtude da prática pelo recorrente da contra-ordenação acima delineada, foi-lhe aplicada a coima de 19.250,00€, esta especialmente atenuada, nos termos do disposto no artigo 18.º, n.º 3, do RGCO, e fixada no seu mínimo. Descortinemos, então, sobre a admissibilidade da sanção de admoestação. Nos termos gerais, a admoestação consiste numa solene censura oral feita ao agente, em audiência, pelo tribunal – cfr.: artigo 60.º, n.º 4, do Código Penal.
Todavia, no processo de contra-ordenação, a admoestação é proferida por escrito, como se infere do disposto no artigo 51.º, n.º 2 do RGCO. Nesta senda, prevê o artigo 51.º, n.º 1, do RGCO, que quando a reduzida gravidade da infração e da culpa do agente o justifique, pode a entidade competente limitar-se a proferir uma admoestação. Ora, em face do ínsito normativo acabado de enunciar, concluímos que a aplicação da admoestação – como autêntica coima de substituição – no processo de contra-ordenação depende de ser reduzida a gravidade da infração e da culpa do agente. Assim sendo, esta possibilidade de aplicar ao infrator uma admoestação está reservada para as contra-ordenações de reduzido grau de ilicitude, pelo que será de afastar aquelas a que são potencialmente aplicáveis sanções acessórias, nos termos dos artigos 21.º e 22.º do RGCO. Acresce que se houver uma qualificação legal de contra-ordenações em função da sua gravidade, deverão considerar-se apenas de reduzida gravidade nos casos em que a lei as qualifique como leve ou simples – cfr.: Simas Santos e Lopes de Sousa, in Contra-ordenações, anotações ao regime, 5ª edição, Setembro 2009, Vislis, pág. 423 a 425. In casu, a contra-ordenação prática pelo recorrente é qualificada pela lei como sendo uma contra-ordenação muito grave – cfr. Artigo81.º, n.º 1, al. 3), Decreto-Lei n.º 226-A/2007, de 31 de Maio –, pelo que, como já deixámos escrito, é insuscetível de ser considerada de reduzida gravidade, sendo impassível – ao contrário do que defendo o recorrente – de ser aplicada a sanção de admoestação.
Assim sendo, concluo, sem quaisquer outras considerações, pela não verificação dos requisitos de que depende a aplicação da sanção de admoestação ao caso concreto, devendo, em conformidade, ser indeferida a pretensão do recorrente.
No mais, diga-se que a coima aplicada pela autoridade administrativa nos termos prescritos foi por aquela especialmente atenuada, não merecendo qualquer censura intrínseca.
Neste passo, pese embora não conste das conclusões de recurso do recorrente e não merecesse uma pronúncia formal por este Tribunal, porque foi aventado pelo recorrente em sede de conclusões finais, diremos apenas uma breve palavra sobre a suspensão da execução da coima aplicada ao recorrente.
Constituindo o regime contra-ordenacional ambiental previsto na Lei n.º 50/2006, de 29 de Agosto, com as alterações introduzidas pela Lei n.º 89/2009, de 31 de Agosto, um regime relativamente ao Regime Geral das Contra-ordenações – previsto no Decreto-Lei n.º 433/82, de 27 de Outubro –, que a este se sobrepõe, considero que nele – através do artigo 39.º – apenas é admissível a suspensão das sanções acessórias previstas no capítulo III do título III desse diploma, onde aliás se insere. Consequentemente, é insuscetível de suspensão na sua execução a coima aplicada pela prática de uma contra-ordenação ambiental, aplicada ao abrigo da citada Lei, por ter sido opção do respetivo legislador a sua não consagração – neste sentido, vide, o Acórdão do Tribunal da Relação de Évora, datado de 26/02/2013, e os Acórdãos da Relação do Porto, datados de 22/05/2013 e 20/11/2013, respetivamente, todos disponíveis in www.dgsi.pt.
Assim sendo, deverão falecer todas as pretensões do recorrente, mantendo-se em toda a sua extensão a decisão administrativa impugnada.”
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A - Questão prévia
O MP na resposta entende que a suspensão da execução da coima, por não ter sido objecto do recurso de impugnação judicial, constitui questão nova, sobre a qual o tribunal da relação não deve pronunciar-se.
Vejamos.
No âmbito do recurso contra-ordenacional, o tribunal da relação funciona como tribunal de revista e apenas conhece da matéria de direito – art.75.º, n.º1 do RGCO [Regime Geral das Contra-Ordenações].
É certo que, sendo os recursos ordinários meios de impugnação e de correcção de decisões judiciais e não meios para obter decisões novas, está vedado ao tribunal de recurso pronunciar-se sobre questões não suscitadas ao tribunal recorrido - cfr. Ac. STJ de 25/3/2010
Revertendo aos presentes autos, verifica-se que a questão da suspensão da execução da coima não integrou o objecto do recurso de impugnação judicial - cfr. fls. 273 a 284.
Contudo, exorbitando os limites do objecto do recurso o tribunal recorrido ponderou a possibilidade da aplicação da mencionada pena de suspensão, concluindo que apenas é aplicável às sanções acessórias e não às coimas.
Num recurso contra-ordenacional ao tribunal da relação cabe a apreciação da decisão recorrida, nomeadamente das concretas questões colocadas na impugnação judicial apresentada pelo arguido.
Consequentemente, em regra é sobre o objecto dessa decisão que é admissível o recurso para o tribunal da relação, pois de outro modo, este tribunal estaria a conhecer questões novas não apreciadas pelo tribunal recorrido.
Porém, tendo a questão da suspensão sido tratada na decisão impugnada, alterou-se a base do recurso, não sendo nova a questão agora suscitada, por ter sido objecto da decisão recorrida.
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B - Da Admoestação
Estabelece o artigo 51º, n.º1, do Regime Geral das Contra-Ordenações e Coimas (RGCO), que quando a reduzida gravidade da infracção e a culpa do agente o justifique pode a entidade competente limitar-se a proferir uma admoestação.
São pois cumulativos os requisitos da aplicação da sanção de admoestação:
-a reduzida gravidade da contra-ordenação e
-a reduzida gravidade da culpa do agente.

E é admissível em qualquer fase do processo (administrativa e judicial) e por isso passível de ser aplicada nesta fase processual, desde que verificados os seus pressupostos.
A gravidade da contra-ordenação depende, por um lado, do bem ou interesse jurídico que visa tutelar e, por outro lado, do eventual benefício retirado pelo agente da respectiva prática e do resultado ou prejuízo causado.
A gravidade da contra-ordenação pode ainda depender ou aferir-se a partir directamente da lei.
É o caso das contra-ordenações ambientais, que a lei qualifica como leves, graves e muito graves.
Quanto à gravidade da culpa do agente ela depende, fundamentalmente, da forma como o mesmo agiu, isto é, com dolo ou negligência, bem como do grau de dolo – directo, necessário e eventual – e da negligência – simples ou grosseira.
A admoestação encontra-se reservada para contra-ordenações leves ou simples (assim, Paulo Pinto de Albuquerque, Comentário do R.G.C.O. à luz da C.R.P. e da C.E.D.H., 2011, p. 223 e Simas Santos, Lopes de Sousa, R.G.C.O. an. 2002, p. 316).

Revertendo aos autos.

O recorrente incorreu na prática da contra-ordenação prevista no artigo 81.º, n.º 3, al. a), do Decreto-Lei n.º 226-A/2007, de 31 de Maio, e punida pelo artigo 22.º, n.º 4, al. b), da Lei n.º 50/2006, de 29 de Agosto
A contra-ordenação em causa é classificada como muito grave.
Em sede de legislação ambiental regulada pela referida Lei n.º 50/2006, de 29.08, na redacção dada pela Lei n.º 89/2009, de 31.08, não está prevista a possibilidade de aplicação de mera admoestação fora do caso previsto no artigo 56.º referente às infracções classificadas de leves:

Artigo 56.º
Processo sumaríssimo

1 - Quando a reduzida gravidade da infracção e da culpa do agente o justifiquem, pode a autoridade administrativa nos casos de infracções classificadas de leves, e antes de acusar formalmente o arguido, comunicar-lhe a decisão de aplicar uma sanção.
2 - Pode ainda ser determinado ao arguido que adopte o comportamento legalmente exigido dentro do prazo que a autoridade administrativa lhe fixe para o efeito.

3 - A decisão prevista no n.º 1 é escrita e contém a identificação do arguido, a descrição sumária dos factos imputados e a menção das disposições legais violadas e termina com a admoestação ou a indicação da coima concretamente aplicada.

4 - O arguido é notificado da decisão e informado de que lhe assiste o direito de a recusar, no prazo de cinco dias úteis, e da consequência prevista no número seguinte.

5 - A recusa ou o silêncio do arguido neste prazo, o requerimento de qualquer diligência complementar, o incumprimento do disposto no n.º 2 ou o não pagamento da coima no prazo de 10 dias úteis após a notificação referida no número anterior determinam o imediato prosseguimento do processo de contra-ordenação, ficando sem efeito a decisão referida nos n.ºs 1 a 3.

6 - Tendo o arguido procedido ao cumprimento do disposto no n.º 2 e ao pagamento da coima que lhe tenha sido aplicada, a decisão torna-se definitiva, como decisão condenatória, não podendo o facto voltar a ser apreciado como contra-ordenação.
7 - A decisão proferida em processo sumaríssimo, de acordo com o estabelecido nos números anteriores, implica a perda de legitimidade do arguido para recorrer daquela.


Assim, afastada está, desde logo, a possibilidade de aplicação de admoestação nos termos da Lei n.º 50/2006, de 29.08, a qual estabelece o regime aplicável às contra-ordenações ambientais (artigo 1.º, n.º 1).
Ainda que, porventura, se entendesse que tal seria possível à luz do regime geral das contra-ordenações, certo é que, como acima se referiu, a admoestação está destinada aos casos de reduzida gravidade, ou seja, de pequeno grau de ilicitude da contra-ordenação, se a culpa do agente o justificar -  artigo 51.º do RGCO.
O que não é o caso dos autos, pois como supra se assinalou a contra-ordenação ambiental em causa é classificada como muito grave.
Por outro lado, a referência à culpa visa abranger os casos em que o grau de culpa seja reduzido, designadamente aqueles em que há actuação por negligência ou circunstâncias que atenuam a culpa, em particular a existência de condicionalismos externos que tenham constituído um incentivo para a prática dos factos.
É obvio que o tipo de culpa se considera reduzido, visto que a conduta é imputada ao recorrente a título negligente, mas mantém-se o obstáculo referente à gravidade da infracção, que em termos objectivos e formais, é qualificada de muito grave, o que justifica a severidade da respectiva punição, com o fim de prevenir e desmotivar os agentes da prática dos factos que lhe estão subjacentes.
Assim sendo, afastada está a aplicação, no caso, da medida de admoestação, a qual decorre da constatação da reduzida gravidade da infracção (ilicitude) e da diminuição da culpa do agente, o que não pode, de todo, numa perspectiva objectiva, considerar que se verifica em relação à infracção em causa, posto estarmos perante uma contra-ordenação ambiental muito grave.
Por conseguinte, improcede o recurso neste segmento.
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C - Da suspensão da execução da coima
A contra-ordenação ambiental rege-se pelo regime aplicável às contra-ordenações ambientais e, subsidiariamente, pelo regime geral das contra-ordenações.             Em concordância com a sentença recorrida, entendemos que a suspensão da sanção prevista no art. 39º da Lei nº 50/2006, se refere às sanções acessórias (e não à coima) como se depreende da inserção sistemática da referida norma no capítulo III (Sanções Acessórias) do Titulo III (das coimas e das sanções acessórias) do mesmo diploma legal - neste sentido acs da Relação do Porto de 22/05/2013 e 20/11/2013, disponíveis in www.dgsi.pt., sendo que neste se esclareceu:
“… o Regime Geral das Contra-Ordenações e Coimas – Dec.-Lei n.º 433/82, de 27 de Outubro, com as sucessivas alterações que lhe foram introduzidas – não contém qualquer norma relativa à suspensão da execução de sanções. Sendo as sanções nela previstas, por natureza, de espécie económica – e, ademais, graduadas, além do mais, de acordo com a capacidade económica do condenado – tal norma não teria razão se ser. É certo que, no seu art.º 21.º, tal lei já institui a aplicação de sanções acessórias de outra índole, mas apenas enquanto quadro legal da previsão de tais sanções pelas normas, em legislação avulsa, que concretamente prevêem e punem as contra-ordenações. A este estado da questão não é estranha a problemática das reacções contra-ordenacionais aos ilícitos contra o ambiente: Lei n.º 50/2006, de 29 de Agosto – Lei-quadro das Contra-Ordenações Ambientais –, alterada pela Lei n.º 89/2009, de 31 de Agosto. Assim sendo, a referida lei, no Titulo III (Das Coimas e das Sanções Acessórias) da sua Parte I (Da Contra Ordenação e da Coima), trata em capítulos separados as coimas (Capítulo II) e as sanções acessórias (Capítulo III). E apenas em relação às sanções acessórias estipula, no seu artigo 39.º, um regime relativo à suspensão de sanção, dispondo, logo no seu n.º 1, que: A autoridade administrativa que procedeu à aplicação da sanção pode suspender, total ou parcialmente a sua execução.
A sistemática do diploma em causa aponta claramente para a interpretação de que a suspensão da execução da sanção diz exclusivamente respeito às sanções acessórias.
Se assim não fosse o legislador não deixaria de inserir tal disposição num lugar que sistematicamente se referisse quer às coimas quer às sanções acessórias, como v. g., no capítulo I do título III, – Da Sanção Aplicável. Mas este argumento, de ordem sistemática, quadra-se perfeitamente, com outro, de ordem teleológica: As sanções acessórias, previstas são de natureza não pecuniária e a sua gravosidade pode projectar-se na vida e na actividade social da ré – numa maioria dos casos uma pessoa colectiva – numa ordem da gravidade que pode claramente ultrapassar o prejuízo consubstanciado na coima, podendo chegar a ferir a própria subsistência da pessoa colectiva enquanto tal. Dividem-se nos seguintes itens: apreensão e perda de objectos a favor do estado; interdição do exercício de profissões ou actividades; privação de direito a benefícios ou subsídios; privação do direito de participação em eventos de variados tipos, relacionados com actividades económico-comerciais; privação do direito a participar em arrematações ou concurso públicos; encerramento de estabelecimento, cessação ou suspensão de licenças, alvarás ou autorizações; Perda de benefícios fiscais ou de crédito ou de linhas de financiamento de crédito; selagem de equipamentos destinados à laboração.
Como se vê estamos diante de hipóteses em que a sanção acessória pode ultrapassar em muito a gravidade da sanção principal e atingir o âmago dos interesses e direitos da entidade sancionada, podendo, mesmo, comprometer a sua própria sobrevivência.
E é por via desta gravidade diferente e potencialmente acrescida da sanção acessória – e da sua tácita equiparação,
mutatis mutandis com as penas de prisão aplicáveis aos indivíduos – que o legislador terá ponderado e consagrado a possibilidade de elas quando aplicadas poderem ser suspensas na sua execução. O que, manifestamente não se aplica às coimas.” Improcede também neste segmento o recurso interposto.


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III – DISPOSITIVO
Nestes termos, acordam os juízes desta Relação em negar provimento ao recurso interposto pelo arguido e, consequentemente, confirmar a decisão recorrida.
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Custas pelo arguido, fixando-se a taxa de justiça em 3 UC.

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Coimbra, 25 de Março de 2015

Processado por computador e revisto pelos signatários (artigo 94º nº 2 CPP).

(Isabel Valongo - relatora)

Jorge França - adjunto)