Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
6099/16.0T8VIS-T.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: MARIA JOÃO AREIAS
Descritores: ADMINISTRADOR DE INSOLVÊNCIA
AÇÃO DE RESPONSABILIDADE CIVIL
DIREITOS DO CREDOR DA INSOLVÊNCIA
INOPERÂNCIA DA RESOLUÇÃO PARA A MASSA
NEXO DE CAUSALIDADE
NATUREZA NÃO URGENTE DO PROCESSO
Data do Acordão: 09/12/2023
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: JUÍZO DE COMÉRCIO DE VISEU DO TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE VISEU
Texto Integral: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTIGOS 59.º, N.º 1, 82.º, N.º 6, E 120.º DO CIRE, 638.º, N.º 1, DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL E 483.º, N.º 1, DO CÓDIGO CIVIL
Sumário: I – A ação declarativa instaurada por um credor (não satisfeito) na insolvência, unicamente contra o administrador de insolvência, visando a sua responsabilização pelo facto de não terem sido validamente resolvidos para a massa determinados contratos, e condenação do A.I. a indemnizá-lo pelos prejuízos daí resultantes, não contendendo com os interesses da massa insolvente, não assume carater de urgência, ainda que tenha corrido por apenso ao processo de insolvência.
II – A procedência das ações de impugnação deduzidas contra a resolução dos negócios para a massa operadas pelo A.I. – com fundamento na falta de fundamentação e intempestividade da resolução – é insuficiente para daí retirar que tal comportamento tenha sido causa adequada da não satisfação do crédito do autor.

(Sumário elaborado pela Relatora)

Decisão Texto Integral: Processo nº 6099/16.0T8VIS-T.C1 – Apelação

Relator: Maria João Areias

1º Adjunto: Paulo Correia

2º Adjunto: Helena Melo

                                                                                               

Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra:

I – RELATÓRIO

AA, BB, CC e DD, intentaram a presente ação declarativa de condenação sob a forma de processo comum, contra EE e FF,

Na audiência prévia foi proferida decisão, transitada em julgado (cfr. apenso U), a:

a) absolver as rés da instância relativamente aos pedidos formulados pelos autores BB, CC e DD, por ilegitimidade de tais autores;

b) absolver a ré EE da totalidade dos pedidos formulados pelo autor AA, por força da procedência da exceção de prescrição do direito do autor.

Extinta a instância quanto aos demais autores e quanto à 1ª ré, os autos prosseguiram unicamente para apreciação dos pedidos efetuados pelo autor AA em relação à ré FF.

O autor AA pede a condenação da ré FF, nos termos seguintes:

a) A reconhecer que violou as suas obrigações profissionais ao não resolver validamente o negócio de disposição do estabelecimento comercial identificado nos autos;

b) A reconhecer que causou prejuízos aos credores e em particular ao autor com a omissão da prática de ato válido de resolução do negócio identificado nos autos;

c) A indemnizar o autor por todos os danos patrimoniais e não patrimoniais que causou, nomeadamente

d) a quantia de €20.000,00 a título de danos não patrimoniais;

(…)

h) A quantia correspondente ao montante penhorado dos salários do autor em todos os  processos executivos contra ele instaurados por dívidas da insolvente e das quais é avalista, até que sejam extintos os processos executivos, a título de danos patrimoniais;

l) As quantias correspondentes ao valor dos bens que eventualmente o autor venha a perder em consequências das execuções contra ele instauradas por dividas da insolvente ou causadas por delas, que não sendo possível apurar de momento deverá relegar-se o seu apuramento para liquidação em execução de sentença.

m) Nos demais encargos efetivos com o processo judicial e nas custas e procuradoria legais.

n) Valores aos quais acrescem juros compensatórios desde a penhora dos seus rendimentos até efetivo e integral reembolso, ou desde a eventual perda efetiva de património, até efetivo e integral reembolso.

Alegando, em síntese:

 a sociedade insolvente, A..., Lda., era dona do prédio sito no Bairro ..., em ..., onde funcionava o estabelecimento comercial de farmácia com alvará emitido pelo Infarmed;

em 7 de Abril de 2016 foi celebrada a escritura de compra e venda do imóvel e a escritura de trespasse do estabelecimento comercial, composto por uma farmácia, com alvará emitido pelo Infarmed, tendo como compradores e beneficiários do trespasse a sociedade B..., Lda.,

em 21-12-2016 foi declarada a insolvência da sociedade A..., Lda., tendo sido nomeada administradora da insolvência EE;

após ter sido deferido o pedido de escusa foi nomeada em sua substituição a ré FF que procedeu à resolução em benefício da massa insolvente dos contratos celebrados entre aquelas duas sociedades;

 foram julgadas procedentes as impugnações das resoluções, a primeira por falta de fundamentação das cartas de resolução e a segunda por extemporaneidade da resolução;

se tivessem sido devidamente resolvidos os negócios realizados estariam assegurados os créditos existentes  sobre a insolvente, que é credor da insolvente e que sofreu danos patrimoniais e não patrimoniais.

A ré FF apresentou Contestação:

 invocando a ineptidão da petição inicial por contradição entre a causa de pedir e os pedidos formulados e a extemporaneidade da presente ação, face ao decidido na sentença proferida no apenso de qualificação da insolvência, na qual os ex-gerentes da insolvência foram condenados a indemnizar os titulares dos créditos sobre a insolvente e por se encontrar ainda em curso o apenso P - ação instaurada contra os ex-gerentes da sociedade insolvente com base em responsabilidade civil por factos ilícitos, por dissipação do património da insolvente, pedindo a sua condenação a pagar os prejuízos sofridos pela massa insolvente;

invoca ainda a prescrição, por terem decorrido mais de dois anos entre o conhecimento da resolução e a data da propositura da ação (artº 59º, nº 5 do CIRE);

 por último, impugna os factos alegados, requerendo a condenação dos autores como litigantes de má fé.

Foi proferido despacho Saneador que julgou improcedente a exceção de ineptidão da petição inicial, relegando para final o conhecimento da exceção perentória de prescrição em relação à ré FF, determinando a suspensão da instância até ao trânsito em julgado da decisão a proferir no apenso P.

   Transitada em julgado a decisão proferida no apenso P, que julgou improcedente o pedido de condenação dos réus GG, HH e II a pagarem à massa insolvente a importância de €346.000,00 (por falta de interesse em agir os réus tinham sido absolvidos do pedido de condenação no montante de €740.000,00), foi declarada cessada a suspensão da instância.


*

Realizada audiência de julgamento, foi proferida sentença em que é proferida a seguinte:

3. Decisão:

Nestes termos e pelos fundamentos expostos:

3.1. Julgo improcedente a invocada exceção perentória de prescrição, relativa ao decurso do prazo previsto no n.º 5 do artigo 59.º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas;

3.2. Julgo a ação instaurada por AA improcedente e, em consequência, absolvo a ré FF do pedido;

3.3. Absolvo o autor AA do pedido de condenação como litigante de má-fé;

3.4. Condeno o autor AA nas custas da ação.


*

Não se conformando com o Despacho Saneador proferido em 22.06.2021, no qual julgou procedente a exceção dilatória de ilegitimidade ativa dos autores BB, CC e DD, e com a Sentença proferida no passado dia 12.01.2023, na qual veio julgada improcedente a ação instaurada, os autores vêm dela interpor recurso de Apelação, terminando as suas alegações de recurso com as seguintes conclusões:

(…).

*
A Ré FF apresenta contra-alegações, sustentando a inadmissibilidade do recurso por extemporâneo, bem quanto aos demais recorrentes sob pena de violação do caso julgado. Mais alega que, relativamente à impugnação da decisão relativa à matéria de facto, não cumpriu os pressupostos e os critérios do art. 640º, do CPC, concluindo pela manutenção integral do decidido.
Pelo juiz a quo foi proferida decisão de não admissão do recurso quanto aos autores BB, JJ e DD, admitindo-o apenas quanto ao autor AA.
A Ré recorrida, FF veio arguir a nulidade do despacho de admissão do recurso.
Pelo juiz relator foi proferido despacho incidindo sobre tal requerimento, decidindo não se apreciar o mesmo com fundamento na impugnabilidade da decisão de admissão de recurso.
Mais proferiu despacho a admitir o recurso de Apelação interposto pelo autor AA.
A Ré/recorrida veio requerer que sobre a decisão singular, de admissão de recurso de apelação, recaia acórdão.
*
Passamos, assim, à apreciação em conferência da questão da admissibilidade do recurso apreciada por decisão singular do aqui relator:

“Tempestividade do Recurso de Apelação interposto pela Autora

  Encontra-se em causa a interposição de recurso da sentença proferida na ação de responsabilidade civil instaurada por um credor contra a Administradora da Insolvência, ação esta que correu por apenso ao processo de insolvência a que se reportam os atos lesivos alegadamente praticados pela A.I.

E, tendo o recurso sido instaurado no 26º dia após a notificação à autora da decisão recorrida, a decisão sobre a sua tempestividade dependerá, antes de mais, da posição que se adotar relativamente à natureza urgente, ou não urgente, do processo em questão.

Segundo o disposto no artigo 9º, nº1 do CIRE que “O processo de insolvência, incluindo os seus incidentes, apensos e recursos, tem carater urgente e goza de precedência sobre o serviço ordinário do tribunal”.

Uma apreciação literal poder-nos-ia levar a afirmar que, tendo esta ação sido processada por apenso ao processo de insolvência, logo, ao abrigo do citado artigo 9º, nº1, assumiria caracter de urgência[1].

A resposta não pode ser tão simples.

Sendo a celeridade do processo de insolvência uma das principais preocupações do CIRE, traduzida na atribuição de carater urgente igualmente a todos os seus apensos, incidentes e recursos, o legislador teve em vista não apenas o processo de insolvência propriamente dito, mas também os seus apensos que integram, formal e estruturalmente, o próprio processo, ainda que com tramitação específica[2].

São inúmeras as situações em que a lei determina que determinadas ações corram por apenso ao processo de insolvência – nomeadamente as ações de responsabilidade intentadas pelo administrador de insolvência e as ações contra este intentadas destinadas à indemnização dos prejuízos causados à generalidade dos credores da insolvência pela diminuição do património integrante da massa insolvente (nº6 e ns. 3 a 5, do artigo 82º CIRE) –, acarretando tal apensação a atribuição de carater de urgência[3].

Ou seja, o legislador não determinou a apensação de todas as ações em que se se discute a responsabilidade do administrador de insolvência e a que se reportam os n.s. 1 a 5, do artigo 59º do CIRE, mas, única e exclusivamente, das ações referidas nos ns. 3 a 5 do art. 82º)[4].

No caso em apreço, temos uma ação declarativa sob a forma de processo comum que correu termos por apenso ao processo de insolvência e que foi por instaurada pelo recorrente/credor (não satisfeito) na insolvência, unicamente contra a administradora de insolvência, visando a sua responsabilização pelo facto de não terem sido validamente resolvidos para a massa dos contratos celebrados entre e sociedade insolvente e a sociedade B..., Lda., e condenação do A.I. a indemnizar o recorrente pelos prejuízos daí resultantes.

Tal ação em nada contende com os interesses da massa, sendo que, a ser procedente, beneficiaria, tão somente, o Apelante.

Tratando-se de uma ação em que apenas se encontram em causa interesses individuais de determinados credores, e não se encontrando estas abrangidas pelo nº6 do artigo 82º – que, quanto às ações instauradas contra o administrador de Insolvência, apenas determina a sua apensação quando se destinem à indemnização da generalidade dos credores – “não se vê razão para uma interpretação que considere deverem ser apensadas tais ações quando o interessado que se considerou lesado imputa ao administrador de insolvência responsabilidade exclusivamente pessoal pelos danos emergentes de tais atos ilícitos[5]”.

Negando que tal tipo de ações possa correr por apenso ao processo de insolvência, se pronunciou igualmente o Ac. do Supremo de 08-03-2018[6], com fundamento em que as particularidades da hipótese prevista no nº6 do art. 82º, quer quanto à legitimidade ativa para propor a ação, quer quanto à dimensão coletiva dos interesses efetuados, não permitem generalizar aquela solução às demais hipóteses de responsabilidade civil do administrador de insolvência.

Por outro lado, o simples facto de o autor ter instaurado esta ação por apenso ao processo de insolvência e assim ter procedido sem qualquer oposição da outra parte ou qualquer pronuncia do tribunal a tal respeito, não acarreta automática e necessariamente a atribuição de carater urgente à mesma.

“No processo de insolvência a necessidade de celeridade assume especial intensidade por se repercutir na esfera jurídico-económica de um universo de sujeitos tendencialmente elevado (os credores da insolvência) o que torna ainda mais premente a tomada de medidas urgentes[7]”.

A preocupação de celeridade e a extensão da natureza urgente às ações apensas têm em vista a pronta estabilização quer das decisões proferidas no estrito âmbito do mesmo, quer ainda daquelas que tenham por objeto a apreciação de pretensões suscetíveis de contender ou interferir com a integridade ou valor da massa[8].

Contudo, se a celeridade processual constituiu uma dimensão do acesso ao direito e aos tribunais (art. 20º da Constituição da Republica Portuguesa), o direito de acesso aos tribunais também pressupõe a previsão de regras procedimentais e prazos razoáveis de ação ou de recurso.

Implicando a atribuição de carater urgente um encurtamento dos respetivos prazos, bem como o seu processamento em período de férias, com prioridade sobre outros processos, só no caso de existirem interesses atendíveis a justificarem a urgência do processo, se poderá aceitar uma compressão dos prazos processuais.
Face às considerações expostas, concluímos que a apresente ação não assume carater de urgência, nomeadamente, para efeitos de encurtamento dos prazos de recurso, encontrando-se sujeito ao prazo geral de 30 dias (artigo 638º, nº1 do CPC).
Como tal, tem-se o recurso por tempestivo.

*

Pelo exposto, embora por razões não inteiramente coincidentes, admite-se o recurso de Apelação interposto da sentença final, pelo autor AA com os efeitos e regime de subida, determinado na primeira instância.

Notifique.”

Aderindo aos fundamentos expostos, confirma-se a decisão do relator de admissibilidade do recurso.

**
Cumpridos que foram os vistos legais, nos termos previstos no artigo 657º, nº2, in fine, do CPC, cumpre decidir agora do objeto do recurso.
II – DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO
Tendo em consideração que o objeto do recurso é delimitado pelas conclusões das alegações de recurso, sem prejuízo da apreciação de eventuais questões de conhecimento oficioso – cfr., artigos 635º, e 639º, do Novo Código de Processo Civil –, as questões a decidir são as seguintes:
1. Impugnação da matéria de facto constante das alíneas a), b), c), f) e g), dada como “não provada”
2. Se a decisão recorrida errou na interpretação dos arts. 59º e 120º do CIRE –para a prova do dano e do nexo de causalidade entre o facto e o dano não se exige uma certeza, bastando a probabilidade
3. A considerarem-se demostrados o dano e o nexo de causalidade entre o facto e o dano, se os pedidos formulados pelo autor são de proceder.
III – APRECIAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO

*

1. Impugnação da matéria de facto

(…).


*

A. Matéria de Facto

São os seguintes os factos dados como provados na decisão recorrida, que aqui se mantêm inalterados e que reproduzimos unicamente na parte em que possam ter relevo para a decisão do recurso:

- FACTOS PROVADOS:

1. A insolvente A..., Lda., pessoa coletiva n.º ..., com sede na Rua ..., ... encontra-se matriculada na Conservatória do Registo Comercial sob o mesmo número;

2. Tinha por objeto social a exploração de farmácia, nomeadamente comércio de produtos farmacêuticos, médicos, ortopédicos, cosméticos e de higiene, estação de serviços farmacêuticos de promoção da saúde e do bem-estar, preparação de medicamentos manipulados e sua dispensa, administração de medicamentos e utilização de meios auxiliares de diagnóstico e terapêutica.

3. O registo do contrato de sociedade da insolvente foi efetuado pela inscrição 1, apresentação 27 de 11 de março de 1991 com o capital social de €24.939,89, divido em três quotas, uma de €8.828,72, outra de €14.864,16 e uma última de €1.246,99, pertencentes as duas primeiras a BB, no estado de solteira, e a última a DD, no estado de casada sob o regime da comunhão de adquiridos com CC, estando ainda registada a gerência a cargo de ambas as sócias, que cessaram funções por renúncia em 1 de maio de 2013, registada em 14 de maio de 2013.

4. Em 24 de abril de 2013 foi registado o aumento de capital de €725.060,11 – subscrito e realizado em numerário pelas sócias-, ficando o montante de €750.000,00 de capital social, após o aumento, passando as quotas para as importâncias de €703.671,28, €37.500,00 e €8.828,72, pertencendo a primeira e a última a BB, no estado de casada com o autor AA, no regime da comunhão de adquiridos, e a segunda a DD, no estado de casada com CC, no regime da comunhão de adquiridos.

5. Em 14 de maio de 2013, foi registada na matrícula comercial da insolvente a transmissão das quotas de BB e DD a favor de GG das quotas de  €8.828,72 e €703.671,28 e a favor de HH da quota de €37.500,00, no estado de casados entre si sob o regime da separação de bens;

6. Foi ainda registada a deliberação de 01 de maio de 2013 de nomeação de GG e HH como gerentes.

7. Em 12 de maio de 2016 foi registada na matrícula comercial da insolvente a transmissão das quotas de GG e HH a favor de KK.

8. Desde 12 de maio de 2016 que se mostra registada a deliberação de 7 de abril de 2016 de designação de KK como gerente da sociedade A..., Lda., com a menção de que a deliberação foi tomada em 07 de abril de 2016.

9. Em 16 de maio de 2016 foi registada na matrícula comercial da sociedade A..., Lda. a renúncia, com data de 29 de março de 2016, de GG e HH às funções de gerentes.

10. II está registado como filho de GG e de HH.

11. Em 13 de junho de 2006, LL, na qualidade de procuradora da sociedade anónima C..., S.A., e BB, na qualidade de gerente, em representação da sociedade A..., Lda. subscreveram o documento junto ao apenso G em 19-12-2017, cujo teor se dá por reproduzido, intitulado  “contrato de locação financeira imobiliária n.º ...73 (aquisição com obras)”, nos termos do qual a C..., S.A., na qualidade de locadora, e A..., Lda., na qualidade de locatária, declararam celebrar contrato de locação financeira, que se regia, entre outras, pelas seguintes Condições Particulares e Gerais:

a. Imóvel: Prédio urbano situado em Urbanização ..., freguesia ..., concelho ..., descrito na ... Conservatória do Registo Predial ... sob o n.º ...12, destinado a espaço comercial, com o valor de compra de €150.000,00 (cento e cinquenta mil euros), valor de obras de €30.000,00 (trinta mil euros), pelo prazo de 120 meses, com início na data da celebração do contrato [1 a 4];

b. Rendas: 120 de €1.601,98 (mil seiscentos e um euros e noventa e oito cêntimos) [5];

c. Valor residual: €3.000,00 (três mil euros) [6];

d. O locatário deverá contratar os seguros indispensáveis à cobertura dos riscos do imóvel locado, estabelecendo-se como coberturas mínimas na data da conclusão das obras cobertura de todo o conjunto patrimonial que constitui o imóvel locado pelo valor de €161.600,00 (cento e sessenta e um mil e seiscentos euros), que deverá incluir a responsabilidade civil emergente da propriedade do imóvel por danos causados a terceiros, no montante mínimo de €250.000,00 (duzentos e cinquenta mil euros) [9.2.];

e. O locatário tem o direito de optar pela compra do imóvel objeto do contrato no termo do prazo de vigência, contra o pagamento do valor residual e desde que se encontrem integralmente cumpridas todas as suas obrigações contratuais [11]

12. Em 27 de março de 2009, MM, na qualidade de procurador e em representação da C..., S.A., BB e DD, na qualidade de únicas sócias e gerentes e em representação da sociedade A..., Lda. subscreveram um documento, intitulado “aditamento ao contrato de locação financeira imobiliária n.º ...73 (ampliação do objeto e Processo: 6099/16.... Referência: 91988050aumento de financiamento)”, junto com o mesmo requerimento, cujo teor se dá por reproduzido, nos termos do qual foi declarado que, por proposta do locatário, aceite pelo locador, foi aprovada a aquisição de mais duas frações autónomas do imóvel contíguo ao prédio mencionado no artigo anterior, a fim de serem demolidas e os respetivos terrenos unificados e incorporados no contrato, que foram adquiridas na mesma data pelo locador pelo valor global de €140.000,00, que em consequência da aquisição era ampliado o objeto do contrato de locação financeira, que passava a integrar a fração autónoma designada pela letra “A” que correspondia ao rés-do-chão, destinado a Farmácia e a fração autónoma designada pela letra “B” que correspondia ao 1.º andar, destinado a habitação, que ficava autorizado um plafond de obras / construção de quinhentos mil euros, que o locatário poderia utilizar para remodelação ou alteração dos imóveis, que o prazo de utilização do financiamento para obras era de seis meses, que, em consequência do aumento de financiamento acordado, as rendas vincendas seriam ajustadas de acordo com critérios estabelecidos no contrato de locação financeira e que o locatário obrigava-se a subscrever os seguros necessários à garantia de qualquer risco emergente da obra/construção, pelo montante de €500.000,00 (quinhentos mil euros).

13. Em julho de 2009, representantes da C..., S.A. e da A..., Lda. subscreveram um documento, intitulado “aditamento ao contrato de locação financeira imobiliária n.º ...73 (alteração do prazo e de spread)”, junto com o mesmo requerimento, cujo teor se dá por reproduzido, nos termos do qual foi declarado que o prazo de duração do contrato passava a ser de 180 meses, a contar de 13-06-2006, que o spread era alterado para 1% e que o número de rendas vincendas e o respetivo valor seriam ajustados por força das alterações acordadas.

14. Em 7 de abril de 2016, procurador da C..., S.A., como primeiro outorgante, e II, na qualidade de procurador e em representação da sociedade comercial por quotas A..., Lda., como segundo outorgante, declararam perante Notária, que consignou a escrito as suas declarações em escritura intitulada de “compra e venda” o seguinte:

a. Que por documento particular outorgado em 13 de junho de 2006, foi celebrado entre a representada do primeiro outorgante e a representada do segundo outorgante um contrato de locação financeira com o número 318373, cujo objeto foi o prédio adiante identificado, posteriormente alvo de aditamento outorgado em 27 de março de 2009;

b. Que o referido contrato de locação financeira foi celebrado pelo prazo de cento e oitenta meses e encontrava-se registado na Conservatória do Registos Predial, Comercial e Automóveis ...;

c. Que, estando de mútuo acordo, por aquela escritura reduziam o prazo do aludido de contrato de locação financeira, de forma a que o mesmo “cesse no dia de hoje” e, igualmente alteraram o valor residual fixando-o em trezentos e setenta e três mil e vinte e dois euros e oitenta cêntimos;

d. Que, o segundo outorgante, pretendia em nome da sua representada e ao abrigo do disposto no citado contrato de locação financeira, exercer o direito de opção de compra, relativo ao imóvel locado, antecipadamente ao termo previsto no dito contrato.

e. Pelo primeiro outorgante, na qualidade em que outorgou, foi dito que por aquela escritura e pelo preço residual de €373.022,80 (trezentos e setenta e três mil e vinte e dois euros e oitenta cêntimos), que para a sua representada declarou já ter recebido, vendia à representada do segundo outorgante o prédio urbano composto por edifício de dois pisos, denominado “...”, sito em ..., freguesia ..., descrito na Conservatória dos Registos Predial, Comercial e Automóveis ... sob o número ...48;

f. Que, em consequência desse ato, as partes deram como cumprido e extinto o referido contrato de locação financeira imobiliária;

g. Pelo segundo outorgante, na qualidade em que outorgou, foi dito que para a sua representada aceitava a venda, nos termos exarados.

15. De seguida, no mesmo dia 7 de abril de 2016, II, na qualidade de procurador e em representação da sociedade A..., Lda. conforme procuração e ata número trinta da Assembleia Geral que reuniu em sete de abril de dois mil e dezasseis -, como primeiro outorgante, e, bem assim, na qualidade de sócio-gerente da sociedade comercial por quotas B..., Lda., declarou perante Notária, que consignou a escrito as suas declarações em  escritura intitulada de “compra e venda, declaração unilateral de hipoteca e mandato” que:

a. Na qualidade de procurador e em representação da sociedade A..., Lda., por aquela escritura e pelo preço de €336.000,00 (trezentos trinta e seis mil euros), que para a sua representada declarou ter recebido, vendia à sua representada - B..., Lda. – o prédio urbano composto por edifício de dois pisos, denominado "...", sito em ..., freguesia ..., concelho ..., inscrito na matriz sob o artigo ...49, descrito na Conservatória do Registo Predial, Comercial e Automóveis ... sob o n.º ...48, adquirido na mesma data pela representada do primeiro outorgante por escritura de compra e venda outorgada no mesmo Cartório Notarial, exarada a folhas imediatamente antecedentes;

b. II na qualidade de sócio e gerente e em representação da sociedade B..., Lda. declarou ainda que:

i. Para a sua representada aceitava a venda;

ii. Constituía hipoteca, em paridade e na proporção dos respetivos créditos, sobre aquele prédio urbano, a favor de Banco 1..., CRL e D..., S.A., destinada a garantir o bom e integral pagamento das obrigações e responsabilidades daquela representada, emergentes do contrato de empréstimo de quinhentos e cinquenta mil euros concedido naquela data pela “Banco 1...” e da garantia autónoma no montante máximo de capital de trezentos e oitenta e cinco mil euros também emitida na mesma data pela “D...” a benefício da Banco 1..., atos esses de que a hipoteca é acessória e simultânea, incluindo as obrigações de reembolso de capital e de pagamento de juros, comissões, encargos e despesas.

16. O imóvel mencionado no artigo anterior correspondia ao local onde a sociedade A..., Lda. tinha o estabelecimento de farmácia de que era proprietária, denominado “Farmácia ...”.

17. No dia 7 de abril de 2016, II, na qualidade de procurador e em representação da sociedade A..., Lda. – conforme procuração e ata número trinta da Assembleia Geral que reuniu em sete de abril de dois mil e dezasseis -, e, bem assim, na qualidade de sócio-gerente da sociedade comercial por quotas B..., Lda., declarou perante Notária, que consignou a escrito as suas declarações em escritura intitulada de “trespasse” que:

a. Em representação da sociedade A..., Lda. :

i. Que esta era dona e legítima possuidora de um estabelecimento comercial composto por uma farmácia com o alvará número ...11 (três mil quatrocentos e onze), emitido pelo Infarmed - Autoridade Nacional do Medicamento e Produtos de Saúde, I.P., em 26-01-2010, para o exercício da atividade farmacêutica propriedade da sociedade ora insolvente, cuja instalação foi autorizada por deliberação de 04-01-1980, denominado "Farmácia ...", instalado no prédio urbano, composto por dois pisos, denominado "...", sito em ..., concelho ..., inscrito na matriz sob o artigo ...49;

ii. Por aquela escritura e pelo preço de dez mil euros, que para a sua representada A..., Lda. declarou ter já recebido, trespassava à sua representada B..., Lda. o mencionado estabelecimento;

iii. O trespasse envolvia a transferência dos móveis, utensílios, mercadorias, licenças, alvará e todos os demais direitos que integram o dito estabelecimento, livre de qualquer passivo, ónus ou encargos, não sendo o referido alvará de farmácia dissociável do estabelecimento comercial "Farmácia ...";

b. Em representação da sociedade B..., Lda. declarou que aceitava o contrato nos termos exarados.

18. A..., Lda. foi declarada insolvente por sentença proferida em 21 de dezembro de 2016, transitada em julgado, tendo sido nomeada administradora da insolvência EE.

19. No dia 6 de fevereiro de 2017 Técnica Superior da Direção de Inspeção e Licenciamentos do “Infarmed” comunicou à administradora da insolvência nomeada na sentença de declaração de insolvência que:- Em 24-09-2013 deu entrada pedido de averbamento da alteração da propriedade a favor da sociedade “E..., Lda.” por cessão da totalidade das quotas da sociedade ao Sr. GG e à Sr.ª HH, por ata n.º ...7, datada de 01-05-2013;

- Em 20-04-2016 pedido de averbamento da alteração da propriedade a favor da sociedade “B..., Lda.” com os sócios II e NN, por escritura pública de trespasse, datada de 07-04-2016;

- Em 02-05-2016 pedido de averbamento da cessão de exploração do estabelecimento comercial de farmácia denominado Farmácia ..., a favor da sociedade “A..., Lda.”, com os sócios GG e HH, por escritura pública de “cessão de exploração” datada de 07-04-2016;

- Em 18-07-2016 pedido de averbamento de aditamento à referida cessão de exploração, por documento particular denominado “Aditamento ao Contrato de Cessão de Exploração” datado de 07-04-2016, pedido de averbamento do cancelamento da referida cessão de exploração;

- Em 30-12-2016 pedido de averbamento da cessão de exploração do estabelecimento comercial de farmácia denominado “Farmácia ...” a favor da sociedade “F..., Lda.”

20. Na assembleia de credores de apreciação do relatório realizada no dia 7 de fevereiro de 2017, a administradora da insolvência então em exercício de funções, EE, solicitou que a assembleia se pronunciasse sobre a, eventual, resolução dos negócios celebrados pela insolvente, nomeadamente da transferência do estabelecimento de farmácia realizada no dia 7 de abril de 2016; declarou que obteve informação, junto do “Infarmed”, que estava pendente um pedido de averbamento ao alvará da farmácia que pertencia à insolvente para a sociedade F... Lda., pedido esse relacionado com uma cessão de exploração, que foi requerida em 30-12-2016, dispondo aquela instituição do prazo de 60 dias para efetuar o averbamento; esclareceu que o alvará estava averbado em nome da sociedade B..., Lda., desde 20-04-2016, por transmissão da Insolvente, que em 02-05-2016, tinha sido efetuado o averbamento da cessão de exploração da B..., Lda. para a insolvente, tendo em 18-07-2016 sido cancelada tal cessão; solicitou ainda que a assembleia se pronunciasse sobre a eventual resolução de outros negócios.

21. Na sequência do pedido efetuado pelo mandatário da credora OO – Produtos Farmacêuticos, S.A. foi aprovada, por unanimidade, a proposta da resolução em benefício da massa insolvente do trespasse efetuado pela insolvente para a sociedade B..., Lda., e, bem assim, a realização de diligências adicionais, a efetuar pela Sr.ª Administradora da Insolvência, em conjugação com a comissão de credores, no sentido de apurar se estavam ou não reunidos os pressupostos para a resolução dos restantes negócios celebrados, nomeadamente a compra e venda do imóvel e cessão de exploração e se era do interesse da massa insolvente solicitar o cancelamento do pedido de averbamento da cessão de exploração a favor da sociedade F..., Lda.

22. Por despacho proferido no processo principal em 24-02-2017, foi deferido o pedido de escusa apresentado pela administradora da insolvência nomeada na sentença de declaração de insolvência e em sua substituição foi nomeada administradora da insolvência a agora ré, FF, que foi notificada da sua nomeação por notificação eletrónica elaborada em 24-02-2017.

23. Em 8 de março de 2017, a ré FF remeteu à sociedade B..., Lda. duas cartas registadas, dirigidas à Rua ..., ..., ..., que foram devolvidas com a indicação de não reclamadas.

24. Em 13 de março de 2017 a ré FF recebeu os elementos do processo na posse da anterior administradora da insolvência.

25. Datada de 22 de março de 2017, a ré FF enviou à sociedade B..., Lda., para o Bairro ..., ..., a carta registada, com aviso de receção, cuja cópia foi junta à petição inicial do apenso H, cujo teor se dá por reproduzido, que foi recebida, onde refere o seguinte:

- “FF, nomeada administradora de insolvência no processo em epígrafe, vem, nos termos do artigo 120º e seguintes do CIRE, efetuar a resolução de trespasse do alvará... INFARMED IP, efetuado em 07/04/2016 por escritura pública.

Os fundamentos desta resolução residem no seguinte:

- Número 1 do artigo 120º do CIRE: a transação agora resolvida ocorreu em 07/04/2016, ou seja, nos dois anos anteriores à data do início do processo de insolvência, o qual se verificou em dezembro de 2016, após a não homologação do Plano de Revitalização elaborado no âmbito do Processo Especial de Revitalização n.º 5234/16...., e datando a sentença de insolvência de 21 de dezembro de 2016;

- Número 2 do artigo 120º do CIRE: Trata-se de um ato prejudicial à massa, na medida em que esta compra e venda, ao retirar bens passíveis de apreensão da esfera jurídica da insolvente, diminui, frustrou, dificultou, pôs em perigo ou retardou a satisfação dos credores da insolvência.

Face à resolução do contrato de trespasse acima mencionado operado por força do artigo 120º do CIRE, o bem seu objeto reverte a favor da massa insolvente, dando lugar à respetiva apreensão.

Aguardo notícias de V. Exas. sobre esta situação no prazo impreterível de dez dias e apresento os meus melhores cumprimentos”.

26. Datada de 23 de março de 2017, a ré FF, enviou à sociedade B..., Lda., para o Bairro ..., ..., a carta registada, com aviso de receção, junta com a petição inicial do apenso H, cujo teor se dá por reproduzido, onde refere o seguinte:

- “FF, nomeada administradora de insolvência no processo em epígrafe, vem, nos termos do artigo 120º e seguintes do CIRE, efetuar a resolução do contrato de compra e venda por escritura pública, registado na Conservatória do Registo Predial ... em 08/04/2016, pela Apresentação ...45, que teve como objeto o prédio urbano, sito no Bairro ..., em ..., concelho ..., descrito na Conservatória do Registo Predial, Comercial e Automóveis ..., pela descrição n.º ...22 da freguesia ..., concelho ..., inscrito na matriz predial urbana sob o artigo ...49 da mesma freguesia.

Os fundamentos desta resolução residem no seguinte:

- Número 1 do artigo 120º do CIRE: a transação agora resolvida foi registada em Abril de 2016, tendo ocorrido nos dois anos anteriores à data do início do processo de insolvência, o qual se verificou em Dezembro de 2016, após a não homologação do Plano de Revitalização elaborado no âmbito do Processo Especial de Revitalização n.º 5234/16...., e datando a sentença de insolvência de 21 de Dezembro de 2016;

- Número 2 do artigo 120º do CIRE: Trata-se de um ato prejudicial à massa, na medida em que esta compra e venda, ao retirar bens passíveis de apreensão da esfera jurídica da insolvente, diminui, frustrou, dificultou, pôs em perigo ou retardou a satisfação dos credores da insolvência.

Face à resolução da compra e venda acima mencionada operada por força do artigo 120º do CIRE, o bem seu objeto reverte a favor da massa insolvente, dando lugar à respetiva apreensão.

Aguardo notícias de V. Exas. sobre esta situação no prazo impreterível de dez dias e apresento os meus melhores cumprimentos”.

27. Em 27 de março de 2017 e 7 de abril de 2017 B..., Lda., com a indicação da sede em Rua ..., ..., ..., ..., ao abrigo do disposto no artigo 125.º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, intentou contra a Massa Insolvente de A..., Lda. ações de impugnação daquelas resoluções que deram origem respetivamente aos apensos H e I, pedindo que as resoluções realizadas pela administradora da insolvência fossem declaradas nulas e de nenhum efeito, por absoluta falta de motivação das declarações resolutivas, uma vez que não concretizava os factos constitutivos do direito que pretendia exercer.

28. Contestou a ré massa insolvente referindo que a autora não impugnou a qualificação de má fé, presumida nos termos dos n.ºs 1 e 2 do artigo 120.º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, que o procurador da vendedora e transmitente na escritura pública de compra e venda e trespasse são a mesma pessoa, II, filho dos sócios gerentes da insolvente e, como tal, pessoa especialmente relacionada com os legais representantes da insolvente, nos termos do artigo 49.º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, que a situação de insolvência, pelo menos iminente, era já do conhecimento da insolvente e da impugnante, à data da realização dos negócios, pelas quais foi transmitido o único imóvel, o único alvará e estabelecimento - onde se incluem todos os bens móveis, utensílios, mercadorias, licenças e alvará- de que a insolvente era detentora, delapidando todo o ativo da insolvente, o que conduziu à própria situação de insolvência, por terem sido retirados os meios indispensáveis ao exercício da atividade.

Acrescentou que a resolução para ser válida só necessita de conter os elementos essenciais e que não há qualquer fundamento da declaração de nulidade da resolução pelo facto da respetiva carta não se apresentar como uma “petição inicial com causa de pedir e pedido”. Concluiu pela improcedência da ação e “confirmação judicial das resoluções operadas”.

29. Por despacho proferido em 15-06-2017 no apenso I foi determinada a incorporação dos autos no apenso H.

30. Por sentença proferida em 15 de junho de 2017, no apenso H, foi julgada procedente a ação de impugnação de resolução em benefício da massa insolvente instaurada pela sociedade B..., Lda. contra a Massa Insolvente de A..., Lda. e foram declaradas nulas e sem efeito as resoluções extrajudiciais efetuadas pela administradora da insolvência através das cartas mencionadas nos artigos 25.º e 26.º dos factos provados.

31. Inconformada, em 3 de julho de 2017, a ré interpôs recurso de apelação, pedindo a procedência do recurso e, por via dela que fosse: “a) (…) declarada a nulidade da sentença recorrida, porquanto houve clara oposição da decisão com os seus fundamentos, omissão de fundamentos decisórios e ambiguidade por não consideração dos factos alegados pela Recorrente no exercício de direito próprio, nos termos do artigo 615º, número 1, alínea c), do CPC; b) (…) em qualquer caso, (…) revogada a decisão recorrida e substituída por outra que julgue improcedente e não provada a ação de impugnação de resolução, quer por a resolução conter os elementos essenciais do ato, quer porque os fundamentos da resolução foram complementados e provados nos factos alegados e nos documentos juntos com a contestação da Recorrente, quer ainda porque os mesmos factos não foram impugnados pela Recorrida na sua réplica”.

32. O recurso foi julgado improcedente por acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Coimbra em 14-11-2017, tendo sido mantida integralmente a decisão recorrida.

33. Em 19 de junho de 2017, a ré FF, enviou à B..., Lda. para o Bairro ..., ..., ..., carta registada, com aviso de receção, com vista à resolução em benefício da massa insolvente, que foi devolvida com a indicação de “mudou-se”.

34. Em 29 de junho de 2017, a ré FF, representada por mandatário, requereu a notificação judicial avulsa da sociedade B..., Lda., tendo indicado como sede desta o Bairro ..., ..., ... ou, no caso de se frustrar a notificação nesta morada, requereu a notificação no domicílio legal do representante II, residente na Rua ..., ..., com o seguinte teor:

I. O OBJECTO E A JUSTIFICAÇÃO DA PRESENTE NOTIFICAÇÃO JUDICIAL AVULSA

i. A requerente é administradora de insolvência de A..., LDA, nomeada no âmbito do Processo de Insolvência nº 6099/16.... do Tribunal Judicial da Comarca ..., Juízo de Comércio ..., Juiz ... – Doc. 1.

ii. Nessa qualidade, em representação da massa e em benefício e salvaguarda dosinteresses dos credores – artigo 120º do CIRE – vem efetuar a resolução dos seguintes atos:

- A - Contrato de compra e venda celebrado por escritura pública de 7 de abril de 2016, outorgada no Cartório Notarial ...;

- B - Trespasse do estabelecimento comercial composto por uma farmácia com o alvará nº ...11 emitido pelo INFARMED - Autoridade Nacional do Medicamento e Produtos de Saúde, IP, bem como a transferência de todos os bens móveis, utensílios, mercadorias, licenças, alvará e todos os demais direitos que integram o referido estabelecimento, celebrado por escritura pública de 7 de Abril de 2016, outorgada no Cartório Notarial ....

iii. A concretização da referida resolução foi tentada por carta registada com aviso de receção, de acordo com o que estipula o artigo 123º do CIRE – Docs 2 e 3.

iv. Contudo, a missiva enviada não foi recebida – Doc 4.

v. Uma vez que só se produzem efeitos com a efetiva receção da carta de resolução e dado que se trata de uma declaração recipienda, é o instituto da notificação judicial avulsa o próprio para conseguir efetivar a resolução junto da destinatária.

II - OS FUNDAMENTOS DA RESOLUÇÃO

A – O PRAZO E A LEGITIMIDADE DO ADMINISTRADOR DE INSOLVÊNCIA

vi. Nos termos do artigo 123º do CIRE, e desde que os factos externos do negócio permitam enquadrá-lo nos conceitos do artigo 120º do CIRE, o administrador de insolvência pode resolver os negócios prejudiciais à massa, nos 6 meses seguintes ao conhecimento do negócio, mas nunca depois de decorridos dois anos sobre a data da declaração de insolvência.

vii. Tendo a insolvência de A..., Lda. sido declarada em 21 de dezembro de 2016, é prazo limite para ser feita a resolução pela administradora de insolvência a data de 21 de dezembro de 2018, sendo certo que o conhecimento destes atos pela administradora de insolvência só pode ser reportada à data da sua nomeação, ou seja, a 24 de fevereiro de 2017 – cfr. Doc 1.

viii. Razão pela qual a administradora de insolvência está em tempo e tem

legitimidade da efetuar as presentes resoluções.

B – OS ANTECEDENTES DOS ACTOS AQUI RESOLVIDOS

ix. A insolvente A..., Lda. tinha como seus gerentes GG e HH – Doc 5,

x. Estes gerentes, casados entre si, são pais de II, que, por isso, é considerado pessoa especialmente relacionada com os próprios gerentes da insolvente – artigo 49º do CIRE, conforme certidão de nascimento que se junta como Doc. 6.

xi. Acresce que a administradora de insolvência para efeitos de fundamentar as resoluções efetuadas tem que se ater a todos os elementos que constam do processo.

xii. Sendo os próprios gerentes da insolvente que confessaram que a gerência da insolvente era levada a cabo pelo seu filho II.

xiii. Ora, como resulta das escrituras dos atos agora resolvidos que se juntam como Docs. 7 e 8, as mesmas foram outorgadas exclusivamente pela pessoa singular II que nas mesmas outorgou na dupla qualidade de procurador da vendedora e trespassante A..., Lda., agora insolvente, e de legal representante da compradora e beneficiária do trespasse B..., Lda., destinatária da presente notificação judicial avulsa.

xiv. Assumindo a gerência da insolvente, conforme os gerentes de direito confessaram, e sendo gerente de direito da sociedade beneficiária B..., Lda., todo esta situação configura um negócio de II consigo próprio, nunca sem se olvidar a sua especial e direta qualidade de filho dos gerentes da insolvente.

xv. A que acresce e pontua o facto de o objeto social da B..., Lda. ser tudo idêntico ao da insolvente A..., Lda.

III – A CONCRETIZAÇÃO DOS NEGÓCIOS CUJA RESOLUÇÃO SE EFECTUA

xvi. É neste enquadramento que as escrituras que titulam os atos resolvidos são concretizadas em 7 de abril de 2016, ou seja, 9 meses antes da declaração de insolvência.

xvii. Para além disso, esta transferência de ativos da sociedade insolvente para sociedade homóloga B..., Lda., teve lugar meros 3 meses antes da insolvente se apresentar a Processo Especial de Revitalização, já em situação de insolvência iminente que, pela não aprovação de qualquer plano, passou a ser de insolvência atual.

xviii. Mais significativo ainda é que três meses antes da apresentação a PER e nove meses antes da declaração de insolvência, a insolvente fez transferir todo o seu património imobilizado para a esfera jurídica de uma sociedade gerida pelo filho dos gerentes e com atividade igual.

xix. De onde resulta claramente a má fé de ambas as sociedades na realização dos negócios e para os efeitos dos números 3 e 4 do artigo 120º do CIRE.

xx. É que o número 4 do artigo 120º do CIRE é claro quando refere que a má fé é presumida quando o património da insolvente é vendido em ato em que tenha participado e de que se tenha aproveitado pessoa especialmente relacionada com a insolvente, como é o caso em causa.

IV – O DIREITO

xxi. De acordo com o número 1 do artigo 120º do CIRE, os atos agora resolvidos ocorreram em 7 de abril de 2016, ou seja, perfeitamente dentro dos dois anos anteriores à data do início do processo de insolvência, após a não homologação doplano de revitalização no âmbito do PER requerido pela insolvente, e datando a sentença de insolvência de 21 de dezembro de 2016.

xxii. Por outro lado, uma das características do artigo 120º do CIRE é a presunção que do mesmo flui quando determina a resolução em benefício da massa insolvente dos negócios que se considerem prejudiciais à massa.

xxiii. Ora, a prejudicialidade da massa é fundamentada no conceito e critério de salvaguarda dos interesses dos credores, constituindo estes a pedra basilar do instituto da resolução.

xxiv. Assim, a transferência de todo o ativo imobilizado de uma sociedade em insolvência iminente para sociedade terceira diretamente relacionada com a insolvente veio frustrar e por em causa a satisfação dos interesses dos credores.

V – CONCLUSÃO

xxv. Nestes termos e nos mais de direito, por todo o exposto e atento o supra referido cujos factos preenchem os pressupostos legais das resoluções, requer-se a notificação judicial avulsa de:

a) B..., LDA, com o NIPC ..., com sede em Bairro ..., ..., ... ...;

b) E subsidiariamente, do seu legal representante II,com o número de cartão de cidadão ..., válido até 11/10/2018, emitido pela República Portuguesa e residente na Rua ..., ...,

Com o fim de notificar a sociedade de que se encontram resolvidos e com efeitos imediatos, em benefício da massa insolvente, tudo nos termos do disposto no artigo 120º do CIRE, os negócios supra identificados e constantes das correspondentes escrituras.

Mais ficando notificada que deverá proceder à entrega no prazo legal das chaves do imóvel e do estabelecimento, tudo nos termos do artigo 126º do CIRE.

Requer-se, ainda, nos termos do disposto no número 1 do artigo 256º do CPC, que a presente notificação seja realizada pela Sr.ª Agente de Execução Dr.ª PP, portadora de cédula profissional ...61 e com domicílio profissional na Rua ..., Sala ..., ... ...”.

35. Em 3 de julho de 2017 foi proferida decisão a determinar a realização da notificação judicial avulsa da sociedade B..., Lda., através de agente de execução e nos precisos termos requeridos.

36. Em 18 de julho de 2017 a sociedade B..., Lda. foi notificada do teor daquele requerimento e que se encontravam “resolvidos e com efeitos imediatos, em benefício da massa insolvente de A..., Lda., tudo nos termos do disposto no artigo 120.º do CIRE, os negócios identificados e constantes das correspondentes escrituras”.

37. Em 22 de julho de 2017 a sociedade B..., Lda., com a indicação da sede na Rua ..., ..., ..., ..., ao abrigo do disposto no artigo 125.º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, intentou ação de impugnação da resolução mencionada nos artigos 34.º e 35.º contra a Massa Insolvente de A..., Lda., que deu origem ao apenso L, formulando os seguintes pedidos:

i) Deve a resolução realizada pela Exma. Sra. Administradora ser declarada caduca por violação do prazo previsto no art.º 123º do CIRE, ou

ii) Deve ser declarada procedente a exceção da litispendência, ou

iii) Deve ser declarada procedente a exceção do abuso de direito, ou

iv) Deve a resolução ser declarada nula e de nenhum efeito, por falta de motivação da declaração resolutiva, uma vez que não concretiza os factos constitutivos do direito que pretendeu exercer, ou

v) Deve ser declarada a ilegalidade da resolução pela inexistência dos motivos que a fundamentaram”.

38. Contestou a ré concluindo nos seguintes termos:

“a) Devem todas as exceções deduzidas pela Autora, em concreto, da caducidade do exercício do direito, da litispendência, do abuso de direito e da falta de motivação da declaração resolutiva, julgadas totalmente improcedentes e não provadas, com as legais consequências, designadamente o prosseguimento da presente ação para decisão da matéria de fundo;

b) Deve, em consequência, a presente ação ser julgada improcedente por não provada e, por via dela, serem judicialmente confirmadas as resoluções operadas;

c) Face ao pedido de apoio judiciário junto, não ser exigida qualquer taxa de justiça até à decisão administrativa competente”.

39. Por sentença proferida em 15 de abril de 2018, no apenso L, foi julgada procedente a exceção de caducidade invocada pela autora em consequência, foi declarada a caducidade da resolução em benefício da massa insolvente dos contratos em causa nos autos, referidos nos artigos vigésimo (compra e venda) e vigésimo primeiro (trespasse) dos factos provados da mesma sentença, ficando a mesma sem efeito, tendo sido julgados provados, entre outros, os seguintes factos:

(…)

40. Inconformada com a sentença, em 8 de maio de 2018, a ré Massa insolvente de A..., Lda. interpôs recurso de apelação, pedindo a procedência do recurso e, por via dela que fosse julgada:

a) Totalmente improcedente e não provada a exceção de caducidade deduzida pela recorrida e que obteve procedência em primeira instância;

b) Totalmente procedentes e provados os fundamentos substantivos alegados na resolução, impugnada nestes autos, com a consequente improcedência também nesta parte da ação de impugnação”.

41. Por acórdão proferido em 10 de julho de 2018 foi julgado improcedente o recurso interposto, mantendo-se a decisão recorrida, tendo sido considerado que a substituição da administradora da insolvência não tinha influência na contagem do prazo de caducidade em causa, que a anterior administradora da insolvência teve conhecimento dos factos que justificavam a resolução dos negócios no dia 3 de janeiro de 2017, que a resolução podia ser exercida até 3 de julho de 2017 e que a autora apenas tinha sido notificada da pretendida resolução no dia 18 de julho de 2017, que a carta mencionada no artigo 43.º não tinha sido devolvida por culpa da autora, já que em data anterior, como constava dos itens 37.º e 38.º, a administradora da insolvência, tinha enviado cartas com idêntica intenção para a morada da nova sede da autora, pelo que bem sabia que a respetiva sede já não era em Viseu, que a entrada em juízo da notificação judicial avulsa não suspendeu/interrompeu o prazo de caducidade, o que só veio a acontecer com a respetiva notificação em 18 de julho de 2017, ou seja, já depois de decorrido o prazo de seis meses a que se alude no artigo 123.º, n.º 1 do CIRE, que se completou no dia 3 de julho de 2017.

42. Inconformada com o acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, a ré Massa insolvente de A..., Lda.:

a. Interpôs recurso de revista excecional que não foi admitido por acórdão proferido em 04-10-2018;

b. Em 22-11-2018 foi indeferida a reclamação relativas às nulidades invocadas, cujo acórdão foi notificado em 23-11-2018;

c. Por acórdão proferido em 07-03-2019 não foi admitido o pedido de uniformização de jurisprudência;

d. Em 30 de maio de 2019 foi indeferida a arguição de nulidades relativa à decisão mencionada na alínea anterior;

e. Em 17 de setembro de 2019 foi proferida decisão sumária a não conhecer do objeto do recurso interposto pela Massa Insolvente para o Tribunal Constitucional;

f. Em 23 de outubro de 2019 o Tribunal Constitucional proferiu acórdão a indeferir a reclamação apresentada pela Massa Insolvente, em consequência, foi confirmada a decisão sumária mencionada na alínea anterior.

43. No apenso de qualificação em 26 de fevereiro de 2018 foi proferida sentença a qualificar a insolvência da sociedade A..., Lda. como culposa, tendo sido declarados afetados pela qualificação os requeridos GG, HH, II e KK, tendo sido fixado o respetivo grau de culpa dos três primeiros em ¾ e do último em ¼, em consequência, tendo sido condenados solidariamente a indemnizarem os titulares dos créditos sobre a insolvente, reconhecidos e não satisfeitos pela massa, pelo montante de setecentos e quarenta mil euros, acrescidos dos montantes que os credores deixarem de receber por força do trespasse mencionado no artigo vigésimo e pela cessação do contrato de cessão de exploração, a quantificar em liquidação de sentença.

44. Inconformados com a sentença mencionada no artigo anterior recorreram os requeridos GG, HH, II e a devedora A..., Lda., sendo que, por acórdão proferido em 28 de novembro de 2018, transitado em julgado, foi julgada parcialmente procedente a apelação da insolvente e de II na parte em que os requeridos foram condenados a indemnizar os titulares de créditos sobre a insolvente nos “montantes que os credores deixarem de receber por força do trespasse mencionado no artigo vigésimo e pela cessação do contrato de cessão de exploração, a quantificar em liquidação de sentença”, em tudo o mais tendo sido mantida a sentença recorrida.

45. Na ação de verificação ulterior de créditos que constitui o apenso O, instaurada pelo autor em 28 de dezembro de 2018, por sentença proferida em 20 de março de 2020, foi julgado reconhecido o crédito reclamado pelo autor no montante de capital, vencido no dia cinco de novembro de dois mil e dezanove, de €5.253,39 (cinco mil, duzentos e cinquenta e três euros e trinta e nove cêntimos), de natureza comum, acrescido de juros de mora, à taxa legal de quatro por cento ao ano, desde a data da instauração da ação em relação aos montantes penhorados até a esta data e, na parte restante, desde a data da penhora, crédito este (juros) de natureza subordinada, foi ainda reconhecido, como crédito sob condição suspensiva, subordinada ao pagamento por parte do autor, dos demais valores que vier a liquidar no âmbito da execução n.º 43/17...., a correr termos no Juízo de Execução ..., Juiz ..., instaurada pelo Banco 2..., S.A. contra o autor, BB, DD e CC, onde é peticionado o pagamento das seguintes quantias:

a. €287.981,15, correspondente aos valores titulados nas livranças apresentadas como títulos executivos;

b. Juros de mora à taxa legal para operações comerciais desde a data do vencimento das livranças até integral pagamento;

c. Imposto do Selo sobre os juros vincendos à taxa legal.

46. Por acórdão proferido em 17-11-2020, transitado em julgado, foi julgado improcedente o recurso interposto pela Massa insolvente de A..., Lda., tendo sido mantida a decisão recorrida.

47. No âmbito da execução n.º 43/17.... foi penhorado o vencimento auferido pelo autor e, bem assim, o prédio urbano, destinado a habitação com 4 pisos e 6 divisões, sito na Quinta ..., ..., da freguesia ... e ..., concelho ..., descrito na Conservatória dos Registos Predial, Comercial e Automóveis ... sob o n.º ...70 e inscrito na respetiva matriz sob o artigo ...43.

48. O autor, representado pelo seu mandatário, em 31 de dezembro de 2018 juntou ao processo principal o requerimento com a ref.ª 3315233 [31097820] onde menciona que “todos os negócios que visaram a perda por deslocação para terceiros dos valores patrimoniais da insolvente foram resolvidos”, que “foi ordenado por douta decisão judicial que a Farmácia ... regressasse à Massa para responder pelas dívidas da insolvente” e que por decisão judicial foi ordenada a “resolução em benefício da Massa do «trespasse» da Farmácia”.

49. O autor, representado pelo seu mandatário, em 21 de janeiro de 2019 juntou ao processo principal o requerimento com a ref.ª 3350158 [31287903] onde refere que tinha “um pressuposto errado, que involuntariamente interpretou de forma errada, não relevando agora o que esteve na causa do equívoco: o de que fora decretada a Resolução da transmissão a favor da B... Lda.”.

50. Pelo menos, em 21 de janeiro de 2019 o autor teve conhecimento da procedência das impugnações das resoluções em benefício da massa insolvente.

51. Por carta datada de 13 de março de 2019, remetida em 14 de março de 2019, o autor e mulher remeteram à ré a carta que constitui o documento 7 da petição inicial onde referem, em síntese, que lhes foi transmitido pelo seu Advogado, que a sociedade A..., Lda. não tinha qualquer património a liquidar porque “a carta de Resolução do trespasse celebrado a favor da F... que V: Exa. elaborou, em cumprimento do disposto nos artigos 120 e ss do CIRE não foi elaborada conforme à lei, e só por esse motivo a Cessionária obteve ganho de causa em Tribunal. Tal ocorrência resultou em manifesto prejuízo de todos os credores, nosso em particular, pois além de não termos recebido grande parte do preço da cessão, estamos a ser penhorados por responsabilidades que rondam os 500.000€ que serão muito difíceis senão impossível de recuperar junto dos cessionários das quotas, mas primeiramente por direito de regresso sobre a sociedade insolvente. É nosso entendimento que a eventual impossibilidade de recuperação dos nossos créditos pode ser assacada, porque existe relação causal, ao ato de resolução mal fundamentado por V. Exa. no exercício da função de Administradora da Insolvência (…) sendo manifesto que uma correta e fundamentada carta, como previsto o art.º 123.º do CIRE, teria conduzido com substancial segurança à improcedência da Ação de impugnação promovida pela F... Lda. Assim, na perspetiva futura de imputação dos danos que venhamos a sofrer, poderem ser efetivamente ressarcidos, solicitamos informação sobre V: Exa. é beneficiária de alguma Apólice de Seguro de responsabilidade civil, para podermos fazer tal participação formal do sinistro”.

52. Em 2 de julho de 2019, a Massa Insolvente de A..., Lda. representada pela ré FF intentou a ação declarativa que constitui o apenso P contra GG, QQ a e II, invocando o disposto nas alíneas a) e b) do n.º 3 do artigo 82º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas e nos artigos 64.º, 72.º e 78.º do Código das Sociedades Comerciais, pedindo que:

a) que fosse reconhecida e decretada a responsabilidade civil com base em culpa grave de todos os réus, na dissipação do património da insolvente A..., Lda., pelas escrituras juntas sob documentos 1 e 4, bem como pelo expediente da cessão de exploração, logo a seguir rescindido, e

b) que fosse reconhecido e decretado que foi causado um prejuízo de €1.086.000,00 à sociedade insolvente, que ficou sem qualquer atividade ou ativo, e aos seus credores, em função da atuação dos gerentes de direito da insolvente A..., Lda., os dois primeiros réus, bem como do gerente de facto, o terceiro réu, valor este correspondente ao montante não recebido pelo valor real do estabelecimento de €750.000,00, bem como ao valor de venda do imóvel de €336.000,00, logo devolvido pela insolvente, por força de um contrato de cessão de exploração, contrato este rescindido logo a seguir;

c) a condenação solidária dos RR. no pagamento à autora da quantia de €1.086.000,00, correspondente ao prejuízo ocorrido, verba essa destinada a posterior rateio pelos credores com a efetiva satisfação dos seus créditos, crescida de juros desde a data da citação.

53. Na audiência prévia, realizada em 01-09-2020, foi proferido despacho saneador, no qual foi julgada julgou improcedente a exceção dilatória de caso julgado e, por falta de interesse em agir da autora em relação ao montante de €740.000,00, o valor do estabelecimento, absolvendo-se os réus da instância em relação a este pedido.

54. Por sentença proferida no apenso P em 13-05-2021, em relação ao pagamento da importância de €346.000,00, foi julgada a ação improcedente, por não provada e, em consequência, os réus foram absolvidos do pedido, tendo sido julgado provado, entre outros, o seguinte facto:

- “22. O pagamento do montante mencionado no artigo anterior [está em causa o valor referido no artigo 14.º dos factos provados] e demais valores que se encontravam em dívida no âmbito do contrato de locação financeira imobiliária, no valor total de €411.786,15, foram liquidados pela sociedade A..., Lda. através de cheque visado, com o n.º ...32, no montante de €411.786,15, emitido pela agora insolvente, sacado sobre a conta de depósitos à ordem com o n.º ...08 de que era titular na Banco 1..., C.R.L., montante esse que foi depositado na sua conta pela sociedade B..., Lda.

55. A mencionada autora, inconformada, interpôs recurso de apelação que por acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 26-10-2021 foi julgado improcedente, tendo sido confirmada a sentença proferida.

56. Inconformada, a autora apresentou recurso de revista excecional que não foi admitida.

57. Em 27 de julho de 2021, a Massa Insolvente de A..., Lda., representada pela ré FF instaurou contra II, HH, KK e GG execução para pagamento das quantias que estes executados foram condenados a pagar no apenso de qualificação, tendo peticionado o pagamento da importância de €740.000,00.

58. A “Farmácia ...” está a ser explorada por terceiro às sociedades mencionados nos factos provados, por força de negócio celebrado em termos não apurados.

59. O agregado familiar do autor AA é composto pelo próprio, mulher e três filhos, com 17, 15 e 12 anos de idade, encontrando-se a filha mais velha a estudar no ... e a residir em casa de um irmão e cunhada do autor.

60. A mulher do autor está desempregada e não recebe subsídio de desemprego.

61. Por força da penhora do salário do autor e do desemprego da mulher têm tido dificuldades na aquisição dos bens necessários ao seu sustento, incluindo roupa e medicamentos, nem têm rendimentos para gozar férias.

62. Em resultado dos factos mencionados no artigo anterior e, bem assim, do incumprimento do contrato de cessão de quotas celebrado, entre outros, pelo cônjuge do autor com GG e mulher HH, que incluía o pagamento pelos cessionários do valor do passivo da sociedade A..., Lda., no valor de €731.358,55, o autor tem sentido malestar, tristeza, angústia e sofrimento.

63. O autor é professor e pertence aos órgãos de gestão da escola onde leciona.

64. Era considerado como pessoa cumpridora.

65. A situação de insolvência da sociedade A..., Lda., o não cumprimento do mencionado contrato de cessão quotas e as dificuldades económicas vivenciadas pelo autor e agregado familiar são de conhecimento de parte das pessoas que convivem com o autor.

66. A presente ação foi instaurada em 31 de dezembro de 2020.

67. A ré FF foi citada em 7 de janeiro de 2021.


*

B. Subsunção dos factos ao direito

2. Se a decisão recorrida errou na interpretação dos artigos 59º e 120º do CIRE – para a prova do dano e do nexo de causalidade entre o facto e o dano não se exige uma certeza, bastando a probabilidade.

O autor intenta a presente ação contra o Administrador de Insolvência com fundamento em que, tendo a A.I., FF, procedido à resolução para a massa dos negócios de compra e venda do imóvel e de trespasse do estabelecimento de farmácia celebrados entre a insolvente e a B..., a 07 de abril de 2016, as impugnações deduzidas contra a resolução de tais negócios vieram a ser julgadas procedentes, sendo que, se tais negócios tivessem sido devidamente resolvidos, estariam assegurados os créditos existentes sobre a insolvente.

Com base em tal causa de pedir pede a condenação do A.I. a pagar a quantia correspondente aos montantes ou valores dos bens que lhe foram ou venham a ser penhorados no âmbito de um processo executivo que contra si foi instaurado por dívidas da insolvente e das quais foi avalista, bem como numa indemnização por danos não patrimoniais por si sofridos.

A decisão recorrida, veio a julgar a ação improcedente, por falta de prova do dano e da conexão entre o dano e o facto ilícito, analisando os requisitos da responsabilidade civil do administrador de insolvência prevista no nº1 do artigo 59º, do CIRE, com base no seguinte raciocínio lógico, que assim se sintetiza:

- a responsabilidade do Administrador de Insolvência (A.I.) nos termos do art. 59º do CIRE pressupõe que aquele tenha causado danos ao autor, pela violação, com culpa dos deveres que sobre ela recaem;

- a resolução em benefício da massa, regulada nos arts. 120º a 126º do CIRE, corresponde a um efeito não automático da declaração de insolvência e só opera em relação aos atos prejudiciais à massa, prejudicialidade que, tal como a má-fé de terceiro, têm de ser demonstradas;

- quanto ao negócio de compra e venda do imóvel, não resulta demonstrada a existência de prejuízo para a massa insolvente decorrente da sua transmissão, não se podendo afirmar que tenha havido efetiva diminuição do património da insolvente, conforme o decidido no Apenso P);

- quanto ao negócio de trespasse do estabelecimento, embora seja de admitir que esteja em causa ato prejudicial por reduzir a satisfação dos credores da insolvência – a transmissão foi efetuada por valor inferior ao de mercado, diminuindo e frustrou a satisfação dos credores da insolvência –, a 30-12-2016 foi efetuado pedido de averbamento da cessão de exploração do estabelecimento de farmácia a favor da sociedade F..., Lda., alegando o autor que tal estabelecimento foi transacionado por um valor aproximado, senão mesmo superior a um milhão de euros, sem qualquer alegação relativamente à relação desta sociedade com a insolvente, a B... ou com os requeridos, no incidente de qualificação de insolvência, incluindo a data de transmissão;

encontrando-se em causa um “terceiro” ao negócio resolvido, a oponibilidade da resolução do ato a transmissários posteriores pressupõe a má-fé destes, salvo no caso de sucessores a titulo universal ou se a nova transmissão tiver ocorrido a título gratuito;

na falta de alegação e prova dos factos relativos à oponibilidade da resolução em relação à transmissão efetuada a favor da “F...”, a procedência da impugnação da resolução poderia não se oponível à mesma, sendo que só em caso de oponibilidade é que se poderia equacionar que os bens fossem integrados na massa insolvente;

- de qualquer modo, sempre o autor poderia, ele próprio, ter instaurado ação de declaração de nulidade do negócio por simulação e de impugnação pauliana:

(…) Por força da falta de fundamentação da resolução em benefício da massa insolvente e do decurso do prazo da resolução, ficou afastada a possibilidade de se apurar se estavam ou não verificados os requisitos da resolução em benefício da massa insolvente.

Mas esse comportamento impediu, de forma definitiva, que o autor obtivesse o pagamento do seu crédito através do valor do estabelecimento ou do imóvel?

A certeza desse dano e a imputação do nexo de causalidade pressupunha que o autor estivesse impossibilitado de impugnar os negócios objeto de resolução em benefício da massa insolvente e que, por força do comportamento da ré, tivesse ficado afastada, de forma definitiva, essa possibilidade.

O autor alega na petição inicial que as vendas foram efetuadas de forma simulada.

Apesar de não ter concretizado essa conclusão, certo é que um negócio simulado é nulo (art.º 240.º, n.º 2, do Código Civil, sem prejuízo do que dispõe o artigo 241.º em relação à simulação relativa).

A nulidade pode ser invocada por qualquer interessado (art.º 286.º do Código Civil).

Por outro lado, de forma decisiva, antes da resolução em benefício da massa insolvente e após a procedência das impugnações das resoluções em benefício da massa insolvente, não estava afastada a possibilidade do autor instaurar ação de impugnação pauliana em relação aos negócios de compra e venda e trespasse mencionados nos artigos 15.º e 17.º.

Essa possibilidade chegou a ser analisada pela comissão de credores (na ata da comissão de credores junta ao processo principal em 06-08-2019 – ref.ª 3692964 [33152071] – a credora G... ficou de analisar a situação, tendo a OCP de imediato afastado essa possibilidade, por ter considerado que estava em causa ação de “difícil prova e que arrastaria indefinidamente o processo, sem vantagem para os credores”).

A ação de impugnação pauliana pode ser instaurada por qualquer credor e não depende de qualquer decisão da comissão de credores.

O artigo 127.º dispõe o seguinte:

“1 - É vedada aos credores da insolvência a instauração de novas ações de impugnação pauliana de atos praticados pelo devedor cuja resolução haja sido declarada pelo administrador da insolvência.

2 - As ações de impugnação pauliana pendentes à data da declaração da insolvência ou propostas ulteriormente não serão apensas ao processo de insolvência, e, em caso de resolução do ato pelo administrador da insolvência, só prosseguirão os seus termos se tal resolução vier a ser declarada ineficaz por decisão definitiva, a qual terá força vinculativa no âmbito daquelas ações quanto às questões que tenha apreciado, desde que não ofenda caso julgado de formação anterior.

3 - Julgada procedente a ação de impugnação, o interesse do credor que a tenha instaurado é aferido, para efeitos do artigo 616.º do Código Civil, com abstração das modificações introduzidas ao seu crédito por um eventual plano de insolvência ou de pagamentos”.

O número 1 do artigo 127.º só afasta a possibilidade de os credores instaurarem novas ações de impugnação pauliana em relação aos atos praticados pelo devedor cuja resolução haja sido declarada pelo administrador da insolvência. Deste modo, não tendo havido resolução em benefício da massa insolvente ou não tendo a resolução sido efetuada de forma válida os credores podiam intentar ações de impugnação pauliana, sendo certo que o número 2 refere de forma expressa as ações de impugnação pauliana instauradas ulteriormente à data da declaração de insolvência. Como mencionam Luís A. Carvalho Fernandes e João Labareda, “daqui decorre que é permitida aos credores a impugnação quanto a atos que não tenham sido objeto de resolução pelo administrador, conclusão que, aliás, é reforçada pelo texto da parte inicial do n.º 2” –CIRE Anotado, 3.ª edição, pág. 517, nota 2.

A resolução em benefício da massa insolvente é um meio de conservação da generalidade dos credores, enquanto que a impugnação pauliana só aproveita ao impugnante nos termos que decorrem do n.º 3 do artigo 127.º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas e 616.º do Código Civil (cfr.,…).

O artigo 610.º do Código Civil dispõe o seguinte:

“(…).

A impugnação pauliana dos atos realizados a título oneroso está dependente da má fé do devedor e do terceiro, entendendo-se como má fé a consciência do prejuízo que o ato causa ao credor (art.º 612.º, n.º 2), competindo ao devedor ou ao terceiro a prova de que o obrigado possui bens penhoráveis de igual ou maior valor (art.º 611.º, ambos do Código Civil).

(…)

O prazo para deduzir a impugnação pauliana será superior ao da resolução em benefício da massa insolvente, na medida em que o direito de impugnar caduca ao fim de cinco anos, contados da data do ato impugnável, prazo esse que terá terminado em 7 de abril de 2021.

O autor optou por não impugnar os atos mencionados nos artigos 15.º e 17.º, pelo menos, nada alegou no sentido de que tenha instaurado qualquer ação de impugnação pauliana.

O autor nada alegou no sentido de existir qualquer impossibilidade de instaurar essa ação.

Se tivesse instaurado ação de impugnação pauliana e se a mesma tivesse julgada procedente poderia executar os bens, alvo da impugnação, no património do terceiro adquirente (art.º 616.º do Código Civil e 127.º, n.º 3 do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas), para satisfação do seu crédito, assegurando, assim, o pagamento do seu crédito.

Nada tendo feito e não tendo demonstrado que estavam verificados os requisitos da resolução em benefício da massa insolvente, pelo menos em relação ao imóvel, e, bem assim, que a resolução seria oponível aos transmissários, não se pode considerar, por um lado, que foi por ato da administradora da insolvência que ficou afastada a possibilidade de executar os bens para satisfação do seu crédito e, bem assim, que foi em resultado da atuação da administradora da insolvência que foi instaurada a execução na qual é executado.

Por conseguinte, o autor não demonstrou, como lhe competia, a existência de dano e nexo de causalidade, no sentido de que os danos derivam da inobservância culposa dos deveres que incumbem à administradora da insolvência e que, por força da atuação da mesma, ficou impossibilitado de intentar ação de impugnação judicial e, bem assim, de executar os bens transmitidos (imóvel e estabelecimento), o que determina a improcedência da ação.”

Os fundamentos com base nos quais a decisão recorrida veio a considerar não verificado o circunstancialismo do artigo 59º, nº1 do CIRE, por falta de prova do nexo de imputação dos danos sofridos pelo autor – que viu os seus bens penhorados e execução –  ao comportamento do A.I. – que viu julgadas procedentes as ações de impugnação da resolução dos negócio de venda do imóvel e de trespasse do estabelecimento da insolvente para a B...”, por falta de fundamentação da resolução por si operada e decurso de prazo de caducidade –, resumem-se aos seguintes:

1. em relação ao negócio de compra e venda do imóvel, não se encontra demonstrada a prejudicialidade do mesmo para a massa falida, pelo que tal negócio não cumpria os requisitos de resolução previstos no art.120º do CIRE;

2. quanto ao negócio de trespasse da farmácia, se se admite a existência de prejuízo para a massa insolvente, e ainda que a ação de impugnação de resolução para a massa viesse, nesta parte, a ser julgada improcedente, com a consequente manutenção da resolução do negócio, o facto de, posteriormente tal estabelecimento ter sido transmitido a terceiro (alegadamente por negócio oneroso, segundo o autor), sempre impediria a oponibilidade da resolução a este terceiro, sem a qual os bens se encontrariam impedidos de ingressar na massa.

3. de qualquer modo, a procedência da ação de impugnação não impediu de forma definitiva, que o autor obtivesse o pagamento do seu crédito através do valor do estabelecimento ou do imóvel, porquanto:

- alegando o autor que tais vendas foram simuladas, poderia ter instaurado ação de simulação, nos termos dos arts. 240º, nº2, do CC;
- assim como, quer antes da antes da resolução em benefício da massa insolvente, quer após a procedência das impugnações das resoluções em benefício da massa insolvente, não estava afastada a possibilidade de o autor ter instaurado, ele próprio, ação de impugnação pauliana em relação aos negócios de compra e venda e trespasse mencionados nos art.s 15 e 17, cujo prazo terá terminado a 07.04.2021.


*

Insurge-se o Apelante contra o decidido, alegando que o tribunal fez uma errada interpretação do disposto no artigo 59º e 120º do CIRE, a par dos artigos 610º, 616º, 483º e 563º todos do Código Civil:

1.a. da não demonstração de um nexo de causalidade, no sentido de os danos derivarem da inobservância culposa dos deveres que incumbem ao AI:

- refere o tribunal que a certeza do dano e a imputação do nexo de causalidade pressupunham que o autor estivesse impossibilitado de impugnar os negócios objeto de resolução em benefício da massa insolvente, no pressuposto de que o autor poderia ter lançado mão da ação de impugnação pauliana; resultou provado que por força da falta de fundamentação da resolução e do decurso do prazo, ficou afastada a possibilidade de se apurar se estavam ou não os requisitos da resolução em beneficio da massa insolvente; assim, resultou provado que a responsabilidade do A.I. advém do exercício das suas funções;

- quanto aos danos sofridos pelo recorrente, ficou provado que, na sequência da atuação do A.I., veio penhorado o vencimento e a casa de habitação do executado/recorrente, atenta a insolvabilidade da A...:

“61. Por força da penhora do salário do autor e do desempregado da mulher têm tido dificuldades na aquisição dos bens necessários ao seu sustento, incluindo roupa e medicamentos, nem têm rendimentos para gozar férias.”

“62. Em resultado dos factos mencionados no artigo anterior e, bem assim, do incumprimento do contrato de cessão de quotas celebrado, entre outros, pelo cônjuge do autor com GG e mulher HH, que incluía o pagamento pelos cessionários do valor do passivo da sociedade A..., Lda., no valor de €731.358,55, o autor tem sentido mal-estar, tristeza, angústia e sofrimento.”.

“65. A situação de insolvência da sociedade A..., Lda., o não cumprimento do mencionado contrato de cessão de quotas e as dificuldades económicas vivenciadas pelo autor e agregado familiar são do conhecimento de parte das pessoas que convivem com o autor.”.

- foi por ato da administradora da insolvência que ficou afastada a possibilidade de executar os bens para satisfação do seu crédito e foi em resultado da atuação da administradora de insolvência que foi instaurada a execução na qual é executado;

- para o juízo de causalidade basta que ocorra uma conexão entre causa-efeito atenta a conduta ilícita perpetrada pelo A.I. e o dano, sendo a Ré a única responsável pelas circunstâncias que levaram à impossibilidade de solvabilidade da insolvente: os danos decorrem da insolvabilidade da insolvente imputada à invalida resolução dos negócios de venda e trespasse pela AI, insolvabilidade que nunca poderia ser revertida/corrigida com a dedução de impugnação pelo recorrente;

- nos termos do art. 59.º, no que ao nexo de causalidade concerne, pretendeu o legislador salvaguardar/ proteger os credores da massa insolvente, impondo a compensação dos prejuízos causados pela atividade do administrador da insolvência, por a massa não ser suficiente para compensar os créditos que os credores sobre ela detêm, em virtude de um ato culposo praticado pelo A.I. no exercício das suas funções;

- para ocorrer a responsabilização do A.I. – além da insuficiência da massa por facto imputável ao mesmo, deve o dano ser causado por causa do A.I. (nexo de causalidade), no que a esta parte respeita, exige-se apenas que, não podendo a atuação do A.I. levar ao aumento do passivo nem à diminuição do ativo, dificultando ou impossibilitando a capacidade de pagamento das dívidas na totalidade, ESSA INSUFICIÊNCIA NÃO OCORRA POR CAUSA ALHEIA AO ADMINISTRADOR; e, no caso, como é bom de ver, essa insuficiência ocorreu pela não resolução tempestiva dos negócios pela A. I. e, não poderá, de modo algum vir imputada ao recorrente nem poderá tão-pouco dizer-se que a insuficiência poderia vir suprida com a dedução de impugnação pauliana quando se tratam de institutos que visam fins manifestamente diversos;

- o crédito do recorrente advém, única e exclusivamente da não resolução em benefício da massa cuja responsabilidade se pretende assacar ao AI, sendo que, apenas porque a insolvente não liquidou os créditos perante os demais credores, veio o recorrente constituir-se credor em face da factualidade que alega;

1.b. impossibilidade de intentar ação de impugnação judicial e bem, assim, de executar os bens transmitidos;

- o autor estava impossibilitado de impugnar os negócios objetos de resolução em benefício da massa, podendo apenas fazê-lo em relação ao seu crédito, sendo que a procedência de uma impugnação pauliana apenas a si aproveitaria.

- em 2019, quando a possibilidade da impugnação pauliana havia sido analisada pela comissão de credores, o recorrente não era credor reconhecido, não dispondo dos elementos necessários à anulação dos negócios:

só em 20.03.2020, viu o seu crédito reconhecido por sentença proferida em ação ulterior de créditos e só a 21.01.2019 teve acesso aos autos e apurou da procedência das impugnações das resoluções em beneficio da massa insolvente;

a 20.03.2020, encontrava-se pendente uma ação para que fosse reconhecida e decretada a responsabilidade civil com base em culpa grave de todos os réus na dissipação do património da insolvente e reconhecido/decretado o prejuízo causado à insolvente e demais credores, ação em que apenas veio a ser proferida sentença em 13.05.2021.


*

Cumpre apreciar.
Dispõe artigo 59º do CIRE, nos seus ns. 1 e 2, sob a epigrafe: “Responsabilidade”

1 - O administrador da insolvência responde pelos danos causados ao devedor e aos credores da insolvência e da massa insolvente pela inobservância culposa dos deveres que lhe incumbem; a culpa é apreciada pela diligência de um administrador da insolvência criterioso e ordenado.
2 - O administrador da insolvência responde igualmente pelos danos causados aos credores da massa insolvente se esta for insuficiente para satisfazer integralmente os respetivos direitos e estes resultarem de acto do administrador, salvo o caso de imprevisibilidade da insuficiência da massa, tendo em conta as circunstâncias conhecidas do administrador e aquelas que ele não devia ignorar.

Antes de mais, cumpre salientar que, sendo o autor um credor da insolvência, e não um credor da massa insolvente[9], apenas se encontra em discussão a responsabilidade prevista no nº1 do artigo 59º e, já não, a do seu nº2.

Com efeito, enquanto sob o nº1 se prevê a responsabilidade do administrador da insolvência pelos danos causados, ao devedor, aos credores da insolvência e aos credores da massa insolvente, o nº2 prevê uma causa especial de responsabilidade pelos danos causados aos “credores da massa insolvente”, “se esta for insuficiente para satisfazer integralmente os respetivos direitos e estes resultarem de ato do administrador”.

Dito por outras palavras e para que não fiquem dúvidas, a causa de responsabilidade do administrador pela insuficiência da massa prevista no nº2, só se encontra prevista relativamente aos credores da massa falida. Tal responsabilidade “significa que o administrador não deverá contrair dívidas ou responsabilidades sobre a massa que esta não venha a conseguir suportar e só não será por isso responsável se, quando as contraiu, fosse então imprevisível que assim pudesse vir a suceder[10].

Incumbe igualmente deixar claro não ser possível afirmar, que “o crédito do recorrente advém, única e exclusivamente da não resolução em benefício da massa cuja responsabilidade se pretende assacar ao AI, sendo que, apenas porque a insolvente não liquidou os créditos perante os demais credores, veio o recorrente constituir-se credor em face da factualidade que alega”.

Vejamos qual a origem do crédito do autor.

O aqui autor foi executado, na qualidade de avalista, por incumprimento do contrato de abertura de conta corrente, celebrado a 17 de novembro de 2004, no âmbito do processo executivo nº ...7..., que contra si foi movido pelo Banco 2..., tendo visto o seu vencimento penhorado a partir de abril de 2017.

Ou, seja, o crédito do autor sobre a insolvência constitui-se, porquanto, tendo sido avalista de determinadas obrigações contraídas pela insolvente, o respetivo credor Banco 2..., em inícios de 2017, instaurou contra si uma execução para cobrança dos montantes em dívida, tendo o autor o direito a requerer o respetivo reembolso à medida que lhe forem sendo penhorados tais montantes. O autor será credor da insolvência, à medida dos montantes que lhe forem sendo penhorados para satisfação da dívida de que é avalista.

É esta a causa da constituição do seu crédito.

A partir do momento em que a insolvente entrou em incumprimento, e este é anterior à data de declaração de insolvência, encontrando-se consagrada a responsabilidade solidária do avalista (artigos 32º, nº1, e 47º, nº1, da LULL), o Banco credor era livre de instaurar contra si execução, independentemente da situação da insolvente e sem, sequer, esperar pela declaração de insolvência desta.

Passamos agora à questão de saber se podemos afirmar que o crédito do autor não veio a ser satisfeito por um ato do administrador judicial.

Segundo a Apelante, o comportamento da A.I. foi a causa da insolvabilidade da devedora e da existência do seu próprio crédito:

- a procedência das ações de impugnação dos atos de resolução dos negócios para a massa – imputável à Administradora de Insolvência, a 1ª por falta de fundamentação e segunda por intempestiva – impediu o retorno dos bens para a massa;

- não fora a procedência da impugnação de ambas as resoluções levadas a cabo pela Administradora de Insolvência – a 1ª por falta de fundamentação e a 2ª por manifesta intempestividade, e estariam assegurados os créditos sobre a insolvente, e nenhuma responsabilidade viria assacada aos autores, na medida em que nada teriam que ter pagado na qualidade de avalistas.

A decisão recorrida afastou a responsabilidade da A.I. quanto aos alegados danos suportados pelo autor, apoiando-se nos seguintes fundamentos:

- quanto ao negócio de compra e venda do imóvel, não se encontra demonstrada a prejudicialidade para a massa insolvente, não sendo passível de resolução para a massa;

- quanto ao negócio de trespasse, se se encontra demonstrada a prejudicialidade (chama-se a atenção de que, se ação prosseguisse, não era certo que a viesse a ser julgada procedente), e a ainda que a ação de impugnação fosse julgada improcedesse, o facto de posteriormente o estabelecimento ter sido transmitido a um terceiro, alegadamente por negócio oneroso), sempre impediria a oponibilidade da resolução a este terceiro, sem a qual os bens se encontrariam impedidos de ingressar na massa.

Ora, relativamente a estas circunstâncias que, no entendimento da decisão recorrida, levariam a que se entendesse que, independentemente da autuação do A.I., não se se encontra demostrado que o autor pudesse contar com aqueles bens para satisfação do seu crédito – o negócio de compra do imóvel não era resolúvel por falta de prejudicialidade para a massa, e mesmo que a resolução do trespasse tivesse sido válida, o facto de existir uma posterior transmissão a um terceiro, impediria que a oponibilidade da resolução a este terceiro e o regresso do bem à massa – o Apelante nada diz.

O Apelante faz incidir as suas discordâncias unicamente numa alegada impossibilidade da sua parte de instaurar uma ação pauliana: aceitando que esta podia ser deduzida até 07.04.2021, alega que não dispunha de elementos para tal.

Ora, tendo sido dado como provado que o autor tomou conhecimento da procedência das impugnações em benefício da massa insolvente em 21 de janeiro de 2019, instaurando a presente ação em 31 de dezembro de 2020, se não conseguiu reunir os elementos necessários tal ausência sempre lhe seria imputável.

Quanto ao facto de tal ação de impugnação apenas ao autor poder aproveitar e já não à generalidade dos credores da massa, será irrelevante para a situação em apreço, uma vez que aqui apenas se encontram em causa os danos sofridos pelo autor pelo facto de tais bens não terem vindo a ingressar no património da devedora/massa insolvente.

De qualquer modo, ainda que este tribunal viesse a reconhecer que, por algum motivo, não assistia ao autor o direito de recorrer à impugnação pauliana, sempre permaneceriam de pé os demais fundamentos em que a decisão recorrida fez assentar a ausência de relação de causalidade entre os danos do autor e o comportamento do AI, nomeadamente:

- não resultar demonstrada a existência de prejuízo para a massa insolvente decorrente da transmissão do imóvel, não se podendo afirmar que tenha havido efetiva diminuição do património da insolvente, conforme o decidido no Apenso P);

- quanto ao trespasse, embora fosse de admitir que esteja em causa ato prejudicial por reduzir a satisfação dos credores da insolvência, na falta de alegação e prova dos factos relativos à oponibilidade da resolução em relação à transmissão efetuada a favor de um terceiro, “F...”, a procedência da impugnação da resolução poderia não se oponível à mesma, sendo que só em caso de oponibilidade é que se poderia equacionar que os bens fossem integrados na massa insolvente.

Não se pode, assim, afirmar que a situação de insolvência da devedora provenha do comportamento do A.I.: à data da declaração de insolvência, quer o imóvel, quer o estabelecimento de farmácia, já não faziam parte do património da devedora. É certo que o administrador de insolvência entendeu ser de proceder à resolução de tais negócios em benefício da massa e que se tal resolução não tivesse sido precedentemente impugnada, poderia ter sido possível o reingresso de tais bens ao património da massa insolvente.

Contudo, a procedência das ações de impugnação das resoluções dos negócios operada pelo A.I. – com a não reversão dos bens para a massa – não é o bastante para se afirmar que essa não restituição seja de imputar ao comportamento do A.I.

Desde logo porque, como se afirma na decisão recorrida, nem sequer se encontram alegados factos suficientes para demonstrar que, caso a decisão se encontrasse devidamente fundamentada e que a comunicação de resolução tivesse sido tempestiva, se verificariam os pressupostos necessários à resolução dos negócios para a massa: a) quanto ao negócio da venda do imóvel, a decisão recorrida considera não se encontrar demonstrada a prejudicialidade do mesmo para a massa; b) quanto ao trespasse do estabelecimento, existe um posterior negócio para terceiro, relativamente ao qual não são alegados quaisquer factos dos quais se possa extrair a oponibilidade da resolução a essa terceiro.

A apelação sempre seria, assim, de improceder.


*

IV – DECISÃO

 Pelo exposto, acordam os juízes deste tribunal da Relação em julgar improcedente a Apelação, confirmando-se a decisão recorrida.

Custas a suportar pela Autora/Apelante

                                               Coimbra, 12 de setembro de 2023       


 V – Sumário elaborado nos termos do art. 663º, nº7 do CPC.
(…)


[1] É a posição adotada nos Acórdãos do TRG de 29-11-2011, relatado por Jorge Teixeira e do TRE de 04-12-2019, relatado por José Barata, disponível in www.dgsi.pt.
[2] Cfr., Acórdão do Tribunal Constitucional de 15-05-2019, relatado por Joana Fernandes Costa, disponível in www.dgsi.pt.
[3] Será o caso também das ações cuja apensação é decretada ao abrigo dos artigos 85º e 86º (que dizem genericamente respeito a ações relacionadas com a massa insolvente), ações relativas a dívidas da massa insolvente (artigo 89º, nº2) e as ações de impugnação da resolução em benefício da massa insolvente (artigo 125º), relativamente às quais o legislador é expresso a determinar a sua apensação ao processo de insolvência.
[4] Luís Carvalho Fernandes e Luís Labareda afirmam, contudo, em anotação ao artigo 59º que não existindo nenhuma disposição que só por si sustente a conclusão de a ação de responsabilidade constituir um incidente ou um apenso do processo, deverá ser autuada por apenso, por a responsabilidade do administrador, resultando da violação funcional de deveres que lhe incumbem, é originada no próprio devir processual e, constituiu, por isso, uma questão inteiramente conexionada com a insolvência – “Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas Anotado”, 2ª ed., Quid Juris, Lisboa 2013,
[5] Acórdão do STJ de 16-06-2017, relatado por Salazar Casanova, disponível in www.dgsi.pt.
[6] Acórdão do STJ relatado por Maria Olinda Garcia, disponível in www.dgsi.pt.
[7] Acórdão do Tribunal Constitucional de 15 de maio de 2019, relatado por Joana Fernandes Costa.
[8] Cfr., Acórdão do Tribunal Constitucional citado.
[9] São créditos sobre a insolvência, não só, todos os créditos com fundamento anterior à declaração de insolvência  (nº1 do do artigo 47º CIRE), mas ainda aqueles que, tendo embora fundamento posterior à insolvência não se enquadrem no conceito de créditos sobre a massa insolvente – sendo estes aqueles que, tendo fundamento posterior a esta data, apresentem um nexo causal entre as dividas e o processo de insolvência, sendo previsíveis e naturais a este e consequência do mesmo (ex. dívidas por custas e remuneração do administrador, divida resultante de contrato bilateral cuja execução não tenha sido recusada pelo administrador de insolvência) – para melhor compreensão, cfr., Catarina Serra, Lições de Direito da Insolvência, Almedina, pp. 65-68.
[10] Pedro Pais de Vasconcelos, “Responsabilidade do administrador de insolvência”, in II Congresso de Direito da Insolvência, Coord. Catarina Serra, Almedina, p.199.