Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
21/13.3GCPBL.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: MARIA PILAR DE OLIVEIRA
Descritores: INJÚRIAS GRAVES
IDONEIDADE
OFENSAS À HONRA
Data do Acordão: 10/16/2013
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DE POMBAL (2.º JUÍZO)
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO CRIMINAL
Decisão: REVOGADA
Legislação Nacional: ARTIGOS 181.º, N.º 1, 184.º E 132.º, N.º 2, ALÍNEA L), DO CP
Sumário: I - A expressão “ponham-se no caralho seus cães; quem manda aqui sou eu; ponham-se no caralho, senão fodo-vos o focinho”, dirigidas pelo arguido a órgão de polícia criminal, na sua globalidade, ultrapassa o limite da linguagem grosseira, boçal, ordinária, porquanto o termo “cão”, no contexto em que foi utilizado, não tem outro significado senão o de “homem desprezível, sem qualidade humana”.

II - Nestes termos, a descrita factualidade preenche o tipo objectivo do crime de injúria agravado, p. e p. pelos artigos 181.º, n.º 1, 184.º e 132.º, n.º 2, alínea l), do CP.

Decisão Texto Integral: Acordam, em conferência, no Tribunal da Relação de Coimbra:

I. Relatório
Nos autos de processo sumário 21/13.3GCPBL do 2º Juízo do Tribunal Judicial de Pombal, o arguido A..., identificado nos autos, foi submetido a julgamento acusado da prática de dois crimes de injúria p. e p. pelos artigos 181º, nº 1, 184º e 188º, nº 1, alínea a), por referência ao artigo 132º, nº 2, alínea l), todos do Código Penal.
Realizada a audiência de julgamento, em 4 de Fevereiro de 2013 foi proferida sentença que absolveu o arguido.
Inconformado, recorreu o Ministério Público, extraindo da respectiva motivação as seguintes conclusões:
A. O Tribunal a quo laborou, salvo melhor entendimento, em erro evidente ao considerar que as afirmações produzidas pelo arguido devem ser entendidas, não como uma injúrias, mas meramente como expressões grosseiras, pois que aquelas afirmações têm, conforme demonstrado, um significado inequivocamente ofensivo da honra e consideração à luz dos padrões médios de valoração social.
B. Atentos os factos dados como provados bem como atendendo ao circunstancialismo do caso, apenas se poderá concluir que as expressões utilizadas pelo arguido "o que é que vocês estão aqui a fazer? Ponham-se no caralho seus cães: quem manda aqui sou eu, ponham-se no caralho senão fodo-vos o focinho" traduzem um juízo de valor ofensivo para a honra e consideração dos Guardas da G.N.R., comportando em si uma carga pejorativa que se traduz num facto que humilha e envergonha o respectivo destinatário;
C. Tais expressões consubstanciam materialmente o tipo objectivo do ilícito previsto no disposto no artigo 181.º, n.º 1 e agravado pelo artigo 184.º do código Penal;
D. A acção do arguido ao dirigir-se aos Guardas da GNR imputando-lhes factos ofensivos ou fazendo juízos de valor depreciativos em relação aos mesmos, como ocorreu nos presentes autos, não cabe dentro da margem de tolerância admissível que se atribuiu à comunicação entre as pessoas, uma vez que não se trata do uso de juízos e palavras desagradáveis.
E. Foi dada como matéria de facto não provada que, "Não obstante, o arguido, sabendo que as expressões supra narradas e por si proferidas eram idóneas a ofender a honra, a dignidade e a consideração devidas aos agentes de autoridade a quem as dirigiu, agiu com essa intenção e propósito, o que conseguiu, bem como o intuito de os contrariar na sua missão, bem sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei penal".
F. Tal factualidade deveria ter sido dada como provada, atentas as provas existentes nos autos e produzidas em sede de audiência de discussão e julgamento, desde logo os depoimentos das testemunhas C... - gravadas no sistema H@bilus Media Studio, durante 00:06:50, na sessão de reprodução de 24.0l.2013, entre o minuto 16:54:25 a 17:01:15 e prestadas ao minuto 02: 30 e seguintes até ao minuto 03: 50 a Instância da Magistrada do Ministério Público - e D...- gravadas no sistema H@bilus Media Studio, durante 00:09:46, na sessão de reprodução de 24.0l.2013, entre o minuto 17:01:17 a 17:11:02 e prestadas ao minuto 03:23 e seguintes até ao minuto 04:25 a Instância da Magistrada do Ministério Público e aos minutos 08:37 e seguintes até ao minuto 09:45 do seu depoimento a instâncias da Mm.a Juiza - e do arguido - gravadas no sistema H@bilus Media Studio, durante 00:07:25, na sessão de reprodução de 24.01.2013, entre o minuto 16:45:04 a 16:52:29 e prestadas ao minuto 05:13 e seguintes até ao minuto 06:25 a instância da Magistrada do Ministério Público: é esta a prova que impõe decisão diversa;
G. Pelo próprio arguido foi referido na sessão supra indicada, "eu sei que os tratei mal(…)derivado que eu estava alcoolizado"; "sim sim não me lembro das palavras certas só que sei que os tratei mal"; "eu não podia ter feito sabia que era autoridade"; "não me consegui controlar naquele momento"; e quando questionado "Mas tem a consciência, então, que não o devia ter feito e que", respondeu "tenho sim, tenho a consciência disso, sim";
H. O reexame dos erros de julgamento referidos no presente recurso e das provas que impõem decisão diversa, atrás indicadas, demonstram que a prova não foi valorada e apreciada em obediência às regras e princípios do direito probatório, de forma correcta e de acordo com as regras da experiência;
I. A sentença padece de uma insuficiência que se traduz numa contradição entre a prova produzida em julgamento - testemunhal e documental - e os factos considerados provados (e não provados), havendo um erro de julgamento na apreciação dessa prova e violação do princípio da livre apreciação da prova vinculado ao princípio da descoberta da verdade material;
J. Violou, assim, a sentença recorrida os artigos 14.°, nºs. 1, 2 e 3, 15.°, 181.°, n.º 1, do código penal, artigos 127.°, 375.° e 376.° do Código de Processo Penal.
Nestes termos e nos demais de Direito deve a sentença em crise ser revogada e substituída por outra que, considere como provado o facto não provado e, consequentemente, julgue procedente a acusação deduzida contra o arguido determinando, em conformidade, medida e espécie da pena a aplicar ao arguido, nos termos prescritos no artigo 369.° e seguintes do código de processo penal.

Notificado, o arguido não respondeu ao recurso.
Admitido o recurso e remetidos os autos a esta Relação, o Exmº Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer em que acompanha o recurso, pugnando pelo seu provimento.
Cumprido o disposto no artigo 417º, nº 2 do Código de Processo Penal, não ocorreu resposta.
Efectuado o exame preliminar e corridos os vistos legais foi realizada conferência, cumprindo apreciar e decidir.
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            II. Fundamentos da decisão recorrida
A decisão recorrida contém os seguintes fundamentos de facto:
1.1. Discutida a causa, resultou provado, com interesse para a presente decisão, que:
1) No dia 10 de Janeiro de 2013, por volta das 22horas e 30 minutos, os Guardas da GNR C...e D...deslocaram-se junto da casa da mãe do arguido após denúncia, de B..., de que o arguido poderia ofender física e verbalmente a sua mãe.
2) Quando o arguido foi interpelado pelos Senhores Guardas, o mesmo dirigiu-se a estes proferindo as seguintes expressões "O que é que vocês estão aqui a fazer? Ponham-se no caralho seus cães; quem manda aqui sou eu, ponham-se no caralho senão fodo-vos o focinho".
3) O arguido submeteu-se voluntariamente ao teste de alcoolemia em aparelho qualitativo Drager, apresentando uma taxa de álcool no sangue de 2,41.
4) Como consequência directa e necessária da conduta do arguido os Guardas da GNR C...e D...sentiram-se ofendidos nas suas honra, dignidade, brio, estima e consideração devidas.
5) O arguido conhecia a qualidade profissional dos Guardas da GNR, sabendo, igualmente, que os mesmos se encontravam no exercício das suas funções.
6) O arguido agiu de forma livre, deliberada, voluntária e consciente.
7) O arguido trabalha como cantoneiro para a Junta de freguesia da Guia.
8) O arguido aufere um salário mensal de €419,22.
9) O arguido vive com a mãe, em casa desta.
10) O arguido não tem antecedentes criminais.

Factos não provados
1) Não obstante, o arguido, sabendo que as expressões supra narradas e por si proferidas eram idóneas a ofender a honra, a dignidade e a consideração devidas aos agentes de autoridade a quem as dirigiu, agiu com essa intenção e propósito, o que conseguiu, bem como com o intuito de os contrariar na sua missão, bem sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei penal.

Motivação
Para formar a sua convicção sobre a matéria de facto provada e não provada baseou-se o tribunal na análise crítica da prova produzida, designadamente:
Tiveram-se, desde logo, em consideração as declarações do arguido que confirmou que no dia, hora e local em causa os ditos guardas da GNR se dirigiram à casa onde ele reside com a sua mãe e que lhes terá dirigido palavras que já se não recorda, dado que havia ingerido bebidas alcoólicas em excesso, admitindo que lhes possa ter dirigido expressões menos próprias pois quando bebe tende a fazê-lo.
Contudo, também explicitou que não tinha qualquer intenção de ofender os senhores guardas e que se estivesse sóbrio tal nunca teria acontecido.
Por outro lado, tiveram-se em consideração as declarações dos dois guardas da GNR em causa que explicitaram quais as expressões proferidas pelo arguido, referindo ainda que se sentiram ofendidos, apesar de reconhecerem que o arguido se encontraria embriagado tal como resultou do teste de alcoolemia que lhe efectuaram confirmando o teor de tal exame que consta de fls. 10.
No que toca às condições de vida do arguido tiveram-se em consideração as suas declarações, que não foram contraditadas por qualquer da restante prova produzida.
Relativamente à ausência de antecedentes criminais foi relevante o teor do CRC que consta de fls. 14.

No que tange ao ponto dado como não provado deve dizer-se que nenhuma prova foi efectuada, na medida em que o arguido expressamente referiu que apesar de saber que terá dirigido palavras inadequadas aos guardas da GNR não pretendia ofendê-los, tendo sido devido ao excesso de álcool que adoptou a conduta em causa nos autos.
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            III. Apreciação do Recurso
A documentação em acta das declarações e depoimentos prestados oralmente na audiência de julgamento determina que este Tribunal, em princípio, conheça de facto e de direito (cfr. artigos 363° e 428º nº 1 do Código de Processo Penal).
Mas o concreto objecto do recurso é delimitado pelas conclusões extraídas pelo recorrente da correspondente motivação, sem prejuízo das questões do conhecimento oficioso. E vistas essas conclusões as questões a apreciar são as seguintes:
- Se as expressões provadas dirigidas pelo arguido aos ofendidos são susceptíveis de integrar a prática de crime de injúria;
- Se ocorre erro de julgamento da matéria de facto, devendo o facto não provado da decisão recorrida ser considerado provado e o arguido condenado pelos crimes que lhe forma imputados na acusação.

Apreciando:
Ao contrário do que é habitual impõe neste caso responder em primeiro lugar à questão de direito suscitada, pois dela depende a resposta à questão seguinte que diz respeito a parte do elemento subjectivo dos tipos de crime imputados e apenas deve ser considerado como provado se porventura se considerar que os factos provados integram a tipicidade objectiva dos imputados crimes de injúrias.
Vem provado que o arguido, dirigindo-se a dois guardas da GNR no exercício das suas funções, disse "O que é que vocês estão aqui a fazer? Ponham-se no caralho seus cães; quem manda aqui sou eu, ponham-se no caralho senão fodo-vos o focinho".
A decisão recorrida considerou que tal factualidade não integrava a tipicidade objectiva de crime de injúrias com os seguintes argumentos:
Contudo, como se pode ler no Acórdão da RC de 06/01/2010, in www.dgsi.pt"a ofensa à honra ou consideração não é susceptível de confusão com a ofensa às normas de convivência social, ou com atitudes desrespeitosas ou mesmo grosseiras, ainda que direccionadas a pessoa identificada, distinção que importa ter bem presente porque estas última, ainda que possam gerar repulsa social, não são objecto de sanção penal."
Sendo assim, cabe neste momento examinar a hipótese concreta dos autos.
Da matéria provada decorre que o arguido, num momento em que apresentava uma TAS de 2,41 g/l, foi abordado por dois guardas da GNR, no exercício das suas funções, tendo-lhes dirigido as seguintes expressões "O que é que vocês estão aqui a fazer? Ponham-se no caralho seus cães; quem manda aqui sou eu, ponham-se no caralho senão fodo-vos o focinho".
Ora citando-se mais uma vez o Acórdão da RC supra identificado dir-se-á que "Para que se tivesse verificado, em função de tais afirmações, um crime de injúria, necessário seria que pelo menos uma daquelas expressões consistisse numa imputação de factos, mesmo sob a forma de suspeita, com um conteúdo ofensivo da honra ou consideração do visado, ou que as palavras dirigidas ao visado tivessem esse mesmo cariz ofensivo da honra ou da consideração.
É certo que a expressão "você tem um feitio do caralho" não é meramente indelicada; é verdadeiramente grosseira, constituindo utilização de linguagem desbragada, denotando profunda falta de educação por parte de quem a profere. Mas daí até que se possa afirmar um atentado à personalidade moral do interlocutor, medeia significativa distância. Aquela expressão não contende com o conteúdo ético da personalidade moral do visado nem atinge valores ética e socialmente relevantes do ponto de vista do direito penal - Cfr. Ac. da Relação do Porto, de 19/04/2006, in www.dgsi.trp.pt, proc. n° 0515927.; não atinge aquele que é o núcleo essencial das qualidades morais inerentes à dignidade da pessoa humana - Cfr. Ac. da Relação do Porto, de 19/12/2007, in www.dgsi.pt, proc. nº 0745811.
Também a expressão "você é fodido e por causa disso é que não aluga o café" traduz grosseria e má educação; mas também esta, por razões em tudo idênticas, não assume carácter ofensivo da honra ou da consideração.
No contexto em que foram proferidas, as palavras «caralho» e «fodido», não têm outro significado que não seja a mera verbalização das palavras obscenas, sendo absolutamente incapazes de pôr em causa o carácter, o bom-nome ou a reputação do visado. Traduzem um comportamento revelador de falta de educação e de baixeza moral, que fere as regras do civismo exigível na convivência social. Contudo, esse tipo de comportamento, socialmente desconsiderado, tido por boçal e ordinário e violador das normas consuetudinárias da ética e da moral, é destituído de relevância penal - Cfr. Ac. da Relação do Porto, de 25/06/2003, in www.dgsi.trp.pt.proc.no0312710. Quanto à expressão "se aqui estivesse eu partia-lhe os cornos ", também ela grosseira e de baixo jaez, assume essencialmente um significado de desafio ou de provocação; poderia fundamentar uma acusação por crime de ameaça, se tivesse sido deduzida, mas não releva como ofensa à honra ou consideração".
Ora, a longa citação que se efectua, justifica-se face à similitude da situação aí examinada com aquela que flui dos presentes autos. Com efeito, a linguagem ali retratada e aquela que releva na presente situação são particularmente decalcáveis. Aqui como ali, o arguido usou expressões tais quais "caralho" e "fado-vos o focinho", revelando apreciável má educação e boçalidade reveladora de dificuldades de relacionamento. Todavia, também se crê que tal espécie de comportamento irreleva do ponto de vista penal, quedando-se por um patamar manifesto de gratuita obscenidade e, como tal, incapaz de lesar a honra e consideração de quem quer que seja. Mutatis mutandis, o mesmo raciocínio será susceptível de ser desenvolvido no que tange aos epítetos de "cães" e "focinho". Na verdade, também aqui se nota a utilização de linguagem rude, eticamente censurável e ordinária, mas sem carga factual ou valorativa passível de legitimar uma reacção penal.
Não contestamos a justeza da argumentação tendente a distinguir o que sejam expressões grosseiras, boçais, ordinárias que apenas atingem a consideração social de quem as profere na medida em que demonstram a sua "má educação" e provocam nos outros sentimentos de repulsa, daquelas que atingem em maior ou menor medida a honra ou consideração ou ambas.
Mas, a palavra "cão" no contexto em que foi utilizada tem o significado de homem desprezível, sem qualidade humana e por isso sem rosto humano, mas focinho (palavra também proferida) ou seja, cara de animal.
Cremos que nessa medida o arguido ultrapassou o limite da linguagem grosseira e ao dizer no contexto em causa que afinal os guardas da GNR não eram pessoas mas animais, atingiu efectivamente a sua consideração, atingindo a sua personalidade moral na dimensão da sua dignidade humana que, precisamente essas palavras negam.
Do que decorre que efectivamente a factualidade em causa preenche a tipicidade objectiva do crime de injúrias previsto no artigo 181º, nº 1 do Código Penal, agravado nos termos do artigo 184º, ex vi do artigo 132º, nº 2, alínea l) do mesmo diploma legal, em razão da qualidade dos ofendidos que se encontravam no exercício dessas funções.

Em face do exposto começa logo por se evidenciar a existência do alegado erro de julgamento da matéria de facto quando se deu como não provada parte da factualidade integrante do elemento subjectivo do tipo de crime em causa, posto que quem age proferindo expressões atentatórias da consideração devida a quem as dirige, salvo casos excepcionais não pode deixar de conhecer o significado das palavras que utilizar e de querer atingir essa finalidade. Assim o dizem as regras da experiência. Por isso que a prova do elemento subjectivo da infracção muitas vezes se atingem por ilação e não por prova directa.
Mas no caso, confrontadas as declarações do arguido, verificamos que o próprio, embora dizendo que não sabe bem que expressões proferiu por se encontrar sob o efeito do álcool, admite ter proferido palavras atentatórias da consideração devida aos guardas (as passagens indicadas pelo recorrente são ilustrativas nesse sentido).
É, pois, manifesto que o facto não provado constante da decisão recorrida deve passar a provado, passando a descrição fáctica da decisão recorrida a ser a seguinte, com eliminação do título "factos não provados":
1) No dia 10 de Janeiro de 2013, por volta das 22horas e 30 minutos, os Guardas da GNR C...e D...deslocaram-se junto da casa da mãe do arguido após denúncia, de B..., de que o arguido poderia ofender física e verbalmente a sua mãe.
2) Quando o arguido foi interpelado pelos Senhores Guardas, o mesmo dirigiu-se a estes proferindo as seguintes expressões "O que é que vocês estão aqui a fazer? Ponham-se no caralho seus cães; quem manda aqui sou eu, ponham-se no caralho senão fodo-vos o focinho".
3) O arguido submeteu-se voluntariamente ao teste de alcoolemia em aparelho qualitativo Drager, apresentando uma taxa de álcool no sangue de 2,41.
4) Como consequência directa e necessária da conduta do arguido os Guardas da GNR C...e D...sentiram-se ofendidos nas suas honra, dignidade, brio, estima e consideração devidas.
5) O arguido conhecia a qualidade profissional dos Guardas da GNR, sabendo, igualmente, que os mesmos se encontravam no exercício das suas funções.
6) O arguido agiu de forma livre, deliberada, voluntária e consciente, sabendo que as expressões supra narradas e por si proferidas eram idóneas a ofender a dignidade e a consideração devidas aos agentes de autoridade a quem as dirigiu, agiu com essa intenção e propósito, o que conseguiu, bem como com o intuito de os contrariar na sua missão, bem sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei penal.
7) O arguido trabalha como cantoneiro para a Junta de freguesia da Guia.
8) O arguido aufere um salário mensal de €419,22.
9) O arguido vive com a mãe, em casa desta.
10) O arguido não tem antecedentes criminais.

Sendo duas as pessoas ofendidas, esta factualidade integra a prática pelo arguido de dois crimes de injúrias previstos nas disposições legais acima citadas e puníveis com pena de prisão de 45 dias a 4 meses e 15 dias ou pena de multa de 15 a 240 dias (penas do artigo 181º com elevação dos seus limites mínimo e máximo de metade nos termos do artigo 184ª).
Estando em causa crimes de pequena gravidade e sendo o arguido delinquente primário, não oferece qualquer contestação que deve ser dada preferência à pena pecuniária por ser adequada e suficiente a realizar as finalidades da punição, em obediência ao que vem disposto no artigo 70º do Código Penal.
Importa proceder ao doseamento das penas a aplicar dentro da enunciada moldura da pena de multa.
Relativamente às finalidades da punição consignadas no artigo 40º do Código Penal que são a trave mestra que determina o doseamento da pena apenas se dirá de forma resumida, reproduzindo Figueiredo Dias, em Direito Penal, Parte Geral, Tomo I, 2ª edição, pag. 84, que «a pena concreta é limitada no seu máximo inultrapassável pela medida da culpa; dentro desse limite máximo ela é determinada no interior de uma moldura de prevenção geral de integração, cujo limite superior é oferecido pelo ponto óptimo de tutela dos bens jurídicos e cujo limite inferior é constituído pelas exigências mínimas de defesa do ordenamento jurídico; dentro desta moldura de prevenção geral de integração a medida da pena é encontrada em função das exigências de prevenção especial, em regra positiva ou de socialização, excepcionalmente negativa, de intimidação ou de segurança individuais».
Postas estas considerações gerais, que devem estar presentes no juízo conducente à pena concreta e adequada, o artigo 71º, nº 1 do Código Penal preceitua, na senda do citado artigo 40º que a determinação concreta da pena, dentro dos limites legalmente definidos, é feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção e o nº 2 do mesmo artigo determina que o tribunal atenda a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, depuserem a favor ou contra o agente, enumerando algumas a título exemplificativo, circunstâncias estas que nos darão a medida das exigências de prevenção em concreto a realizar porque indicadoras do grau de violação do valor em causa e da prognose de no futuro o agente se poder determinar com o respeito pelo valor penalmente protegido.
Perante os pressupostos legais acima enunciados, ao nível da ilicitude deparamo-nos com um desvalor da acção não acentuado, ou desvalor do resultado idêntico, tendo o arguido agido com dolo directo, mas culpa mitigada pelo estado de embriaguez, embora se tenha colocado livremente nessa situação. Por outro lado o arguido é delinquente primário e mostra-se socialmente integrado.
Neste contexto são de pequeno significado as exigências de prevenção, quer geral, quer especial, mostrando-se adequada e proporcional a pena de 60 dias de multa por cada um dos crimes cometidos.
Considerando os factos no seu conjunto e a personalidade que revelam, atendendo ao disposto no artigo 77º, nº 1 e nº 2 do Código Penal, será a pena única fixada em 80 dias de multa.
Considerando, nos termos do artigo 47º, nº 2 do Código Penal, a situação económica do arguido, no limiar da pobreza, será a taxa diária de multa fixada no mínimo legal.
Procede, pois, o recurso interposto, havendo que revogar em conformidade com o exposto a sentença recorrida.
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IV. Decisão
Nestes termos acordam em conceder provimento ao recurso interposto pelo Ministério Público e, em consequência, revogar a sentença recorrida na parte em que absolveu o arguido A..., alterando a matéria de facto que dela consta nos termos acima mencionados e condenando o arguido como autor de dois crime de injúria p. e p. pelos artigos 181º, nº 1 e 184º, por referência ao artigo 132º, nº 2, alínea l), todos do Código Penal:
- em duas penas parcelares de 60 dias de multa à taxa diária de cinco euros;
- na pena única de 80 dias de multa à referida taxa diária, no montante de 400 euros;
Não há lugar a tributação em razão do recurso.
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 (Maria Pilar Pereira de Oliveira - Relatora)

 (José Eduardo Fernandes Martins)