Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
522/05.7TBAGN.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: ISAÍAS PÁDUA
Descritores: EXECUÇÃO
AGENTE DE EXECUÇÃO
DECISÃO
DESERÇÃO DA INSTÂNCIA
PRESSUPOSTOS.
Data do Acordão: 06/27/2017
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE COIMBRA – JUÍZO DE EXECUÇÃO – JUIZ 2
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADO
Legislação Nacional: ARTºS 281º, Nº 5, E 723º, Nº 1, ALS. C) E D) DO NCPC.
Sumário: I- As decisões tomadas pelos agentes de execução que não forem objeto de oportuna reclamação ou impugnação das partes ou por terceiros intervenientes na ação executiva (à luz do disposto nas als. c) e d) do nº. 1 do artº. 723º do CPC) estabilizam-se/consolidam-se definitivamente (como efeito vinculativo semelhante ao trânsito em julgado de uma decisão judicial).

II- E nessa medida não podem ser contrariadas por qualquer subsequente intervenção (processual) oficiosa do juiz de execução.

III- Decorre do texto do artº. 281º, nº. 5, do CPC, que são pressupostos para que a deserção da instância executiva possa ser declarada:

a) Que o processo se encontre parado, a aguardar impulso processual das partes, há mais de 6 (seis) meses;

b) E que essa paragem do processo, por falta de impulso processual, se fique a dever à negligência das partes.

IV- Em face do segundo pressuposto legal, a declaração de deserção da instância não pode ser automática, logo que decorridos os seis meses de paragem do processo, pois que se impõe previamente à prolação do despacho que o tribunal aprecie e valore o comportamento processual das partes, por forma a concluir se a referida paragem de processo, por falta de impulso processual, é ou não devida à negligência daquelas.

V- Nessa medida, num juízo prudencial, e também em obediência ao dever de observância do princípio do contraditório plasmado no artº. 3º, nº. 3, do CPC, impõe-se ao tribunal que, previamente, dê oportunidade às partes de se pronunciarem a esse respeito.

VI- Não o fazendo, o tribunal incorre em nulidade processual, geradora, na conjugação dos artºs. 3º, nº. 3, e 195º, nºs. 1 e 2, da nulidade do despacho que vier a ser proferido.

Decisão Texto Integral:




Acordam neste Tribunal da Relação de Coimbra

I- Relatório

1. Em 19/10/2005, no então Tribunal Judicial da Comarca de Arganil (agora a correr termos no Juízo de Execução da atual Comarca de Coimbra), a exequente C..., instaurou contra os executados, T..., Lda, J... e sua mulher M..., execução para pagamento de quantia certa, tendo como título executivo uma escritura pública de abertura de crédito com hipoteca e fiança (na qual a 1ª. executada figura como mutuária de um empréstimo que a exequente lhe concedeu e os dois restantes executados como fiadores/garantes do pagamento da quantia emprestada/mutuada).

2. A execução seguiu o seu legal ritual, com a penhora de bens aos executados, cujo produto de venda/adjudicação não logrou satisfazer o pagamento da quantia exequenda, sem que tenha sido deduzido, nesse momento ou em qualquer outro posterior, oposição à mesma.

3. Em 2008 foi penhorado 1/3 do montante da pensão que a executada M... aufere através da Caixa Geral de Aposentações, até satisfazer o montante da quantia exequenda em dívida (não tendo sido deduzida qualquer oposição a essa penhora).

4. Por despacho datado de 20/04/2016 a sra. agente de execução (AE), à luz do disposto no artº. 779º, nº 3, a) e b), do CPC, decidiu proceder à entrega à exequente daquelas quantias penhoradas já depositadas (deduzidas das custas prováveis da execução, nomeadamente com os seus honorários e despesas) e bem como adjudicar, a partir dessa data, à exequente as prestações vincendas (do que, nessa data, procedeu à notificação à CGA e bem assim à exequente e aos executados).

5. Em 11/05/2016 a sra. agente de execução informa o tribunal ter, entretanto, tomado conhecimento de que o executado J... faleceu no decurso da execução (20/05/2013), juntando aos autos a respetiva certidão de óbito.

6. Conclusos os autos à sra. juíza de execução, a mesma, em 07/06/2016, proferiu o seguinte despacho :Em face da certidão do assento de óbito do executado J..., ao abrigo do disposto no art. 270º, nº. 1, do nCPC, declaro suspensa a presente instância executiva (na integra) até que estejam habilitados os seus sucessores, sem prejuízo do disposto no art. 281º, nº. 5, do nCPC. Notifique.

7. Em 06/01/2017 a exequente dirige à sra. juíza de execução o requerimento de fls. 187/189, nos termos do qual expôs e requereu o seguinte:

1. Em tempo foi penhorada nestes autos a pensão da executada M...

2. Por despacho de 20.04.2016 da Srª. Agente de Execução foi a exequente notificada da adjudicação das quantias devidas, em consequência da penhora da pensão da executada M...

3. Foi ainda notificada a entidade pagadora de que, a partir daquela, as quantias vincendas, frutos da adjudicação, passariam a ser depositadas directamente na conta da exequente, nos termos do artigo 779º do C.P.C.

4. Encontrando-se em curso os respectivos descontos.

Entretanto,

5. Tomou-se notícia de que veio a falecer o executado J..., sendo a instância suspensa por tal motivo.

6. Sucede que, não sendo conhecidos quaisquer bens do falecido executado, a exequente não teve interesse em requerer a habilitação dos herdeiros do referido J...

7. Valendo a sua inacção como que a desistência da execução quanto ao de cujus.

8. Em consequência desta opção, decorrido o prazo previsto no artigo 285º do CPC, ter-se-á, quanto a este executado, que considerar deserta a instância.

9. Prosseguindo, porém, a execução quanto aos demais executados.

10. Sucede que, não são conhecidos quaisquer bens aos restantes executados para além da pensão da executada M...

11. Assim, e porque se encontra a decorrer a penhora da pensão da executada M...,

12. E estando já determinada a adjudicação das quantias vincendas à exequente, e porque não foram identificados outros bens penhoráveis, deverá a instância executiva ser declarada extinta nos termos da alínea b) do nº 4 do artigo 779 do C.P.C.

Termos em que (…), se requer que, quanto aos restantes executados, seja declarada extinta a presente execução, nos termos e aos abrigo do artigo 779º nº 4, alínea b) do Código de Processo Civil.”

8. Por despacho, datado de 09/01/2017, a sra. agente de execução, à luz do disposto no artº. 779º, nº 4, al. b), do CPC, declarou a extinção da instância executiva (com o fundamento na adjudicação à exequente da pensão da executada M... e de não serem conhecidos mais bens). Decisão que, nessa mesma data, procedeu à notificação, em cumprimento do disposto no nº. 2 do artº. 849º do CPC, à exequente, aos executados e a CGA.

9. Em 23/01/2017 a sra. juíza do processo proferiu o seguinte despacho:

Considerando que os presentes autos se encontram a aguardar impulso processual há mais de 6 meses, considera-se deserta a instância nos termos do artº 285º nº 5 do Código de Processo Civil.

Em face da deserção da instância notifique o sr. Agente de execução para proceder à cessação dos descontos na pensão da executada.” (sublinhado nosso)

10. Inconformada com tal despacho decisório (sobretudo no seguemento que ordenou “notifique o sr. Agente de execução para proceder à cessação dos descontos na pensão da executada.”, a exequente dele apelou.

11. A exequente/apelante que concluiu as alegações desse seu recurso nos seguintes termos:

«I. A decisão recorrida enferma de nulidade por omissão de pronúncia uma vez que não apreciou as questões levantadas pela exequente, ora recorrente, no requerimento apresentado em 06.01.2016.

II. Sucede ainda que, por decisão validamente tomada pelo Agente Execução, à data da prolação da decisão recorrida já se encontrava esgotado o poder jurisdicional do Meritíssimo Juiz a quo, dado que em momento anterior o Agente de Execução havia declarado extinta a instância executiva.

III. A decisão recorrida é, também por isso, nula por ter conhecido de uma questão de que não podia tomar conhecimento.

IV. A decisão recorrida viola o disposto nos artigos 613º, nº 3, 615º, nº 1, alíneas b) e d, do CPC.

Sem conceder,

V. A decisão recorrida limitou-se a verificar o aspecto formal da deserção da instância.

VI. Não tendo a decisão recorrida cuidado de verificar da efectiva negligência da exequente quanto a uma eventual, porém inexistente, falta de impulso processual da exequente.

VII. Entende a recorrente que o Meritíssimo Juiz a quo não fez a melhor interpretação da norma constante do art. 281º nº 5 do CPC, porquanto a deserção da instância por falta de impulso processual não se verifica de forma automática, pelo mero decurso dos seis meses, sendo necessário que se ajuíze, em concreto, se tal falta de impulso processual é, ou não, devido a negligência das partes.

VIII. No processo executivo, conquanto se considere a instância deserta independentemente de qualquer decisão judicial, não se pode prescindir igualmente da verificação da negligência da parte na observância do ónus de impulso processual.

IX. Somente depois de ouvir as partes, no caso a ora recorrente e, eventualmente, o Agente de Execução, é que o Meritíssimo Juíz a quo, com base em fundamentos substanciais e materiais (e não meramente formais) que lhe sejam transmitidos, poderá emitir despacho adequado.

X. No caso concreto, a decisão recorrida limitou-se a «Considerando os presentes autos se encontram a aguardar impulso processual há mais de 6 meses, considera-se deserta a instância nos termos do artº 281º nº 5 do Código de processo Civil.».

XI. Verificando-se, assim, ter o despacho recorrido assimilado a tal negligência na mera objetividade da paragem do processo na circunstância de nada haver sido requerido pela Exequente ou informado pela Agente de Execução.

XII. Aliás, como documentam os autos, encontrava-se efectivamente a decorrer a penhora de rendimentos de um dos executados, pelo que, quanto aos demais executados, a instância executiva nunca esteve parada e sem impulso processual.

XIII. O facto de não ter sido requerida a habilitação dos herdeiros de um executado entretanto falecido não pode impedir que a execução prossiga a sua marcha quanto aos demais (artigos 32º e 35º do CPC).

XIV. Pois, tendo a exequente apurado, no caso em apreço, ausência de património por conta da herança, não houve habilitação, nem legitimação sucessiva dos herdeiros, nem a sua subsequente intervenção processual (como parte), com a consequente desistência da instância em relação ao executado falecido.

XV. Ora, estando em causa a habilitação dos sucessores de um executado, que foi demandado juntamente com mais DOIS executados, numa acção em que o título executivo é constituído por um Contracto de Mútuo garantido por FIANÇA, subscrito pela primeira executada e afiançado pelos demais, julga-se ser seguro que o resultado da habilitação dos sucessores de um executado falecido é perfeitamente indiferente para todos os demais executados. executados/devedores ser accionados individual ou colectivamente, sem qualquer ordem determinada.

XVII. Ou seja, estamos perante um caso de litisconsórcio voluntário, definido no artigo 32º do CPC, em particular no seu nº 2 do CPC.

XVI. Com efeito, as obrigações dos aqui executados são de natureza solidária, nos termos do artigo 634º do Código Civil, podendo os respectivos

XVIII. Pelo que, ao decidir como decidiu, a decisão recorrida violou o disposto nos artigos 32º e 35º, bem como, 281º, nº 5, 613º, nº 3 e 615º, nº 1, alínea d), 719º, nº 1 e 849º, nº 1 e 3 do, 779º, nº 4, alínea b) e 849º, nº 1, alínea d) do Código de Processo Civil.

Termos em que, conhecendo-se das nulidades invocadas, deverá a Decisão recorrida ser julgada nula e de nenhum efeito.

Sem conceder,

Sempre caberá provimento ao recurso, pelo que revogando a douta Decisão, com as legais consequências (…).»

12. Não foram apresentadas contra-alegações.

13. Cumpre-nos, agora, apreciar e decidir.


II- Fundamentação

A) De facto.

Com relevância e interesse para a apreciação e decisão do presente recurso, devem ter-se- como assentes os factos os factos que se deixaram descritos no relatório que antecede (extraídos das peças processuais e documentais que integram os autos).

B) De direito.

Como é sabido, é pelas conclusões das alegações dos recorrentes que se fixa e delimita o objeto dos recursos, pelo que o tribunal de recurso não poderá conhecer de matérias ou questões nelas não incluídas, a não ser que sejam de conhecimento oficioso (cfr. artºs. 635º, nº. 4, e 639º, nº. 1, do NCPC). Sublinhe-se que, muito embora a ação executiva tenha sido instaurada ainda no domínio do pretérito CPC61, todavia, por força do estatuído no artº. 6º, nº. 1, da Lei nº. 41/2013, de 26/06, são-lhe, no caso em apreço, aplicáveis as disposições do atual CPC, sendo, pois, à sua luz que o recurso será apreciado.

Vem, também, sendo dominantemente entendido que o vocábulo “questões” (a que alude o artº. 608º do atual CPC, à semelhança do que já acontecia no domínio do revogado CPC de 61 através do seu artº. 660º) não abrange os argumentos, motivos ou razões jurídicas invocadas pelas partes, antes se reportando às pretensões deduzidas ou aos elementos integradores do pedido e da causa de pedir, ou seja, entendendo-se por “questões” as concretas controvérsias centrais a dirimir.

Ora, calcorreando as conclusões das alegações do recurso da ré, verifica-se que a verdadeira questão que importará aqui apreciar e decidir traduz-se, como questão de fundo, em saber da bondade ou não, em termos legais, do referido despacho sob recurso proferido pela sra. juíza de execução, ou seja, se o mesmo deve ou não manter-se (com todas as consequências decorrentes da intervenção que a sra. magistrada teve, por ação ou omissão, nos autos com a prolação da decisão nele contida).

A apreciação da questão recursiva passa, desde logo, pelo confronto entre o despacho referido no ponto 8 do Relatório proferido pela sra. agente de execução (que declarou, à luz do disposto no artº. 779º, nº. 4 al. b), do CPC, extinta a instância executiva, ou seja, a extinta a execução) e o despacho, sob recurso, referido no ponto 9 do mesmo Relatório proferido pela sra. juíza da execução (onde ao abrigo do disposto no artº. 285º, nº. 5, do mesmo diploma legal, declarou a deserta a instância- deserção essa que, como se sabe, nos termos do estipulado na al. c) do artº. 277º do CPC, é também uma causa da extinção da instância, ordenando ainda a notificação daquela sra. agente de execução para proceder à cessação dos descontos na pensão da executada - sendo aí, que em primeira linha, se situa a discordância de fundo da exequente/apelante, dado que tal contradiz a decisão antes tomada pela mesma sra. AE no sentido de lhe adjudicar as prestações vincendas da penhorada pensão da executada M..., cfr. nºs. 4 e 7º do relatório) e dos reflexos/efeitos produzidos, desde logo, intraprocessualmente por aquele pelo primeiro despacho da sra. AE.

Estipula-se no artigo 719º, nº. 1 (sob a epigrafe “Repartição de competências”) do CPC – diploma ao qual nos referiremos sempre que doravante mencionemos somente o normativo sem a indicação da sua fonte - que “Cabe ao agente de execução efectuar todas as diligências do processo executivo que não estejam atribuídas à secretaria ou sejam da competência do juiz (...).”

Decorre daí que a intervenção do AE no processo executivo é subsidiária, em relação à secretaria e ao juiz, constituindo ainda entendimento prevalecente (decorrente do seu Estatuto, aprovado pela Lei nº. 154/2015, de 19/9, e do demais direito positivo) que a relação entre o juiz e o agente de execução não se pauta por uma relação hierárquica do segundo para com o primeiro, inexistindo da parte deste um poder geral de controlo sobre a atuação do segundo, que não se confunde com o controle jurisdicional previsto no artº. 723º.

Estipula-se neste no número 1 deste último normativo que “sem prejuízo de outras intervenções que a lei especificamente lhe atribui, compete ao juiz:

a) Proferir despacho liminar, quando deva ter lugar;

b) Julgar a oposição à execução, e penhora, bem como verificar a graduar em os créditos, no prazo máximo de três messes contados da oposição ou reclamação;

c) Julgar, sem possibilidade de recurso, as reclamações de atos e impugnações de decisões do agente de execução, no prazo de 10 dias;

d) Decidir outras questões suscitadas pelo agente de execução, pelas partes ou por terceiros intervenientes, no prazo de cinco dias.

2- (…).” Sublinhado nosso

Daí resulta (als. c) e d) do nº. 1 citado artº. 723º) que as partes ou outros terceiros intervenientes, que com eles se sintam afetados, podem reclamar dos atos ou impugnar as decisões dos agentes de execução (no prazo de 10 dias a contar da sua notificação ou conhecimento – artº. 149º, nº. 1).

E se o não fizerem, qual o efeito do ato ou decisão proferida pelo AE?

Abordando esta temática (em excelente artigo publicado no Blog do Instituto Português do Processo Civil – coordenado pelo prof. Miguel Teixeira de Sousa -, sobre o título “O Caso estabilizado dos atos e decisões dos agentes de execução (Contributos para uma teoria geral dos atos e das decisões do agente de execução”)), J. H. Delgado de Carvalho, escreve a dado passo (págs. 8 e 9) “(…) Defendemos, por isso, que a melhor designação para os atos ou decisões do agente de execução consolidados por inimpugnabilidade, tendo em conta as particularidades da sua força ou eficácia vinculativa, é a de caso estabilizado, dando, assim, relevo ao efeito decorrente da sua definitividade. Noutras palavras, os atos e as decisões do agente de execução tornamse definitivas sempre que, depois de notificadas às partes, estas não reclamarem do ato ou da decisão perante o juiz, nos termos do art. 723.º, n.º 1, als. c) ou d), do nCPC. Disto decorre que, se o ato ou a decisão daquele agente não for objeto de reclamação pelas partes, o ato ou a decisão tornase incontestável e inalterável, dado que deixa de ser atacável por iniciativa de qualquer das partes; pode falarse a este propósito num efeito semelhante ao trânsito em julgado da decisão judicial, ou seja, esse ato ou decisão tornase, em princípio, imodificável.

Por seu turno, o juiz de execução não pode impor oficiosamente ao agente de execução, depois de este ter praticado um ato ou tomado uma decisão no processo, uma diferente apreciação da mesma questão. A esta solução se opõe, naturalmente, o caso estabilizado formado pelo ato ou decisão do agente de execução. Com efeito, decorre do que acima se argumentou acerca do quadro de legitimação do exercício dos poderes do juiz no processo executivo que este não pode determinar oficiosamente a revogação (anulatória) de um ato praticado ou de uma decisão tomada pelo agente de execução, substituindoos por uma diferente tramitação ou solução – seja na área da atuação discricionária desse agente, seja em matéria vinculada –, a não ser mediante reclamação das partes (cf. art. 723.º, n.º 1, als. c) e d), do nCPC) ou nos casos em que especificamente a lei autoriza a intervenção fiscalizadora ex officio do juiz, como sucede no domínio dos pressupostos processuais e das nulidades de processo.

Notese que tãopouco o art. 6.º, n.º 1, do nCPC habilita o juiz de execução a revogar ou a declarar nulas ex officio as decisões do agente de execução, mesmo no domínio do procedimento. Quer dizer: o art. 6.º, n.º 1, do nCPC não pode ser visto como uma norma habilitante que permite ao juiz de execução anular ou corrigir oficiosamente um ato ou uma decisão tomada pelo agente de execução que entretanto se tenha estabilizado, sem que se deva considerar essa iniciativa oficiosa nula nos termos do art. 195.º, n.º 1, do nCPC.

Com efeito, os poderes de gestão processual do juiz não podem sobrepor-se às decisões definitivas do agente de execução, porque isso colide com o caso estabilizado.” Prosseguindo depois (pág. 13) “(…) O ónus de impugnação dos atos e decisões do agente de execução encontra a sua justificação na necessidade de garantir a segurança e certeza jurídicas, a tutela dos direitos das partes e terceiros intervenientes, bem como o prestígio do sistema de justiça”.

E no final remata com as seguintes conclusões (págs. 25/26/28):

(…) a) Uma vez que é inadmissível, face ao direito positivo, um poder geral de controlo do juiz de execução exercido sobre a atuação do agente de execução ex post, há que entender que o esgotamento do poder de decisão do agente de execução, quanto à questão por si decidida, impede que o juiz de execução tenha uma intervenção oficiosa no sentido de contrariar o ato praticado ou a decisão tomada por aquele agente, salvo nos casos em que a lei especificamente autorizar o juiz a decidir de forma distinta.

Sendo assim, há que concluir que o ato praticado e a decisão tomada pelo agente de execução, embora com algumas particularidades, gozam das mesmas características do caso julgado, nomeadamente a incontestabilidade e a consolidação num processo pendente, quando deixa de ser impugnável, e a intangibilidade, dado que não pode ser revogada, suspensa ou substituída.

Devido a estas características, o caso estabilizado do agente de execução, mesmo não constituindo caso julgado em sentido estrito – por não constar de uma decisão judicial – é, no entanto, a ele equiparado, havendo que aplicar, por analogia, o regime previsto para a eficácia vinculativa da sentença (cf. arts. 613.º, 614.º, 619.º, 620.º, 621.º, 625.º e 628.º do nCPC), nomeadamente o princípio do esgotamento da competência decisória do agente de execução e a correção de erros materiais.

Noutras palavras, o ato e a decisão do agente de execução tornamse definitivos sempre que, depois de notificada às partes, estas não reclamem do ato ou não impugnem essa decisão perante o juiz, nos termos do art. 723.º, n.º 1, als. c) ou d), do nCPC. Disto decorre que, se o ato ou a decisão daquele agente não for objeto de reclamação ou de impugnação pelas partes, o ato praticado e a decisão tomada tornamse incontestáveis e inalteráveis, dado que se tornam inatacáveis por iniciativa de qualquer das partes; pode falarse a este propósito de um efeito vinculativo semelhante ao trânsito em julgado da decisão judicial.

Por seu turno, o juiz de execução não pode impor ao agente de execução, depois de este ter praticado um ato ou tomado uma decisão no processo, uma diferente apreciação da mesma questão. A esta solução se opõe, naturalmente, o caso estabilizado formado pelo ato ou decisão anterior do agente de execução. Com efeito, decorre do que acima se argumentou quanto ao quadro de legitimação do exercício dos poderes do juiz no processo executivo, que este não pode determinar oficiosamente a revogação (anulatória) de um ato praticado ou de uma decisão tomada pelo agente de execução, substituindoa por uma diferente tramitação ou solução – seja na área da atuação discricionária desse agente, seja em matéria vinculada –, a não ser mediante reclamação das partes (cf. art. 723.º, n.º 1, als. c) e d), do nCPC) ou nos casos em que especificamente a lei autoriza a intervenção fiscalizadora do juiz.

Notese que tãopouco o art. 6.º, n.º 1 do nCPC habilita o juiz de execução a revogar ex officio as decisões do agente de execução, mesmo no domínio dos atos de procedimento. Quer dizer: o art. 6.º, n.º 1, do nCPC não pode ser visto como uma norma habilitante que permite ao juiz de execução anular ou corrigir oficiosamente um ato realizado ou uma decisão tomada pelo agente de execução que se tenha tornado inimpugnável, devendo considerarse essa iniciativa oficiosa nula nos termos do art. 195.º, n.º 1, do nCPC. Os poderes de gestão processual do juiz não podem sobreporse aos atos e às decisões definitivas do agente de execução, porque isso colide com a estabilização dos efeitos dessas decisões.

Considerando as premissas supra expostas, cumpre concluir que o ato praticado e a decisão tomada pelo agente de execução se tornam incontestáveis – e, por isso, não passível de substituição – depois de não serem suscetíveis de reclamação ou de impugnação.

Ressalvase, contudo, a possibilidade de o agente de execução, nas hipóteses em que se verifiquem nulidades processuais secundárias (cf. art. 195.º, n.º 1, do nCPC), sanar o vício de procedimento, praticando o ato omitido ou corrigindo o ato praticado com a observância das formalidades preteridas, mesmo que o ato realizado já haja sido notificado às partes. Para tanto, deve aplicarse ao agente de execução o disposto no n.º 2 do art. 199.º do nCPC, nos mesmos termos em que é aplicável ao juiz. Esta disposição legal habilita o agente de execução a suprir a irregularidade cometida sem depender de despacho judicial. (…).

Aqui chegados, revertendo tais ensinamentos (com os quais estamos em sintonia) para o caso sub júdice, encontraremos a resposta para questão acima colocada.

O despacho da sra. AE, referido no ponto 8 do Relatório, que declarou a extinção da instância executiva, isto é, a execução (com o fundamento de não serem conhecidos mais bens aos executados e na adjudicação à exequente da pensão da executada M... – adjudicação essa, quer através da entrega das prestações vencidas, quer da adjudicação das vincendas, que, em boa verdade, já havia antes ocorrido na sequência despacho referido no ponto 4 do Relatório, por si proferido em 20/04/2016), foi proferido no âmbito das suas específicas atribuições legais de competência, tal como decorre da leitura do artº. 779º, nºs 1, 3 al. b) e, sobretudo, 4 al. b) (diga-se que no caso nenhuma oposição foi deduzida pelos executados que à execução, quer à penhora).

Na verdade, nos termos do nº. 4 do citado artº. 779º - sob a epígrafe «penhora de rendas, abonos, vencimento e salários» -, “findo o prazo de oposição, se esta tiver sido deduzida, ou julgada a oposição improcedente, caso não sejam identificados outros bens penhoráveis, o agente de execução, depois de assegurado o pagamento das quantias que lhe sejam devidas a título de honorários e despesas: a) entrega ao exequente as quantias já depositadas que não garantam crédito reclamado; e b) adjudica as quantias vincendas, notificando as entidades pagadoras para as entregarem diretamente ao exequente, extinguindo-se a execução” (sublinhado nosso). Diga-se que esse caso previsto no artº. 779º, nº. 4, al. b), figura expressamente entre as causas de extinção da execução (cfr. artº. 849º, nº. 1 al. d)).

Despacho decisório esse (e em conjugação com aquele outro referido no ponto 4 do relatório, que adjudicou expressamente à exequente as prestações vincendas penhoradas à aludida executada) que ao não ter sido objecto de reclamação ou impugnação por qualquer das partes (vg. da referida executada), estabilizou-se/consolidou-se definitivamente, ou seja, tonou-se definitivo (incontestável e inalterável) como com o efeito vinculativo semelhante ao trânsito em julgado de uma decisão judicial (tudo se passando como se gozasse das características de força de caso julgado, a ele se equiparando, pois que não constitui decisão judicial).

E nessa medida não pode ser contrariado por qualquer intervenção (processual) oficiosa do juiz de execução.

Despacho esse que, assim, prevalece sobre aquele subsequente proferido (e aqui sob recurso) pela sra. juíza de execução (o que ocorre, em última análise, por aplicação analógica do disposto no artº. 625º).

Poderia ainda colocar-se a questão do facto de esse último despacho da sra. AE (que não aquele outro proferido em 20/04/2016, que procedeu à entrega das penhoradas prestações das pensões vencidas e à adjudicação da vincendas à exequente) ter si proferido numa altura em que a instância se encontrava suspensa (cfr. ponto 6 do relatório), sendo que nos termos do estatuído, durante esse período só poderiam ser praticados validamente atos urgentes destinados a evitar o dano irreparável (o que não sucedeu no caso).

Mesmo assim, os efeitos do despacho consolidado/estabilizado definitivamente ficam, intraprocessualmente, a coberto de qualquer ilegalidade/invalidade de que possa padecer (ao não ter oportunamente sido objeto de qualquer reclamação/impugnação ou de oportuna arguição de nulidade), sendo que, como vimos, está vedada, no caso, qualquer intervenção ex officio da sra. juíza de execução no sentido da reparação ou substituição do despacho (vide, ainda a propósito, o citado autor in “Ob. cit., págs. 9 e 19/21”).

Termos, pois, que, impondo-se ou prevalecendo o referido despacho da sra. AE ao subsequente despacho sob recurso proferido pela sra. juíza de execução, este não possa subsistir, e daí que tenha que ser revogado, como se revoga.

Mas mesmo que porventura assim não fosse de entender, sempre o referido despacho não poderia subsistir e pelas razões que (perfunctoriamente) se passam a aduzir.

Dispõe o artº. 281º, nº. 5, que “no processo de execução, considera-se deserta a instância, independentemente de qualquer despacho judicial, quando, por negligência das partes, o processo se encontre a aguardar impulso processual há mais de seis meses.” (sublinhado nosso)

Decorre do texto de tal normativo que são pressupostos para que deserção da instância executiva (com a consequente extinção da respetiva instância: cfr. artº. 277 al. c)), possa ser declarada:

a) Que o processo se encontre parado, a aguardar impulso processual das partes, há mais de 6 (seis) meses;

b) E que essa paragem do processo, por falta de impulso processual, se fique a dever à negligência das partes.

Ora, tendo em conta o segundo pressuposto, vem constituindo jurisprudência prevalecente de que a declaração de deserção da instância não pode ser automática, logo que decorridos os seis meses de paragem do processo, pois que se impõe previamente, à prolação do despacho, que o tribunal aprecie e valore o comportamento processual das partes, por forma a concluir se a referida paragem de processo, por falta de impulso processual, se ficou ou não a dever à negligência daquelas.

Pelo que num juízo prudencial, e também em obediência ao dever de observância do princípio do contraditório plasmado no artº. 3º, nº. 3, se impõe ao tribunal que, previamente, ouça as partes a esse respeito. (Vide, neste sentido, entre outros, Acordãos desta Relação de 14/06/2016, de 07/06/2016, de 18/05/2016 e de 07/01/2015; Acs. da RL de 09/07/2015 e de 26/02/2016; Ac. da RP de 14/03/2016 e Ac. RG de 07/05/2015, todos publicados in www.dgsi.pt).

Ora, no caso em apreço, a sra. juíza de execução limitou-se tout court, isto é, sem mais, a constatar objetivamente que os autos se encontravam há mais de 6 meses a aguardar o impulso processual e, consequentemente, declarou a instância deserta, sem que, previamente, tenha apreciado e valorado o comportamento das partes, no sentido de apurar se essa falta de impulso processual se deveu (ou não) à negligência das partes, e muito menos que tenha ouvido as mesmas (e nomeadamente o exequente) a esse respeito, e ao omitir, nomeadamente, essa audição das partes incorreu em nulidade processual (arguida, entre outras, pela exequente/apelante no seu recurso), o que, levaria, na conjugação dos artºs. 3º, nº. 3, e 195º, nºs. 1 e 2, à nulidade do despacho e à, consequente, remessa dos autos à 1ª. instância, a fim de ser suprida a omissão a que se acabou de aludir.

Termos, pois, em que o recurso terá de proceder, revogando-se (face à fundamentação em primeiro lugar aduzida) o despacho recorrido.


III- Decisão

Assim, em face do exposto, acorda-se, na procedência do recurso, em revogar despacho recorrido.

Sem custas (artºs. 527º, nºs. 1 e 2 – a contrario –, do CPC).

Sumario:

I- As decisões tomadas pelos agentes de execução que não forem objeto de oportuna reclamação ou impugnação das partes ou por terceiros intervenientes na ação executiva (à luz do disposto nas als. c) e d) do nº. 1 do artº. 723º do CPC) estabilizam-se/consolidam-se definitivamente (como efeito vinculativo semelhante ao trânsito em julgado de uma decisão judicial).

II- E nessa medida não podem ser contrariadas por qualquer subsequente intervenção (processual) oficiosa do juiz de execução.

III- Decorre do texto do artº. 281º, nº. 5, do CPC, que são pressupostos para que a deserção da instância executiva possa ser declarada:

a) Que o processo se encontre parado, a aguardar impulso processual das partes, há mais de 6 (seis) meses;

b) E que essa paragem do processo, por falta de impulso processual, se fique a dever à negligência das partes.

IV- Em face do segundo pressuposto legal, a declaração de deserção da instância não pode ser automática, logo que decorridos os seis meses de paragem do processo, pois que se impõe previamente, à prolação do despacho, que o tribunal aprecie e valore o comportamento processual das partes, por forma a concluir se a referida paragem de processo, por falta de impulso processual, é ou não devida à negligência daquelas.

V- Nessa medida, num juízo prudencial, e também em obediência ao dever de observância do princípio do contraditório plasmado no artº. 3º, nº. 3, do CPC, impõe-se ao tribunal que, previamente, dê oportunidade às partes de se pronunciarem a esse respeito.

VI- Não o fazendo, o tribunal incorre em nulidade processual, geradora, na conjugação dos artºs. 3º, nº. 3, e 195º, nºs. 1 e 2, da nulidade do despacho que vier a ser proferido.

Coimbra, 2017/06/27


Isaías Pádua

Manuel Capelo

Falcão de Magalhães