Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
304/10.4TBLRA-C.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: MARIA INÊS MOURA
Descritores: DESERÇÃO DA INSTÂNCIA
EXECUÇÃO
AGENTE DE EXECUÇÃO
DESPESAS
Data do Acordão: 04/21/2015
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COMARCA DE LEIRIA - POMBAL - INST. CENTRAL - 2ª SECÇÃO DE EXECUÇÃO - J1
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: DL Nº 4/2013 DE 11/1, PORTARIA Nº 331-B/2009 DE 30/3
Sumário: 1. O legislador, no Decreto-Lei 4/2013 de 11 de Janeiro, contemplou no artº 3º nº 1, os actos processuais, em sentido próprio, cuja falta, determina a extinção da instância por deserção, quando o impulso processual cabe à parte e no artº 4º os actos tributários, relativos a pagamentos devidos ao agente de execução, estabelecendo igualmente a cominação da extinção da instância, mas num prazo mais curto, de 30 dias, após a notificação, para a realização do pagamento.
2. O artº 4º do Decreto-Lei 4/2013 de 11 de Janeiro, quando alude à falta o pagamento de quantias devidas ao agente de execução, a título de honorários e despesas, refere-se a todos pagamentos solicitados pelo agente da execução a tal título, quer se trate de valores que já foram por si adiantados, quer se trate de quantias pedidas a título de provisão, com vista à prática dos actos que o mesmo está adstrito a realizar.
Decisão Texto Integral:
Acordam na 2ª secção do Tribunal da Relação de Coimbra

I. Relatório

O Banco K... , S.A. vem intentar o presente processo de execução contra os executados R (…), O (…), M (…)  e V (…) com vista à cobrança da quantia de €28.087,88 dívida com origem em contrato de mútuo com hipoteca com eles celebrado.

Os executados R (…) e O (…) vêm, a 10 de Julho de 2014, apresentar requerimento ao processo, pedindo que se declare extinta a execução e se ordene o cancelamento da penhora. Alegam, em síntese, que o exequente requereu o registo da penhora à Srª Agente de Execução em 25/01/2013, que o notificou para pagamento da provisão em 29/01/2013, só tendo a penhora sido realizada em 27/02/2014. Refere que o processo se encontrou a aguardar o impulso processual do exequente durante mais de um ano e um mês, razão pela qual o processo deve ser declarado extinto, de acordo com o disposto no artº 3º nº 1 do Decreto-Lei 4/2013 de 11 de Janeiro, por deserção, ficando afastado o prosseguimento dos autos. Conclui que a Srª Agente de Execução devia ter julgado extinta a instância e que a penhora consubstancia um acto de apreensão ilegal.

O exequente vem pronunciar-se, alegando que no período referido o processo não se encontrava a aguardar o impulso processual do exequente, mas apenas o pedido de pagamento da provisão por parte do Agente de Execução, nos termos do nº 4 do Decreto-Lei 4/2013, que apenas foi feito a 15/01/2014, tendo sido efectuado o pagamento a 17/01/2014. Refere que, além do mais, tendo os executados sido notificados da penhora do imóvel no dia 19/03/2014 sempre se mostrava ultrapassado o prazo de 10 dias para invocarem a nulidade que agora aduzem.

Foi proferida decisão que considerou não se verificar motivo para a extinção da instância, porque estando em falta o pagamento de despesas para a concretização dos registos se impunha que o Sr. Agente de Execução desse cumprimento ao artº 4º do Decreto-Lei 4/2013, o que não foi feito com a primeira notificação a 29/01/2013 mas apenas a 21/01/2014. Considera ainda ser extemporânea a arguição da nulidade efectuada a 10/07/2014, que não é de conhecimento oficioso e teria por isso de ser suscitada no prazo de 10 dias, tendo os executados juntado procuração aos autos a 30/05/2004.

É com esta decisão que os executados não se conformam e dela vêm interpor recurso, pedindo a sua revogação e substituição por outra que dê provimento ao requerido, apresentando, para o efeito as seguintes conclusões:

1. Vem o presente recurso interposto do despacho de fls…, proferido em 20/11/2014, que julgou improcedente a questão suscitada pelos executados no requerimento com Ref.ª 17346261 (Ref.ª PE 3042149), de 10/07/2014 e declarou a extemporaneidade desse requerimento.

2. O objecto do presente recurso circunscreve-se, portanto, a duas questões essenciais, uma primeira que se prende com a subsunção da questão suscitada pelos recorrentes, no seu requerimento de 10/07/2014, no âmbito de aplicação do artigo 4.º do Decreto-Lei n.º 4/2013, de 11 de Janeiro e uma segunda que diz respeito à interpretação, pelo tribunal a quo, do teor daquele requerimento como a arguição de nulidades processuais, sendo certo que na análise destas questões radica, de forma incontornável, a posição dissonante dos recorrentes (executados) com a expressa no despacho recorrido.

3. Relativamente à primeira questão, entendeu o tribunal a quo que, por estar em causa, no caso sub iudice, a falta de pagamento de despesas para concretização de registos, a tramitação tendente à extinção da instância executiva se encontrava regulada no artigo 4.º, n.º 1 do Decreto-Lei n.º 4/2013, de 11/01, pelo que a instância executiva só se extinguiria cumpridas que se verificassem as formalidades previstas na aludida norma.

4. Segundo a tese do tribunal a quo, tendo a Sr.ª Agente de Execução notificado a exequente/recorrida, com a expressa cominação prevista no artigo 4.º, n.º 1 do referido diploma, para pagar a despesa com o registo da penhora do imóvel indicado pela exequente apenas em 15/01/2014 e tendo esta liquidado o montante solicitado em 17/01/2014, não poderia, pois, ter-se por verificado qualquer motivo de extinção da instância.

5. No que diz respeito à segunda questão, entendeu o tribunal recorrido que, com o requerimento de 10/07/2014, os ali executados e aqui recorrentes teriam arguido uma nulidade processual, sem no entanto identificar qual em concerto, optando por fazer constar do despacho o regime de todas as nulidades processuais previstas no Código de Processo Civil, concluindo tão-só que, independentemente da nulidade processual alegadamente arguida, tal arguição seria extemporânea por não ter sido deduzida no prazo geral de 10 dias a contar da data da junção da procuração a favor do ora signatário aos autos, em 30/05/2014.

6. Os recorrentes/executados não se conformam com a interpretação e aplicação da norma que constituiu fundamento jurídico do primeiro segmento da decisão recorrida, ou seja, a vertida no artigo 4.º do Decreto-Lei n.º 4/2013, de 11 de Janeiro, que entendem, salvo melhor opinião, ter sido incorrectamente

interpretada e aplicada, tendo, subsequentemente, ocorrido erro na determinação da norma aplicável, que, como defendido no requerimento de 10/07/2014, deveria ter sido a plasmada no artigo 3.º do Decreto-Lei n.º 4/2013, de 11 de Janeiro.

7. Revisitem-se alguns dos factos pertinentes para a decisão aqui sindicada e já assentes nos autos, a saber:

Em 15 de Janeiro de 2010, deu entrada em juízo o requerimento executivo que deu inícios aos presentes autos, ali tendo sido indicado à penhora o prédio urbano, constituído por casa de habitação, sito em (...) , no lugar de (...) , freguesia de (...) , descrito na 2.ª Conservatória do Registo Predial de Leiria sob n.º 2679 e inscrito na respectiva matriz predial sob artigo n.º 3070.

Em 23 de Janeiro de 2013, a exequente requereu à Sr.ª Agente de Execução o registo da penhora do imóvel indicado à penhora no requerimento executivo.

Em 29 de Janeiro de 2013, a Sr.ª Agente de Execução notificou a exequente para proceder ao pagamento de provisão por conta de despesas com registo de penhora, no montante de € 120,00.

Em 15 de Janeiro de 2014, a Sr.ª Agente de Execução notificou novamente a exequente para proceder ao pagamento de provisão por conta de despesas com registo de penhora, desta feita no montante de € 90,00.

Em 17 de Janeiro de 2014, a exequente procedeu à liquidação da provisão requerida, no montante de € 90,00.

O Decreto-Lei n.º 4/2013, de 11 de Janeiro, que aprovou um conjunto de medidas urgentes de combate às pendências em atraso no domínio da acção executiva, vigorou entre 26 de Janeiro de 2013 e 31 de Agosto de 2013.

8. Dispõe o artigo 4.º do Decreto-Lei n.º 4/2013, de 11 de Janeiro, sob a epígrafe “Extinção da instância por não pagamento da remuneração devida a agente de execução” que quando esteja em falta o pagamento de quantias devidas ao agente de execução, a título de honorários e despesas, o agente de execução notifica o exequente de que, se no prazo de 30 dias não efectuar o respectivo pagamento, a instância se extingue, sendo que tal extinção é comunicada electronicamente pelo agente de execução, é notificada ao exequente, ao executado, apenas nos casos em que este já tenha sido citado pessoalmente nos autos, e aos credores que tenham deduzido reclamação.

9. Salvo o devido respeito por opinião contrária, a despesa que a Sr.ª Agente de Execução notificou a exequente para liquidar, a saber, a referente ao registo da penhora do imóvel, por si requerido em 15/01/2010, não se inclui no conceito de despesa devida a agente de execução tipificada no n.º 1 do artigo 4.º do Decreto- Lei n.º 4/2013, de 11/01, o qual tem que ser interpretado em harmonia com o disposto, a esse respeito, na, à data vigente, Portaria n.º 331-B/2009, de 30 de Março, diploma que regulamentava vários aspectos das acções executivas cíveis, entre os quais a qualificação das despesas devidas a agente de execução.

10. Com efeito, dispunham os artigos 11.º, n.º 1 e 21.º, n.º 1 da aludida portaria que o agente de execução tinha direito a ser reembolsado das despesas necessárias que realizasse no exercício das suas funções e que comprovasse devidamente.

11. As despesas a que se refere, portanto, o artigo 4.º, n.º 1 do Decreto-Lei n.º 4/2013, de 11/01 “ (…) quantias devidas ao agente de execução, a título de (…) despesas (…)” dizem respeito às despesas que já tenha efectuado, a expensas suas, e a cujo reembolso teria direito.

12. Não se incluem, assim, no conceito de despesas do n.º 1 do artigo 4.º do Decreto- Lei n.º 4/2013, de 11/01, as despesas que efectivamente ainda não suportou, como era o caso das despesa com o registo da penhora requerida pela exequente e que o próprio tribunal a quo qualificou no despacho recorrido como “ (…) despesas para concretização de registos (…)”.

13. A isto acresce que, recorrendo aos seus elementos teleológico e sistemático, tal norma teria forçosamente que ser interpretada no sentido de que não era aplicável a casos de falta de impulso processual e inércia do exequente, sobre os quais regulava já o artigo 3.º do diploma em causa, mas tão-só às situação em que as acções executivas se encontravam pendentes exclusivamente em virtude da falta de pagamento, pelo exequente, dos honorários e despesas devidos ao agente de execução nos termos do artigo 13.º da Portaria n.º 331-B/2009, de 30/03, mormente nos casos em que o pagamento das quantias devidas a título de honorários e despesas do agente de execução não pudessem ser satisfeitas através do produto de bens penhorados ou pelos valores depositados à ordem do agente de execução decorrentes de pagamento voluntário, integral ou em prestações, realizados através de agente de agente de execução. (sublinhado nosso)

14. A falta de pagamento pela exequente, aqui recorrida, do montante requerido pela Sr.ª Agente de Execução a título de despesas para concretização de registos não consubstancia falta de pagamento de despesas devidas ao agente de execução como configuradas no artigo 4.º, n.º 1 do D.L. n.º 4/2013, de 11/01, desde logo porque a despesa não tinha sequer sido adiantada e, consequentemente, não poderia ser reembolsada. Ou seja, não nos deparamos com uma situação de incumprimento de um dever por parte do exequente correspectivo de um direito do agente de execução de exigir o pagamento de quantia em dívida.

15. Na verdade, o pagamento solicitado corresponde ao cumprimento de um ónus, um encargo necessário para a obtenção de uma vantagem patrimonial, e não de um dever da exequente.

16. A falta de pagamento do montante requerido pela Sr.ª Agente de Execução a título de provisão para registo de penhora de imóvel, em 29/01/2013 e, novamente, em 15/01/2014, ou seja, no período de tempo decorrido entre 29/01/2013 e 16/01/2014 configura, assim, falta de impulso processual da exequente por incumprimento do ónus processual, sendo certo que a penhora requerida apenas não se realizou ou efectivou, no decurso do referido período, em virtude da sua inércia, e que, por outro lado, a ratio da norma constante do artigo 3.º, n.º 1 do D.L. n.º 4/2013, de 11/01 se reconduz a uma ideia de penalização deste tipo de inércia.

17. O agente de execução não tem, pois, o poder ou a faculdade jurídica de exigir, ainda que coercivamente, o pagamento de adiantamento de emolumentos registrais; a exequente é que tem o ónus de o pagar para que tal registo se promova. Se o não fizer, nenhuma medida judicial coerciva tendente ao pagamento lhe pode ser dirigida, sendo que a única sanção que a lei prevê é o não prosseguimento da diligência e a consequente estagnação da instância executiva que se queria evitar com a referenciada lei.

18. Face aos argumentos expendidos, mister se torna concluir que, ao não considerar verificado qualquer motivo para extinção da instância e julgar improcedente a questão suscitada pelos recorrentes/executados, o tribunal a quo interpretou incorrectamente a norma vertida no artigo 4.º, n.º 1 do D.L. n.º 4/2013, de 11/01, designadamente no que concerne ao sentido com que deveria ter sido interpretado o conceito de “despesas” ali previsto, norma, que, de resto, constituiu fundamento da decisão recorrida.

19. Por outro lado, e em consequência da interpretação dada àquela norma, o tribunal a quo errou na determinação da norma aplicável ao caso concreto, que, no entendimento dos recorrentes, seria a norma constante do artigo 3.º, n.º 1 do D.L. n.º 4/2013, de 11/01 e que, por não aplicada, foi violada pelo Tribunal em prejuízo dos ora recorrentes.

20. No que concerne ao segundo segmento da decisão ora posta em crise, e ao contrário da tese sufragada na sentença recorrida, os aqui recorrentes não arguiram, no requerimento apresentado em 10/07/2014, qualquer nulidade processual, suscitando perante o tribunal, ao abrigo do disposto no artigo 723.º, n.º 1, al. d) do CPC, a questão da extinção da instância executiva por deserção em 26/07/2013 nos termos do artigo 3.º, n.º 1 do Decreto-Lei n.º 4/2013, de 11/01, a qual pretendiam ver reconhecida nos autos, assim se suprindo omissão ilegal da Sr.ª Agente de Execução, consubstanciada no incumprimento do n.º 3 do artigo 3.º do referido diploma.

21. Os recorrentes, com o requerimento de 10/07/2014, não arguiram qualquer nulidade processual, não requereram que fosse declarado nulo qualquer acto processual praticado pela Sr.ª Agente de Execução, não requereram que o tribunal a quo declarasse extinta a execução (porque ao abrigo da norma aplicável nem sequer tinha competência para tal!), mas tão-só que fosse judicialmente reconhecido um facto jurídico que se havia já cristalizado em 26/07/2014 – a extinção da execução por deserção da instância –, ao abrigo do disposto no artigo 3.º, n.º 1 do D.L. n.º 4/2013, de 11/01 e cujo reconhecimento se mostrava necessário apenas para que se seguisse a repectiva tramitação tendente ao arquivamento dos autos.

22. Os recorrentes pretenderam apenas que fosse declarada ou verificada judicialmente a extinção ope legis da instância executiva por força da aplicação do preceito normativo apontado.

23. Pelo que, também neste segmento em que se julga a extemporaneidade do requerimento apresentado pelos recorrentes, e em virtude de ter sido processualmente qualificado como arguição de nulidade processual, transparece do despacho recorrido a existência de erro de julgamento no que toca à interpretação e à aplicação das normas supra referenciadas na primeira parte da motivação, bem como, por inaplicabilidade ao caso dos autos, à das normas prevendo nulidades processuais contidas nos artigos do 186.º e ss do CPC referenciadas no despacho em crise.

Não foram apresentadas contra-alegações.

II. Questões a decidir

Tendo em conta o objecto do recurso delimitado pelos Recorrentes nas suas conclusões- artº 635 nº 4 e artº 639 nº 1 a 3 do C.P.C.- salvo questões de conhecimento oficioso- artº 608 nº 2 in fine:

- da deserção da instância.

III. Fundamentos de Facto.

Os factos provados com interesse para a decisão da questão controvertida, em face dos documentos constantes dos autos a fls. 20 a 49 e 57 a 76, são os seguintes:

1.Foi apresentado requerimento executivo a 15 de Janeiro de 2010,  pelo Banco K... , S.A. contra os executados R (…), O (…), M (…) e V (…), tendo sido indicado à penhora o prédio urbano, sito em (...) , no lugar de (...) , freguesia de (...) , descrito na 2.ª Conservatória do Registo Predial de Leiria sob n.º 2679.

2.Por requerimento de 23 de Janeiro de 2013, a exequente requereu à Sr.ª Agente de Execução o registo da penhora do imóvel indicado à penhora no requerimento executivo, por já se mostrarem citados os executados.

3.Em 29 de Janeiro de 2013, a Sr.ª Agente de Execução notificou a exequente para proceder ao pagamento de € 120,00 a título de provisão, com indicação de tal corresponder aos custos previsíveis das despesas com registos.

4.Os autos de execução ficaram a aguardar a liquidação da provisão para o registo da penhora do imóvel.

5. Em 15 de Janeiro de 2014, a Sr.ª Agente de Execução notificou o exequente para proceder ao pagamento de provisão por conta de despesas com registo de penhora, no montante de € 90,00 com a indicação do disposto no artº 721 nº 3 do C.P.C., do processo ser declarado extinto decorrido o prazo de 30 dias sem se mostrar pago tal valor.

6. Em 17 de Janeiro de 2014, a exequente procedeu à liquidação da provisão requerida, no montante de € 90,00.

IV. Razões de Direito

- da deserção da instância

Insurge-se o Recorrente contra a decisão proferida pelo tribunal a quo por não ter entendido que a instância de execução se encontrava extinta por deserção, nos termos do artº 3 do Decreto Lei 4/2013 de 11 de Janeiro, por falta de impulso processual do exequente, há mais de 6 meses, antes aplicando ao caso o artº 4º do mencionado diploma.

Com o Decreto Lei 4/2013 de 11 de Janeiro, o legislador pretendeu aprovar um conjunto de medidas urgentes de combate às pendências processuais em atraso no âmbito dos processo de execução, com a intenção, referida no preâmbulo de tal diploma de: “solucionar alguns dos principais óbices, quais sejam, a falta de impulso processual do exequente e a ausência de norma que preveja um desfecho para as execuções mais antigas nas quais, apesar das diversas diligências efetuadas ao longo dos anos, não tenham sido identificados quaisquer bens penhoráveis até à presente data, estando aqueles processos a congestionar, de forma desajustada e desproporcionada, os tribunais”.

Aí se refere, mais adiante, quanto à extinção da instância por falta de impulso processual, que o legislador pretendeu: “responsabilizar o exequente, enquanto principal interessado no sucesso da execução, pela sua forma de atuação no processo. Dependendo os resultados da execução em grande medida da rapidez com que o processo é conduzido, a inércia do exequente em promover o seu andamento não pode deixar de legitimar um juízo acerca do interesse no próprio processo. Assim sendo, se as execuções estiverem paradas, sem qualquer impulso processual do exequente, quando este seja devido, há mais de seis meses, prevê-se que as mesmas se extingam, pois como já atrás se explicitou, importa que os tribunais não estejam ocupados com acções em que o principal interessado aparenta, pela sua inércia, não desejar que o processo prossiga os seus termos e se conclua o mais rapidamente possível”.

Este diploma entrou em vigor a 26/01/2013 e produziu efeitos até à entrada em vigor do novo C.P.C. em 01/09/2013, conforme previsto no seu artº 12º.

O artº 3º do diploma mencionado, com a epígrafe “Extinção da instância por falta de impulso processual”, estabelece, no seu nº 1 que: “Os processos executivos cíveis para pagamento de quantia certa que se encontrem a aguardar impulso processual do exequente há mais de seis meses extinguem-se.”

Tal como nos diz o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 02/05/2013, in. www.dgsi.pt : “…tendo em vista a expressa intenção do legislador, decorre que a extinção dos processos executivos cíveis para pagamento de quantia certa, nos termos do art.º 3º do Decreto-Lei n.º4/2013, de 8 de Março, supõe que aqueles estejam a aguardar um impulso processual cuja iniciativa caiba ao exequente, e que este esteja ciente da necessidade de tal iniciativa.”

O legislador associa à inércia do exequente, impeditiva do andamento do processo executivo, um juízo acerca do seu desinteresse no próprio processo, que é legítimo retirar.

É ainda permitida a renovação da instância executiva, nos termos previstos no artº 7 do diploma em questão, embora limitada aos processos extintos por inexistência de bens penhoráveis, permitindo a renovação da execução quando o exequente venha posteriormente a indicar os concretos bens penhoráveis.

Esta mesma situação da renovação da execução extinta quando o exequente venha indicar bens penhoráveis era igualmente prevista no artº 920 nº 5 do C.P.C., na redacção que lhe foi dada pelo Decreto Lei 226/2008 e está também actualmente consagrada no artº 850 nº 5 do C.P.C.

Por seu turno, o artº 4º do Decreto Lei 4/2103 de 11 de Janeiro, com a epígrafe “ Extinção da instância pelo não pagamento de remuneração devida ao agente de execução”, dispunha, no seu nº 1 que: “Quando esteja em falta o pagamento de quantias devidas ao agente de execução, a título de honorários e despesas, o agente de execução notifica o exequente de que, se no prazo de 30 dias não efectuar o respectivo pagamento, a instância se extingue.” Esta norma tem agora correspondência no artº 721 do C.P.C. que se reporta ao pagamento de quantias devidas ao agente de execução.

Retomando o caso concreto, e tendo presente que a falta do exequente se reportou ao não pagamento da quantia de despesas para o registo da penhora (para o que havia sido notificado pelo agente de execução ainda antes da entrada em vigor do Decreto Lei 4/2013 e por isso sem qualquer cominação) a questão está em saber se estamos perante um caso de falta de impulso processual do exequente que cabe na previsão do artº 3º nº 1, conforme pretendem os Recorrentes, ou antes perante uma situação que se enquadra no artº 4º nº 1, por estar em causa a falta de pagamento de quantias devidas ao agente de execução a título de despesas.

É certo que, em sentido amplo, a falta de pagamento de uma quantia que inviabiliza a prática de um acto no processo, que é determinante para o seu prosseguimento, representa um obstáculo à prática desse acto e à subsequente tramitação do processo. Contudo, no caso, é preciso não esquecer que o legislador autonomizou no artº 4º do diploma mencionado, o caso específico da falta de pagamento de quantias devidas ao agente de execução, para o qual estabeleceu um regime específico, a que vem dar seguimento no actual artº 721 do C.P.C.

O legislador fez assim uma distinção entre actos processuais, em sentido próprio, que contemplou no artº 3º e cuja falta, quando o impulso processual cabe à parte, determina a extinção da instância por deserção e actos tributários, cuja prática é necessária à realização de actos processuais, que prevê no artº 4º quanto aos pagamentos devidos ao agente de execução, estabelecendo igualmente a cominação da extinção da instância num prazo ainda mais curto- 30 dias, após a notificação para o efeito.

Vejamos então se as despesas do registo da penhora, previamente solicitadas pelo agente de execução se integram no conceito de honorários e despesas devidas ao agente de execução, previsto no artº 4 do diploma em questão, o que os Recorrentes contestam, por entenderem que o conceito de despesas ali previsto se limita ao pagamento das despesas que o agente de execução já tenha realizado a expensas suas e que pretenda ver reembolsadas.

Não têm contudo, razão, não se vendo fundamento para a distinção que a lei também não faz. A nosso ver é no âmbito do artº 4º que se enquadra a situação em presença que se refere à falta de pagamento ao agente de execução das despesas tendentes ao registo da penhora.

Para o efeito há que ter em conta a regulamentação feita pela Portaria 331-B/2009 de 30 de Março, relativamente a diversos aspectos das instâncias executivas cíveis, entre as quais, de acordo com o seu nº 1 al. d) “remunerações e despesas do agente de execução”.

Destacam-se as seguintes normas, com interesse para o caso em discussão:

“Artigo 11.º Remuneração e reembolso de despesas

1 — O agente de execução tem direito a receber honorários pelos serviços prestados, bem como a ser reembolsado das despesas que realize e que comprove devidamente, nos termos da presente portaria. 2

Artigo 15.º Fases do processo executivo

1 — Para efeitos de adiantamento de honorários e de despesas ao agente de execução o processo executivo divide -se nas seguintes fases:

a) A fase 1, que se inicia com o envio do requerimento executivo ao agente de execução designado e termina com: i) A notificação do exequente do resultado da consulta ao registo informático das execuções e dos bens penhoráveis identificados ou do facto de não ter identificado quaisquer bens penhoráveis; ou ii) O pedido de adiantamento de honorários e de despesas para a realização da penhora dos bens identificados no requerimento executivo;

b) A fase 2, que compreende a penhora de bens e a citação dos credores e que termina com a primeira decisão do agente de execução de iniciar as diligências necessárias para a realização do pagamento;

c) A fase 3, que termina com a extinção da execução.

2 — O exequente deve entregar uma provisão ao agente de execução, a título de honorários ou a título de honorários e de despesas:

a) Com a entrega do requerimento executivo em que tenha designado agente de execução e no mesmo prazo do pagamento da taxa de justiça, o valor definido pelo agente de execução nos termos do n.º 2 do artigo 19.º;

b) No início da fase 2;

c) No início da fase 3.

3 — No início das fases 2 e 3, o exequente provisiona o valor, definido pelo agente de execução, que possa razoavelmente cobrir os honorários e as despesas necessárias à realização dos actos que aquele previsivelmente irá praticar durante a fase correspondente.

4 — (…)

5 — (…)

6 — (…).”

Daqui decorre que o legislador integra no conceito de despesas do agente de execução não só aquelas despesas que o mesmo já realizou e cujo reembolso pode pedir ao exequente, sendo da responsabilidade deste, mas também as despesas prováveis com referência aos actos que se lhe impõem praticar, como seja o registo da penhora, ao fazer a referência ao adiantamento das despesas pelo responsável.

Considera-se por isso que o artº 4º do Decreto Lei 4/2013 quando alude à falta o pagamento de quantias devidas ao agente de execução, a título de honorários e despesas, se refere a todos pagamentos solicitados pelo agente da execução a tal título, quer se trate de valores que já foram por si adiantados, quer se trate de quantias pedidas a título de provisão, com vista à prática dos actos que o mesmo está adstrito a realizar, carecendo de fundamento legal a distinção pretendida pelos Recorrentes entre reembolso de despesas já realizadas e despesas ainda não efectuadas.

No caso, quando o agente de execução efectuou a primeira notificação ao exequente, em 29 Janeiro de 2013, para proceder ao pagamento das despesas com vista ao registo da penhora, não indicou a cominação prevista no artº 4º do Decreto Lei 4/2013, de que a instância se extinguiria se o pagamento não fosse feito no prazo de 30 dias; fê-lo apenas, nestes termos, e com a invocação do artº 721 nº 3 do C.P.C. então em vigor a 15 de Janeiro de 2014.

Em face do exposto, conclui-se que a situação se integra no artº 4º do diploma em questão e não no artº 3º, conforme decidiu o tribunal a quo, cuja decisão, por isso, não merece censura.

A circunstância de saber se está em causa uma nulidade ou não fica prejudicada, em face da solução da primeira questão, nos termos do disposto no artº 608 nº 2 do C.P.C.

V. Sumário:

1. O legislador, no Decreto-Lei 4/2013 de 11 de Janeiro, contemplou no artº 3º nº 1, os actos processuais, em sentido próprio, cuja falta, determina a extinção da instância por deserção, quando o impulso processual cabe à parte e no artº 4º os actos tributários, relativos a pagamentos devidos ao agente de execução, estabelecendo igualmente a cominação da extinção da instância, mas num prazo mais curto, de 30 dias, após a notificação, para a realização do pagamento.

2. O artº 4º do Decreto-Lei 4/2013 de 11 de Janeiro, quando alude à falta o pagamento de quantias devidas ao agente de execução, a título de honorários e despesas, refere-se a todos pagamentos solicitados pelo agente da execução a tal título, quer se trate de valores que já foram por si adiantados, quer se trate de quantias pedidas a título de provisão, com vista à prática dos actos que o mesmo está adstrito a realizar

VI. Decisão:

Em face do exposto, julga-se improcedente o recurso interposto, confirmando-se a decisão recorrida.

Custas pelos Recorrentes.

Notifique.

                                               *

                                               Coimbra, 21 de Abril de 2015                                         

Maria Inês Moura (relatora)

                                               Luís Cravo (1º adjunto)

                                               António Carvalho Martins (2º adjunto)