Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
652/08.3TTLRA.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: AZEVEDO MENDES
Descritores: CONTRATO DE TRABALHO POR TEMPO INDETERMINADO
ESTADO
PESSOA COLECTIVA DE DIREITO PÚBLICO
NULIDADE
Data do Acordão: 03/04/2010
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL DO TRABALHO DE LEIRIA
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PARCIALMENTE REVOGADA
Legislação Nacional: LEI Nº 23/2004, DE 22/06; DEC. LEI Nº 427/89, DE 7/12; ARTº 116º, Nº 3, DO CÓDIGO DE TRABALHO DE 2003
Sumário: I – Não obstante a Lei nº 23/2004, de 22/06, maxime o seu artº 1º e a alteração introduzida pelo seu artº 28º ao artº 7º do Dec. Lei nº 184/89 e pelo seu artº 29º ao artº 14º do Dec. Lei nº 427/89, conter a admissibilidade, genérica, do Estado e outras pessoas colectivas públicas poderem celebrar contratos de trabalho por tempo indeterminado, tais contratos de trabalho encontram-se sujeitos à observância de determinadas formalidades.

II – Desde logo, no âmbito da referida lei, a celebração de contrato de trabalho por tempo indeterminado exige que seja precedida de um processo prévio de selecção, a observar nos termos prescritos no seu artº 5º, procurando salvaguardar o princípio da igualdade de oportunidades no acesso ao emprego, a igualdade de condições no acesso ao emprego, através da publicitação da oferta de emprego e da garantia de imparcialidade na apreciação dos candidatos (artº 47º, nº 2, da Constituição da República Portuguesa).

III – Compete ao Autor (trabalhador contratado) o ónus da alegação e da prova de que houve processo de recrutamento e de selecção com vista à sua contratação como trabalhador para o Estado ou para pessoas colectivas públicas.

IV – Também exige a Lei nº 23/2004 que a celebração de um contrato de trabalho por tempo indeterminado para a administração pública observe a forma escrita – artº 8º, nº 1, sendo que a não redução a escrito determina a nulidade do contrato – nº 3 do artº 8º.

V – No domínio da vigência do Dec. Lei nº 427/89, de 7/12, é nulo o contrato de trabalho por tempo indeterminado celebrado por acordo verbal entre o Estado e uma emprega de limpeza.

V – Dispõe o artº 116º, nº 3, do Código do Trabalho de 2003 que “à invocação da invalidade pela parte de má fé, estando a outra de boa fé, seguida de imediata cessação da prestação de trabalho, aplica-se o regime da indemnização prevista no nº 1 do artº 439º ou no artº 448º para o despedimento ilícito ou para a denúncia sem aviso prévio, conforme os casos”.

Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra:

I. O autor A….. instaurou contra o réu Estado Português a presente acção declarativa de condenação sob a forma de processo comum pedindo que: a) seja declarada a ilicitude do seu despedimento, com as legais consequências; b) seja o réu condenado na reintegração da autora, se esta por ela optar; c) seja o réu condenado a pagar as retribuições que deixou de auferir desde a data do despedimento até ao trânsito em julgado da decisão final, que até à presente data se quantifica em € 1.462,80; d) seja o réu condenado a pagar à autora, caso esta não opte pela reintegração, uma indemnização correspondente a 45 dias de retribuição base e diuturnidades por cada ano completo ou fracção de antiguidade, decorrido desde a data do início do contrato até transito em julgado da decisão final, que até à presente data se quantifica em € 6.216,90; e) seja o réu condenado a pagar-lhe as retribuições correspondentes a férias, subsídio de férias e de Natal que se venham a vencer; f) seja o réu condenado a pagar-lhe as seguintes quantias: € 487,60, a título de retribuição correspondente a férias e subsídio de férias vencida em Janeiro de 2008 e não gozadas; € 142,22 a título de subsídio de Natal, proporcional ao ano de 2008; os juros legais desde a citação até efectivo e integral pagamento das quantias que vierem a ser fixadas na decisão final.

Alega, para tanto, que foi admitida ao serviço do réu, em 20 de Maio de 1991, com a categoria de auxiliar de limpeza, para exercer a sua actividade profissional na Esquadra da Polícia de Segurança Pública de ....., por sua conta, sob a sua autoridade e direcção, mediante contrato de trabalho sem termo, não reduzido a escrito; auferia a remuneração mensal ilíquida de € 243,00, acrescida de subsídio de refeição de € 4.03 por dia. Recebeu carta registada com aviso de recepção, datada de 15 de Janeiro de 2008, do Comando de .....da Polícia de Segurança Pública para lhe enviar notificação e despacho, e na qual lhe é comunicado que o contrato que é nulo e que apesar da nulidade do contrato, não há lugar à reposição de quaisquer quantias pagas pelo tempo prestado pela autora, já que produz todos os efeitos, informando que a autora deveria deixar “de prestar serviço na PSP, decorridos que sejam sessenta dias após a recepção da presente notificação”. Que não gozou férias, nem recebeu subsídio de férias em 2008. Foi despedida sem justa causa e sem prévio procedimento disciplinar.

O réu contestou a acção alegando, em resumo, que o contrato invocado pela autora, no qual alicerça o seu pedido, está ferido de nulidade, uma vez que não foi reduzido a escrito. E que, sendo nula a relação contratual, não pode a mesma conferir á autora o direito às indemnizações ou compensações que a mesma reclama. As restantes quantias pedidas foram pagas à autora em Julho de 2008.

Concluiu pela improcedência da acção.

Prosseguindo o processo os seus regulares termos veio a final a ser proferida sentença que julgou a acção improcedente e absolveu o réu dos pedidos.

É desta decisão que, inconformado, o autor vem apelar.

Alegando, concluiu:

[……………………]                                                                   

O réu Estado, representado pelo Ministério Público, apresentou contra-alegações, propugnando pela manutenção do julgado.  


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II- FUNDAMENTAÇÃO

1. De facto              

Do despacho que decidiu a matéria de facto, é a seguinte a factualidade que vem dada como provada:

1- A Autora foi admitida ao serviço do Réu, em 20 de Maio de 1991, com a categoria de auxiliar de limpeza, para exercer a sua actividade profissional na Esquadra da Polícia de Segurança Pública (P.S.P.) de ....., por sua conta, sob a sua autoridade e direcção;

2- Mediante contrato de trabalho sem termo, não reduzido a escrito;

3- E, desde aquela data, ininterruptamente, procedeu à limpeza das instalações da Esquadra da P.S.P. em ....., de segunda-feira a sexta-feira, no horário das 8 às 12 horas e aos Sábados das 9 às 12 horas;

4- Até que, a Autora sofreu um acidente de trabalho em 4 de Abril de 2007, cerca das 8 horas e 30 minutos, quando se encontrava ao serviço do Réu, no interior da esquadra da P.S.P. em .....;

5- A Autora desde essa data sofreu incapacidade para o trabalho, encontrando-se a correr termos nesse Tribunal do Trabalho de Leiria, no 1º Juízo o processo nº 205/08.6TTLRA;

6- A Autora auferia a remuneração mensal ilíquida de 243,80 €, acrescido de subsídio de refeição de 4.03 € por dia;

7- A Autora recebeu carta registada com aviso de recepção, datada de 15 de Janeiro de 2008, do Comando de .....da Policia de Segurança Pública para lhe enviar Notificação e Despacho;

8- Na notificação, subscrita pela Exma. Senhora Directora Nacional Adjunta/RH e datada de 10 de Dezembro de 2007, é comunicado a Autora os factos descritos em 1, 2 e 3.

9- Para a seguir, considerar que o contrato que a Autora mantém com a Instituição é nulo;

10- E que apesar da nulidade do contrato, não há lugar à reposição de quaisquer quantias pagas pelo tempo prestado pela Autora, já que produz todos os efeitos;

11- Para terminar informa que: “deixará de prestar serviço na PSP, decorridos que sejam sessenta dias após a recepção da presente notificação”;

12- Esta notificação fundamenta-se em Despacho, datado de 28 de Novembro de 2007, da Exma. Senhora Directora Nacional Adjunta;

13- Refere-se ainda em tal despacho que " ... a PSP mantém ao seu serviço pessoal que foi contratado para prestação de serviços de limpeza, não obstante a publicação de sucessivos diplomas legais a determinar a caducidade daqueles contratos celebrados a termo e a nulidade dos contratos não escritos."

14- O contrato de trabalho foi cessado pela Ré em 16 de Março de 2008;

15- A Autora não gozou férias em 2008 por estar incapacitada devido a acidente de trabalho desde 04/04/2008;

16- Com o encerramento da esquadra da PSP de ....., ocorrido em 16 de Abril de 2007, a Autora deu o seu assentimento para trabalhar nas instalações da esquadra da PSP de ....., a partir das 09 horas do referido dia 16 de Abril de 2007;

17- O Réu pagou à Autora, em finais de Julho de 2008 as seguintes quantias:

- A título de remuneração base - € 110,00;

- Férias vencidas em 1 de Janeiro de 2008 e não gozadas, reportadas ao trabalho prestado em 2007 e 2008, identificadas no boletim de vencimento como "indemnização por cessação de funções" - (€ 215,16 + € 215,16 + € 58,68), num valor global de € 489,00;

- Subsídio de férias reportadas aos anos de 2007 e 2008 ( € 293,69 + € 80,10), num valor global de € 373,79;

- Subsídio de refeição - € 36,27;

- Subsídio de Natal proporcional ao tempo de trabalho prestado em 2008 - € 63,60.


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2. De direito

É pelas conclusões das alegações que se delimita o âmbito da impugnação, como decorre do estatuído nos artºs 684º nº 3 e 690º nºs 1 e 3, ambos do Código de Processo Civil.

Decorre do exposto que as questões que importa dilucidar e resolver se podem equacionar da seguinte forma:

- se o contrato de trabalho, entre a autora e a Administração Pública, se deve considerar válido e se a sua cessão ocorreu por despedimento ilícito, com as consequências legais;

- se, ao contrário, tal contrato era nulo, mas a sua invocação pelo réu não poderia ter lugar porque tradutora de abuso do direito;

- se, aceitando-se a nulidade do contrato e a licitude da sua invocação pelo réu, a autora tem direito a indemnização.

Vejamos:

Concluiu-se na sentença da 1ª instância que a autora manteve com o réu um verdadeiro contrato de trabalho sem termo, tal como de resto as partes estão de acordo.

Concluiu-se ainda que tal contrato de trabalho é nulo por violação de preceitos de natureza imperativa, designadamente dos artigos 14º nº 1 D.L. n.º 427/89, de 7/12 (que apenas previa a possibilidade de recurso ao contrato de trabalho a termo pela Administração Pública, com sujeição à forma escrita, nos termos gerais).

Sustentou e sustenta a autora, no recurso, que essa nulidade se deveria ter considerar convalidada, depois da entrada em vigor da Lei 23/04, de 22 de Junho, na medida em que dele resulta que passou a ser possível a contratação por tempo indeterminado e o seu art. 26.º prescreveu que “o disposto no nº 4 do art. 1º e no artigo anterior não prejudica a imediata aplicação da presente lei, designadamente quanto aos contratos de trabalho já em execução”, sendo que o n.º 1 do artigo 118.º do Código do Trabalho de 2003 dispõe que “cessando a causa de invalidade durante a execução do contrato, este considera-se convalidado desde o início”.

A sentença da 1ª instância citou a doutrina do Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 26/11/2008 (in www.dgsi.pt, processo 08S1982), a qual esta Relação também tem sufragado, para concluir que, a favor da autora, esta tese não pode obter acolhimento.

Na verdade, como ali se escreveu, não obstante a Lei nº 23/2004, de 22 de Junho, maxime o seu artigo 1º e a alteração introduzida pelo seu artigo 28º ao artigo 7º do Decreto-Lei nº 184/89 e pelo seu artigo 29º ao artigo 14º do Decreto-Lei nº 427/89, conter a admissibilidade, genérica, do Estado e outras pessoas colectivas públicas celebrarem contratos de trabalho por tempo indeterminado, o contrato de trabalho encontra-se sujeito à observância de determinadas formalidades.

Desde logo, no âmbito da referida lei, a celebração de contrato por tempo indeterminado exige que seja precedida de um processo prévio de selecção, a observar nos termos prescritos no seu artigo 5º, procurando salvaguardar o princípio da igualdade de oportunidades no acesso ao emprego, a igualdade de condições no acesso ao emprego, através da publicitação da oferta de emprego e da garantia de imparcialidade na apreciação dos candidatos, tudo em obediência à exigência decorrente do nº 2 do artigo 47º, da Constituição da República Portuguesa, nos termos do qual todos os cidadãos têm o direito de acesso à função pública, em condições de igualdade e liberdade, em regra por via de concurso

Ora, dos autos não resulta que houve processo de recrutamento e selecção com vista à contratação da autora, sendo certo que como facto constitutivo do direito invocado a ela competia o ónus da correspondente alegação e prova.

Além disso, a lei (artigo 7.º) também faz depender a celebração de contratos de trabalho por tempo indeterminado, por parte das pessoas colectivas públicas, da existência, para o efeito, de um quadro de pessoal próprio, e nos limites desse quadro.

E dos autos não decorre a existência do referido quadro próprio no organismo público que contratou a autora, sendo que também quanto a este requisito a ela competia a alegação e prova da sua existência.

Para lá disso, exige a Lei nº 23/2004 que a celebração de contrato de trabalho por tempo indeterminado observe a forma escrita (nº 1 do artigo 8º), sendo que a não redução a escrito determina a nulidade do contrato (nº 3 do mesmo artigo).

Ora, constando dos factos provados (facto 2.) que o contrato em causa não foi reduzido a escrito, sempre faltaria este pressuposto para ele considerar válido.

Daí que, por tudo isso, o contrato se deva considera nulo (não convalidado).

O que nos leva à segunda questão do recurso, ou seja a de saber se, tendo em conta a conduta do réu, o mesmo incorre em abuso de direito ao invocar a invalidade dos contrato de trabalho que celebrou com a autora.

Basicamente, a autora alega que o longo tempo (17 anos) em que prestou serviço ao réu criaram nela a expectativa da validade ou da convalidação do contrato, sendo certo que, nada fazendo para regularizar a situação, o réu ao fazer cessar o mesmo incorreu numa situação de “venire contra factum proprium”, desrespeitando ainda o direito à segurança no emprego protegido pelo artigo 53º da Constituição da República Portuguesa.

Como se observa dos factos provados, o réu na própria declaração que anuncia a cessação do contrato invoca a sua nulidade, fundamentando nela a cessação.

Também sobre esta questão se pronunciou o citado Acórdão do STJ, seguindo a argumentação da 1ª instância a sua posição.

A questão dos autos é, todavia, diversa da que ali foi tratada – ali tratava-se de um contrato celebrado pelas partes como de prestação de serviço (apesar de se tratar de um verdadeiro contrato de trabalho); aqui trata-se de um contrato de trabalho desde o início qualificado pelas partes como tal.

Mas também, tal como a 1ª instância, entendemos que não se justifica convocar a aplicabilidade do instituto do abuso do direito.

Do artigo 334.º do Código Civil decorre que o abuso do direito consiste no exercício ilegítimo de um determinado direito, traduzindo-se a ilegitimidade em actuação, por parte do respectivo titular, que manifestamente exceda os limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes ou pelo fim económico ou social desse direito.

Como se disse no Acórdão citado: “para que o exercício do direito seja considerado abusivo, não basta, pois, que cause prejuízos a outrem; é necessário que o titular exceda, visível, manifesta e clamorosamente, os limites que lhe cumpre observar, impostos quer pelo princípio da tutela da confiança (boa fé), quer pelos padrões morais de convivência social comummente aceites (bons costumes), quer, ainda, pelo fim económico ou social que justifica a existência desse direito, de tal modo que o excesso, à luz do sentimento jurídico socialmente dominante, conduz a uma situação de flagrante injustiça. Dito de outro modo: para determinar os limites impostos pela boa fé e pelos bons costumes, há que atender de modo especial às concepções ético-jurídicas dominantes na colectividade; quando esses limites decorrem do fim económico e social do direito impõe-se apelar para os juízos de valor positivo consagrados na própria lei (Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, 2.ª Edição, Volume I, Livraria Almedina, Coimbra, 1973, p. 423).

Ora, no caso estamos perante invalidade decorrente de inobservância de requisitos de natureza formal, sendo que as normas que impõem a observância de determinados requisitos formais como condição de validade de um contrato são imperativas, de interesse e ordem públicas – para além do mais, a especificidade das relações laborais estabelecidas entre os particulares e o Estado, decorre da natureza das funções prosseguidas pelo Estado e da necessidade de ser garantido o direito de igualdade no acesso à função pública, em regra por concurso, conforme já se sublinhou.

Confrontam-se aqui dois princípios constitucionais de cariz e sentido antagónicos, a saber: por um lado, o da segurança e estabilidade no emprego (art. 53.º da CRP); por outro, o da igualdade, transparência e liberdade no acesso à função pública (art. 47.º, n.º 2, da CRP).

A doutrina do Tribunal Constitucional (v. Acs. nº 683/99, in DR, II Série, nº 28, de 3 de Fevereiro de 2000), nº 368/2000 in DR, I Série-A, nº 277, de 30 de Novembro de 2000, p. 6886  e nº 409/07, de 11 de Julho de 2007, em www.tribunalconstitucional.pt) e que fundou a alteração de posição do próprio STJ nesta matéria, dá prevalência ao segundo dos mencionados princípios sobre o primeiro.

Por isso, com os factos estabelecidos (dos quais apenas poderiam sensibilizar uma aproximação ao “abuso” aqueles que se reportam à longa relação contratual mantida entre as partes), não podemos considerar que a invocação da invalidade dos contratos feita pelo réu com vista a fazer cessar as relações de emprego entre ele e a autora constitui um exercício ilegítimo de um direito.

Daí que entendamos que o réu não incorreu em abuso de direito, tal como em caso similar defendeu o recente Acórdão da Relação de Évora de 24-11-2009, in CJ-on line, refª 8001/2009.

Todavia, chegados aqui podemos concluir dos elementos dos autos que, ao fazer cessar o contrato com a invocação da nulidade do contrato, o réu agiu de má fé no sentido definido pelo artigo 116.º n.º 4 do CT/2003 (neste sentido, v. o assinalado Ac. da Rel. de Évora de 24-11-2009)

O que tem as consequências previstas nesse artigo.

De tudo o que dissemos decorre que a execução do contrato nulo não cessou por despedimento ilícito, mas pela invocação da invalidade do mesmo seguida da cessação da prestação do trabalho.

Ora dispõe o n.º 3 do art. 116.º do CT/2003 que “à invocação da invalidade pela parte de má fé, estando a outra de boa fé, seguida de imediata cessação da prestação de trabalho, aplica-se o regime da indemnização prevista no n.º 1 do artigo 439.º ou no artigo 448.º para o despedimento ilícito ou para a denúncia sem aviso prévio, conforme os casos”.

E o n.º 4 define que “a má fé consiste na celebração do contrato ou na manutenção deste com o conhecimento da causa de invalidade”.

Ora provou-se que a relação contratual teve início em 20 de Maio de 1991, mantendo-se ininterrupta quando a autora recebeu carta da Directora Nacional Adjunta/RH da PSP, datada de 10 de Dezembro de 2007, considerando que o contrato é nulo e comunicando-lhe que “deixará de prestar serviço na PSP, decorridos que sejam sessenta dias após a recepção da presente notificação”.

Essa comunicação fundamentava-se em Despacho, datado de 28 de Novembro de 2007, da Directora Nacional Adjunta (junto a fls. 13), referindo que “... a PSP mantém ao seu serviço pessoal que foi contratado para prestação de serviços de limpeza, não obstante a publicação de sucessivos diplomas legais a determinar a caducidade daqueles contratos celebrados a termo e a nulidade dos contratos não escritos”. E (facto 14.), em consequência, o contrato de trabalho foi cessado em 16 de Março de 2008.

Ou seja, pode concluir-se que o réu conhecia a causa da invalidade do contrato e, apesar disso, o manteve.

Rigorosamente, fê-lo entre Novembro de 2007 (data do aludido despacho) e Março de 2008, sabendo perfeitamente da invalidade contratual que invocou para fazer terminar a relação entre ele e a autora. Mas deve dizer-se, por outro lado, que não pode aceitar-se que o réu desconhecesse o regime da contratação de pessoal para a Administração Pública e que comina as consequências legais decorrentes da sua inobservância…

Já a boa-fé objectiva da autora (no sentido da manutenção de conduta leal, correcta, digna de confiança) resulta evidente do que se deu como provado, ao mostrar-se que ela desempenhou as suas funções de modo estável ao longo dos anos, aceitando o desenvolvimento do contrato tal como lhe era proposto pelo réu.

Consequentemente, deve o réu pagar à autora a indemnização prevista no art. 439.º n.º 1 Código do Trabalho de 2003, nos termos do n.º 3 do artigo 116.º do CT/2003.

Nestes casos, de contrato nulo, resulta que o trabalhador nunca terá direito à sua reintegração, que seria naturalmente inviável, tendo que se cingir à obtenção desta indemnização.

Justifica-se que o valor da indemnização de antiguidade seja graduada no seu máximo de 45 dias/ano de antiguidade.

É que, como resulta do art. 439.º n.º 1, ela deve ser fixada entre 15 e 45 dias de retribuição por cada ano completo de antiguidade ou fracção, devendo atender-se ao valor da retribuição e ao grau de ilicitude do despedimento.

Ora, olhando para o critério do valor da retribuição, não podemos valorizar o seu reduzido valor (€ 243,80 mensais), justificando a convocação do montante indemnizatório máximo.

Pelo que o seu valor se fixa € 6.216,90 (€ 243,80:30 x 45 dias x 20 meses), considerando o tempo de antiguidade até à data da cessação do contrato (em 16-03-2008).

Será esse o montante a que a autora tem direito, e não já, também, às retribuições que deixou de receber desde a data do despedimento até ao trânsito em julgado da decisão final, uma vez que, como dissemos, o contrato não cessou por despedimento ilícito, mas por invocação da nulidade do contrato.

E, por isso, terá o recurso de proceder, em conformidade.


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Sumário (artº 713º nº 7 do Cód. Proc. Civil):

I- No domínio da vigência do Decreto-Lei nº 427/89, de 7/12, é nulo o contrato de trabalho por tempo indeterminado celebrado por acordo verbal entre o Estado e uma empregada de limpeza.

II- A invocação pelo Estado da nulidade desse contrato para o fazer cessar não integra a figura do abuso de direito.

III- Se esse contrato nulo cessar pela invocação da nulidade, por parte do Estado, conhecendo o mesmo a invalidade, apesar de o manter, deve considerar-se parte de má-fé.

IV- Nesse caso, se a trabalhadora estiver de boa-fé, tem direito a uma indemnização de antiguidade, nos termos do disposto no n.º 3 do art. 116.º do Código do Trabalho de 2003


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III- DECISÃO
Termos em que se delibera julgar parcialmente procedente a apelação e, consequentemente, decide-se condenar o réu a pagar à autora a quantia € 6.216,90 (seis mil duzentos e dezasseis euros e noventa cêntimos), acrescida de juros legais desde a data deste Acórdão até integral pagamento.
Custas na proporção do decaimento nas duas instâncias