Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JTRC | ||
Relator: | CATARINA GONÇALVES | ||
Descritores: | PROVA POR DECLARAÇÕES DE PARTE VALOR PROBATÓRIO CLÁUSULAS CONTRATUAIS GERAIS ÓNUS DE ALEGAÇÃO E PROVA CONTRATO DE ALUGUER DE COFRES BANCO OBRIGAÇÃO DE GUARDAR O COFRE INCUMPRIMENTO CULPA GRAVE | ||
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Data do Acordão: | 03/11/2025 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Tribunal Recurso: | JUÍZO CENTRAL CÍVEL DE COIMBRA DO TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE COIMBRA | ||
Texto Integral: | N | ||
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Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | CONFIRMADA | ||
Legislação Nacional: | ARTIGOS 466.º, N.º 3, DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL, 5.º E 6.º DO DLEI N.º 446/85, DE 25/10, 4.º, N.º 1, ALÍNEA O), DO RGICSF (DLEI N.º 298/92, DE 31-12) E 487.º, N.º 2, DO CÓDIGO CIVIL | ||
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Sumário: | I – Na parte em que não envolva confissão, a prova por declarações de parte está sujeita à livre apreciação do tribunal e o seu valor probatório não está submetido, do ponto de vista formal e legal, a qualquer restrição em relação aos restantes meios de prova submetidos à livre apreciação do julgador; o seu valor probatório será, portanto, aquele que, casuisticamente, lhe deva ser atribuído pela análise prudente do juiz nas concretas circunstâncias do caso;
II – Nada obsta, portanto, a que o julgador funde a sua convicção e decisão exclusivamente nas declarações de parte – mesmo que não corroboradas por outra prova –, desde que, na análise crítica que lhe cabe efectuar, com ponderação de todas as circunstâncias relevantes (o interesse directo do depoente nos factos que vem relatar, a existência de outros elementos que – de modo directo ou indirecto –, o corroborem, a forma como o depoimento foi prestado e outras circunstâncias relevantes), o juiz se convença da sua veracidade e da sua suficiência e idoneidade para fundar a convicção segura com base na qual tem que fazer o julgamento referente à matéria de facto. III – Para que uma determinada cláusula se considere excluída do contrato, por aplicação do regime previsto no Dec. Lei n.º 446/85, de 25/10 e por não ter sido feita a prova de que ela havia sido comunicada a quem a subscreveu ou a ela aderiu, é necessário que o subscritor/aderente tenha alegado previamente que subscreveu/aderiu a essa cláusula sem que ela tivesse sido objecto de negociação e sem que ela lhe tivesse sido comunicada, nos termos legais, pelo proponente; só após o cumprimento deste ónus de alegação (a cargo do subscritor/aderente) pode ser imposto à outra parte o ónus de prova acima referido. IV – No contrato de aluguer de cofres (a que se reporta o art.º 4.º, n.º 1, alínea o), do RGICSF), a instituição bancária não se limita a disponibilizar o uso do cofre, assumindo também a obrigação (essencial) de guardar o cofre (e, consequentemente, os bens que nele tenham sido depositados), garantindo a sua inviolabilidade com as condições de segurança que são próprias e expectáveis de um banco cuja actividade se rege, por norma e por princípio, por elevados padrões de segurança. V – O Banco que, na sequência da recepção de um alerta gerado no sistema de segurança privada referente à perda de comunicações com uma das suas agências, se limita a contactar as autoridades policiais para o efeito de verificar (pelo exterior) se algo de anormal se passava e que, após essa verificação exterior, se conforma com o facto de a agência ficar sem qualquer comunicação e vigilância durante a noite e por várias horas sem nada mais fazer, incumpre, com culpa grave, a obrigação que havia assumido em relação aos particulares com quem havia celebrado contratos de aluguer de cofre, respondendo, por isso, pelo valor dos bens que estes ali tinham depositados e que dali foram retirados por força de furto ocorrido naquela agência durante o período em que, após o alerta acima mencionado, ela ficou sem qualquer comunicação e vigilância. (Sumário elaborado pela Relatora) | ||
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Decisão Texto Integral: | Relatora: Maria Catarina Gonçalves
1.º Adjunto: Maria João Areias 2.º Adjunto: Chandra Gracias
Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra:
I. AA e mulher BB, residentes na rua ..., ..., ..., instauraram acção, com processo comum, contra a Caixa Geral de Depósitos, S.A., com sede na Avenida João XXI, n.º 63, Lisboa, alegando, em resumo: - Que, em 17/01/2014, celebraram com a Ré um contrato de aluguer de cofre nas suas instalações de ..., de acordo com as cláusulas que melhor especificam; - Que, por força e no âmbito desse contrato, mantinham depositado no dito cofre – à data de 05/11/2018 (quando ocorreu o assalto a seguir mencionado) – diversas peças em ouro e prata (que discriminam), de valor não inferior a 24.200,00€, bem como 43 libras em ouro e 43 meias libras em ouro no valor total de 20.468,00€; - Que todos esses objectos foram retirados e furtados no âmbito de um assalto ocorrido, no referido dia 05/11, às instalações da Ré; - Que a Ré não tomou as medidas necessárias para assegurar a segurança do cofre e dos valores nele depositados, tendo incorrido em várias falhas e omissões (seja no que toca à segurança das portas e das instalações, seja no que toca aos procedimentos que adoptou na sequência do alerta gerado no sistema de segurança privada quando os autores do assalto procederam ao corte de um cabo de comunicações) incumprindo culposamente a obrigação especial de vigilância a que estava vinculada; - Que tais factos os deixaram psicologicamente abatidos, passando várias noites sem dormir e passando a padecer de inquietação, angústia e revolta. Com esses fundamentos, pedem: · Que a Ré seja condenada a pagar-lhe a quantia de 44.668,00€, a título de indemnização por danos patrimoniais e/ou a devolver aos Autores os objectos ou parte dos objectos que se encontravam depositados no cofre e devidamente identificados no artigo 60 e 61 mormente, as 43 libras em ouro e as 43 meias libras também em ouro, atendendo a que as restantes peças serão de difícil recuperação e estas terão de ser indemnizáveis pela Ré aos Autores que ficaram desprovidos do seu valor, acrescido de juros, à taxa legal, contados desde a citação até integral e efectivo pagamento; · Que a Ré seja condenada a pagar-lhes a quantia de 5.500,00€ a título de indemnização por danos não patrimoniais, acrescido de juros, à taxa legal, contados desde a data da sentença até integral e efectivo pagamento.
A Ré contestou, impugnando alguns dos factos alegados – no que toca, designadamente, aos bens depositados no cofre e respectivo valor – e sustentando, em resumo, não poder ser responsabilizada pelo valor daqueles objectos, tendo em conta que o seu desaparecimento resultou de assalto ocorrido nas suas instalações e que, nas circunstâncias em causa, actuou de acordo com os padrões exigíveis no caso, contactando a GNR para a verificação da situação quando recebeu o alerta de corte de comunicações. Sustenta, por isso, não ter praticado qualquer facto ilícito nem actuado com culpa, sendo certo que cumpriu com todos os deveres contratuais de guarda e diligência que se lhe impunham, com os mais elevados padrões de segurança aplicáveis a este tipo de actividade e nada podia fazer, em termos de razoabilidade, para evitar o assalto. Conclui pela improcedência da acção.
Na sequência dos trâmites legais e após realização da audiência de julgamento, foi proferida sentença que, julgando a acção parcialmente procedente, decidiu: 1. Condenar a Ré a pagar aos Autores a quantia de 44.668,00€, a título de indemnização por danos patrimoniais acrescida de juros, à taxa legal, contados desde a citação até integral e efectivo pagamento. 2. Condenar a Ré a pagar aos Autores a quantia de 3.000,00€, a título de indemnização danos não patrimoniais, acrescido de juros, à taxa legal, contados desde a data da sentença até integral e efectivo pagamento; 3. Absolver a Ré do resto do pedido.
Inconformada com essa decisão, a Ré veio interpor recurso, formulando as seguintes conclusões: (…).
Os Autores responderam ao recurso, formulando as seguintes conclusões: (…). ///// II. Questões a apreciar: Atendendo às conclusões das alegações da Apelante – pelas quais se define o objecto e delimita o âmbito do recurso – são as seguintes as questões a apreciar: 1. Se deve ser julgado provado o facto constante do ponto 45 dos factos não provados; 2. Se as declarações de parte podiam, só por si, ser valoradas e consideradas para o efeito de julgar provado o conteúdo do cofre e o valor dos objectos que aí se encontravam; 3. Se o contrato celebrado entre as partes podia ser qualificado como contrato de adesão para o efeito de se considerar excluída a respectiva cláusula 8.ª, conforme se considerou na sentença recorrida; 4. Se, em face da matéria de facto provada, é (ou não) possível pela existência de culpa da Ré em termos que permitam responsabilizá-la pelos danos resultantes do assalto ocorrido nas suas instalações. ///// III. Na 1.ª instância, julgou-se provada a seguinte matéria de facto: 1. Os Autores celebraram com a Ré junto da sua agência de ..., no dia 17 de Janeiro de 2014, um CONTRATO DE ALUGUER DE COFRE N.º ...51 que juntam como Doc. 1 e cujo teor se dá por integralmente reproduzido para todos os legais efeitos. [art1pi] 2. No aludido contrato, elaborado pela Ré, ficou a constar que Autores e Ré acordavam no aluguer do cofre n.º 12, com a capacidade de 20.000dm3, instalado na Agência de ... – ..., o qual foi efectuado pelo prazo de um ano, a contar da data de assinatura do contrato, considerando-se sucessivamente prorrogado por iguais períodos de tempo, salvo se qualquer das partes o denunciasse, por escrito, com a antecedência mínima de 30 dias em relação ao termo do prazo inicial ou de cada uma das suas posteriores prorrogações [art2pi]. 3. Por força da 2ª cláusula, do dito contrato, pelo aluguer do cofre, os Autores tiveram de prestar uma caução de €175,00 (cento e setenta e cinco euros) e pagar uma anuidade de €50,00 (cinquenta euros) acrescida de I.V.A. à Ré, as quais foram liquidadas no momento da celebração do contrato por débito na conta à ordem n.º ...30 EUR, sediada na Agência de 2021 – ... da Ré, em ... [art3pi]. 4. Conforme cláusula 3ª do referido contrato foi entregue aos Autores (após a celebração do contrato e respectivos pagamentos debitados na conta dos Autores), pela Ré, a chave do referido cofre [art4pi]. 5. Chave essa que abria única e exclusivamente o cofre n.º 12, juntamente com outra que se encontrava na posse da Ré [art5pi]. 6. De acordo com o contrato celebrado no dia 17 de Janeiro de 2014, os Autores poderiam aceder ao compartimento onde se encontravam os cofres de acordo com as normas internas da Ré, nomeadamente quanto a horário, identificação do utilizador e sua assinatura em registos especiais, podendo a Caixa Geral de Depósitos interditar o acesso se o locatário estivesse em mora [art6pi]. 7. O locatário, isto é, os Autores, de acordo com o aludido contrato, podiam sob sua responsabilidade, permitir a terceiras pessoas o acesso ao cofre, devendo, para esse efeito, entregar à Ré - Caixa Geral de Depósitos a devida autorização por escrito, tudo de acordo com a cláusula 6ª do aludido contrato [art7pi]. 8. Segundo aquele contrato, os Autores poderiam aceder ao cofre, para aí guardarem o que bem entendessem ou apenas para examinarem os bens já guardados [art8pi]. 9. Não obstante na cláusula 7ª do dito contrato a Ré vedar ao locatário a guarda no cofre de objectos susceptíveis de causar danos ou prejuízos materiais, tais como armas de fogo, substâncias explosivas, tóxicas, nomeadamente, estupefacientes e substâncias psicotrópicas, corrosivas ou perigosas [art9pi]. 10. E, do n.º 2 da referida cláusula 7ª do Contrato de Aluguer de Cofre a Ré /Caixa Geral de Depósitos se reservar o direito de tomar conhecimento do conteúdo dos volumes depositados no cofre, como medida de segurança [art10pi]. 11. Porém, o acesso ao compartimento alugado, isto é, ao cofre n.º 12 era registado pela Ré e só era possível aceder com um funcionário da mesma, detentor, como já foi referido, de uma outra chave [art11pi]. 12. A opção de celebração do dito contrato de aluguer de cofre foi motivada pela necessidade de colocar em segurança os seus objectos pessoais mais importantes e valiosos quer a nível económico quer a nível estimativo, designadamente ouro de família, libras e meias libras em ouro e outros documentos e informação de relevante importância, tendo os Autores recorrido à Ré - Caixa Geral de Depósitos por ser este o seu banco de eleição pela publicidade existente relativamente à prestação deste serviço e por confiarem na Ré, cumprindo o dever de vigilância e custódia inerente à prestação do mesmo, garantindo a segurança dos bens depositados no cofre [art12pi]. 13. Logo no dia da celebração do Contrato de Aluguer do Cofre n.º...2 na Agência da Caixa Geral de Depósitos de ..., isto é, no dia 17 de Janeiro de 2014, os Autores procederam à assinatura da Ficha de Assinaturas de Autorizados (cfr. doc. N.º 1), autorizando o acesso ao cofre ao seu filho CC e depositaram aí as peças em ouro e prata, em concreto as que se encontram documentalmente fotografadas no Anexo I e melhor descritas no art.º 60, n.º 1 da petição inicial (conforme Doc. 2 que se junta e se considera integralmente reproduzido para todos os legais efeitos), e, cujo valor se estima em quantia nunca inferior a €7.600,00 (sete mil e seiscentos euros) e que foram adquiridos ao longo dos anos pelos Autores [art13pi]. 14. Nesse mesmo dia, os Autores depositaram no referido cofre outras peças em ouro que se encontram documentalmente fotografadas no Anexo 2 e melhor descritas no art.º 60, n.º 2 da petição inicial (e que se juntam em anexo como Doc. 3 que se dá por integralmente reproduzido para todos os legais efeitos) e, cujo valor se estima em quantia nunca inferior a €9.800,00 (nove mil e oitocentos euros) peças estas que o Autor marido adquiriu da herança da sua mãe e avó materna, bem como 43 libras em ouro e 43 meias libras em ouro adquiridas no decurso dos anos de 1996 e 2008 quer junto do balcão da Caixa Geral de Depósitos de ..., no balcão do Banco 1... de ... e na Ourivesaria ..., também em ..., cujo valor se estima em valor nunca inferior a €20.468,00 (vinte mil e quatrocentos e sessenta e oito euros) considerando que a cotação atualizada de libras de ouro é de € 312,00/unidade e que, a cotação actual média de meias libras de ouro é de € 164,00/unidade, e ainda a lista de documentos pessoais e/ou informação que constam do documento n.º 4 que se junta em anexo e se dá por integralmente reproduzida para todos os legais efeitos [art13pi]. 15. No dia 02 de Novembro de 2018, os Autores depositaram no referido cofre n.º 12 as peças em ouro que se encontram documentalmente fotografadas no Anexo 3 e melhor descritas no art.º 60, n.º 3 da petição inicial (que se junta em anexo como doc. N.º 5 e se dá por integralmente reproduzido para todos os legais efeitos) que correspondiam a uma herança deixada por uma tia da Autora que faleceu no dia 14 de Outubro de 2018, conforme certidão de óbito (cfr Doc. 6) e a qual legou em testamento à Autora mulher, sua sobrinha e irmãos, entre outros bens, todo o recheio que integrava os respetivos imóveis legados, tudo conforme cópia do testamento (cfr Doc. 7) e onde se encontravam as ditas peças em ouro constantes do Anexo 3 (Doc. 5) e cujo valor se estima em quantia nunca inferior a €6.800,00 (seis mil e oitocentos euros) atendendo a que as mesmas foram pelos Autores sujeitas a avaliação antes de serem depositadas [art15pi]. 16. Os Autores já oportunamente remeteram à Ré carta registada com aviso de recepção, datada de 11 de Março de 2019, onde comunicavam todos os objectos que se encontravam no interior do cofre, tudo conforme Doc. 8, que se junta em anexo e se dá por integralmente reproduzido para todos os legais efeitos [art16pi]. 17. Na madrugada do dia 05 (de domingo para segunda-feira) a agência da Ré, sita na vila de ..., foi assaltada nas condições e termos melhores descritos na Acusação Pública que se junta em anexo e se dá por integralmente reproduzida para todos os legais efeitos e que só agora em Outubro de 2021 os Autores vieram a ter conhecimento através da sua Ilustre mandatária. (Doc. 9) [art20pi] 18. Assim, no âmbito do Processo de Inquérito 4/18.... que decorre junto do Departamento Central de Investigação e Acão Penal (Secção Única de Lisboa), resulta do mesmo e relativamente ao assalto à Agência da Caixa Geral de Depósitos de ... (NUIPC 778/18.... – Apenso 6 e NUIPC 2221/19.3T9CBR – Apenso 6-A) que, pelas 22h30 do dia 04 de Novembro de 2018, os arguidos DD, EE, FF, GG, HH, II, JJ, KK, LL e MM acercaram-se da dependência bancária da Caixa Geral de Depósitos, situada na Rua ..., em ..., imbuídos do propósito de se apoderarem dos valores que pudessem encontrar, mormente os acondicionados no interior dos cofres particulares aí existentes [art21pi]. 19. Acto contínuo, enquanto os demais elementos do grupo vigiavam, os elementos com a missão de se introduzirem no local, designadamente os arguidos HH e II, cortaram um cabo de comunicações localizado no exterior da agência bancária, facto que gerou, cerca das 22h37, um alerta no sistema de segurança privada [art22pi]. 20. Em virtude desse alerta, o departamento de segurança chamou a GNR, tendo uma patrulha desta polícia chegado ao local pelas 23h20 [art23pi]. 21. Não detectando qualquer sinal de intrusão, os elementos da GNR que se deslocaram àquela agência foram embora, sendo então que, um pouco depois, pelas 00h30 do dia 5 de Novembro, os arguidos HH, II e um terceiro elemento do grupo, que, juntamente com os demais, tinham ficado nas imediações a aguardar a possível passagem dos elementos policiais, acercaram-se da porta traseira da agência e procederam à substituição do canhão da fechadura daquela porta, por outro canhão que traziam consigo, logrando assim abri-la e entrar na dependência bancária [art24pi]. 22. Embora a entrada na agência tivesse accionado o alarme de intrusão, este alerta apenas ficou registado no sistema de alarme da agência, porque o cabo de comunicações havia sido inactivado [art25pi]. 23. Uma vez no interior da dependência bancária, aqueles três arguidos desviaram as câmaras de videovigilância para o tecto, cortaram os cabos de alimentação do quadro de incêndio e dos sensores de intrusão e retiraram e guardaram o gravador com as imagens do sistema de CCTV, após o que chegaram à sala do cofre-forte, onde entraram depois de forçarem a respectiva porta [art26pi]. 24. No que respeita aos ora Autores resulta do art.º 114 da aludida Acusação Pública que “Do interior do cofre número 12, alugado por BB e marido foram retirados e levados diversos objectos em ouro e uma colecção de numismática, no valor total declarado de €44.668,00 (quarenta e quatro mil e seiscentos e sessenta e oito euros) [art28pi]. 25. Resulta ainda da dita Acusação Pública que os arguidos ainda tentaram forçar a porta de acesso à sala onde se encontrava a caixa ATM do espaço, sem sucesso [art29pi]. 26. A G.N.R. procedeu a uma inspecção ao exterior do estabelecimento, vistoriando apenas a parte frontal do edifício (onde se localiza a caixa multibanco) e não vislumbrando qualquer movimento suspeito, retirou-se do local [art31pi]. 27. Sem um visionamento pleno das instalações exteriores da Ré e sem realizar qualquer entrada física na agência para verificação do seu interior, nomeadamente a divisão onde se encontrava o “cofre-forte” dos particulares e do cofre forte da Agência [art31pi]. 28. Durante esse tempo, e tendo em conta que os assaltantes cortaram os circuitos de comunicação do alarme, e não sendo a segurança assegurada pela G.N.R. ou por qualquer outra força de segurança privada, a agência da Ré ficou totalmente desprotegida [art33pi]. 29. Tendo os assaltantes ficado “à vontade”, durante horas seguidas, no interior da agência [art34pi]. 30. Na madrugada daquele dia, nenhum gerente, funcionário ou colaborador da Ré se deslocou ao interior da agência, para se inteirar do que estava a ocorrer [art42pi]. 31. Nessa agência da Ré existe um acesso directo à agência, nas traseiras [art48pi]. 32. A porta que dava acesso ao cofre da agência da Ré, tinha um corredor, com cerca de 2 metros de comprimento, ao fundo do qual estava implantada uma outra porta gradada em ferro [art50pi]. 33. E, mesmo verificando-se, no dia posterior ao furto, claros sinais de tentativa de arrombamento dessa porta, o cofre da agência da Ré não foi assaltado [art51pi]. 34. No dia do assalto, os Autores mantinham naquele cofre objectos e valores que lhes pertenciam e se passam a discriminar [art60pi]: 1) Peças em ouro e prata, documentalmente fotografadas no Anexo 1 (Doc. 2), cujo valor se estima em quantia nunca inferior a 7.600,00 Euros, que foram adquiridas e outras oferecidas por familiares: 1 A/B- Um fio de malha de cordão de duas voltas em ouro amarelo e com libra - 990€ 2 A/B- Uma pulseira rendilhada com coração - 240€ 3 A/B/C- Medalha, anel e brincos em ouro com a Rainha Vitória em pedra cor de salmão - 170€ 4 - Argolas em ouro amarelo - 60€ 5- Um par de brincos em ouro amarelo com bolinha - 60€ 6- Um par de brincos em formato de chuveiro oval em ouro amarelo- 60€ 7- Um par de brincos de bebé em ouro amarelo - 50€ 8- Um relógio de bolso e de corda em ouro amarelo - 900€ 9- Onze anéis de senhora em ouro amarelo, em vários estilos - 840€ 10- Uma gargantilha em ouro amarelo - 400€ 11- Um fio de ouro amarelo, malha lassa com medalha de N. Sra. de Fátima, com dois corações - 450€ 12- Uma pulseira de bebé em ouro amarelo, com dois anéis e um par de brincos, uma medalha com inscrição lembrança de avós, berloque de 5 saimão - 230€ 13- Um fio comprido de ouro amarelo de malha lassa - 350€ 14- Um fio comprido de ouro amarelo de malha lassa, cruz de cristo em ouro, plana com nome e uma figa - 410€ 15- Quatro pulseiras em ouro amarelo e 4 anéis em ouro - 300€ 16- Um fio comprido de ouro amarelo, de malha lassa, com cruz de cristo em ouro, 3 corações em ouro, uma bola de futebol em ouro e uma figa em ouro amarelo, oferta dos avós ao filho NN - 360€ 17- Dois fios em ouro amarelo de malha lassa e uma pulseira com placa de ouro, oferta de batismo de familiares e amigos do filho NN - 270€ 18- Um alfinete em ouro amarelo de peito em letra ... e um alfinete de saia escocesa em ouro ofertada madrinha de BB, quando esta ainda era criança - 40€. 19- Quatro libras de ouro, oferta dos pais da BB - 1244€ 20- Pulseira em prata comprada pela BB - 25€ 21- Uma pulseira em prata comprada pela BB - 35€ 22- Argolas em prata, compradas pela BB - 14€ 23- Um anel em prata, comprado pela BB - 26€ 24- Brincos em prata, comprados pela BB - 24€ 25- Medalha em prata para fio com dois meninos, comprado pela BB - 41€ 26- Pequena medalha em prata, bola de futebol, oferta da ama do filho CC - 11€. (conforme listagem elaborada pelos Autores e que se junta em anexo, para todos os legais efeitos, Doc.10) 2) Peças em ouro documentalmente fotografadas no Anexo 2 (Doc. 3), cujo valor se estima em aproximadamente 9.800,00 Euros e que o Autor herdou da sua mãe e avó materna: 1- Uma pulseira em ouro amarelo - 1280€ 2- Uma medalha maciça em coração de ouro amarelo - 250€ 3 A/B/C/D/E - Cinco medalhões em ouro - 960€ 4 A/B - Dois anéis em ouro e 2 alianças em ouro - 280€ 5 A/B - Dois alfinetes em ouro amarelo - 190€ 6- Um fio corrente em ouro amarelo - 480€ 7- Um fio cordão de ouro amarelo com medalha rendilhada - 1720€ 8- Um fio cordão de ouro amarelo - 1300€ 9- Um fio de ouro de malha lassa - 650€ 10 A/B- Conjunto de gargantilha e pulseira em ouro amarelo - 1160€ 11- Duas argolas em ouro amarelo - 475€ 12- Uma pulseira grossa de ouro amarelo - 440€ 13- Uma pulseira em ouro branco - 280€ 14- Um par de brincos em ouro branco - 145€ 15- Um alfinete de peito em ouro branco - 110€ 16- Uma figa comprida em ouro - 80€ (Conforme listagem elaborada pelos Autores e que se junta em anexo, para todos os legais efeitos, Doc. 11) 3) Peças em ouro e prata fotografadas no Anexo 3 (Doc. 5), herdadas da tia da Autora, falecida no dia 14-10-2018, e cujo valor se estima em valor nunca inferior a 6.800,00 Euros. 1- Uma pulseira de sete escravas em ouro amarelo - 330€ 2- Uma pulseira de malha grossa, com 3 libras em ouro amarelo - 1200€ 3 A/B/C- Um alfinete de peito em ouro amarelo, comum par de brincos e um anel com pedra azul - 320€ 4- Um par de brincos em prata, em formato de flor, com pedra verde - 40€ 5- Um fio de malha de cordão de ouro amarelo de 2 voltas com medalha cravada a pedras azuis - 850€ 6- Um anel de ouro amarelo para lenço - 60€ 7- Um porta moedas em prata de lei portuguesa - 45€ 8- Uma caixa com um terço de Fátima em prata - 40€ 9- Um conjunto de 3 canetas em Prat de marca SHEAFER - 75€ 10- Um porta chaves com placa em prata - 25€ 11- Uma gargantilha com folhinhas em ouro amarelo - 680€ 12- Um fio comprido em ouro amarelo de malha lassa, com medalha da N. Sra. de Fátima - 550€ 13- A/B/C/D/E/F/G- Sete anéis em ouro de senhora em vários estilos - 420€ 14- Um relógio de bolso e de corda em ouro amarelo - 750€ 15- Um par de brincos em bola de cristal - 30€ 16- Um medalhão com foto do tio OO - 125€ 17- Uma gargantilha em ouro branco - 460€ 18- Um par de brincos em ouro de fundo preto com flor branca - 95€ 19- Um anel de ouro com pedra branca - 90€ 20- Uma pulseira corrente em ouro amarelo - 110€ 21- Uma pulseira corrente com bolinhas em ouro amarelo - 280€ 22- Um alfinete de peito em prata - 30€ 23- Um alfinete em prata de formato de folha e um brinco - 70€ 24 A/B/C- Três relógios de senhora - 95€ 25- Um relógio de homem - 30€ (Conforme listagem elaborada pelos Autores e que se junta em anexo, para todos os legais efeitos Doc. 12) Perfazendo, todas estas peças, um valor estimado, nunca inferior a € 24.200,00. 35. Para além das peças em ouro, os Autores tinham guardado e depositado no cofre n.º 12, tal como já foi referido, 43 libras em ouro e 43 meias libras em ouro no valor total de €20.468,00 (vinte mil quatrocentos e sessenta e oito euros) que foram logo depositadas pelos Autores e pelo filho de ambos, CC, aquando da contratação do cofre, no dia 17 de janeiro de 2014 [art62pi]. 36. Quando os Autores contrataram o cofre n.º 12 com a Ré fizeram-no na convicção que estavam a contratar um local seguro para depositar os bens e valores, que julgassem convenientes [art64pi]. 37. Visando um único escopo: a segurança de todos os bens ali guardados [art65pi]. 38. Confiando plenamente à Ré a guarda de tais bens e valores [art66pi]. 39. Muito mais do que no seu domicílio, até porque os Autores tinham sido alvo de um assalto na sua casa de habitação no dia 29 de Novembro de 2013, o que motivou a contratação do cofre, tudo conforme se pode verificar pelo Auto de Notícia que se junta em anexo e se dá por integralmente reproduzido para todos os legais efeitos. (Doc. 13) [art67pi] 40. A ré enviou uma comunicação escrita aos Autores no dia 15/11/2018, na qual informou pela primeira vez, e, apenas decorridos 10 dias do assalto, que “o cofre alugado pelos mesmos tinha sido objeto de arrombamento, tendo sido encontrado vazio [art70pi]. A Caixa participou imediatamente o sucedido às Autoridades Policiais, encontrando-se o assunto a ser investigado na Polícia Judiciária ..., no âmbito do NUIPC 778/18..... Mais informamos que a Caixa, no âmbito do aludido processo-crime fornecerá às Autoridades Judiciárias todos os elementos solicitados, tendo em vista a identificação dos autores e a recuperação dos bens furtados. Lamentando necessariamente a situação a Caixa foi alheia, ficamos inteiramente disponíveis para os esclarecimentos complementares que V. Exa. considere necessário”, tudo conforme se junta em anexo e se dá por integralmente reproduzido para todos os legais efeitos (Doc.14 e15). 41. Tendo ambos os Autores respondido respectivamente às referidas cartas no dia 22 de Novembro de 2018 através de carta registada com aviso de recepção, tudo conforme se pode verificar pelos documentos que se juntam em anexo (cfr Doc.16 e 17) [art71pi] 42. Porém, a Ré apenas no dia 29/03/2019 vem simplesmente comunicar aos Autores que iria proceder à restituição da caução depositada por aqueles em 17/01/2014 no valor de €175,00, assim como à anuidade cobrada em 17/01/2019, tudo conforme se pode verificar pelo documento que se junta em anexo (Doc.18) [art72pi] 43. No dia 05/08/2019 a Ré dirige nova comunicação aos Autores onde refere que “…estando em curso um processo de inquérito, a Caixa decidiu sobrestar a decisão sobre o eventual reembolso da quantia reclamada até que sejam conhecidas as conclusões do aludido inquérito e a apresentação da prova cabal dos bens e valores que se encontravam dentro do cofre.” Tudo tal como se pode verificar pelos documentos que se juntam em anexo e se dão por integralmente reproduzidos para os legais efeitos (Doc.19 e 20) [art73pi] 44. Os Autores sofreram tinham grande ligação sentimental tinham com os objectos furtados pois para além do ouro, que em parte era herança dos seus antepassados, e outro dos seus 3 filhos e as libras em ouro, que com muito sacrifício, investimento e estima iam comprando ao longo dos anos, prevendo ter aí uma reserva em caso de necessidade, para o seu futuro e dos seus filhos, o ouro da falecida tia da autora teria de ser repartido pelos restantes herdeiros, tal como era vontade manifestada pela falecida antes da sua morte [art75pi]. 45. A perda daqueles bens e valores deixaram os Autores abatidos psicologicamente, passando várias noites sem dormir após o assalto e sofrendo de inquietação, perturbações, angústia, revolta, sentimentos esses, que ainda se verificam nos dias de hoje [art76pi]. 46. Em 04.11.2018 a Central de Segurança da ora Ré (adiante designada apenas CS) recepcionou um alarme de perda comunicações referente à agência de ... [art40contestação]. 47. Tendo, por tal razão, contactado de imediato o posto territorial da Guarda Nacional Republicana (GNR) de ... e solicitado ao guarda/agente principal Sr. NN, a passagem de uma brigada pelo local para apurar se se passava algo [art41contestação]. 48. E, resultado de tal contacto da Ré CGD, a brigada da GNR deslocou-se à agência às 23 horas e 20 minutos [art42contestação]. 49. E comunicou à CS que que havia luz em todo o seu interior e que todos os multibancos e caixa direta se encontravam em funcionamento [art43contestação]. 50. Nessa noite choveu muito [art49contestação]. 51. Esta perda de comunicações foi provocada por corte intencional dos cabos de comunicações existente no exterior da agência [art51contestação]. 52. O corte de comunicações foi efectuado pelos assaltantes que, na sequência do mesmo, lograram arrombar com sucesso uma porta situada nas traseiras da agência, tendo para o efeito desmontado o canhão da fechadura [art52contestação]. 53. Os intrusos penetraram no interior da agência cerca das 00,36 horas do dia 05.11.2018 [art53contestação].
Não se julgaram provados os seguintes factos: Da petição inicial: 17.º Os Autores além dessa comunicação enviaram inúmeras comunicações registadas com aviso de recepção dirigidas ao Exmo. Senhor Presidente do Conselho de Administração da Caixa Geral de Depósitos, S.A. – Dr. PP, as quais nunca obtiveram qualquer resposta. 46.º Tendo uma porta de chapa fina, com uma fechadura comum, a separar o interior da agência do seu exterior. 47.º Porta essa, cuja fechadura poderia ser facilmente arrombada com recurso a ferramentas comuns e rudimentares, por qualquer assaltante “não profissional”. 49.º E a porta do cofre-forte, onde os Autores e outros clientes tinham guardado os seus bens e valores, era uma porta de madeira comum. 50.º … de madeira…(com chaves de segurança) e fechadura electrónica Da contestação 40.º … às 22 horas e 50 minutos… 43.º … nada detectou de suspeito quer no interior, quer nas imediações do exterior da mesma… 44.º Foi então pedido pelo CS ao posto territorial da Guarda Nacional Republicana de ... que, em virtude da Central de Segurança se encontrar sem comunicações com a agência, “fossem efetuadas passagens noturnas regulares pelo local”. 45.º Ficou por tal motivo a Ré CGD convicta de que nada de anormal e muito menos quaisquer factos como os que se encontram em causa, se verificassem na referida agência. 48.º Por força desta perda de comunicações os sistemas de segurança (alarmes e vídeo) da agência de Góis da Ré CGD ficaram inactivos, pelo que o alarme de intrusão não disparou. 49.º as condições meteorológicas dessa noite – … e vento – eram propícias para provocarem alarmes de perda de comunicação. 50.º nessa mesma noite, entre as 20 horas e as 8 horas do dia seguinte, ocorreram mais 15 alarmes da mesma tipologia verificada na agência de ..., sem que em nenhuma destas outras agências da CGD afectadas se tivesse verificado algum assalto. 120.º…cláusula esta comunicada e informada aos aqui autores que a aceitaram…. ///// IV. Apreciemos então as questões colocadas no recurso.
1. Impugnação em relação ao ponto 45 dos factos não provados (…).
2. As declarações de parte e o conteúdo do cofre A Apelante não identifica – pelo menos com referência à numeração constante da matéria de facto – qualquer outro facto que entenda ter sido mal julgado, aludindo apenas ao ponto 24, não para o efeito de impugnar a decisão que o julgou provado, mas apenas para dizer que dele não é possível extrair a conclusão de que os Autores haviam efectivamente depositado valores no montante ali indicado e que os mesmos se encontravam no cofre à data do assalto da madrugada de 5 de Novembro de 2018. É certo que do citado ponto de facto – onde apenas se alude ao teor da acusação deduzida no inquérito em curso – não se extrai essa conclusão, importando notar, no entanto, que esse facto (ou seja, os artigos e respectivos valores que estavam no cofre no momento do assalto) foi julgado provado no ponto 34 da matéria de facto. Ora, a Apelante não alude expressamente – nas suas alegações – ao referido ponto 34. Mas, não obstante esse facto, parece pretender impugnar a decisão que julgou provado esse facto quando refere que sobre o conteúdo do cofre no momento do assalto a prova produzida foi apenas a que resultou das declarações de parte dos Autores (uma vez que as testemunhas inquiridas acerca do assunto, nada souberam referir quanto aos objectos em ouro que teriam sido depositados no cofre e que ali permaneceriam aquando dos factos da referida madrugada) e essa prova não podia constituir fundamento para o Tribunal considerar provados factos essenciais, na medida em que essa prova – por declarações de parte – serve apenas para complementar/coadjuvar, e não para ser o principal meio probatório para a demonstração de um facto. Acrescenta ainda que o depoimento do filho dos Autores também não pode servir para o efeito porque também é pessoa interessada no desfecho da causa. Mais diz que aqueles depoimentos – bem como o depoimento do “ourives” – não são suficientes para estabelecer o valor daqueles objectos, sendo certo que tal “ourives” nem sequer viu os objectos e apenas viu as respectivas fotografias. Parece, portanto, tendo em conta essas alegações, que a Apelante pretenderá impugnar a decisão que julgou provado o referido ponto 34. Sem razão, porém.
Pensamos, desde logo, que não tem apoio legal a afirmação da Apelante quando diz que a prova por declarações de partes não pode servir para que, com base nelas, o Tribunal considere provados factos essenciais, na medida em que essa prova serve apenas para complementar/coadjuvar, e não para ser o principal meio probatório para a demonstração de um facto. A prova por declarações de parte corresponde a meio probatório expressamente previsto e admitido na lei (cfr. art.º 466.º do CPC) que, tal como acontece com a prova testemunhal (cfr. art.º 396.º do CC), está sujeito à livre apreciação do tribunal se e na medida em que não envolverem qualquer confissão (n.º 3 do citado art.º 466.º) e que apenas tem a particularidade de serem provenientes de quem se sabe, à partida, ter interesse directo no desfecho da causa e apresentar, por isso, um maior risco ou probabilidade de tentar transmitir a versão dos factos – eventualmente falsa ou alterada – que melhor se adeque aos interesses e objectivos que pretende alcançar na acção. Mas, obviamente sem prejuízo de ter essas circunstâncias em considerações e de avaliar o depoimento com as cautelas que se impõem, o juiz não está impedido de fundar a sua convicção em relação aos factos – sejam eles essenciais ou não – nas declarações de parte (isoladamente ou em conjugação com outros elementos probatórios), nos mesmos termos em que pode e deve fazê-lo em relação à prova por testemunhas, sendo certo que a prova testemunhal também não está imune (longe disso) ao risco de falsear a verdade por força de diversas circunstâncias que afectam – ou podem afectar – a isenção e credibilidade de cada uma das testemunhas, seja por via de interesse (ainda que indirecto) que possam ter no desfecho da causa, seja pela sua proximidade em relação a uma das partes ou pelas desavenças em relação à outra. Todas essas circunstâncias – seja no que toca à prova por declarações de parte, seja no que toca à prova testemunhal – têm que se ponderadas pelo juiz no sentido de avaliar a credibilidade de cada um dos depoimentos, procurando, por essa via, no conjunto de todos os elementos probatórios – tendo em conta, designadamente, as concretas circunstâncias em que cada um foi produzido e as coerências ou incoerências que entre eles se detectem – formar a sua convicção acerca da realidade dos factos que lhe cabe averiguar e julgar. Dizendo de outra forma, o regime de valoração da prova por declarações de parte não está submetido, do ponto de vista formal e legal, a qualquer restrição e não é, na sua essência, diferente daquele que vigora em relação a outros meios probatórios (designadamente a prova testemunhal) que estejam submetidos à livre apreciação do julgador; o que está em causa – e é esse o papel do julgador – é apurar, com ponderação de todos os elementos ou circunstâncias que podem afectar a sua isenção ou credibilidade, se o depoimento em causa, atendendo às concretas circunstâncias em que foi produzido, tem (ou não) idoneidade bastante para, isoladamente ou em conjugação com outros elementos provatórios, fundar a convicção do juiz. O valor probatório dessas declarações será, portanto, aquele que, casuisticamente, lhe deva ser atribuído pela análise prudente do juiz nas concretas circunstâncias do caso. Sobre esta matéria refere M. Teixeira de Sousa[1] o seguinte: “Se é certo que se impõe apreciar a prova por declarações de parte sem ilusões ingénuas, também é verdade que não há que, à partida, desqualificar o valor probatório dessa prova. Em suma: a prova por declarações de parte tem, sem quaisquer apriorismos, o valor probatório que lhe deva ser reconhecido pela prudente convicção do juiz; nem mais, nem menos, pode ainda precisar-se”. Concordamos, naturalmente. É certo, como se disse, que as declarações de parte são provenientes de quem se sabe, à partida, ter interesse directo no desfecho da causa, apresentando, por isso, um maior risco ou probabilidade de tentar transmitir a versão dos factos – eventualmente falsa ou alterada – que melhor se adeque aos interesses e objectivos que pretende alcançar na acção. E, precisamente porque essa circunstância tem que ser ponderada pelo julgador, é vulgar dizer-se que as declarações de parte, só por si e sem qualquer eco ou apoio na restante prova, são insuficientes para formar a convicção do tribunal. Mas, se isso sucede com frequência, não tem que ser obrigatoriamente assim, uma vez que, por circunstâncias várias (designadamente a forma como o depoimento foi prestado, a circunstância de não ter sido contrariado por outro meio de prova e/ou a circunstância de ser plausível e verosímil que não existam outros elementos probatórios que o possam confirmar), o juiz pode adquirir a convicção válida de que o depoimento é verdadeiro e nele fundar a sua convicção acerca da efectiva verificação dos factos a que se reporta (sejam eles essenciais ou não). Nada obsta a que tal aconteça; no fundo, tudo se resume a saber se, nas concretas circunstâncias, aquele depoimento tinha ou não idoneidade e era ou não suficiente para fundar a convicção segura que é pedida ao julgador e com base na qual tem que fazer o julgamento referente à matéria de facto. Com efeito e conforme também refere M. Teixeira de Sousa[2], “A circunstância de a prova por declarações de parte incidir sobre factos favoráveis à parte declarante não justifica que o seu resultado probatório seja degradado para um princípio de prova e que, por isso, só possa ter algum valor probatório se a prova nela obtida for corroborada por qualquer outra prova (...) isso deixaria sem resposta o “estado de necessidade probatório” em que a parte se pode encontrar (...) Como se pode dizer em relação a toda e qualquer prova, o valor da prova obtida na prova por declarações é mais seguro se essa prova puder ser corroborada por outras provas. No entanto, isto não significa que à prova que seja obtida através daquelas declarações não possa ser reconhecido nenhum valor probatório se essa prova não for corroborada por outras provas”. Tendo em conta o que se disse e retornando ao caso em análise, é certo que nada impedia que a convicção do Tribunal se fundasse apenas nas declarações de parte (ainda que não corroboradas por outros meios de prova) desde que, nas circunstâncias em que foram prestadas, elas fossem idóneas e suficientes para fundar a convicção do julgador. E não temos razões para censurar esse julgamento. Em primeiro lugar porque, em relação ao núcleo factual essencial reportado à efectiva colocação dos objectos em causa no cofre, não era sequer expectável que tais declarações pudessem ser confirmadas por outros elementos probatórios e, designadamente, por depoimentos de pessoas exteriores ao círculo familiar mais próximo dos Autores. Não será por isso de estranhar que, além do filho dos Autores (que declarou ter presenciado a colocação no cofre de alguns objectos), as declarações dos Autores não sejam corroboradas por outros elementos probatórios, estando em causa, por isso, uma situação em que negar às declarações de parte qualquer eficácia probatória equivaleria a negar, em absoluto, a possibilidade de realizar a prova do facto. Mas, além do mais, a decisão também se fundamentou em muitos outros elementos probatórios que, de algum modo, davam credibilidade às declarações dos Autores e apontavam para a sua veracidade. Importa atentar, desde logo, na vasta prova produzida que atestou o facto de os Autores deterem uma quantidade assinalável de objectos em ouro e prata (alguns com valor significativo) e libras em ouro: as fotografias desses objectos que se encontram nos autos; os depoimentos do filho dos Autores e da irmã da Autora; o depoimento do militar da GNR QQ que, aquando da deslocação à residência dos Autores por força de um assalto ocorrido em Novembro de 2013, confirma ter visto – nas circunstâncias que descreveu – uma quantidade assinalável de objectos dessa natureza, incluindo libras em ouro (talvez mais de 50), recordando – e reconhecendo nas fotografias – alguns das peças em questão por serem peças que, não se vendo todos os dias, chamam a atenção; os depoimentos de outras testemunhas que confirmaram a aquisição frequente de libras em ouro. Ora, sabendo-se que os Autores detinham quantidade considerável de ouro, sabendo-se que haviam sofrido um assalto em Novembro de 2013 (como atesta a testemunha QQ e o auto de notícia que se encontra nos autos) e sabendo-se que os Autores alugaram um cofre na CGD, será de supor que, conforme declararam, o tenham usado precisamente para colocar as peças em questão. Pensamos, portanto, ser perfeitamente convincente a argumentação da sentença recorrida para justificar a credibilidade dada às declarações de parte dos Autores, seja no que toca ao conteúdo do cofre à data do assalto, seja no que toca ao valor das peças que aí se encontravam. É bom referir, no que toca ao valor das peças em questão, que tais peças desapareceram, não sendo possível, por isso, proceder a um apuramento mais rigoroso do respectivo valor; nessas circunstâncias, não encontramos razões para discordar da decisão recorrida quando entendeu aceitar o valor dado pelos Autores, tendo em conta as explicações dadas em relação à forma como apuraram esse valor.
Mantem-se, por isso, integralmente a decisão proferida sobre a matéria de facto.
3. A qualificação do contrato como contrato de adesão e a exclusão da sua cláusula 8.ª Conforme resulta da matéria de facto provada, os Autores celebraram coma Ré – em 17/01/2014 – um contrato de aluguer de cofre (instalado na Agência de ... – ...), nos termos e nas condições que ali se encontram descritas e onde se incluía a cláusula 8.ª com o seguinte teor: “A Caixa não se responsabiliza pela perda, deterioração, furto ou extravio dos bens e valores guardados no cofre, salvo se o facto resultar de dolo ou culpa grave de sua parte”.
A sentença recorrida considerou que estava em causa uma cláusula contratual geral (que não havia obedecido a prévia negocial individual) e que a mesma se considerava eliminada do contrato (nos termos do art. 8.º, als. a) e b) do DL n.º 446/85, de 25/10) por não ter sido comunicada aos aderentes (os Autores). Em desacordo com a sentença, sustenta a Apelante: - Que não foi alegado – e provado – que esteja em causa um contrato de adesão e que, como tal, fosse aplicável o regime das cláusulas contratuais gerais com base no qual a sentença recorrida considerou excluída, por falta de comunicação, a cláusula 8.ª do contrato; - Que a cláusula 8.ª é, por isso, válida.
Começamos por esclarecer que não se julgou provado que a cláusula em questão não tivesse sido comunicada aos Autores; a exclusão da referida cláusula – que, segundo a sentença recorrida, deveria ter lugar – assentou apenas na circunstância de a Ré não ter feito prova da sua comunicação. Mas, salvo o devido respeito – e dando razão, neste ponto, à Apelante – não poderá ser assim. Conforme se retira do n.º 1 do art.º 1º do citado diploma legal, as cláusulas contratuais gerais correspondem às cláusulas que são elaboradas sem prévia negociação individual e que os proponentes ou destinatários se limitam a subscrever ou aceitar, dispondo o n.º 3 que o ónus da prova de que uma cláusula contratual resultou de negociação prévia entre as partes recai sobre quem pretenda prevalecer-se do seu conteúdo. É certo, por outro lado, que, de acordo com o regime previsto no citado diploma, tais cláusulas devem ser comunicadas na íntegra aos aderentes (cfr. art.º 5.º), sob pena de se considerarem excluídas do contrato nos termos previstos no art.º 8.º, incumbindo ao contratante que submeta a outrem as cláusulas contratuais gerais o ónus de provar a efectiva e adequada comunicação da cláusula ou cláusulas em questão. Mas os ónus de prova em questão – seja o ónus de provar que a cláusula contratual resultou de negociação prévia entre as partes (não sendo, por isso, qualificável como cláusula contratual geral), seja o ónus de provar a sua efectiva e adequada comunicação – pressupõem que a parte contrária tenha alegado que a cláusula em questão não foi objecto de negociação prévia e que não lhe foi comunicada[3]. Só por via dessa alegação – e da introdução, por essa via, da questão em juízo – é que se desencadeia a necessidade de resolver essa questão e do consequente funcionamento do ónus de prova do facto com ela relacionado nos termos acima mencionados. Assim – e dizendo de outro modo – para que uma determinada cláusula se considere excluída do contrato por não ter sido feita a prova de que ela havia sido comunicada a quem a subscreveu ou a ela aderiu, é necessário que o subscritor/aderente tenha alegado que subscreveu/aderiu a essa cláusula sem que ela tivesse sido objecto de negociação e sem que ela lhe tivesse sido comunicada, nos termos legais, pelo proponente. Ora, no caso dos autos, os Autores nunca invocaram estar em causa qualquer cláusula que não tivesse sido objecto de negociação prévia e nunca invocaram a violação de qualquer dever de comunicação em relação à cláusula 8.ª do contrato e, nessa medida, não estavam reunidos os pressupostos necessários para desencadear o ónus (a cargo da Ré) de provar que a cláusula em questão havia resultado de negociação prévia entre as partes ou que havia sido comunicada aos Autores nos termos impostos na lei e para concluir – como se concluiu na sentença – pela exclusão dessa cláusula por força do incumprimento do referido ónus probatório. Não existe, portanto, qualquer fundamento para excluir a referida cláusula do contrato.
4. A culpa da Ré e a sua responsabilidade pelos danos sofridos pelos Autores Conforme já se disse, os Autores celebraram com a Ré – em 17/01/2014 – um contrato de aluguer de cofre (instalado na Agência de ... – ...), nos termos e nas condições que ali se encontram descritas e que, conforme referido na sentença recorrida, vem previsto no art.º 4º, nº 1, alínea o) do RGICSF (Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras De. Lei n.º 298/92 de 31/12) como correspondendo a uma das operações permitidas aos bancos. Está igualmente provado que, no dia 05/11/2018 – em plena vigência do contrato acima referido – as referidas instalações da Ré (CGD) foram assaltadas, tendo sido furtados do cofre em questão os artigos que os Autores aí mantinham guardados e que correspondem aos que são mencionados e descritos no ponto 34 da matéria de facto provada, com um valor global de 44.668,00€. Coloca-se agora a questão de saber se a Ré deve (ou não) ser responsabilizada por esse facto, em termos que permitam concluir pela sua obrigação de pagar aos Autores o valor dos objectos que estes ali mantinham guardados e de indemnizar outros danos que por estes tenham sido sofridos.
A sentença recorrida entendeu que sim, considerando, no essencial: - Que o contrato em questão implicava para a Ré uma obrigação particular de vigilância e o dever de tomar todas as medidas necessárias para assegurar, salvo situações de caso fortuito ou de força maior, a salvaguarda do cofre e dos objetos nele depositados, respondendo pelas falhas, omissões ou deficiente cumprimento desses deveres e sendo, por isso, responsável pelos danos decorrentes da subtração fraudulenta destes mesmos bens e valores, a não ser que prove que agiu com a diligência profissional que lhe era exigível - Que, no caso, a Ré não cumpriu os seus deveres contratuais de diligência, não tendo feito a prova de que agiu com a diligência profissional que lhe era exigível; - Que a cláusula 8.ª do contrato – da qual resultava que a responsabilidade da Ré apenas existia em caso de dolo ou culpa grave – deve considerar-se excluída do contrato por estar em causa uma cláusula contratual geral que não foi comunicada aos aderentes (os Autores); - Que, ainda que assim não fosse, sempre se deveria concluir pela existência de culpa grave da Ré, tendo em conta as deficitárias condições de segurança existentes ma sua agência de ... e a omissão dos mais básicos deveres de zelo e vigilância, uma vez que nenhuma empresa de segurança ou funcionário do banco ali deslocou a confirmar a anomalia verificada e a prevenir as suas possíveis consequências; - Concluiu, por isso, que a Ré estava obrigada a indemnizar os Autores, nos termos dos artigos 798º, 562º, 563º e 564º, n.º 1, do Cód. Civil.
Em desacordo com a decisão, sustenta a Apelante, em resumo: - Que não foi alegado – e provado – que esteja em causa um contrato de adesão e que, como tal, fosse aplicável o regime das cláusulas contratuais gerais com base no qual a sentença recorrida considerou excluída, por falta de comunicação, a cláusula 8.ª do contrato; - Que a cláusula 8.ª é, por isso, válida; - Que, em face da matéria de facto provada, não está demonstrada a existência de dolo ou culpa grave, sendo certo que não agiu de forma negligente no que concerne às necessidades de prevenção e de acautelar a segurança da agência e actuou com a diligência profissional que lhe era exigível, confiando na informação que lhe foi transmitida ela GNR em como nada de anormal se passara.
Apreciemos.
Sendo certo que nos movemos no âmbito da responsabilidade contratual, uma vez que o que está em causa é a responsabilidade que os Autores pretendem imputar à Ré pelo incumprimento ou cumprimento defeituoso do contrato que com ela celebraram, importará, antes de mais, precisar e delimitar as obrigações da Ré no âmbito desse contrato. O contrato de aluguer de cofres – expressamente permitido aos bancos por força do disposto no art.º 4.º, n.º 1, alínea o), do RGICSF – pode ser definido, em termos gerais, como o contrato pelo qual o Banco, mediante remuneração, coloca à disposição do cliente um cofre forte, dentro das instalações bancárias, destinado à guarda, em segurança e segredo, de quaisquer coisas móveis[4]. Ainda que a natureza jurídica do contrato não seja consensual na doutrina (remetemos a propósito para a explanação feita nos Acórdãos a seguir mencionados), a verdade é que uma parte da doutrina, que tem vindo a ser acolhida na nossa jurisprudência, considera que o contrato em questão combina elementos dos negócios de locação e de depósito[5]. Na verdade, num contrato deste tipo, o Banco não se limita a alugar o cofre, assumindo também – sendo essa uma obrigação essencial neste tipo de contrato – a obrigação de guardar o cofre (e, consequentemente, os bens que nele tenham sido depositados), garantindo a sua inviolabilidade com as condições de segurança que são próprias e expectáveis de um banco cuja actividade se rege, por norma e por princípio, por elevados padrões de segurança. É esse, aliás, o escopo visado pelo cliente quando celebra um contrato desta natureza o que, de algum modo, também ajuda a definir o âmbito das obrigações que, neste tipo de contrato, são pedidas ao banco e que por ele são assumidas; o que o cliente pretende não é apenas um cofre para guardar os seus objectos (isso também poderia fazer em casa adquirindo um cofre para o efeito), mas sim beneficiar das especiais de segurança de que não dispõe em casa ou qualquer outro lugar e que podem ser garantidas por um banco. Assumindo-se, portanto, que o contrato em causa comportava, para a Ré, uma obrigação particular de vigilância no sentido de assegurar a segurança e salvaguarda do cofre e dos bens nele depositados e sendo certo que, como resulta da matéria de facto, a salvaguarda e segurança pretendidas e visadas pelo contrato não foram, em termos objectivos, alcançadas, uma vez que, por força de assalto ocorrido nas instalações da Ré, foram furtados os objectos que os Autores mantinham dentro do cofre, resta agora saber se a Ré deve ser responsabilizada por esse facto e pelo valor dos referidos objectos. Tem sido entendido[6] que, tendo em conta estas particularidades do contrato, “...existe uma presunção de responsabilidade da entidade bancária relativamente ao desaparecimento ou deterioração dos bens e valores depositados, sendo aquela responsável pelos danos causados, a não ser que prove que o evento danoso se ficou a dever a caso fortuito ou de força maior e que agiu com a diligência profissional que lhe era exigível”, o que, aliás, está em consonância com o disposto no art.º 799.º do CC, onde se preceitua que incumbe ao devedor provar que a falta de cumprimento ou cumprimento defeituoso da obrigação não procede de culpa sua. Com efeito, o furto dos objectos que se encontravam no cofre corresponde, em termos objectivos, ao incumprimento da obrigação de vigilância, que estava a cargo da Ré, no sentido de assegurar a segurança e salvaguarda do cofre e dos bens nele depositados e, portanto, cabia à Ré demonstrar que tal incumprimento não resultou de culpa sua. Cabe, portanto, analisar a questão referente à culpa da Ré no que toca à verificação do evento referido em função do qual os Autores ficaram privados dos bens que guardavam no cofre. Importa atender, nesta fase, à cláusula do contrato onde se estabeleceu que a Ré não se responsabilizava pela perda, deterioração, furto ou extraio dos bens e valores guardados no cofre, salvo se o facto resultar de dolo ou culpa grave da sua parte, cláusula que, nos termos e pelas razões acima mencionadas, não se pode ter como excluída do contrato. Pensamos, no entanto, que há razões para concluir pela culpa grave da Ré. Vejamos. A culpa grave remete-nos para uma violação grosseira dos deveres de cuidado que eram exigíveis e eram elementares. Sendo apreciada, segundo o disposto no art.º 487º.º, n.º 2, do CC, pela diligência de um bom pai de família, em face das circunstâncias do caso concreto, a culpa pressupõe a omissão dos deveres de diligência que, nas concretas circunstâncias do caso, seriam adoptados por pessoa medianamente diligente e essa culpa será tanto mais grave quanto mais grave for o grau de omissão da diligência devida, podendo dizer-se – como diz Inocêncio Galvão Teles[7] – que a conduta praticada com culpa grave corresponde àquela que só é susceptível de ser cometida por pessoa particularmente negligente ou – como diz Antunes Varela[8] – àquela que consiste em não fazer o que faz a generalidade das pessoas, em não observar os cuidados que todos em princípio observam Importa notar, no entanto, que o padrão de referência a ter em conta para os efeitos referidos não é o padrão de conduta que seria adoptado pelo cidadão comum, mas sim o padrão de conduta e a diligência, bem mais exigente, de uma instituição bancária que, pela natureza da sua actividade, tem o dever de assegurar, em todas as atividades que exerça, elevados níveis de competência técnica, garantindo que a sua organização empresarial funcione com os meios humanos e materiais adequados a assegurar condições apropriadas de qualidade e eficiência (cfr. art.º 73.º do RGICSF), aí se incluindo, naturalmente, o dever de se dotar de meios e recursos bastantes para garantir a segurança dos bens que são colocados à sua guarda no âmbito de contratos que, enquanto instituição bancária, celebra com os seus clientes. Ora, nessa perspectiva, pensamos haver elementos para concluir que a Ré omitiu, de forma substancial e relevante, os deveres de diligência a que estava obrigada no sentido de assegurar, com a competência e a qualidade que lhe eram exigíveis, a segurança dos cofres e dos bens ou valores que neles se encontravam. Começamos por referir que estes “assaltos” são, muitas vezes, extremamente organizados, planeados e executados com recurso a meios que, pelo seu carácter imprevisto ou imprevisível, pela sua sofisticação, violência e/ou rapidez, tornam muito difícil ou impossibilitam uma reacção atempada no sentido de impedir a sua consumação, não obstante todos os meios de prevenção, detecção e reacção que tenham sido implementados. De notar, no entanto, que os meios utilizados pelos autores desses assaltos também devem servir para que as instituições em causa vão reforçando e aperfeiçoando os seus meios e procedimentos de segurança em função dos métodos (por vezes, novos) que vão sendo usados para a prática desses actos. Retornando ao caso em análise, importa notar, desde logo, que a entrada na agência foi feita através de uma porta situada nas traseiras – que dá acesso directo à agência –, mediante desmontagem do canhão da fechadura e a sua substituição por outro, o que, só por si, nos leva a concluir que essa porta não dispunha da segurança que se impunha, valendo notar que, apesar de os Autores terem invocado a falta de segurança desta porta, a Ré não alegou, em momento algum, quais eram as suas concretas características em termos que permitam infirmar aquela conclusão. Registe-se, por outro lado, que, de acordo com a matéria de facto, apesar de terem conseguido aceder à sala onde estavam os cofres, forçando a respectiva porta, os autores do furto não conseguiram, apesar de terem tentado forçar e arrombar as respectivas portas, aceder à sala onde se encontrava a caixa ATM e a sala onde se encontrava o cofre da agência da Ré (que estava protegido com uma porta gradada em ferro) o que, pelo menos à primeira vista, também induz a concluir que a segurança da porta de acesso aos cofres dos particulares não era tão robusta e eficaz, circunstância que aponta para menor investimento na segurança dos cofres dos particulares. Mas, o que aqui releva, sobretudo, é a actuação da Ré – através designadamente da sua Central de Segurança – na sequência do alerta gerado cerca das 22h37 na sequência do corte do cabo de comunicações localizado no exterior da agência bancária e que motivou apenas um contacto à GNR para que se deslocasse ao local, sabendo-se, naturalmente, que a GNR apenas poderia visualizar o exterior das instalações já que não tinha como entrar no interior. Ora, ainda que a GNR tivesse ido ao local, tivesse visionado o exterior das instalações sem que tivesse vislumbrado algo de anormal (os autores do furto estavam, nesse momento, escondidos nas imediações a aguardar precisamente a visita da GNR que, certamente, já tinham como previsível, tendo em conta o alarme que sabiam ser gerado pelo corte do cabo que haviam efectuado) e ainda que a GNR tivesse informado a Central de Segurança de que não havia nada de anormal, isso não podia servir para descansar a Ré (a sua CS) e para nada mais fazer na sequência do alerta que havia sido gerado pelas 22h37. Na verdade, a referida CS sabia que o referido alerta indiciava, só por si, uma situação anómala e uma possível intrusão (já em curso ou iminente); sabia – não podia deixar de saber, na sequência da recepção do dito alerta – que havia perda de comunicações com a referida agência; sabia que, por isso, não iria receber (como, de facto não recebeu – ponto 22 da matéria de facto) qualquer alerta de intrusão que, após esse momento, viesse a ocorrer; sabia, por isso, que a agência da Ré ficava totalmente desprotegida (sem qualquer tipo de segurança) e não podia – pensamos nós – ter-se conformado com essa situação que propiciava – como, de facto, sucedeu – que qualquer pessoa se pudesse introduzir na agência dispondo de várias horas para ali fazer o que entendesse sem qualquer hipótese de gerar qualquer alarme para o exterior. Atendendo, como se disse, aos elevados padrões de exigência que devem pautar a actuação das instituições bancárias, ao nível, designadamente, da segurança dos bens dos particulares que, mediante remuneração, aceitam guardar nas suas instalações, impunha-se à Ré outro tipo de actuação e a implementação de procedimentos que fossem adequados a repor, com a maior rapidez, a ligação que havia sido interrompida ou a assegurar, por outra via, a segurança da agência até que tal reposição fosse efectuada, no sentido de impedir – ou, pelo menos, minimizar – a possibilidade de intrusão e reduzir o período temporal de que eventuais intrusos pudessem dispor para concretizar danos e furto de bens ali existentes. Não foi essa, no entanto, a actuação da Ré; perante o alarme recebido, a CS contactou a GNR mas não foram tomadas quaisquer outras providências; não foram tomadas providências para que a GNR inspecionasse o interior das instalações (o que pressupunha que alguém lhes facultasse a entrada ou as respectivas chaves), não foram tomadas providências para que, de imediato e ainda que com colaboração das autoridades policiais, fosse reposta a ligação que havia sido cortada e não se providenciou pela vigilância das instalações até à reposição da ligação (fosse mediante recurso às entidades policiais ou por outro meio), bastando-se com a informação que havia sido prestada pela GNR de que, naquele momento e aparentemente, nada havia de anormal e conformando-se com o facto de, a partir desse momento e durante essa noite, as instalações terem ficado sem qualquer tipo de vigilância, não obstante o facto de o alarme gerado indiciar uma possível intrusão na agência (já ocorrida ou iminente) e na aparente expectativa (ou esperança) – como de diz nos artigos 49.º e 50.º da contestação – de que o corte da ligação que havia ocorrido resultaria apenas das condições meteorológicas que se verificavam (chuva e vento)[9]. Não se trata, naturalmente, de exigir à Ré que se substitua às autoridades policiais para o efeito de reagir e impedir um assalto em curso e também não se trata de exigir que a Ré coloque os seus funcionários em risco para o efeito de proteger as instalações e os bens de clientes; o que se exige à Ré é que disponha de meios adequados para assegurar uma vigilância permanente às suas instalações de modo a que qualquer evento anormal possa ser comunicado atempadamente às autoridades e que disponha de meios que, perante um corte de comunicações – como o que aconteceu no caso –, possam repor essa vigilância o mais rapidamente possível, seja através da reposição da ligação interrompida ou seja através de pessoal especializado que a possa assegurar. Entendemos, portanto, em face de tudo o exposto, que a Ré omitiu, de forma substancial e relevante, os deveres de diligência a que estava obrigada no sentido de assegurar, com a competência e a qualidade que lhe eram exigíveis, a segurança dos cofres e dos bens ou valores que neles se encontravam, actuando, por isso, com culpa grave.
Nessas circunstâncias e sendo certo que nenhuma outra questão foi suscitada no recurso, impõe-se concluir pela responsabilidade da Ré e, consequentemente, pela sua obrigação de indemnizar os Autores nos termos que foram decididos em 1.ª instância.
Improcede, portanto, o recurso e confirma-se a sentença recorrida. ****** SUMÁRIO (elaborado em obediência ao disposto no art. 663º, nº 7 do Código de Processo Civil, na sua actual redacção): (…).
///// V.
Coimbra,
(Maria Catarina Gonçalves) (Maria João Areias) (Chandra Gracias)
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