Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
1335/13.8TTCBR.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: RAMALHO PINTO
Descritores: TRANSMISSÃO DE ESTABELECIMENTO
CONCEITO JURÍDICO
Data do Acordão: 02/23/2017
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE COIMBRA – JUIZO DO TRABALHO – J1
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA
Legislação Nacional: ARTº 318º DO C. TRABALHO DE 2003; 285º DO C.T. DE 2009; DIRECTIVA Nº 2001/23/CE, DO CONSELHO, DE 12 DE MARÇO.
Sumário: I – Considera-se transmissão de estabelecimento a transferência de uma unidade económica que mantém a sua identidade, entendida esta como um conjunto de meios organizados, com o objectivo de prosseguir uma actividade económica, seja ela essencial ou acessória.

II – O conceito de transmissão para este efeito é especialmente amplo, podendo corresponder a um negócio relativo à transmissão do direito de propriedade sobre o bem, mas também à transmissão (formal ou de facto) dos direitos de exploração desse bem, abrangendo todas as alterações estáveis (mas não necessariamente definitivas) na gestão do estabelecimento ou da empresa, mesmo que inexista um vínculo obrigacional direto entre transmitente e transmissário.

III – A cessação do contrato de trabalho existente torna inviável que a posição contratual desse trabalhador se transmita para a empresa tansmissária do estabelecimento, no pressuposto de que ocorreu entretanto uma transmissão de estabelecimento.

Decisão Texto Integral:






                        Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra:

                       A... veio instaurar contra B...., SA, e C... , SA, a presente acção com processo comum, emergente de contrato individual de trabalho, pedindo que:

                         A) Seja declarada a existência de um contrato de trabalho sem termo entre o Autor e a 1ª Ré;

                        B) Seja declarado ilícito o despedimento do Autor pela 1.ª Ré;

                        C) Em consequência da ilicitude do despedimento do Autor pela 1ª Ré, ser esta condenada a pagar ao Autor as retribuições que este deixou de auferir desde a data do despedimento até ao trânsito em julgado da decisão do tribunal que declare a ilicitude do despedimento numa importância que, à data da p.i., computou em € 755,53;

                        D) O Autor seja reintegrado “no mesmo estabelecimento” onde prestava trabalho, in casu D...., tudo sem prejuízo da sua categoria profissional e antiguidade e conforme previsão legal do art 389º, nº 1, al b), do C.T.;

                        E) A 2ª Ré seja condenada a receber / reintegrar o A. no D... ;

                        F) A 1ª Ré seja condenada a pagar ao Autor, a título de férias vencidas e não gozadas nem pagas no ano de 2012, a importância total de € 686,84;

                        G) A 1ª Ré seja condenada a pagar ao Autor, a título de férias e respetivo subsídio vencidas a 01/01/2013, uma importância total de € 1.511,06;

                        H) A 1ª Ré seja condenada a pagar ao Autor os proporcionais de férias, subsídio de férias e subsídio de Natal do ano de 2013, os quais até à data de 05/07/2013 se cifravam num total de € 1.133,29;

                        I) A 1ª Ré seja condenada a pagar ao Autor a título de crédito de horas de formação profissional a importância total de € 457,67;

                        Do pedido subsidiário:

                        J) Em caso de improcedência do pedido formulado em E) e a 2ª Ré seja absolvida da reintegração / recepção do Autor no D... , deve a 1ª Ré ser condenada na reintegração do Autor no estabelecimento / exploração mais próximo daquele onde o Autor prestava trabalho, o que nos termos da cl 34ª do CCT aplicável, não poderá exceder um

raio máximo de 25 Km contados a partir do local de residência do Autor, devendo ainda a 1ª R. ser condenada a custear as despesas de transportes ou outros gastos que directamente passem a existir para o trabalhador por força da referida transferência de local de trabalho designadamente de local de trabalho, designadamente com transportes e deslocações e tempo de deslocação.

                        K) Deve 1ª Ré ser condenada a pagar ao Autor juros legais desde da data do vencimento de cada um dos pedidos até efectivo e integral pagamento.

                        Alegou, em síntese e tal como consta da sentença, que foi admitido ao serviço da 2.ª Ré “ C... , S.A.”, em Setembro de 2009 para desempenhar funções correspondentes à categoria profissional de Cozinheiro de 1.ª no estabelecimento “ D... ”, tendo permanecido ao serviço da 2ª Ré até 15 de Junho de 2012.

                        A partir de 31 de Agosto de 2012 passou a ser a 1ª Ré “ B... , S.A.” a concessionária do referido estabelecimento e o Autor passou a desempenhar as suas funções nesse mesmo estabelecimento ao serviço desta Ré, sendo esta quem, além do mais, liquidava a retribuição ao A., no valor mensal base de € 755,53.

                        Em 03/06/2013, a 1ª Ré comunicou ao Autor a “Rescisão do contrato de Trabalho”, invocando a sua caducidade no dia 05/07/2013, por termo do período da época escolar.

                        No dia 08/07/2013, o Autor apresentou-se para trabalhar no local de trabalho habitual e ficou impedido de o fazer.

                        Por concurso público, a partir de 01/09/2013, a 2ª Ré passou a ser a concessionária do já referido estabelecimento.

                        Tratando-se de um contrato sem termo, o despedimento promovido pela 1ª Ré é ilícito.

                        Contestou a Ré C... , S.A, por excepção de prescrição dos créditos laborais e por impugnação.

                        Por sua vez, contestou a Ré B... , arguindo a excepção peremptória do abuso de direito (por intencionalmente ter preterido as formalidades legais para a sua celebração). Além disso, desde 01/07/2013 que a Ré não explora qualquer serviço de refeição nas Escolas de x... , por cessação do contrato de prestação do serviço de refeições. Pelo que não se admitindo a vigência do contrato de trabalho a termo incerto, a relação laboral extingue-se por impossibilidade superveniente.

                        Instruída e julgada a causa foi proferida sentença a decidir da seguinte forma:

                        “Pelo exposto, julga-se a ação parcialmente procedente por parcialmente provada e, em consequência decide-se:

                        a)- Declarar ilícito o despedimento do Autor A... efetuado pela 1ª R. “ B... , S.A.”, em 05-07-2013, condenando-se a 2ª Ré “ C... , S.A.”, que lhe sucedeu na posição contratual, a reintegrar o A. no seu posto de trabalho, sem prejuízo da sua categoria e antiguidade;

                        b)- Condenar a 2ª R. a pagar ao A. a quantia mensal de € 755,53 a título de retribuições intercalares desde setembro de 2013 e respetivos proporcionais de Subsidio de férias e de Natal, até ao trânsito em julgado desta sentença, nos termos do artigo 390º nºs 1 e 2 al b), do Código do Trabalho que até ao presente se computam em € 28.369,94 (vinte e oito mil trezentos e sessenta e nove euros e noventa e quatro cêntimos), quantia essa deduzida do montante de subsídio de desemprego eventualmente atribuído ao A.

                        c)- Condenar a 2ª R. no pagamento de juros de mora sobre as quantias referidas em b)-, contados à taxa legal, até integral pagamento desde a data em que as referidas retribuições deveriam ter sido pagas.

                        d) Absolver as RR. do demais peticionado.

                                                                       *

                        Custas pelas partes na proporção do respetivo decaimento, sem prejuízo da isenção de que beneficia o A. - art 527.º, nº2, do NCPCivil aplicável ex vi art 1.º, nº2, al a) do CPT, art 4.º, nº1, al h), do RCP”.
                                                                       x
                        Parcialmente inconformada com tal decisão, veio a Ré – C... interpor o presente recurso, formulando as seguintes conclusões:
                        […]

                       

                        O Autor e a Ré- B... contra-alegaram, propugnando pela manutenção do julgado.
                        Foram colhidos os vistos legais, tendo o Exmº Procurador-Geral Adjunto emitido parecer fundamentado no sentido da improcedência do recurso.

                                                                       x
                        Definindo-se o âmbito do recurso pelas suas conclusões,  temos, como questões em discussão:
                   -a nulidade da sentença;

                   - qual das Rés deve ser condenada na obrigação de reintegração do Autor, com as respectivas consequências legais, incluindo as decorrentes da ilicitude do despedimento;

                        - dependendo da resposta à questão anterior, se se verifica a necessidade de conhecer da excepção de prescrição.
                                                                  x
                        A 1ª instância deu como provada a seguinte factualidade, resultante exclusivamente de acordo das partes em julgamento:
                        […]

                       

                                                                       x         

                        - a nulidade da sentença:

                        São os seguintes os fundamentos pelos quais a Ré- apelante entende que a sentença é nula:
                        - ter condenado em objecto diverso do pedido, dado que o Autor pediu a  condenação da Ré- B... nas retribuições intercalares decorrentes do despedimento ilícito, sendo que a sentença operou tal condenação da pessoa da Ré- recorrente ( C... );
                        - a sentença ordenou a reintegração do Autor no D... , no pressuposto de que a apelante o explorasse, o que já não se verifica, sendo que até tal decisão constitui uma decisão- surpresa em relação à mesma Ré;
                        - a sentença não ordenou a dedução a que se refere o nº 2 do artº 390º do CT, pelo que a Ré- apelante, não tendo sido demandada para pagar aquelas retribuições intercalares, nem sequer se preocupou em fazer a prova dos rendimentos do trabalho entretanto auferidos pelo Autor;
                        - não foram tomados em conta, na sentença, os factos nºs 23 e 24 em que as partes acordaram na audiência de julgamento.
                        Vejamos:
                        Desde já adiantamos que só a primeira argumentação constitui nulidade da sentença e que a mesma merece provimento.

                        Nos termos do artº 615º, nº 1, al. e), do CPC, a sentença é nula quando “O juiz condene em quantidade superior ou em objeto diverso do pedido”.

                        Ora, analisando a petição inicial e o pedido aí formulado, constata-se que o Autor formulou o pedido de pagamento das retribuições intercalares unicamente contra a Ré- B... , nos seguintes termos:

                        “C) Em consequência da ilicitude do despedimento do A. pela 1.ª Ré, ser esta condenada a pagar ao A. as retribuições que este deixou de auferir desde a data do despedimento até ao trânsito em julgado da decisão do tribunal que declare a ilicitude do despedimento numa importância que se computa neste momento em €755,53, mas que carece de actualização a final”.

                        Não foi formulado qualquer pedido idêntico contra a Ré- C... , aqui apelante.

                        Todavia, a sentença condenou a aqui apelante a  pagar ao Autor “a quantia mensal de € 755,53 a título de retribuições intercalares desde setembro de 2013 e respetivos proporcionais de Subsidio de férias e de Natal, até ao trânsito em julgado desta sentença, nos termos do artigo 390º nºs 1 e 2 al b), do Código do Trabalho que até ao presente se computam em € 28.369,94 (vinte e oito mil trezentos e sessenta e nove euros e noventa e quatro cêntimos), quantia essa deduzida do montante de subsídio de desemprego eventualmente atribuído ao A”.
                        Estamos, pois, perante uma condenação em objecto diverso do pedido, mais concretamente em relação à Ré- apelante, que não foi objecto desse mesmo pedido.
                        Dispõe o artº 608º, nº 2, do CPC, que o juiz deve resolver na sentença todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, exceptuando aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras. Não pode ocupar-se senão das questões suscitadas pelas partes, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras.

                        Por sua vez o artº 609º, nº 1, do mesmo Código, estabelece que a sentença não pode condenar em quantidade superior nem em objecto diverso do pedido.

                        Tais normativos são manifestações do princípio do dispositivo: face ao princípio da autonomia da vontade, cabe às partes definir nos respectivos articulados o objecto da causa, aos quais o juiz fica limitado na apreciação que fizer do litígio. O autor fá-lo expondo os respectivos pedidos e causas de pedir, o réu fá-lo através das excepções que invoca ou (quando reconvém), através do pedido reconvencional e da respectiva causa de pedir.

                        Nem havendo que chamar à liça o disposto no artº 74º do CPT.

                        Sendo inútil o tecer de qualquer consideração extra sobre a condenação ultra vel extra petitum prevista em tal norma, diremos apenas que tem sido entendimento pacífico que, com a cessação do contrato de trabalho, ainda que a mesma venha  ser declarada nula ou ilícita, desaparece o vínculo de subordinação do trabalhador, que adquire plena autonomia podendo sem qualquer pressão dispor livremente dos seus direitos de natureza pecuniária, ficando, assim, afastada a aplicação desse artº 74º. Veja-se, a título de exemplo,  o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça datado de 6/2/2008, proc. 07S741, disponível em www.dgsi.pt: “O disposto no artigo 74.º do CPT não é aplicável quando em causa estejam créditos salariais peticionados após a cessação do respectivo contrato de trabalho”.

                        Condenação ultra vel extra petitum essa que nunca poderia operar, uma vez que,  e como iremos ver, o despedimento foi operado pela Ré- B... e a obrigação de reintegração e de pagamento das retribuições intercalares apenas recai sobre esta.

                        O que nos conduz, desde já, à análise do segundo fundamento de nulidade invocado, para dizer que, quanto a esse aspecto da reintegração, o que se passa é que se verifica é um erro de julgamento, e não a nulidade da sentença

                        Verificando-se, nos termos supra-expostos, a condenação em objecto diverso do pedido, estamos perante o fundamento da nulidade da sentença consagrado na citada al. e) do nº 1 do artº 615º do CPC, a considerar  por este Tribunal de recurso, nos termos do artº 665º, nº 1, do mesmo diploma.
                        E tendo a Ré – apelante sido condenada nas referidas retribuições intercalares,  em relação às quais não foi demandada, tal basta para considerar, nesta parte, procedente o recurso, com a consequente revogação da sentença.  
                        Tornando-se inútil a abordagem da problemática da decisão- surpresa, alegada pela apelante.
                        Por fim, e no que diz respeito aos factos, objecto de acordo entre as partes, nºs 23 e 24,  que a sentença não transcreveu, tal não integra nenhuma  das hipóteses do elenco taxativo do nº 1 do artº 615º do CPC, antes relevando como um verdadeiro lapso da sentença, um erro material, que esta Relação pode e deve suprir, ao abrigo do disposto no artº 662º, nº 1, do mesmo diploma.
                        Assim, acrescentam-se à factualidade provada os seguintes pontos:
                        […]
                        - a reintegração:

                        Entende a apelante que a sentença andou mal, ao ordenar a reintegração do Autor ao serviço da Ré- recorrente, dado que, à data da transmissão do estabelecimento, já havia cessado o contrato de trabalho daquele.

                        Escreveu-se, de relevante para esta questão, na sentença recorrida:

                        “No presente caso, a natureza claramente similar da atividade prosseguida antes e depois da transmissão da posição contratual e a continuidade dessa atividade, são indícios de que o estabelecimento enquanto unidade ou entidade económica, manteve a respetiva identidade e que, o que ocorreu foi mera sucessão da posição contratual (por força das sucessivas transmissões na posição de cessionário da exploração do estabelecimento), tudo a envolver questões contratuais a que o trabalhador é alheio.

                        Está, de facto, assente que o A. foi admitido ao serviço da 2ª R. C... , S.A. em setembro de 2009 até 15 de junho de 2012. A partir da data de 31 de agosto de 2012, a 1ª R. B... , S.A. passou a ser a entidade empregadora do A. tendo este a partir de tal data, mantido, por via dessa mesma transmissão, a sua qualidade de trabalhador face à 1ª R., até 05-07-2013, data em que esta R. considerou cessada a relação laboral. Pelo menos a partir de 01-09-2013 a 2ª R. passou a ser a concessionária do estabelecimento.

                        A entrega da exploração à 2ª R. da cantina que antes era diretamente explorada pela 1ª R. (à data de 05-07-2013 entidade empregadora) não constitui motivo de cessação do contrato de trabalho do trabalhador que nela prestava atividade.

                        Com efeito, analisando a cláusula 127º do CCT supra transcrita verifica-se que da mesma decorre que em caso de sucessão de empresas na exploração de refeitórios, a posição de empregador dos trabalhadores “que se encontrem ao serviço da exploração ou estabelecimento há mais de 90 dias” transmite-se para a empresa que ganha a concessão, a partir do início da atividade do novo concessionário e mesmo que tenha ocorrido uma suspensão da atividade por motivos escolares.

                        Tal transmissão ocorre de forma automática, como decorrência direta daquela sucessão, e independentemente de qualquer comunicação à empresa que ganha a concessão (salvo relativamente: 1) a trabalhadores que à data da sucessão exerciam funções na exploração ou estabelecimento há 90 ou menos dias; 2) a trabalhadores que exerciam funções na exploração ou estabelecimento e que, nos 90 dias anteriores à sucessão de empresas viram a sua retribuição ou categoria profissional alteradas por motivos diversos da mera aplicação do CCT; 3) relativamente a trabalhadores que justificadamente se oponham à sua “transferência” para a empresa que “ganhou” a concessão).

                        O Autor trabalhava no refeitório afeto à sobredita escola e não tendo ocorrido nenhuma das ressalvas acima elencadas é evidente que a recusa da 1ª R. em receber (com efeitos a 05-07-2013) a prestação de trabalho por parte do A., constitui assim um facto ilícito, consubstanciador da violação do disposto no art 127 da Clª do CTT aplicável aos autos, bem como na violação do dever de ocupação efetiva previsto no art 129.º, nº1, al b), do CT. Além disso, a posição contratual que o Autor tinha com a 1ª R., enquanto cozinheiro no refeitório escolar, transmitiu-se para a 2ª R., porquanto tendo havido mudança de concessionário, o trabalhador deveria ter permanecido adstrito ao local de trabalho, sendo o mesmo alheio a tal negociação.

                        Aqui chegados, conclui-se existir elementos suficientes para julgar improcedente a exceção de prescrição arguida pela 2ª R., além do mais, se atendermos ao pedido que contra si vem formulado.

                        Prosseguindo, tal despedimento é ilícito, visto que na nossa ordem jurídica, qualquer forma de despedimento é obrigatoriamente precedida do competente procedimento - art. 381.º, al c) do C.T., o que não foi o caso.

                        A recusa da 1ª R. em receber (com efeitos a 05-07-2013) a prestação de trabalho por parte do A., constitui assim um facto ilícito, consubstanciador da violação do disposto na Clª 127 do CTT aplicável, bem como na violação do dever de ocupação efetiva previsto no art 129.º, nº1, al b), do CT.

                        Resulta, pois, daquela cláusula, que nestes casos, em relação ao trabalhador, tudo se passa como se a transmissão não tivesse tido lugar. Este regime constitui uma garantia do direito à manutenção do posto de trabalho, consagrado no art. 53º da CRP.

                        E consequentemente, a denúncia do contrato por caducidade operada pela 1ª R. equivale a um despedimento, que se tem de considerar ilícito”.

                        Antes de mais, e por tal se apresentar como importante para a delimitação da questão, há que tecer algumas considerações sobre o conceito de transmissão de estabelecimento consagrado nos artºs 318º do CT de 2003 e 285º do CT de 2009.

                        O princípio da livre contratação constitui corolário do direito de iniciativa económica privada; mas a liberdade negocial não é absoluta, antes sofre limitações várias, designadamente no que concerne ao contrato de trabalho, sujeito como está a várias normas legais imperativas -Ac. do Tribunal Constitucional de 17/5/89, BMJ 387º, 128.

                        Uma das normas que limitava a liberdade negocial da entidade patronal era a do artº 37º da LCT, entretanto revogada pelo Cod. Trabalho de 2003.

                        Aí se dispunha, no seu nº 1,  que a "posição que dos contratos de trabalho decorre para a entidade patronal transmite-se ao adquirente, por qualquer título, do estabelecimento onde os trabalhadores exercem a sua actividade, salvo se, antes da transmissão, o contrato de trabalho houver deixado de vigorar nos termos legais, ou se tiver havido acordo entre o transmitente e o adquirente, no sentido de os trabalhadores continuarem ao serviço daquele noutro estabelecimento...".

                        Por sua vez, o nº 4 de tal artigo estabelecia que o "disposto no presente artigo é aplicável, com as necessárias adaptações, a quaisquer actos ou factos que envolvam a transmissão da exploração do estabelecimento".

                        A propósito deste artigo, surgiram várias referências doutrinais e jurisprudenciais.

                        Assim, e segundo Vasco da Gama Lobo Xavier, RDES, XXVIII, 443 e ss, quando o estabelecimento muda de sujeito de exploração, designadamente porque é transmitido para outrem, os contratos de trabalho, que ligam os trabalhadores deste estabelecimento ao seu proprietário, mantêm-se, transmitindo-se para o respectivo adquirente a posição contratual que, desses contratos, decorre para aquele.

                        Os trabalhadores de uma empresa ou estabelecimento como que "inerem" ou "aderem" a essa empresa ou estabelecimento -estabelecimento entendido aqui como "organização afectada ao exercício de um comércio ou indústria" -Orlando de Carvalho, Critério e Estrutura do Estabelecimento Comercial, Coimbra 1967, 717.

                        No dizer do Ac. do S.T.J. de 10/4/91, BMJ 406º, 553, o que há de característico no conceito do estabelecimento onde os trabalhadores exerçam a sua actividade é que o mesmo deve ser encarado como um todo, como uma universalidade, como uma unidade económico-jurídica, mais ou menos complexa, que na sua transmissão se compreende normalmente todos os elementos que o compõem, incluindo a sua organização económica e produtiva.

                        A "... transmissão da empresa, ..., deve entender-se em sentido muito amplo, abarcando actos negociais e não negociais. Quer dizer, o regime da norma aplica-se sempre que haja modificação subjectiva do empregador devida a circulação (negocial - venda, doação, usufruto, locação, etc.- ou não negocial- sucessão legal, nacionalização, confisco), ou a alteração objectiva da empresa"- Jorge Leite, em número especial do Boletim da Faculdade de Direito de Coimbra, 1983, 300.

                        A transmissão  que releva para efeitos do artº 37º da LCT deve ter carácter global, mas não é necessário que coincida tecnicamente com o conceito de trespasse, conforme se depreende do nº 4 do mesmo artigo: a exemplo do que sucede amiúde na lei fiscal, o legislador do trabalho terá privilegiado as situações de facto em detrimento das qualificações jurídicas (cfr. J.C. Javillier, Droit du Travail, 1978, 210, citado por Abílio Neto- Contrato de Trabalho- Notas Práticas, 15ª edição, 215).

O conceito de estabelecimento deve ser entendido em termos amplos, de modo a abranger a organização afectada ao exercício de um comércio ou indústria, os conjuntos subalternos, que correspondam a uma unidade técnica de venda, de produção de bens ou fornecimento de serviços, desde que a unidade destacada do estabelecimento global seja dotada de uma autonomia técnico-organizativa própria, constituindo uma unidade produtiva autónoma, com organização específica- Ac. do S.T.J. de 24/5/95, Questões Laborais, 5º, 112.

Na definição de empresa, estabelecimento ou parte de estabelecimento, o Tribunal de Justiça da Comunidade Europeia adoptou como critério para aplicação da directiva 98/50/CE a existência de uma "unidade económica que mantenha a sua identidade depois da transmissão", entendendo-se como identidade da empresa o conjunto de meios organizado com o objectivo de prosseguir uma actividade económica. Na determinação do conceito de unidade económica o TJCE tem vindo a enunciar critérios relevantes como o tipo de estabelecimento, a transferência de bens corpóreos, a continuidade da clientela, o grau de semelhança da actividade exercida antes e depois da transmissão, a assunção de efectivos, a estabilidade da estrutura organizativa, variando a ponderação dos critérios de acordo com cada caso. Mas, nas empresas cuja actividade assenta essencialmente na mão-de-obra, como nas áreas de serviços, o factor determinante para se considerar a existência da mesma empresa pode ser o da manutenção dos efectivos, ou, na interpretação mais recente do TJCE, "um conjunto organizado de trabalhadores que executa de forma durável uma actividade comum pode corresponder a uma unidade económica" (cfr. Joana Simão em A Transmissão de Estabelecimento na Jurisprudência do Trabalho Comunitária e Nacional, publicado em Questões Laborais, nº 20, pag. 203 e ss., e Júlio Manuel Vieira Gomes em a Jurisprudência Recente do Tribunal de Justiça das Comunidades Europeias em matéria de transmissão da empresa, estabelecimento, ou parte do estabelecimento – inflexão ou continuidade, publicado em Estudos do Instituto do Direito do Trabalho, Almedina, pag. 481 e ss.).

Como refere Júlio Gomes, ob. cit., 491, a determinação de se a entidade económica subsiste “exige a ponderação, no caso concreto, de uma série de factores, entre os quais se contam o tipo de estabelecimento, a transmissão ou não de elementos do activo, tais como edifícios e bens corpóreos, mas também o valor dos elementos imateriais no momento da transmissão, a continuidade da clientela, a manutenção do pessoal (ou do essencial deste), o grau de semelhança entre a actividade exercida antes e depois e a duração de uma eventual interrupção da actividade”.

O que importa é, assim, analisar, em relação a cada hipótese concreta, o conjunto de circunstâncias presentes no caso em análise e ponderar o peso relativo de cada uma delas, tendo em conta o tipo de actividade desenvolvido, como se decidiu no Ac. da Relação  de Lisboa de 24/5/2006, proc. 869/06, disponível em www.dgsi.pt.

Dizendo-se, igualmente, em tal aresto:

Deve salientar-se que os critérios enunciados pelo Tribunal de Justiça mostram uma crescente independência face a critérios próprios do direito comercial, bem como a superação de uma perspectiva predominantemente material do estabelecimento (que atribui grande importância, por ex., à transmissão de elementos do activo, designadamente bens patrimoniais que constituem o suporte do exercício de uma actividade) e que corresponde a uma visão clássica da empresa (v. Júlio Vieira Gomes, in segundo estudo citado, pag. 494).

Vem-se contudo exigindo que a transferência deve ter por objecto uma entidade económica organizada de modo “estável”, ou seja, deve haver um conjunto de elementos que permitam a prossecução, de modo estável, de todas ou parte das actividades da empresa cedente”.        

A directiva nº 2001/23/CE refere, no seu artº 1º al. B) que é considerada “transferência, na acepção da presente directiva, a transferência de uma entidade económica que mantém a sua identidade como conjunto de meios organizados, com o objectivo de prosseguir uma actividade económica, seja ela essencial ou acessória”.

O legislador do Cod. do Trabalho de 2003  transpôs para o ordenamento jurídico português tal directiva, no seu artº 318º:

                        “1 - Em caso de transmissão, por qualquer título, da titularidade da empresa, do estabelecimento ou de parte da empresa ou estabelecimento que constitua uma unidade económica, transmite-se para o adquirente a posição jurídica de empregador nos contratos de trabalho dos respectivos trabalhadores, bem como a responsabilidade pelo pagamento de coima aplicada pela prática de contra-ordenação laboral.

                        2 -  Durante o período de um ano subsequente à transmissão, o transmitente responde solidariamente pelas obrigações vencidas até à data da transmissão.

                        3 - O disposto nos números anteriores é igualmente aplicável à transmissão, cessão ou reversão da exploração da empresa, do estabelecimento ou da unidade económica, sendo solidariamente responsável, em caso de cessão ou reversão, quem imediatamente antes exerceu a exploração da empresa, estabelecimento ou unidade económica.

                        4 - Considera-se unidade económica o conjunto de meios organizados com o objectivo de exercer uma actividade económica, principal ou acessória”.

                        Por sua vez o artº 285º do CT de 2009 tem a seguinte redacção:

                        “1 - Em caso de transmissão, por qualquer título, da titularidade de empresa, ou estabelecimento ou ainda de parte de empresa ou estabelecimento que constitua uma unidade económica, transmitem -se para o adquirente a posição do empregador nos contratos de trabalho dos respectivos trabalhadores, bem como a responsabilidade pelo pagamento de coima aplicada pela prática de contra-ordenação laboral.

                        2 - O transmitente responde solidariamente pelas obrigações vencidas até à data da transmissão, durante o ano subsequente a esta.

                        3 - O disposto nos números anteriores é igualmente aplicável à transmissão, cessão ou reversão da exploração de empresa, estabelecimento ou unidade económica, sendo solidariamente responsável, em caso de cessão ou reversão, quem imediatamente antes tenha exercido a exploração.

                        4 - O disposto nos números anteriores não é aplicável em caso de trabalhador que o transmitente, antes da transmissão, transfira para outro estabelecimento ou unidade económica, nos termos do disposto no artigo 194.º, mantendo -o ao seu serviço, excepto no que respeita à responsabilidade do adquirente pelo pagamento de coima aplicada pela prática de contra -ordenação laboral.

                        5 - Considera -se unidade económica o conjunto de meios organizados com o objectivo de exercer uma actividade económica, principal ou acessória.

                        6 - Constitui contra -ordenação muito grave a violação do disposto no n.º 1 e na primeira parte do n.º 3”.

                        Lendo o conceito de estabelecimento contido nesses artºs 318º e 285º, numa interpretação conforme à jurisprudência comunitária, é considerada transmissão a transferência de uma unidade económica que mantém a sua identidade, entendida esta como um conjunto de meios organizados, com objectivo de prosseguir uma actividade económica, seja ela essencial ou acessória.

                        E como se conclui no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 12/03/2009, in www.dgsi.pt, “o que bem se compreende, já que o regime jurídico enunciado apresenta uma dúplice justificação: por um lado, pretendem-se acautelar os interesses do cessionário em receber uma empresa funcionalmente operativa; mas, por outro lado, como foi enfatizado no âmbito do direito comunitário pela Directiva nº 77/187/CEE, do Conselho, de 14 de Fevereiro, alterada pela Directiva nº 98/50/CE, do Conselho, de 29 de Junho e revogada pela Directiva nº 2001/23/CE, do Conselho, de 12 de Março, transposta para o nosso ordenamento pelo artigo 2º da Lei nº 99/2003, de 27 de Agosto, a manutenção dos contratos de trabalho existentes à data da transmissão para a nova entidade patronal pretende proteger os trabalhadores, garantindo a subsistência dos seus contratos e a manutenção dos seus direitos quando exista uma transferência de estabelecimento”.

                        Quanto ao conceito de “transmissão”, os precisos termos que aqueles artigos 318.º do CT/2003 e 285º do CT/ 2009 utilizam para a ele aludir, explicitando que a transmissão se pode operar “por qualquer título” (n.º 1), evidencia que se pretendeu consagrar um conceito amplo de transmissão do estabelecimento, nele se englobando todas as situações em que se verifique a passagem do complexo jurídico-económico em que o trabalhador está empregado para outrem, seja a que título for.

                        O conceito de transmissão para este efeito é especialmente amplo, podendo corresponder a um negócio relativo à transmissão do direito de propriedade sobre o bem, mas também à transmissão (formal ou de facto) dos direitos de exploração desse bem, abrangendo todas as alterações estáveis (mas não necessariamente definitivas) na gestão do estabelecimento ou da empresa, mesmo que inexista um vínculo obrigacional directo entre transmitente e transmissário.

            Com o regime desses artºs  37º da LCT, 318º do CT de 2003 e  285º do CT de 2009 teve-se em vista, por um lado, proteger os trabalhadores do risco de verem cortada a sua ligação à comunidade de trabalho a que pertencem, garantindo o direito à manutenção do posto de trabalho, que constitui uma das vertentes do direito constitucional consagrado no artº 53º da CRP, nos casos de transmissão do estabelecimento ou da sua exploração, e, por outro, tutelar o próprio estabelecimento (a continuidade do funcionamento da empresa que é objecto da transmissão).

                        Ora, como é bom de ver, esse risco deixa de se verificar quando o contrato de trabalho que vinculava o trabalhador ao transmitente cessa antes de operada a transmissão.

                        Isso mesmo foi decidido no Ac. do STJ de 16/1/2008, disponível em www.dgsi.pt, no domínio da vigência do CT de 2003, onde se afirma, a dado passo:

                        “Nos termos do art.º 319.º, n.º 1, do C. T., só não são abrangidos pela transmissão os contratos dos trabalhadores que, até ao momento da transmissão, o transmitente tiver transferido para outro estabelecimento ou parte da empresa ou estabelecimento que constitua uma unidade económica, os quais continuarão ao seu serviço, sem prejuízo do disposto no art.º 315.º que estabelece o regime de transferência do trabalhador para outro local de trabalho.

Ao contrário do que acontecia com o art.º 37.º da LCT, o art.º 319.º do C. T. é omisso acerca dos contratos de trabalho que tiverem deixado de vigorar antes da transmissão. Na verdade, no seu n.º 1, o art.º 37.º dizia expressamente que “[a] posição que dos contratos de trabalho decorre para a entidade patronal transmite-se ao adquirente, por qualquer título, do estabelecimento onde os trabalhadores exerçam a sua actividade, salvo se, antes da transmissão, o contrato de trabalho tiver deixado de vigorar nos termos legais, ou se tiver havido acordo entre o transmitente e o adquirente, no sentido de os trabalhadores continuarem ao serviço daquele noutro estabelecimento sem prejuízo do disposto no artigo 24.º” (sublinhado nosso), mas o art.º 319.º do C.T. nada estipula a tal respeito.

Entendemos, porém, que o facto de o art.º 319.º ser omisso acerca dos contratos que tivessem deixado de vigorar antes de transmissão não tem a menor relevância, pois, como decorre das regras da lógica, só pode ser transmitido aquilo que ainda existe, o que tornava a ressalva contida no n.º 1 do art.º 37.º absolutamente inútil. E foi, com certeza, por essa razão que tal ressalva não foi incluída no art.º 319.º.”

Igualmente no Acórdão do nosso Supremo Tribunal de 10/1/2007, disponível em www.dgsi.pt, se decidiu que “a cessação do contrato de trabalho existente (…) torna inviável que a posição contratual do autor se tenha transmitido à ré, no pressuposto de que ocorreu entretanto uma transmissão de estabelecimento, pela linear razão de que essa posição contratual se tinha justamente extinguido ainda num momento em que o trabalhador estava vinculado à sua antiga entidade patronal”.

                        Também o artº 285º do CT/2009 é omisso acerca dos contratos de trabalho que tiverem deixado de vigorar antes da transmissão.

                        Esta omissão não tem, contudo, relevância na medida em que, como decorre das regras da lógica, só pode ser transmitido aquilo que ainda existe, o que tornava a ressalva contida no nº 1 do artº 37º da LCT absolutamente inútil, o que poderá ter determinado a sua não inclusão na legislação codicística.

                        “Como se decidiu no Ac. do Supremo Tribunal de Justiça de 2008.01.16 (emitido no processo n.º 07S3902 à luz do artigo 319.º do Código do Trabalho de 2003, neste aspecto igualmente omisso), tendo presente o disposto no art.º 342.º, n.º 1, do Código Civil, compete ao trabalhador alegar e provar que entre ele e o primitivo empregador existia uma relação de trabalho subordinado, que o estabelecimento onde a sua actividade era prestada tinha sido transmitido para o réu e que, à data dessa transmissão, o seu vínculo laboral com aquele primitivo empregador ainda se mantinha. E, depois, compete-lhe provar, ainda, que tinha sido despedido pelo réu.

                        No âmbito do direito comunitário é igualmente pacífico que a directiva só pode ser invocada por aqueles trabalhadores cujo contrato de trabalho existe no momento da transferência” - Ac. da Rel. do Porto de 22/4/2013, disponível em www.dgsi.pt  e citado pela recorrente.

                        No caso que nos ocupa, ficou provado que a Ré - B... fez cessar o contrato de trabalho com efeitos a 5/7/2013 – factos 11º a 15º, cessação essa que configurou um despedimento ilícito, como bem se considerou na sentença, sendo que essa ilicitude não é posta em causa no recurso.

                        Assim como é questão pacífica a ocorrência da transmissão do estabelecimento entre a Ré- B... e a Ré- C... , em 1 de Setembro de 2013- facto 16 e 17, ou seja, em data posterior à do despedimento do Autor.

                        Mas, é legítima a dem cessado todos os contratos - ecomo lhe comtetia, por ser facto consitutio do seu diireito- artº 341º, nº 1, do Cod. Civil.úvida de, sendo ilícito o despedimento, e sendo  legalmente ficcionado que, nestes casos, tudo se passa como se a relação laboral se mantivesse sempre em vigor, a reintegração do Autor deve ser feita pela Ré- recorrente ( C... ).

                        A resposta é-nos dada pelo referido Ac. da Rel. do Porto, cuja orientação sufragamos:

                        “E o artigo 4.º da Directiva n.º 2001/23/CE, do Conselho, de 12 de Março de 2001, estabelece que:

                        «1. A transferência de uma empresa ou estabelecimento ou de uma parte de empresa ou estabelecimento não constitui em si mesma fundamento de despedimento por parte do cedente ou do cessionário. Esta disposição não constitui obstáculo aos despedimentos efectuados por razões económicas, técnicas ou de organização que impliquem mudanças da força de trabalho. (...)»

                        Relativamente a este aspecto, o Tribunal de Justiça[12] realçou que “a directiva só pode ser invocada por aqueles trabalhadores cujo contrato de trabalho existe, subiste no momento da transferência, sendo tarefa do direito nacional dos estados membros decidir, no respeito pelas disposições imperativas da directiva, quando é que se pode afirmar tal existência ou subsistência” e considerou, também, “que para determinar se um despedimento era motivado pela transferência – o que é, como se sabe, contrário ao artigo 4.º, n.º 1 da directiva – se torna necessário tomar em consideração todas as circunstâncias objectivas em que o despedimento ocorreu e, particularmente, como no caso em que o Tribunal teve que se pronunciar, o facto de que o despedimento deveria produzir os seus efeitos numa data muito próxima à data da transferência e os trabalhadores em questão foram, em grande medida, reassumidos pelo transmissário”.

                        É, pois, necessário, para que a directiva se aplique, que o contrato de trabalho subsista no momento da transferência ou que, não subsistindo, se averigúe a verdadeira causa do despedimento anteriormente ocorrido e se demonstre que o mesmo se ficou unicamente a dever ao acto da transmissão, para o que há que ponderar as circunstâncias envolventes, vg. o facto de ter começado a produzir efeitos em data próxima da transferência e de haver readmissão de trabalhadores pelo cessionário.

                        Ora, como salienta a recorrente, não se averiguou a causa do despedimento ocorrido, se o mesmo teve alguma coisa a ver com a transmissão, se houve readmissão de trabalhadores pelo cessionário, nem sequer algum destes factos foi alegado pelo Autor, como lhe competia, por ser facto constitutivo do seu direito- artº 341º, nº 1, do Cod. Civil.

                        E está provado que a Ré - apelante fez tudo o que lhe competia no sentido de respeitar a manutenção dos contratos de trabalho porventura existentes : notificou a Ré- B... para que esta lhe fornecesse o quando de pessoal existente à data da transmissão, tendo recebido como resposta da B... que não havia trabalhadores visto terem cessado todos os contratos -vide factos 22 e 23.

            Não havendo que reconhecer qualquer crédito do Autor sobre a apelante desnecessário se torna conhecer da excepção de prescrição.

            Assim sendo, há que revogar a sentença, também na parte em que ordenou a reintegração da Autora ao serviço da apelante.

            Sendo a Ré- B... responsável pela reintegração do Autor e pelos salários de tramitação decorrentes da ilicitude do despedimento, desde 30 dias antes da propositura da acção, há que a condenar em conformidade.

                        Apesar de ter corrido termos contra a mesma o Processo Especial de Revitalização nº (...) (cfr. docs de fls. 128 a 131 e  144 e ss), nele foi, em 12/11/2014,  proferida sentença homologatória do plano de recuperação, prevendo-se neste o prosseguimento da presente acção, até ser proferida sentença, nos termos da parte final do artº 17º-E, nº 1, do CIRE - cfr. fls. 307- verso e despacho de fls. 337.

                        A reintegração deverá operar-se de harmonia com o pedido subsidiário e com o disposto clª 34ª, nºs 2 e 4, do CCT aplicável (celebrado entre a ARESP e a FESHOT – Federação dos Sindicatos da Hotelaria e Turismo de Portugal e outros, publicado no BTE n.º36 de 29 de Setembro de 1998 e posteriores alterações e revisões),  tendo o Autor direito às  retribuições que deixou de auferir desde 30 dias antes da propositura da acção até ao trânsito em julgado da decisão do tribunal – nºs 1 e 2, al. b)  do artº 390º do CT, havendo que proceder à  dedução a que se refere a al. c) desse nº 2.

Por se desconhecer a data de trânsito do presente acórdão, e também porque se desconhecem os valores a deduzir,  relega-se a liquidação das importâncias devidas ao Autor para uma subsequente fase.

Quantos aos juros peticionados, estamos perante uma obrigação ilíquida, que apenas se torna líquida com este acórdão, e tendo em conta que a falta de liquidez do crédito, que provem de um acto ilícito, não é de imputar ao Autor, a Ré só se constituirá em mora desde a data da notificação do presente acórdão. Aplica-se aqui, tal como se decidiu no Ac. do STJ de 17/4/2002 e nos Ac. da Rel. do Porto de 20/5/2002 e de 15/3/2004 (estes últimos disponíveis em www.dgsi.pt), a primeira parte do nº 3 do artº 805º do Cod. Civil, nos termos do qual não há mora enquanto o crédito se não tornar líquido, o que só veio realmente a acontecer com este acórdão, que declarou ilícito o despedimento.

                        A segunda parte do nº 3 do artº 805º do CC reporta-se à responsabilidade por factos ilícitos no âmbito da responsabilidade extracontratual, pelo que não é de aplicar às situações de despedimento ilícito, que se circunscrevem ao domínio da responsabilidade contratual.
                                                                       x

                        Decisão:

                        Nos termos expostos, acorda-se em julgar procedente a apelação, com a consequente revogação da sentença recorrida e a sua substituição pela seguinte decisão:

                        - absolve-se a Ré- C... , SA,  da totalidade do pedido;

                        - declara-se ilícito o despedimento do Autor - A... efetuado pela Ré - B... , SA, em 05-07-2013, condenando-se a mesma Ré na reintegração do Autor no estabelecimento / exploração mais próximo daquele onde o Autor prestava trabalho à data do despedimento, que, nos termos da clª 34ª do CCT aplicável, não poderá exceder um raio máximo de 25 Km contados a partir do local de residência do Autor, e a custear as despesas de transportes ou outros gastos que directamente passem a existir para o trabalhador por força da referida transferência.

                          – condena-se a Ré- B... a pagar ao Autor as retribuições que o mesmo deixou de auferir desde 30 dias antes da propositura da acção e até ao trânsito em julgado da presente decisão (incluindo férias, subsídio de férias e de Natal), operando-se a dedução a que se refere a al. c) do nº 2 do artº 390º do C.T., cuja liquidação se relega para uma ulterior fase de execução, acrescidas de juros de mora, à taxa legal, desde a notificação deste acórdão à Ré – B... e até integral pagamento.

                        Custas pela apelada- B... .

                                                           Coimbra, 23/02/2017

                                              

                                                                 (Ramalho Pinto)

                                                                 (Azevedo Mendes)

                                                             (Joaquim José Felizardo Paiva)