Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
125/04.3GBCNT.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: JOSÉ EDUARDO MARTINS
Descritores: CÚMULO JURÍDICO
PENA DE PRISÃO
SUSPENSÃO DA EXECUÇÃO DA PENA
FALTA DE FUDAMENTAÇÃO
NULIDADE DE SENTENÇA
Data do Acordão: 06/03/2015
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COIMBRA (CANTANHEDE – INSTÂNCIA LOCAL – SECÇÃO CRIMINAL – J1)
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO CRIMINAL
Decisão: REVOGADA
Legislação Nacional: ARTS. 77.º E 78.º, DO CP; ARTS. 379.º, N.º 1, AL. A), COM REFERÊNCIA AO N.º 2 DO ARTIGO 374.º, E 122.º, N.º 1, DO CPP
Sumário: I - As penas extintas, aplicadas por crimes integrantes de um concurso, não devem integrar a formação da correspondente pena única.

II - Em conformidade, no momento da realização de cúmulo jurídico, se alguma das penas (de prisão) integrantes do concurso de crimes foi declarada suspensa na sua execução e já decorreu o período de suspensão, deve colher-se junto do respectivo processo informação sobre a situação actual da dita pena de substituição, sendo que, encontrando-se esgotado, à data da realização do cúmulo, aquele período, a pena em causa só pode ser englobada nessa operação se tiver havido revogação da suspensão ou prorrogação do período atinente.

III - Se não é necessário nem útil que a decisão de cúmulo jurídico de penas enumere exaustivamente os factos dados por provados nas decisões anteriores, já é imprescindível que contenha uma narrativa, ainda que sumária, desses factos, de modo a permitir conhecer a realidade concreta dos crimes anteriormente cometidos e a personalidade do arguido, o que passa, designadamente, pelo esclarecimento do seu percurso de vida.

IV - A inclusão na decisão cumulatória de pena de prisão declarada suspensa, com omissão do procedimento acima descrito, e bem assim a falta de descrição, embora sintetizada, na mesma decisão, dos factos supra concretizados, redundam em falta de fundamentação e, logo, na nulidade prevista no artigo 379.º, nº 1, alínea a), com referência ao n.º 2 do artigo 374.º, a qual torna inválida a sentença, nos termos do artigo 122.º, n.º 1, todos do CPP.

Decisão Texto Integral:

Acordam em conferência no Tribunal da Relação de Coimbra:

I – RELATÓRIO:

1) Nos autos de processo comum (tribunal singular) n.º 125/04.3GBCNT.C1 da Comarca de Coimbra, Cantanhede – Instância Local – Secção Criminal – J1, em 23/1/2008, após ter sido realizada audiência de julgamento para realização de cúmulo jurídico, foi proferida Sentença, cujo DISPOSITIVO é o seguinte:

“(…)

III – Pelo exposto, ao abrigo das disposições legais supra citadas:

a) Em cúmulo das penas parcelares aplicadas à arguida nos processos supra 8 a 10 condeno a arguida A... na pena única de vinte meses de prisão para efectivo cumprimento;

b) Em cúmulo das penas parcelares aplicadas à arguida nestes autos e no processo 12 condeno a arguida na pena única de vinte meses de prisão para efectivo cumprimento sucessivo.

Sem custas.

Notifique e deposite.

Boletins ao registo criminal.

Após trânsito:

- remeta certidão aos processos que foram englobados no cúmulo jurídico;

- passe mandados de condução da arguida ao EP para cumprimento das penas.”

****

            2) Apesar de regularmente notificada para o efeito, a referida arguida não esteve presente na audiência de julgamento, conforme fls. 419/420 e 430, sendo certo que, só no dia 7/11/2014, foi a mesma notificada da sentença ora em crise, conforme resulta de fls. 800/801.

                                                                       ****

            3) Inconformada com a decisão, a 10/12/2014, veio interpor recurso, pedindo a sua revogação, extraindo da motivação as seguintes conclusões:

1. Vem o presente recurso interposto, por a arguida não se conformar com o Douto acórdão, por entender que as penas parcelares se encontram prescritas, entender não ser admissível o cúmulo jurídico entre pena de prisão suspensa e pena de prisão efetiva, por se encontrar violado o dever de fundamentação, a medida da pena ser manifestamente exagerada, nos termos do artº 70º do C.P. e ainda da não suspensão da execução da pena – violação do artº 50º do C.P.

2. Considerando o artigo 122.º do Código Penal e o artigo 126.º n.º 3 do Código Penal as penas parcelares encontra-se prescritas. Assim, o processo n.º 318/02.8TAPFR - sentença proferida em 5/2/2003 e transitada em 2/03/2003 - na pena de 7 meses de prisão suspensa por três anos – encontra-se prescrita nos termos do artigo 122.º n.º1 d) e n.º 2, desde 2/3/2007, e nos termos do artigo 126.º n.º 3 desde 2/3/2009; Processo n.º742/02.6TAPRD - sentença proferida em 10/11/2013 e transitada em 4/12/2003 – na pena de 10 meses de prisão suspensa por três anos - encontra-se prescrita nos termos do artigo 122.º n.º1 d) e n.º 2, desde 4/12/2007, e nos termos do artigo 126.º n.º 3 desde 4/12/2009; Processo 110/03.2TAPRD - por sentença proferida a 10/12/1993 e transitada em Julgado a 19/1/1994 - pena de um ano de prisão suspensa por 2 anos com condição de acompanhamento pelo IRS - encontra-se prescrita nos termos do artigo 122.º n.º1 d) e n.º 2, desde 19/01/1998, e nos termos do artigo 126.º n.º 3 desde 19/01/2000; processo 125/04.3GBCNT - por sentença proferida a 7/04/2005, transitada em julgado em 2/05/2005, - pena de 4 meses de prisão suspensa na sua execução - encontra-se prescrita nos termos do artigo 122.º n.º1 d) e n.º 2, desde 02/05/2009, e nos termos do artigo 126.º n.º 3 desde 02/05/2011; No processo 35/04.4GBPRD, por sentença proferida a 24/11/2001 transitada em 10/03/2006 - na pena de um ano de prisão - encontra-se prescrita nos termos do artigo 122.º n.º1 d) e n.º 2, desde 10/06/2010, e nos termos do artigo 126.º n.º 3 desde 10/06/2012.

3. Ao abrigo das disposições conjugadas nos arts. 122° n° 1 d) e 123°, ambos do Código Penal, devem ser declaradas extintas as penas parcelares que foram englobadas no cúmulo jurídico.

4. Entende a recorrente que é inadmissível o cúmulo jurídico no caso concreto. Nos presentes autos, foi efetuado o cúmulo jurídico, com base em cinco condenações transitadas em julgado, tendo sido efetuados dois cúmulos jurídicos diferentes. Cumulo das penas parcelares aplicadas à arguida no processos n.º 318/02.8TAPFR no qual havia sido condenada na pena de 7 meses de prisão suspensa por três anos, processo n.º742/02.6TAPRD, no qual havia sido condenada na pena de 10 meses de prisão suspensa por três anos, processo 110/03.2TAPRD, no qual foi condenada pena de um ano de prisão suspensa por 2 anos com condição de acompanhamento pelo IRS – e condenada a arguida na pena única de vinte meses de prisão para efetivo cumprimento. Cumulo das penas parcelares aplicada à arguida no processo 125/04.3GBCNT, no qual foi condenada pena de 4 meses de prisão suspensa na sua execução, processo 35/04.4GBPRD no qual foi condenada na pena de um ano de prisão – e condenada a arguida na pena única de vinte meses de prisão para efetivo cumprimento sucessivo.

5. Assim, foi a arguida condenada em duas penas de 20 meses de prisão efetiva cada, num total de 40 meses (3 anos e três meses) a cumprir sucessivamente. Todos os factos, seja num cúmulo ou no outro, são anteriores a cada uma das condenações. Não pode haver lugar a cúmulo jurídico de penas efetivas e penas suspensas na sua execução, decisão contrária viola o caso julgado inerente a qualquer das condenações parcelares.

6. Resulta dos autos que, as penas aplicadas nos processos englobados no primeiro cúmulo o foram sempre em pena suspensa na execução, que se encontra cumprida - Processo n.º 318/02.8TAPFR no qual havia sido condenada na pena de 7 meses de prisão suspensa por três anos, processo n.º742/02.6TAPRD, no qual havia sido condenada na pena de 10 meses de prisão suspensa por três anos, processo 110/03.2TAPRD, no qual foi condenada pena de um ano de prisão suspensa por 2 anos com condição de acompanhamento pelo IRS.

7. Relativamente ao primeiro cúmulo jurídico, para além das considerações já expendidas quanto à prescrição das penas, importa clarificar que todas as penas foram suspensas na sua execução. Ora, no termos do Acórdão do STJ de 29-04-201025 «não é possível considerar na pena única as penas suspensas cujo prazo de suspensão já findou, enquanto não houver no respetivo processo despacho a declarar extinta a pena nos termos daquela norma ou a mandá-la executar ou a ordenar a prorrogação do prazo de suspensão, pois no caso de extinção nos termos do art. 57.º, n.º 1, a pena não é considerada no concurso, mas já o é nas restantes hipóteses.»

8. Acresce que, se o tribunal que incluir no cúmulo jurídico uma pena de execução suspensa em relação à qual não foi averiguado se a mesma foi declarada extinta, tendo passado o respetivo período de suspensão, revogada ou prorrogada a suspensão, incorre em omissão de pronúncia determinante de nulidade, nos termos do art. 379.º, n.º 1, alínea c) do CPP., o que desde já se argui.

9.Quanto ao segundo cumulo, das penas parcelares aplicado à arguida no processo 125/04.3GBCNT, no qual foi condenada pena de 4 meses de prisão suspensa na sua execução, processo 35/04.4GBPRD no qual foi condenada na pena de um ano de prisão, importará clarificar a sua inadmissibilidade. De facto, estamos então na presença de duas penas de prisão, sendo uma efetiva e a outra suspensa na sua execução, o que, do ponto de vista da arguida, não é, legalmente, admissível.

10. Para além de que, o cúmulo efetuado excede o limite máximo da pena, que são 16 meses, tendo sido fixados 20 meses de prisão, o que está ferido de nulidade por violação do artº 77º, nº 1 e 2 do C.P.

11. Entende a arguida não haver lugar a cúmulo jurídico destas penas, solução que, de resto, vem sendo perfilhada por jurisprudência recente, neste sentido vide Ac STJ,. Proc. 287/12.6TCLSB.L1.S1, 3ª secção, datado de 14-03-2013 e Acórdão de 11-09-2013 proferido pelo Tribunal da Relação de Lisboa. Para que se possa entender que pode haver lugar a cúmulo jurídico de uma ou mais penas, mostra-se necessário que as mesmas tenham a mesma natureza, o que não sucede com uma pena de prisão efetiva e uma pena de prisão suspensa.

12. A pena de prisão suspensa não se reconduz, enquanto tal, a uma pena de prisão efetiva, não só porque tem requisitos específicos de imposição, como ainda porque tem, igualmente, regras próprias de cumprimento – que podem abranger a imposição de regras de conduta ou deveres específicos (artºs 50º a 54º do C. Penal) - e de eventual revogação (arts. 55º a 57º do mesmo diploma legal).

13. A alteração da natureza de uma pena – em especial esta que tratamos – tem graves e severas repercussões na esfera jurídica do condenado, uma vez que este passa de uma condenação que lhe permite manter a sua liberdade, para uma situação de reclusão, sendo que a lei expressamente impõe que tal alteração só pode ocorrer por virtude de um comportamento culposo do próprio arguido (vide artºs 55 e 56 do C. Penal) e não por despacho judicial a proferir no âmbito de outro processo. Interpretação neste sentido é claramente violadora da CRP. Ao afastar-se tal suspensão, sem que se tenha averiguado ou sequer ocorrido tal violação, imputável ao próprio arguido, está o julgador a agir derrogando lei expressa.

14. Não tendo havido pronúncia sobre as condições, pressupostos e consequências dos termos da execução dessas penas suspensas, o acórdão recorrido deixou de se pronunciar sobre questão essencial para a determinação da pena conjunta, omissão essa que integra a nulidade a que se refere o artigo 379º, nº 1-c) do CPP, com a sua consequente anulação, restrita, porém, a esta questão e, em consequência, à questão da determinação da pena conjunta (cfr. artº 122º do CPP).

15. Por todo o acima exposto entendemos que, enquanto a pena de substituição, prevista no artigo 50º, n.º 1 do CP, não for revogada pelo Tribunal da condenação, nos termos do artigo 56.°, n.° 1, do CP, a pena substituída não pode integrar cúmulo jurídico.

16. Conclui-se pois, que mal andou o Tribunal “a quo” ao proceder ao cúmulo jurídico das penas proferidas pelo 1.º juízo do Tribunal Judicial da Comarca de no processo 125/04.3GBCNT, do Cantanhede (pena de 4 meses de prisão suspensa na sua execução), e 2.º Juízo Criminal do Tribunal Judicial de Paredes, no processo 35/04.4GBPRD (na pena de um ano de prisão) e incorreu em violação do que vem disposto no artigo 29.º, n.º 5, da Constituição da Republica Portuguesa e no artigo 619.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, aplicável por força da remissão contida no artigo 4.º do Código de Processo Penal, inconstitucionalidade que desde já se argui.

17. Entende a recorrente, que no douto acórdão do qual ora se recorre foi violado o dever de fundamentação. O tribunal que procede ao cúmulo jurídico de penas, não deve limitar-se a enumerar os ilícitos cometidos pelo arguido de forma genérica, mas descrever, ainda que resumidamente, os factos que deram origem às condenações, por forma a habilitar os destinatários da decisão a perceber qual a gravidade dos crimes, bem como a personalidade do arguido, modo de vida e inserção social. Se a decisão recorrida não contém elementos que permitam apreender, ainda que resumidamente, os factos e as circunstâncias em que ocorreram e que foram julgados no processo da condenação, e as circunstâncias pessoais que permitam construir uma base de juízo e decisão sobre a personalidade, necessária para a determinação da pena do concurso, tal omissão não permite ao tribunal de recurso tomar uma decisão cuja base de ponderação é, pela lei, precisamente a consideração, no conjunto, dos factos e da personalidade do agente.

18. A especificação dos fundamentos que presidiram à escolha e à medida da pena se integra no dever de fundamentação das razões de direito da decisão, a que se refere o n.º 2 do art. 374.º do CPP, e que a omissão de tal especificação determina a nulidade da sentença (cf. art. 379.º, n.º 1, al. a), do CPP).

19. É nulo o acórdão, por insuficiência de fundamentação de facto e de direito, quando se limita a indicar os crimes que foram objeto da condenação, sem especificar, embora de forma concisa, os factos que os consubstanciaram, quando é absolutamente omisso quanto à personalidade do arguido (nada contém sobre as suas condições pessoais, familiares e sociais à data em que cometeu os crimes) e quando nada esclarece sobre a avaliação da personalidade do arguido e da globalidade dos factos por ele praticados.

20. É a própria legalidade e jurisdicionalidade de uma decisão judicial que exige a verificabilidade da sua motivação, como de resto, no nosso ordenamento jurídico, o impõe a Constituição da República Portuguesa ao prescrever, no seu art. 205.º/1.

21. Sem prescindir do que se disse supra relativamente à inadmissibilidade do cúmulo jurídico, e à prescrição das penas sempre se dirá que, caso o Tribunal entenda manter o cúmulo, importa neste ponto, debruçamo-nos sobre a medida da pena, pois parece-nos que, salvo o devido respeito por melhor opinião, a ter em consideração os factos dados como provados, o Tribunal “a quo” na determinação da medida da pena não apreciou devidamente as circunstâncias que depuseram a favor da arguida.

22. De harmonia com o já citado art.º 77.º, n.º 1 do Código Penal na medida da pena do concurso são considerados, em conjunto, os factos e a personalidade do agente. Na fixação da pena única do concurso há que partir da visão integrada de todos os crimes que integram o concurso e apurar de que modo é que essa visão do conjunto se reflete na personalidade do agente, ou seja, se denota uma personalidade tendencialmente desviante das normas do dever ser penal ou se a pluralidade de infrações se deveu a meros fatores circunstanciais.

23. A pena única a aplicar à arguida deverá ser encontrada dentro da seguinte moldura do concurso: Quanto ao primeiro concurso – a moldura penal abstrata tem como limite mínimo 12 meses e máximo 29 meses; Quanto ao segundo concurso – a moldura penal abstrata tem como limite mínimo 12 meses e máximo 16 meses.

24. Na graduação da pena única a aplicar há que considerar, o conjunto dos factos e da personalidade do agente. O limite mínimo da pena a aplicar é, em ambos os casos é de 12 meses, enquanto que o limite máximo da pena será, no primeiro caso de 29 meses, e no segundo de 16 meses prisão. A arguida foi condenada, em cúmulo das penas parcelares relativas ao primeiro concurso na pena de 20 meses de prisão para efetivo cumprimento, o que, sendo exagerado se enquadra na moldura abstrata.

25. Contudo, quanto ao segundo cumulo, a arguida foi também condenada na pena única de 20 meses de prisão para efetivo cumprimento, contudo, tal não poderia em caso algum ocorrer dado que a moldura penal abstrata tem como limite mínimo 12 meses e máximo 16 meses.

26. As penas aplicadas à ora recorrente de prisão de 20 meses, sucedido por 20 meses é excessiva, para além de que violou o disposto no artº 71º do C.P.P, ao não ter em consideração na determinação da medida da pena todos os factos que depuseram a favor da arguida, nomeadamente: O grau de ilicitude; A situação pessoal; O seu comportamento anterior e posterior à prática do crime; A idade da arguida.

27. Salvo o devido respeito por melhor opinião o Tribunal “a quo” dado os factos provados em audiência de discussão e julgamento e os assentes pelo Tribunal “a quo” no douto acórdão, entende a recorrente que na determinação da medida da pena o Tribunal “a quo” não tomou devidamente em consideração o disposto no artº 71, nº 2, al. e) do C. Penal, existindo sérias razões para crer que duma pena mais baixa pena e suspensa na sua execução resultariam vantagens para a reinserção social da arguida.

28. Não valorou cabalmente a integração social, profissional, familiar e social e o bom comportamento da arguida, o acompanhamento familiar de que dispõe, o que deveria ter sido relevado pelo Tribunal “a quo”, para os efeitos do artº 71, nº 2, al. e) do C.Penal. Pelo que deveria o Tribunal “a quo” face à sua integração familiar, social e profissional, ter aplicado uma pena de prisão inferior à arguida.

29. Não tomou em consideração o Tribunal “a quo” na determinação da medida da pena os elementos referentes às condições socioeconómicas, familiares e profissionais da arguida, sendo que face à ausência de elemento no processo deveria o Tribunal “a quo” ter ordenado a elaboração de um relatório social, pois só assim poderia dar cumprimento ao disposto no artº 71º, nº 1 e 2, al. d) e artº 370º, nº 1, do C..P.P., o que implica a nulidade da sentença, nos termos do disposto no artº 379º, nº 1, al. do Código de Processo Penal, o que implica a nulidade da sentença, nos termos do artº 379º, nº 1, al. c) do C.P.P.

30. Sendo que, a arguida encontra-se inserida social e profissionalmente na Alemanha desde 2004, encontrando-se do mesmo modo inserida familiarmente, casada e com três filhos, sendo um menor que se encontra a estudar e dois maiores que já se encontram formados e a trabalhar.

31. Não tomou em devida consideração a conduta da arguida posterior aos factos, sendo de ressalvar que o Tribunal “a quo” apenas faz referência ao facto de a arguida não ter cometido crimes após o ano de 2004, desconsiderando que os factos pelos quais foi condenada ocorreram há mais de 10 anos.

32. Ao não ter em consideração tais elementos na determinação da medida da pena o Tribunal “a quo” violou claramente o disposto no artº 71º, nº 1 e 2 do C.P.P.

33. No caso, em que o limite mínimo da pena a aplicar é, o de 12 a 20 meses no caso do primeiro cumulo e de 12 a 16 meses no caso do segundo, o ponto ótimo de realização das necessidades preventivas da comunidade – ou seja, a medida de pena que a comunidade entenderá necessária à tutela das suas expectativas na validade e no reforço da norma jurídica afetada pela conduta da arguida – situar-se-á cerca de 15 meses para a o primeiro cumulo e 13 meses para o segundo cúmulo.

34. Abaixo da medida (ótima) da pena de prevenção, outras haverá – até ao “limite do necessário para assegurar a proteção dessas expectativas” - que a comunidade ainda entenderá suficientes para proteger as suas expectativas na validade da norma». E, no caso, esse limite mínimo (da moldura de prevenção) poderá encontrar-se - 12 meses para cada um dos cúmulos. Não revelando a arguida «carência de socialização» as necessidades de prevenção apontam para uma pena situada, junto do limite mínimo – 12 meses.

35. Considerando que decorreram entre 10 e 13 anos sobre a data dos factos, e que a arguida fez um esforço bem-sucedido de levar uma conduta adequada aos parâmetros sociais vigentes, trabalhando regularmente, reorganizando-se e granjeando a consideração e estima daqueles que com ela convivem, entende-se que a pena deve situar-se próximo do limite mínimo.

36. Sem prescindir do alegado supra quanto à inadmissibilidade do cúmulo jurídico, e procedendo as suas alegações quanto à medida da pena sempre se dirá que a pena que seja aplicada, em medida não superior a cinco anos, deve ser suspensa na sua execução.

37. A suspensão da execução da pena constitui uma medida de conteúdo reeducativo e pedagógico, de forte exigência no plano individual, particularmente adequada para, em certas circunstâncias e satisfazendo as exigências de prevenção geral, responder eficazmente a imposições de prevenção especial de socialização, ao permitir responder simultaneamente à satisfação das expectativas da comunidade na validade jurídica das normas violadas, e à socialização e integração do agente no respeito pelos valores ao direito, através da advertência da condenação e da injunção que esta impõe para que o agente conduza a vida de acordo com os valores inscritos nas normas.

38. As condições de vida, familiar e profissionais da arguida constituem elementos suscetíveis de formular um juízo de prognose favorável sobre a condução de vida daquele no futuro, sendo de prever, que a simples ameaça da pena será suficiente para prevenir a reincidência, realizando a finalidade da prevenção especial.     

39. No caso, deverá o tribunal concluir pela suspensão de execução da pena privativa de liberdade, já que é possível a formulação de um prognóstico favorável relativamente ao comportamento futuro do agente em sociedade.

40. Assim e em face de tudo o que se expôs e sem prescindir do que alegou neste recurso, entende a recorrente, sempre com o devido respeito, que a pena que lhe for aplicada, deverá ser suspensa na sua execução, tudo nos termos do disposto nos artigos 40º, 50º, 51º e 71º do Código Penal.”

DISPOSIÇÕES LEGAIS VIOLADAS

- Artigos 40º, 43,º, 50.º a 54.º, 55.º, 56º, 70º, 71.º, 77.°, 78.°, do Código Penal

- Artigos 379º, nº 1-c), 471°, n° 2, 474° CPP, 492° e 495°, do Código de Processo Penal

- Artigo 29.º, n.º 5, e 32.º, da Constituição da Republica Portuguesa,

- Artigo 619.º, n.º 1, do Código de Processo Civil.”

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            4) O recurso, a 15/12/2014, foi admitido.

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            5) O Ministério Público, a 27/1/2015, respondeu, pugnando pela procedência parcial do recurso, contra-alegando, em resumo, o seguinte:

            - nos termos do disposto no artigo 122.º, n.º 2, do CPP, o prazo de prescrição das penas apenas começa a correr no dia em que transitar em julgado a decisão que tiver aplicado a pena,

            - nada impede que na formação da pena única entrem penas de prisão efetiva e penas de prisão com execução suspensa;

            - nenhuma das penas suspensas se encontrava extinta;

            - questão diferente será a de serem englobadas na pena única penas de prisão suspensas na sua execução, cujo prazo de suspensão já havia terminado e se desconhece se houve despacho a prorrogar o prazo de suspensão ou a declará-las extintas ou a mandá-las executar.

            Assim sendo, quanto à conclusão 8.ª, assiste razão à recorrente, tendo o Tribunal a quo incorrido em omissão de pronúncia determinante de nulidade;

            - não foi violado o dever de fundamentação;

            - não foi violado o artigo 50.º. do Código Penal.

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            6) Nesta instância, o Exmo. Procurador-Geral Adjunto, em 4/3/2015, emitiu douto parecer, no qual entendeu que “o tribunal a quo deveria previamente averiguar se as penas suspensas na sua execução que entraram no cúmulo jurídico, e cujo prazo de suspensão já havia terminado, se foi prorrogada a suspensão, se foram declaradas extintas ou se foram mandadas executar, devendo ser declarada nula a douta sentença, por omissão de pronúncia, por o não ter feito, dando-se provimento ao recurso nesta parte.

            Foi cumprido o disposto no artigo 417.º, n.º 2, do CPP, não tendo sido exercido o direito de resposta.

            Foram colhidos os vistos legais e realizou-se a conferência.

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            II – Decisão Recorrida:

            “Proc. n.º 125/04.3GBCNT               

I – Nos presentes autos de processo comum com intervenção do Tribunal Singular, foi julgada a arguida:

A... , casada, doméstica, nascida a 26-12-65, (...) , Paredes, filha de (...) e de (...) , titular do bilhete de identidade n°. (...) , emitido em 15.02.2000, pelo Arquivo de Identificação do Porto e residente na Rua (...) Bitarães

Neste processo a arguida foi julgada e condenada, por factos praticados em 28 de Outubro de 2003, por sentença de 7 de Abril de 2005, pela prática de um crime de emissão de cheques sem provisão, p. p. pelo art. 11°, n°1, al. a) do DL, nº 454/91 de 28-12, na redação dada pelo D.L. n° 316/97 de 19.11, na pena de 4 meses de prisão suspensa pelo prazo de 1 ano condicionada ao pagamento, no prazo de 6 meses da importância arbitrada no pedido cível.

Conforme resulta do seu certificado de registo criminal de fls. 334 e ss. e certidões juntas aos autos, a arguida praticou os seguintes crimes e sofreu ainda as seguintes condenações:

ProcessoTribunalFactosCondenação e trânsitoCrimes
e penas
Cumprimento de penas
1736/91
2.º Juízo 2ª secção TC Porto1/7/199025/1/1994Abuso de confiança –72.000$00 multa Perdoada toda a pena de multa decretada em substituição da prisão
263/93
2º Vara Criminal Porto 15/3/1994 Falsificação e burla –20 meses prisão suspensa por 2 anos e 20 dias multa a 130$00  Pena julgada extinta
3232/931ª Jz Criminal do Porto 199016/11/1993Falsificação e burla– quinze meses de prisão suspensa por dois anos e 20 dias de multa - declarado perdoado um ano de pisão e metade da multa
Pena julgada extinta
4 865/962º Jz 2ª Secção TC Porto21/10/19943/11/1998Cheque sem provisão – 96.000$00 multa
5814/952º Jz 2ª Secção TC Porto17/9 a 20/10/19945/11/1996 Cheque sem provisão – 100 dias de multa a 5.000$00 diários
6474/96 1º Jz 1ª Secção TC Porto7/12/199423/3/1999Cheque sem provisão – 20 dias de multa a 400$00 diáriosExtinção da pena - multa paga
73710/98.7JAPRT (fls. 101 e ss.)3º Jz 1ª Secção  Criminal Porto 1998 (data indeterminada anterior a Abril)17/12/2003 transitada em 19/12/2004Falsificação de documento – art 256/1-a e 3 CP – 2 A e 6 M prisão suspensa por 3 A e 6 M Pena julgada extinta (fls. 416)
8318/02.8TAPFR
(fls. 386 e ss.)
1º Jz Criminal Porto 19/3/20015/2/2003 transitada em 2/3/2003Falsidade de declaração – art. 360/1 e 3 CP – 7 meses de prisão suspensa por 24 meses
9742/02.6TAPRD (fls. 207 e ss)2º Jz Criminal Paredes Julho 200110/11/2003 transitada em 4/12/2003Usurpação de funções – artº 358 CP95 – 10 meses de prisão suspensa por 3 anos
10110/03.2TAPRD
(certidão fls. 172 e ss)
2º Jz Criminal Paredes30/1/200210/12/2003 transitada em 19/1/2004Falsidade de declaração – art. 359/1 e 3 CP – 1 ano de prisão suspensa por 2 anos com condição de acompanhamento pelo IRS
11125/04.3GBCNT1º Jz TJ Cantanhede28/10/20037/4/2005 transitada em 2/5/2005Emissão de cheque sem provisão – 4 meses de prisão suspensa por 1 ano condicionada ao pagamento da importância arbitrada no PIC
1235/04.4GBPRD
(certidão de fls. 358 e ss)
2º Jz Criminal Paredes7/1/200424/11/2004 transitada em 10/3/2006Falsificação de documento – art. 256/1-c e 3 do CP – 1 ano e 6 meses de prisão


II - Dispõe o n.º 1 do art.º 77.º do Cód. Penal que “quando alguém tiver praticado vários crimes antes de transitar em julgado a condenação por qualquer deles é condenado numa única pena”.
Estabelece, por sua vez, o n.º 1 do art.º 78.º, sob a epígrafe, conhecimento superveniente do concurso, que “se, depois de uma condenação transitada em julgado, mas antes de a respetiva pena estar cumprida, prescrita ou extinta, se mostrar que o agente praticou, anteriormente àquela condenação, outro ou outros crimes, são aplicáveis as regras do artigo anterior”.

Os crimes por que a arguida foi julgada e condenada nos processos 7 a 10, por um lado e o crime por que a arguida foi julgada e condenada nestes autos e no processo 12, por outro lado, encontram-se em relação de concurso havendo, assim, que proceder ao cúmulo das penas aplicadas à mesma em tais processos, sendo competente para tal este processo por ser o da última condenação (art.º 471.º, n.º 2 do Cód. Proc. Penal).

Não é líquida a questão da formação de uma pena única, em caso de conhecimento superveniente do concurso, que pressuponha a revogação de penas suspensas na sua execução aplicadas por decisões condenatórias transitadas em julgado: - uma primeira corrente defende que não é possível a anulação desta pena com o fim de a incluir no cúmulo a efetuar, atendendo a que a pena suspensa é uma pena de substituição, autónoma face à pena de prisão substituída, uma verdadeira pena e não uma forma de execução de uma pena de prisão, tendo a sua execução regulamentação autónoma – cf., na jurisprudência, Acs. do STJ de 02-06-2004, CJSTJ 2004, Tomo 2, pág. 217, de 06-10-2004, Proc. n.º 2012/04, e de 20-04-2005, Proc. n.º 4742/04, e, na doutrina, Nuno Brandão, em comentário ao acórdão do STJ de 03-07-2003, RPCC, 2005, n.º 1, págs. 117-153;

- a segunda posição, predominante, e à qual se adere, sustenta a faculdade de inclusão de penas suspensas, argumentando-se que a “substituição” deve ser entendida, sempre, como resolutivamente condicionada ao conhecimento superveniente do concurso e que o caso julgado se forma quanto à medida da pena e não quanto à sua execução – cf. Acs. do STJ de 02-12-2004, Proc. n.º 4106/04, de 21-04-2005, Proc. n.º 1303/05, de 27-04-2005, Proc. n.º 897/05, de 05-05-2005, Proc. n.º 661/05, de 06-10-2005 [sobre o qual recaiu acórdão do TC (Ac. n.º 3/2006, de 03-01-2006, DR II Série, de 07-02-2006), que decidiu não julgar inconstitucionais as normas dos arts. 77.º, 78.º e 56.º, n.º 1, do CP interpretadas no sentido de que, ocorrendo conhecimento superveniente de uma situação de concurso de infracções, na pena única a fixar pode não ser mantida a suspensão da execução de penas parcelares de prisão, constante de anteriores condenações], e de 09-11-2006, CJSTJ 2006, tomo 3, pág. 226.

Em segundo lugar afigura-se que a pena do processo 7 (já declarada extinta) não deverá integrar o cúmulo pois, como refere Dá Mesquita “a paz jurídica do indivíduo derivada do trânsito em julgado do despacho que declarou a pena extinta, não pode ser prejudicada pelo facto de se ter conhecimento de que aquela pena está em concurso com outra(s) devendo, em consequência, ser cumulada juridicamente e dar lugar a uma pena conjunta e cuja execução pode não ser suspensa” (O Concurso de Penas, p. 90).

A moldura penal do concurso tem como limite máximo a soma das penas concretamente aplicadas aos vários crimes, não podendo, em qualquer caso, ser ultrapassado o limite máximo de 25 anos e tem como limite mínimo a mais elevada das penas concretamente aplicadas aos vários crimes (art.º 77.º, n.º 2 do Cód. Penal).

Atento o que dispõe a citada norma legal a moldura penal abstrata do primeiro cúmulo situa-se entre o limite mínimo de 12 meses e o limite máximo de 29 meses de prisão e a moldura penal abstrata do segundo cúmulo situa-se entre o limite mínimo de 18 meses e o limite máximo de 22 meses de prisão.

A arguida tem atualmente 42 anos e sofreu a primeira condenação quando contava 29 anos, pelo crime de abuso de confiança.

Merecem algum relevo as exigências de prevenção geral, dado o alarme social ligado à prática deste tipo de crimes, bem como as razões de prevenção especial, considerando designadamente o flagrante desrespeito pelas condenações anteriormente sofridas que não tiveram o desejado efeito de orientar a arguida no sentido de manter conduta lícita.

O passado criminal da arguida evidencia assim uma personalidade fortemente vocacionada para a prática de crimes.

Desta forma, ponderando na sua globalidade os factos constantes das sentenças que aplicaram as penas parcelares bem como a personalidade da arguida, julgo adequada a pena única de 20 (meses) meses de prisão relativamente ao primeiro cúmulo e de 20 (meses) meses de prisão relativamente ao segundo cúmulo.

Finalmente, como também se sublinha na sentença do processo 12 o passado criminal da arguida milita contra a possibilidade de se fazer aqui qualquer juízo de prognose favorável relativamente ao seu futuro comportamento. Efetivamente, não se esquecerá que iniciou em 1990 um primeiro ciclo de crimes até 1994 e desde essa data até 1998, data em que iniciou o segundo ciclo, não praticou crimes. Há a sublinhar como francamente inaceitável que cometeu o crime do processo 11 depois do trânsito em julgado da sentença do processo 8 e o crime do processo 12 depois de transitarem em julgado as sentenças condenatórias dos processos 8 e 9. É certo que não comete crimes desde 2004 (único factor a ter em conta em ser benefício) mas, face ao que se referiu, nada permite concluir ser possível esperar que não volte a delinquir. Pelo exposto se afigura que as referidas penas de prisão não deverão ser suspensas na sua execução.”

                                                                       ****

            III) Apreciação do recurso:

De harmonia com o disposto no n.º1, do artigo 412.º, do C.P.P., e conforme jurisprudência pacífica e constante (designadamente, do S.T.J. – Ac. de 13/5/1998, B.M.J. 477/263, Ac. de 25/6/1998, B.M.J. 478/242, Ac. de 3/2/1999, B.M.J. 477/271), o âmbito do recurso é delimitado em função do teor das conclusões extraídas pelos recorrentes da motivação apresentada, só sendo lícito ao tribunal ad quem apreciar as questões desse modo sintetizadas, sem prejuízo das que importe conhecer, oficiosamente por obstativas da apreciação do seu mérito, como são os vícios da sentença previstos no artigo 410.º, n.º 2, do mesmo diploma, mesmo que o recurso se encontre limitado à matéria de direito (Ac. do Plenário das Secções do S.T.J., de 19/10/1995, D.R. I – A Série, de 28/12/1995).

São só as questões suscitadas pelo recorrente e sumariadas nas conclusões, da respetiva motivação, que o tribunal ad quem tem de apreciar – artigo 403.º, n.º 1 e 412.º, n.º1 e n.º2, ambos do C.P.P. A este respeito, e no mesmo sentido, ensina Germano Marques da Silva, “Curso de Processo Penal”, Vol. III, 2ª edição, 2000, fls. 335, «Daí que, se o recorrente não retoma nas conclusões as questões que desenvolveu no corpo da motivação (porque se esqueceu ou porque pretendeu restringir o objeto do recurso), o Tribunal Superior só conhecerá das que constam das conclusões».

As questões a conhecer são as seguintes:

- Saber se:

1) as penas parcelares se encontram prescritas;

2) a sentença recorrida incorre em omissão de pronúncia determinante de nulidade, nos termos do artigo 379.º, n.º 1, al. c), do CPP;

            3) está violado o dever de fundamentação;

            4) é admissível o cúmulo jurídico entre pena de prisão suspensa e pena de prisão efetiva;

5) a medida da pena é exagerada;

            6) deve a execução da pena ser suspensa.

****

1) Da prescrição das penas parcelares:

A recorrente defende que, nos termos do disposto nos artigos 122.º e 126.º, n.º 3, ambos do Código Penal, as penas parcelares constantes do cúmulo jurídico devem ser consideradas prescritas.

Em concreto, deixa expresso o seguinte:

a) Processo n.º 318/02.8TAPFR - sentença proferida em 5/2/2003 e transitada em 2/03/2003 - na pena de 7 meses de prisão suspensa por três anos – encontra-se prescrita nos termos do artigo 122.º n.º1 d) e n.º 2, desde 2/3/2007, e nos termos do artigo 126.º n.º 3 desde 2/3/2009;

b) Processo n.º742/02.6TAPRD - sentença proferida em 10/11/2013 e transitada em 4/12/2003 – na pena de 10 meses de prisão suspensa por três anos - encontra-se prescrita nos termos do artigo 122.º n.º1 d) e n.º 2, desde 4/12/2007, e nos termos do artigo 126.º n.º 3 desde 4/12/2009;

c) Processo 110/03.2TAPRD - por sentença proferida a 10/12/1993 e transitada em Julgado a 19/1/1994 - pena de um ano de prisão suspensa por 2 anos com condição de acompanhamento pelo IRS - encontra-se prescrita nos termos do artigo 122.º n.º1 d) e n.º 2, desde 19/01/1998, e nos termos do artigo 126.º n.º 3 desde 19/01/2000;

d) Processo 125/04.3GBCNT - por sentença proferida a 7/04/2005, transitada em julgado em 2/05/2005, - pena de 4 meses de prisão suspensa na sua execução - encontra-se prescrita nos termos do artigo 122.º n.º1 d) e n.º 2, desde 02/05/2009, e nos termos do artigo 126.º n.º 3 desde 02/05/2011;

e) Processo 35/04.4GBPRD, por sentença proferida a 24/11/2001 transitada em 10/03/2006 - na pena de um ano de prisão - encontra-se prescrita nos termos do artigo 122.º n.º1 d) e n.º 2, desde 10/06/2010, e nos termos do artigo 126.º n.º 3 desde 10/06/2012.

            Pelo contrário, o Ministério Público entende que “não assiste razão à recorrente, uma vez que, nos termos do disposto no artigo 122.º, n.º 2, do Código Penal, o prazo de prescrição das penas apenas começa a correr no dia em que transitar em julgado a decisão que tiver aplicado a pena.”                  

                                                                       ****

            O artigo 122.º, n.º 2, do Código Penal, consagra que “o prazo de prescrição começa a correr no dia em que transitar em julgado a decisão que tiver aplicado a pena.

            No caso em apreço, é irrelevante a medida das penas parcelares, pois o que é determinante para efeitos de contagem do prazo de prescrição é a duração fixada para as penas únicas correspondentes aos dois cúmulos jurídicos.

            Quanto a esta questão, acompanhamos, portanto, a posição seguida pelo Ministério Público, na esteira do Acórdão do TRP, de 20/2/2008, Processo 0840088, relatado pelo Exmo. Desembargador Artur Oliveira, in www.dgsi.pt, onde pode ser lido:

“(…) O prazo de prescrição começa a correr no dia em que transitar em julgado a decisão que tiver aplicado a pena.

Resulta com total clareza que o legislador faz corresponder o início da contagem do prazo de prescrição da pena com a data do trânsito em julgado da decisão que a tiver aplicado. Portanto, no caso presente, o prazo começou a correr no dia em que transitou a decisão que aplicou a pena conjunta resultante do cúmulo jurídico efetuado.”

A prescrição das penas parcelares deve, pois, ser apreciada, caso a caso, nos respetivos processos.

Assim sendo, não tendo transitado em julgado a decisão ora em crise, soçobra a pretensão da recorrente.

                                                                       ****

2) e 3) Da omissão de pronúncia e da falta de fundamentação:

Estas duas questões devem ser analisadas em conjunto.

A decisão recorrida realizou dois cúmulos.

No primeiro, foram englobadas as penas singularmente aplicadas nos processos 318/02.8TAPFR, 742/02.6TAPRD, 110/03.2TAPRD, tendo sido fixada a pena única de 20 meses de prisão, para efetivo cumprimento.

No segundo, foram abrangidas as penas singularmente aplicadas nos processos 125/04.3JGBCNT (os presentes autos) e 35/04.4GBPRD, tendo sido fixadas a pena única de 20 meses de prisão, para efetivo cumprimento.

O recorrente alega que, nos termos do Acórdão do STJ, de 29/4/2010, “não é possível considerar na pena única as penas suspensas cujo prazo de suspensão já findou, enquanto não houver no respetivo processo despacho a declarar extinta a pena dos termos daquela norma ou a mandá-la executar ou a ordenar a prorrogação do prazo de suspensão, pois no caso de extinção nos termos do artigo 57.º, n.º 1, a pena não é considerada no concurso, mas já o é nas restantes hipóteses.

                                                           ****

O decurso do período de suspensão pode conduzir à extinção da pena, ao abrigo do artigo 57.º, n.º 1, do Código Penal, sendo entendimento pacífico no Supremo Tribunal de Justiça que as penas extintas ou prescritas que tenham sido aplicadas por crimes integrantes de um concurso não devem entrar na formação da respetiva pena única (cf. por exemplo, acs. de 20/01/2010, proferido no processo nº 392/02.7PFLRS.L1.S1, de 29/04/2010, proferido no processo nº 16/06.3GANZR.C1.S1, disponíveis em www.dgsi.pt, de 15/04/2010, proferido no processo nº 852/03.2PASNT.L1.S1, da 3ª Secção, disponível em Sumários de acórdãos do STJ, de 02/12/2010, proferido no processo nº 1533/05.8GBBCL.S1, e de 10/04/2014, proferido no processo nº 683/08.3GAFLG.S1, ambos da 5ª secção).

Assim, bem andou o Tribunal a quo, ao não integrar no cúmulo jurídico a pena do processo 7.

Por isso mesmo, se, no momento da operação de um cúmulo jurídico, se verificar que alguma das penas integrantes do concurso de crimes foi suspensa na sua execução e já decorreu o respetivo período de suspensão, deve colher-se junto do respetivo processo informação sobre se essa pena já foi ou devia ter sido julgada extinta, ou seja, se estiver, à data da realização do cúmulo, esgotado o respetivo período de suspensão, as penas dos diversos processos só podem ser englobada nessa operação se tiver havido revogação da suspensão ou prorrogação do período em causa.

Revertendo ao nosso caso, o tribunal recorrido incluiu as penas dos processos 8, 9, 10 e 11 no cúmulo sem nada dizer sobre essa matéria, ou seja, sem justificar essa inclusão, o que redunda em falta de fundamentação e, logo, na nulidade prevista no artigo 379.º, nº 1, alínea a), com referência ao n.º 2 do artigo 374.º, a qual torna inválida a sentença recorrida, nos termos do artigo 122.º, n.º 1, todos do CPP – ver, neste sentido, recente Acórdão do STJ, de 20/11/2014, processo n.º 5813/13.0TCLRS.S1 – 5ª secção, relatado pelo Excelentíssimo Conselheiro Manuel Braz, in www.dgsi.pt.

                                                           ****

Dito isto, a sentença recorrida também padece, a outro nível, de falta de fundamentação.

Na verdade, fazendo apelo ao Acórdão do S.T.J., de 21/4/2010, Processo n.º 223/09.7TCLSB.L1.S1, in www.dgsi.pt, devemos ter bem presente que «o STJ tem vindo a considerar impor-se um especial dever de fundamentação na elaboração da pena conjunta, o qual não se pode reconduzir à vacuidade de formas tabelares e desprovidas das razões do facto concreto. A explanação dos fundamentos que à luz da culpa e prevenção conduzem o tribunal à formação da pena conjunta, deve ser exaustiva, sem qualquer rutura, por forma a permitir uma visão global do percurso de vida subjacente ao itinerário criminoso do arguido. É uma questão de cidadania e dignidade que o arguido seja visto como portador do direito a uma ponderação da pena à luz de princípios fundamentais que norteiam a determinação da pena conjunta e não como mera operação técnica, quase de natureza matemática».

Continuando a citar o aludido acórdão, «na indicação dos factos relevantes para a determinação da pena conjunta não relevam os que concretamente fundamentam as penas parcelares, mas sim os que resultam de uma visão panótica sobre aquele “pedaço” de vida do arguido, sinalizando as circunstâncias que consubstanciam os denominadores comuns da sua atividade criminosa, o que, ao fim e ao cabo, não é mais do que traçar um quadro de interconexão entre os diversos ilícitos e esboçar a sua compreensão à face da respetiva personalidade. Estes factos devem constar da decisão de aplicação da pena conjunta, a qual deve conter a fundamentação necessária e suficiente para se justificar a si própria, sem carecer de qualquer recurso a um elemento externo só alcançável através de remissões.»

Na mesma linha de pensamento, pode ver-se, também, o Acórdão do S.T.J., de 24/2/2010, processo n.º 655/02.1JAPRT.S1, in www.dgsi.pt, cujo sumário contém o seguinte:

“(…)

V - A punição do concurso efetivo de crimes funda as suas raízes na conceção da culpa como pressuposto da punição – não como reflexo do livre arbítrio ou decisão consciente da vontade pelo ilícito. Mas antes como censura ao agente pela não adequação da sua personalidade ao dever-ser jurídico penal.

VI - Na determinação da pena conjunta é essencial a indicação de dados imprescindíveis, cuja conformação deverá estar presente desde logo no momento em que se decide avançar para a realização do cúmulo, congregando os elementos indispensáveis constantes de certidões das decisões condenatórias, completas, onde se certifiquem, com rigor, os elementos essenciais à realização do cúmulo, procedendo-se na decisão à indicação dos processos onde teve lugar a condenação, à enumeração dos crimes cometidos, datas de comissão dos crimes, datas das decisões condenatórias, datas do trânsito em julgado dessas decisões, a indicação das penas cominadas, bem como dados relativos a eventuais causas extintivas de penas aplicadas, e atualmente, por força da inovação do art. 78.º do CP, referências a penas já cumpridas e respetivo tempo de cumprimento, e mesmo a penas extintas, para as excluir, para além de outros elementos que em cada caso concreto se mostrem necessários, ou relativamente aos quais se colha como aconselhável a sua inclusão.

VII - Para além destes “requisitos primários”, impõe-se a inserção na fundamentação de facto de outros elementos, igualmente factuais, resultantes da análise da história de vida delitual presente no caso, que concita a particular atenção do julgador, determinando, inclusive, a realização de uma audiência adrede marcada para o efeito, com observância do contraditório, e que tem por objetivo a aplicação de uma pena final, de síntese, que corresponda ao sancionar de um conjunto de factos cometidos num determinado trecho de vida, interligados por um elo de contemporaneidade, de que o tribunal tem conhecimento apenas mais tarde, que poderiam/deveriam ter sido julgados em conjunto se se mostrassem reunidas as condições para tal.

VIII - O STJ tem vindo a considerar impor-se um dever especial de fundamentação na elaboração da pena conjunta, não se podendo ficar a decisão cumulatória pelo emprego de fórmulas genéricas, tabelares ou conclusivas, sem reporte a uma efetiva ponderação abrangente da situação global e relacionação das condutas apuradas com a personalidade do agente, seu autor, sob pena de inquinação da decisão com o vício de nulidade, nos termos dos arts. 374.º, n.º 2, e 379.º, n.º 1, als. a) e c), do CPP.

(…)

X - Um outro aspeto em que o acórdão não fundamentou de pleno tem a ver com a incompletude da análise global do conjunto dos factos e sua relacionação com a personalidade do recorrente. A determinação da pena do concurso exige um exame crítico de ponderação conjunta sobre a conexão e interligação entre todos os factos praticados e a personalidade do autor, de forma a alcançar-se a valoração do ilícito global e entender-se a personalidade neles manifestada, de modo a concluir-se pela motivação que lhe subjaz, se emergente de uma tendência para delinquir, ou se se trata de pluriocasionalidade não fundamentada na personalidade, tudo em ordem a demonstrar a adequação, justeza e proporcionalidade entre a pena conjunta a aplicar e a avaliação daqueles dois fatores.

XI - Concluindo: resulta violado o art. 374.º, n.º 2, do CPP, por incompletude da descrição dos factos necessários e imprescindíveis para a realização do cúmulo e omissão de pronúncia sobre aspetos relacionados com a personalidade na interligação com os factos, o que conduz à nulidade do acórdão recorrido, nos termos do art. 379.º, n.ºs 1, als. a) e c), e 2, do CPP.

                                                           ****

Sobre os requisitos da sentença, dispõe o n.º 2, do artigo 374.º, do CPP:

«2 – Ao relatório segue-se a fundamentação, que consta da enumeração dos factos provados e não provados, bem como de uma exposição tanto quanto possível completa, ainda que concisa, dos motivos, de facto e de direito, que fundamentam a decisão, com indicação e exame crítico das provas que serviram para formar a convicção do tribunal».

E a alínea a), do n.º 1, do artigo 379.º, do CPP, comina a nulidade da sentença que: «a) […] não contiver as menções referidas no artigo 374.º, n. os 2 e 3, alínea b)».

O legislador, para além de determinar a obrigatoriedade de fundamentação, de facto e de direito, de todos os actos decisórios proferidos no decurso do processo (artigo 97.º, n.º 5, do CPP), a qual decorre de imperativo constitucional (artigo 205.º, n.º 1, da CRP), instituiu, para as decisões que conheçam, a final, do objecto do processo, uma exigência de fundamentação acrescida.

Com efeito, a fundamentação dos atos permite a sindicância da legalidade do acto, por uma parte, e serve para convencer os interessados e os cidadãos em geral acerca da sua correção e justiça, por outra parte, mas é ainda um importante meio para obrigar o julgador a ponderar os motivos de facto e de direito da sua decisão, atuando por isso como meio de autodisciplina.

Ora, como não poderia deixar de ser, uma sentença proferida após a realização da audiência a que se refere o artigo 472.º, do CPP, com a específica finalidade de determinação da pena única no caso de conhecimento superveniente do concurso, está submetida aos requisitos gerais da sentença enunciados no artigo 374.º, do CPP. Por isso mesmo, a fundamentação de facto da sentença a proferir após a realização da audiência, nos termos do artigo 472.º do CPP e para os efeitos do artigo 78.º do CP, deve conter a indicação das datas das condenações e do respetivo trânsito, a indicação das datas da prática dos crimes objeto dessas condenações e das penas que, por eles, foram aplicadas, a caracterização dos crimes que foram objeto dessas condenações e todos os factos que interessam à compreensão da personalidade do condenado neles manifestada.

Como tem sido afirmado pelo STJ, se não é necessário nem útil que a decisão que efetue o cúmulo jurídico de penas, aplicadas em decisões já transitadas, enumere exaustivamente os factos dados por provados nas decisões anteriores já é imprescindível que contenha uma descrição, ainda que sumária, desses factos, de modo a permitir conhecer a realidade concreta dos crimes anteriormente cometidos e a personalidade do arguido, o que passa, designadamente, pelo esclarecimento do seu percurso de vida.

Se assim não se proceder, para além de a decisão não cumprir o requisito de “enumeração dos factos provados” que interessam à decisão, fica irremediavelmente prejudicada a própria fundamentação da medida da pena.

Em resumo, no caso de realização de cúmulo jurídico de penas, a específica fundamentação da pena única, determinada em função da ponderação conjunta dos factos e da personalidade do arguido, deve ser esclarecedora das razões por que o tribunal “chegou” a determinada pena única.

A fundamentação deve passar, portanto, pela avaliação da conexão e do tipo de conexão que entre os factos concorrentes se verifica e pela avaliação da personalidade unitária do agente.

                                                           ****

No caso em apreço, deixando de lado considerações de ordem genérica às quais nada temos a apontar, o tribunal a quo limitou-se, como fundamentação, ao que se transcreve:

"(…) A arguida tem atualmente 42 anos e sofreu a primeira condenação quando contava 29 anos, pelo crime de abuso de confiança.

Merecem algum relevo as exigências de prevenção geral, dado o alarme social ligado à prática deste tipo de crimes, bem como as razões de prevenção especial, considerando designadamente o flagrante desrespeito pelas condenações anteriormente sofridas que não tiveram o desejado efeito de orientar a arguida no sentido de manter conduta lícita.

O passado criminal da arguida evidencia assim uma personalidade fortemente vocacionada para a prática de crimes.

Desta forma, ponderando na sua globalidade os factos constantes das sentenças que aplicaram as penas parcelares bem como a personalidade da arguida, julgo adequada a pena única de 20 (meses) meses de prisão relativamente ao primeiro cúmulo e de 20 (meses) meses de prisão relativamente ao segundo cúmulo.

Finalmente, como também se sublinha na sentença do processo 12 o passado criminal da arguida milita contra a possibilidade de se fazer aqui qualquer juízo de prognose favorável relativamente ao seu futuro comportamento. Efetivamente, não se esquecerá que iniciou em 1990 um primeiro ciclo de crimes até 1994 e desde essa data até 1998, data em que iniciou o segundo ciclo, não praticou crimes. Há a sublinhar como francamente inaceitável que cometeu o crime do processo 11 depois do trânsito em julgado da sentença do processo 8 e o crime do processo 12 depois de transitarem em julgado as sentenças condenatórias dos processos 8 e 9. É certo que não comete crimes desde 2004 (único fator a ter em conta em ser benefício) mas, face ao que se referiu, nada permite concluir ser possível esperar que não volte a delinquir. Pelo exposto se afigura que as referidas penas de prisão não deverão ser suspensas na sua execução.

                                                           ****

Pois bem, estamos perante uma fundamentação que não prefigura, nem envolve em si e em concreto, uma qualquer real e objetiva apreciação e análise dos factos e da personalidade do agente.

A frequência temporal dos factos, a sua mais ou menos gravosa ilicitude, em especial, o circunstancialismo que envolveu ou rodeou a sua prática, eventualmente minorizante ou agravante de uma culpa, a intensidade de um dolo, o particular comportamento da arguida, tudo isto reclama toda uma análise e uma reflexão ponderada, certamente com naturais reflexos em termos de fixação de um "quantum" de cúmulo jurídico, explicando-o, justificando-o e fundamentando-o.

Ora, face ao que consta da sentença recorrida, forçosamente se tem de concluir que a decisão ora em crise não analisou com a profundidade que se impunha a medida concreta da pena.

Nada de concreto e de preciso se expôs, apenas se enunciando linhas gerais.

E porque assim, a decisão posta em crise, não levando em linha de conta, clara e concretamente, os factos ilícitos cometidos pela arguida e a sua personalidade, sem dúvida que não encerra em si todos aqueles elementos exigidos pelo n.º 2, do artigo 374.º, do CPP, atinentes à fundamentação, e que o artigo 77, n.º 1, do C. Penal impõe que sejam tidos em consideração na medida da pena.

E isto é tanto mais relevante porque diversas penas parcelares de prisão foram suspensas na sua execução.

Logo, deveria o tribunal a quo ter abordado, através de uma análise pormenorizada, a conduta da arguida, em cada um dos processos, de forma a ser possível avaliar a sua resposta em relação a tais penas.

A arguida acatou essas penas? A arguida aceitou o acompanhamento do IRS (processo 10)? Pagou a importância em causa (processo 11)?

Se assim não aconteceu, quais os motivos?

Nada foi referido quanto a tal matéria.

A fundamentação da sentença é omissa quanto a factos que relevam para o conhecimento da verdadeira personalidade da recorrente e para a definição da sua culpa pelos factos em relação aos quais foi condenada, sendo certo que a respetiva audiência de julgamento ocorreu apenas em 2008 (os factos dizem respeito aos anos de 2001, 2003 e 2004).

Verifica-se, assim, que, também nesta parte, foi cometida a nulidade da al. a), do n.º 1, do artigo 379.º, do CPP, por violação do disposto no artigo 374.º, nº 2, do mesmo diploma, sendo, consequentemente, nula a sentença recorrida.

A nulidade declarada afeta, ainda, a validade da audiência de julgamento, realizada nos termos do artigo 472.º, do CPP, na medida em que o seu suprimento passa pela obtenção de um relatório social para julgamento (artigo 370.º do CPP).

Isto porque a motivação de facto da sentença não demonstra que tenham sido obtidos pelo tribunal, sendo verdade que o artigo 472.º, do CPP, prevê que o tribunal ordene oficiosamente as diligências que se lhe afigurem necessárias para a decisão.

Pelo que, nos termos do artigo 123.º, do CPP, é de determinar, ainda, a repetição da audiência a que se refere o artigo 472.º, do CPP.

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Face ao exposto, fica prejudicado o conhecimento das restantes questões suscitadas no presente recurso.

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III – DISPOSITIVO:

Em face do exposto, acordam os juízes da 5 ª Secção do Tribunal da Relação de Coimbra em conceder provimento recurso, declarando-se inválida a sentença recorrida, nos termos dos artigos 122.º, n.º 1, por enfermar da nulidade prevista no artigo 379.º, nº 1, alínea a), com referência ao artigo 374.º, n.º 2, todos do CPP, vício esse que, estando configurado nas duas omissões apontadas, deverá ser suprido, em nova decisão, após a realização de nova audiência, nos termos supra referidos.

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No novo cúmulo a realizar, deverá ser, também, levada em consideração, no que diz respeito aos processos 8 e 10, a redação dada ao artigo 359.º, n.º 2, do Código Penal, pela Lei n.º 19/2013, de 21 de Fevereiro (ver fls. 671, 682, 723, 769).

Não há lugar a tributação.

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Coimbra, 3 de Junho de 2015

                                  

 

(José Eduardo Martins)

 (Maria José Nogueira)