Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
116/17.4T8FVN.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: FERNANDO MONTEIRO
Descritores: DIREITO DE PROPRIEDADE
PROPRIEDADE DE IMÓVEIS
ESPAÇO AÉREO
ACTOS DE TERCEIRO
ABUSO DE DIREITO
Data do Acordão: 01/29/2019
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso:
TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE LEIRIA - F.VINHOS - JUÍZO C. GENÉRICA
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTS. 334, 1344 CC
Sumário: 1.- A propriedade dos imóveis abrange o espaço aéreo correspondente à superfície, bem como o subsolo, com tudo o que neles se contém e não esteja desintegrado do domínio por lei ou negócio jurídico (artº 1344º, nº 1, do Código Civil).

2.- O proprietário não pode, todavia, proibir os atos de terceiro que, pela altura ou profundidade a que têm lugar, não haja interesse em impedir (nº 2 do artigo referido).

3.- A lei exige ao proprietário um interesse atual, concretizável e nos limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico desse direito.

4.- O Autor não revela este interesse quando, no demais contexto apurado, pretende impedir a manutenção de um aparelho de ar condicionado instalado na parede da casa dos Réus, em zona de servidão de passagem, não afetada, nas traseiras do edifício vizinho.

Decisão Texto Integral:

Acordam na 2ª secção cível do Tribunal da Relação de Coimbra:

F (…) intentou ação contra L (…)  e marido, J (…), pedindo a condenação destes:

a) Reconhecerem ao autor o direito de propriedade sobre o prédio descrito;

b) Serem os réus condenados a restituir de imediato ao autor o prédio descrito, que ilicitamente ocupam, livre de pessoas e bens;

c) Serem os réus condenados a retirar o aparelho de ar-condicionado e respectivos suportes, que se encontra afixado na parede exterior Sul da sua casa de habitação e que dá para a parte rústica (logradouro) do prédio do autor, mais concretamente, abaixo do algeroz que recebe as águas do beirado e entre a sua janela e a parede do prédio do autor;

d) Serem os réus condenados a abster-se da prática de quaisquer actos ou construções de obras que violem, prejudiquem ou restrinjam, o direito de propriedade do autor sobre o prédio descrito;

e) Condenar-se os réus no pagamento de sanção pecuniária compulsória, em montante diário a fixar, desde a data de citação, até efectiva entrega do prédio identificado, livre de pessoas e bens;

f) Serem os réus condenados no pagamento das custas.

g) Serem os réus condenados a pagar ao autor a quantia de 2.750,00 €, sendo 2.000,00 € a título de danos não patrimoniais e 750,00 € a título de danos patrimoniais.

Para tanto, o Autor alega, em síntese:

É proprietário de prédio que confronta a poente com o dos Réus;

Há 5/6 anos, no exterior da parede da sua casa de habitação, que dá para a parte rústica do prédio do Autor e que faz parte do seu terreno, os Réus fixaram um aparelho de ar-condicionado por baixo do algeroz que recebe as águas do beirado, prolongando-se 30/40 cm para além dessa parede;

Em cumprimento de transacção homologada por sentença, os antecessores do Autor cravaram um portão, suportado por dois pilares;

Os Réus cortaram um deles em data anterior a 17 de Agosto de 2016.

Os Réus provocam o Autor, atirando beatas de cigarros, penas de galinha e lixo para o logradouro do seu prédio.

Contestaram os Réus, em síntese:

A sua propriedade não termina na parede da casa de habitação mas sim numa linha imaginária traçada no e pelo fim do beirado;

Por esse motivo foi cravado um dos pilares do portão a cerca de 50cm dessa parede;

O ar condicionado foi já colocado há mais de 9/10 anos;

Os Réus arrancaram um dos pilares do portão, por ter ferrugem e representar perigo para qualquer pessoa que ali se deslocasse.

Raramente vêm a Portugal.

Entretanto, foi endereçado convite ao Autor para retificar a sua petição inicial, ao que o mesmo correspondeu.

Realizado o julgamento, foi proferida sentença a julgar a ação parcialmente procedente, nos seguintes termos:

Reconhecer o Autor F (…) como dono e legítimo possuidor do

prédio urbano, composto de casa de rés-do-chão e logradouro, com uma área coberta de 122 m2 e descoberta de 478 m2, sito na Rua (...) , freguesia de (...) , inscrito na respectiva matriz sob o art.º n.º (...) e descrito na Conservatória do Registo Predial de (...) sob o n.º (...) / (...) .

Absolver os Réus do demais peticionado.


*

Inconformado, o Autor recorreu e apresenta as seguintes conclusões:

(…)


*

            Os Réus contra-alegaram, defendendo a correção do decidido.

*

As questões a decidir são as seguintes:

A alegada omissão de pronúncia;

A reapreciação da matéria de facto;

A defesa da propriedade e o interesse do Autor.


*

Os factos considerados provados pelo Tribunal recorrido foram os seguintes:

1. O autor é dono e legítimo possuidor do prédio urbano, composto de casa de rés-do-chão e logradouro, com uma área coberta de 122 m2 e descoberta de 478 m2, sito na Rua (...) , freguesia de (...) , inscrito na respectiva matriz sob o art.º n.º (...) e descrito na Conservatória do Registo Predial de (...) sob o n.º (...) / (...) .

2. Os réus são donos e legítimos possuidores do prédio urbano, composto de casa de habitação de rés-do-chão com quatro divisões, com uma área coberta de 72,52 m2 e descoberta de 193,48 m2, sito na Rua (...) , freguesia de (...) , inscrito na respectiva matriz sob o art.º n.º (...) e descrito na Conservatória do Registo Predial de (...) sob o n.º (...) / (...) .

3. Os prédios do autor e dos réus confrontam, entre si, respectivamente, do lado

Poente e do lado Nascente.

4. Os prédios do autor e dos réus, no sentido Norte/Sul, têm início na Rua (...)

do Vento, sendo ambos compostos por uma área coberta, correspondente às áreas de habitação.

5. No sentido Norte/Sul, desde a Rua (...) , até que a casa de habitação dos réus termina, a estrema dos prédios descreve uma linha recta. Prolongando-se, de forma paralela e contígua, para Sul.

6. O prédio do autor, no sentido Norte/Sul, após a área coberta (correspondente à

área de habitação), é constituído por uma componente rústica (logradouro).

7. O prédio dos réus, no sentido Norte/Sul, após a área coberta (correspondente à

área de habitação), é composto de uma área descoberta, com cerca de dois metros.

8. Após (no sentido Norte/Sul), é composto de um barracão e, após, por uma componente rústica (logradouro).

9. A estrema dos prédios do autor e dos réus, no sentido Norte/Sul, encontra-se

desalinhada, sofrendo um desvio.

10. Após e no mesmo sentido, a estrema dos prédios volta a descrever uma linha

recta até ao final do limite Sul de ambos.

11. O barracão dos réus, na sua parte mais a nascente, foi implantado no limite do logradouro do prédio dos réus.

12. Ou seja, quando visto no sentido Nascente/Poente, o barracão dos réus encontra-se recuado da casa de habitação cerca de dois metros.

13. O logradouro do prédio do autor estende-se, em cerca de dois metros, para a frente da casa de habitação dos réus.

14. No âmbito dos autos de Acção de Processo Ordinário n.º 228/07.2TBAVZ, que correram termos pela Secção Única do Tribunal Judicial da Comarca de (...) , em que eram Autores os aqui RR e Ré a Herança representada pelo aqui Autor, foi estabelecida transacção homologada por sentença nos seguintes termos:

“1.º A ré aceita que existe uma servidão de passagem a favor dos Autores, servindo a mesma igualmente para efeitos de manutenção do imóvel destes últimos que se inicia no canto norte do barracão dos mesmos autores, sito a sul da casa dos mesmos e se prolonga até à estrema nascente da dita casa, com a largura que separa a casa do barracão.

2.º Os autores reconhecem que a ré tem direito a colocar um portão no inicio dessa servidão.

3.º A ré reconhece que esse portão será livremente utilizado pelos autores para os fins da servidão, comprometendo-se a facultarem-lhe chaves do mesmo e a não impedir por qualquer forma o acesso à dita servidão, mais ainda se comprometem a que o portão ou a passagem a que dele decorrem não exceda em altura o limite inferior da janela existente na casa dos autores.

4.º Os AA comprometem-se no prazo de 1 (um) ano a realizar obras no sentido de permitir o escoamento das águas que da sua casa vertem no leito da servidão para local sito dentro dos limites da sua propriedade. Tal escoamento será feito por via de canal subterrâneo a implementar no leito da supra aludida servidão obra para a qual a ré desde já dá o seu consentimento

5.º Mais se comprometem os autores a substituir os dois degraus que existem na entrada da sua casa para apenas um degrau, sendo este de largura mais estreita do que os actuais dois degraus….”

15. Tal facto levou a que os réus canalizassem as águas que corriam do beirado do seu telhado por forma a não caírem na parte rústica do prédio do autor.

16. Os réus, no exterior da parede Sul da sua casa de habitação e que dá para a parte rústica (logradouro) do prédio do autor, afixaram um aparelho de ar-condicionado.

17. Mais concretamente, abaixo do algeroz que recebe as águas do beirado e entre a sua janela e a parede do prédio do autor.

18. Aquele aparelho, no sentido Norte/Sul, prolonga-se por cerca de 30/40 cm para além da parede da casa de habitação dos réus.

19. Após a transacção referida em 14, os antecessores do autor colocaram um portão em ferro, com fechadura, entre o topo Nordeste do barracão e a parede da casa de habitação dos réus, no alinhamento Sul/Norte da linha divisória da parte rústica de ambos os prédios.

20. Para tanto, os antecessores do autor cravaram dois pilares em ferro, em sapatas de betão, servindo um dos pilares para suporte do portão (através de dobradiças) e outro para afixação da fechadura do portão.

21. Nessa altura, os antecessores do autor entregaram uma chave do portão aos réus.

22. O autor vive com carácter de permanência em França, viajando e passando vários períodos de tempo em Portugal.

23. Numa das viagens que efectuou a Portugal, o autor chegou no dia 20.07.2016.

24. O A., quando colocou o portão, cravou o prume vertical de batente do mesmo a cerca de +/- 50cm lineares da parede da casa de habitação dos R.R., mostrando-se o prédio do A., após a descrição do segundo ângulo, vedado com rede;

25. O ar condicionado já foi colocado há mais de 9 ou 10 anos pelos RR.;

26. Foi o A. que cravou os dois pilares de ferro, tendo cada um os fins referidos em 28º da petição;

27. O portão está no local e não foi cortado, apesar de, há semelhança do prume, apresentar imensa ferrugem.

28. A verdade é que o mesmo não teve qualquer tratamento anti-ferrugem ou se teve, a falta de manutenção, levou a que enferrujasse muito.

29. O mesmo sucedeu com o prume.

30. Que enferrujou de tal modo que se dividiu em dois.

31. A parte com mais cor ficou agarrada ao solo e, na extremidade do remanescente, ficou um pedaço de metal enferrujado, que mais parecia uma “faca”;

32. Com perigo para as pessoas que ali circulavam e em particular, para crianças, nomeadamente a neta dos R.R., que se poderia desequilibrar e ficar espetada em tal “resto de prume”.

33. Razão porque o R. varão o cortou pela base.

34. Contudo, o mesmo já estava totalmente danificado e sem qualquer aproveitamento possível.


*

No que interessa ao recurso, o Tribunal recorrido considerou não provados os seguintes factos:

B) Imediatamente após a casa de habitação dos réus (no sentido Norte/Sul), a estrema dos prédios descreve uma perpendicular à direita, com um ângulo de cerca de 90º, e que percorre e é delimitada pela parede daquela mesma casa de habitação, perpendicular que se estende por cerca de dois metros;

C) Após a linha divisória descreve uma nova perpendicular, à esquerda, com um ângulo de cerca de 90º.

E) O aparelho de ar-condicionado invade o logradouro do prédio do autor, no seu espaço aéreo em cerca de 30/40 cm.”


*

Sobre a omissão de pronúncia:

O Código de Processo Civil prevê a nulidade da sentença “quando o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento” - alínea d), do n.º 1, do seu artigo 615º.

Sustenta o Recorrente aquela omissão por entender que o Tribunal não se pronunciou sobre os exatos limites das propriedades.

Não nos parece que assim seja.

Esta ação é de reivindicação.

O Tribunal recorrido entendeu que, sendo confrontado com uma divergência relativa aos limites do terreno, para apreciar da legitimidade de colocação de uma unidade de ar condicionado, em terreno que o Autor reclama como seu, não foi feita  prova desses limites, ónus que onerava o Autor.

A falta de prova dos referidos limites conduziu à improcedência decretada.

A sentença pronunciou-se sobre a questão referida pelo Recorrente.

Como o problema incide sobre a prova dos ditos limites, o Recorrente pede a reapreciação de 3 factos não provados, o que se fará de seguida.

Sendo assim, o problema não é de omissão de pronúncia, mas sim de pretenso erro de julgamento.


*

            O Recorrente questiona os referidos factos não provados.

Na reapreciação dos factos, o Tribunal da Relação altera a decisão proferida sobre a matéria de facto se a prova produzida, reapreciada a pedido dos interessados, impuser decisão diversa (art.662, nº1, do Código de Processo Civil (doravante CPC)).

Este tribunal forma a sua própria convicção relativamente aos concretos pontos impugnados. (A.Geraldes, Recursos, 3ªedição, 2010, Almedina, pág.320.)

Lembremos que a aplicação do regime processual em sede de modificação da decisão da matéria de facto conta necessariamente com a circunstância de que existem factores ligados aos depoimentos que, sendo passíveis de influir na formação da convicção, não passam nem para a gravação nem para a respectiva transcrição. É a imediação da prova que permite detetar diferenças entre os depoimentos, tornando possível perceber a sua maior ou menor credibilidade.

No caso, os elementos probatórios apresentados e disponíveis são a transação judicial anterior, o teor da contestação, o testemunho de G (...) , a planta e fotos juntas.

Reapreciadas estas provas, a nossa convicção vai em sentido mais concludente e amplo que o formado pelo tribunal recorrido.

Comecemos por notar que são os próprios Réus, na sua contestação, quem aceita, ainda que parcialmente, que a parte rústica do prédio do Autor se alarga para junto da parede da casa daqueles, até à linha vertical imaginária traçada pelo final do beirado do seu telhado.

Depois, assinalamos que na transação referida em 14 dos factos, as partes reconheceram a existência de uma servidão a favor do prédio dos Réus, servindo a mesma igualmente para efeitos de manutenção do imóvel destes últimos, que se inicia no canto norte do seu barracão, sito a sul da sua casa e que se prolonga até à estrema nascente da dita casa, com a largura que separa a casa do barracão. Nela, os Réus comprometeram-se a realizar obras no sentido de permitir o escoamento das águas que da sua casa vertem no leito da servidão para local sito dentro dos limites da sua propriedade. Tal escoamento seria feito por via de canal subterrâneo a implementar no leito da supra aludida servidão; mais se comprometeram os Réus a substituir os dois degraus que existiam na entrada da sua casa para apenas um degrau, sendo este de largura mais estreita.

O reconhecimento desta servidão significa que o prédio onerado é o do Autor.

A transação não expressa qualquer limitação à linha vertical imaginária traçada pelo final do beirado do telhado dos Réus.

A motivação do Tribunal recorrido e os factos assentes revelam que no local em discussão está uma parte da parte rústica do prédio do Autor, reconhecendo-se também o desvio da estrema naquele local.

É neste contexto que se entendem os depoimentos.

Sem infirmação, G (…) afirma ter conhecimento das divisões do terreno e das razões do desvio feito no local; ele diz que o logradouro do terreno do Autor vai até ao muro ou parede da casa dos Réus.

Ouvida a Ré, esta diz que a área por baixo do beirado serve como serventia para a parte de trás da sua casa, nomeadamente para obras e limpeza.

Confirmando a serventia, ela não infirma a testemunha e a transação, podendo concluir-se que o terreno em questão é do Autor, onerado por aquela.

A planta e as fotos ajudam a compreender tudo isto.

Sem prejuízo do que se venha a dizer sobre os limites do direito do Autor (infra), os factos assentes revelam que o Tribunal recorrido, dizendo quase tudo, não tirou todas as ilações que podia retirar.

Pelo exposto, reconhecendo razão ao Recorrente, decide-se aditar os seguintes factos provados:

Imediatamente após a casa de habitação dos Réus (no sentido Norte/Sul), a estrema dos prédios descreve uma perpendicular à direita, com um ângulo de cerca de 90º, e que percorre e é delimitada pela parede daquela mesma casa de habitação, perpendicular que se estende por cerca de dois metros; depois, a linha divisória descreve uma nova perpendicular, à esquerda, com um ângulo de cerca de 90º.

O aparelho de ar condicionado implantado na parede da casa dos Réus, por baixo do algeroz, tem uma profundidade de cerca de 30/40 cm.


*

A defesa da propriedade e o interesse do Autor.

Neste recurso, esta defesa está apenas relacionada e limitada à colocação do aparelho de ar condicionado.

            Apura-se que este está no espaço aéreo do terreno do Autor, em área de servidão que onera o mesmo.

Conforme o disposto no nº 1 do artº 1344° do Código Civil, "a propriedade dos imóveis abrange o espaço aéreo correspondente à superfície, bem como o subsolo, com tudo o que neles se contém e não esteja desintegrado do domínio por lei ou negócio jurídico".

Porém, acrescenta a lei, no nº 2 do mesma norma, que "o proprietário não pode, todavia, proibir os actos de terceiro que, pela altura ou profundidade a que têm lugar, não haja interesse em impedir".

Estas disposições devem ainda ser articuladas com a previsão do artº 1305º da lei em análise, nos termos da qual "o proprietário goza, de modo pleno e exclusivo, do uso, fruição e disposição das coisas que lhe pertencem dentro dos limites da lei e com observância das restrições por ela impostas".

Por isso se diz que o direito de propriedade está sujeito a restrições, quer de direito privado, quer de direito público.

Este direito não deve ser encarado apenas sob uma perspetiva subjectiva, em que prepondere o interesse egoístico do seu titular.

O mesmo tem de ser compreendido na sua componente económica e social, não excluindo a atividade de terceiro, entidade pública ou privada, que assuma interesse relevante.

Para impedir os atos de terceiro com interesse relevante, no subsolo ou no espaço aéreo correspondente à superfície do seu imóvel, o proprietário tem de contrapor um interesse materializável e não simplesmente egoístico.

Nesta análise projeta-se o instituto do abuso do direito, preceituando o art. 334.º do Código Civil que “é ilegítimo o exercício de um direito, quando o titular exceda manifestamente os limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico desse direito”.

O exercício danoso inútil é contrário a estes limites.

Haverá abuso de direito quando um comportamento, aparentando ser o exercício dele, se traduz na não realização dos interesses pessoais de que esse direito é instrumento e na negação de interesses sensíveis de outrem, enquanto direitos sociais e a pressuporem intersubjectividade.

(Neste sentido, com desenvolvimentos doutrinais, ver acórdão do STJ, de 14.2.2013, proc.806/07, em www.dgsi.pt.)

Consideremos o caso concreto no referido enquadramento jurídico.

O Autor não esclarece porque é que a colocação do aparelho de ar condicionado o prejudica, sem prejuízo da consideração (abstrata) da invasão aérea implicada.

O mesmo reconheceu no passado diferentes limitações ao seu direito de propriedade: aceitou a servidão, servindo a mesma igualmente para efeitos de manutenção do imóvel dos Réus; aceitou a janela dos Réus; o limite vertical do portão; o degrau; o que resulta do facto 24 - o Autor, quando colocou o portão, cravou o prumo vertical de batente do mesmo a cerca de +/- 50cm lineares da parede da casa de habitação dos Réus e aceitou o escoamento das águas do telhado.

A servidão referida é uma importante restrição do seu direito de propriedade.

Como provado, ela serve igualmente para manutenção do imóvel dos Réus, o que quererá dizer que estes acederão à parede da sua casa para diferentes atos de manutenção.

O aparelho em questão afeta um máximo de 40 cm de profundidade, em largura não concretizada mas limitada a centímetros, talvez, pela fotografia, a cerca de 70 cm.

Ele está por baixo do algeroz de recolha das águas do telhado, na parede da casa dos Réus.

Ele foi colocado há mais de 9 ou 10 anos pelos Réus.

Ele encontra-se na parte traseira dos prédios, em zona de acesso e logradouro, junto à janela já referida.

Neste contexto, não encontramos agora o interesse atendível do Autor, em contraponto com a comodidade já antes obtida pelos Réus com a colocação do aparelho. A atitude do Autor revela-se puramente egoística, em sentido contrário das razoáveis limitações que já aceitou antes ao seu direito de propriedade.

Considerando a descrita zona de colocação, a sua utilização comum e os demais factos assinalados, o prejuízo do Autor é desconsiderável.

Conclusão: o Autor não tem um interesse atendível em impedir a obra.


*

Decisão.

            Julga-se o recurso improcedente e confirma-se a decisão recorrida.

            Custas pelo Recorrente, vencido.

Coimbra, 2019-01-29


Fernando de Jesus Fonseca Monteiro ( Relator )

António Carvalho Martins

Carlos Moreira