Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
550/05.2TBCBR.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: TERESA PARDAL
Descritores: EMPREITADA
DEFEITOS
DIREITOS
DONO DA OBRA
DANOS NÃO PATRIMONIAIS
Data do Acordão: 07/06/2010
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COIMBRA
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTS.334, 336, 342, 496, 1207, 1221, 1222, 1225 CC, 514 Nº1 CPC
Sumário: 1. No contrato de empreitada, a imposição legal de o dono da obra pedir primeiro a condenação do empreiteiro a eliminar os defeitos da obra, não podendo pedir o valor da reparação a efectuar por terceiro, tem como objectivo proteger o direito de o empreiteiro a ter a oportunidade de corrigir a sua prestação, o que já não ocorrerá se houver urgência na reparação.

2. Mas mesmo que não haja urgência na reparação, o dono da obra poderá peticionar o valor da reparação, desde que já tenha sido facultado ao empreiteiro a oportunidade de proceder à eliminação dos defeitos, sem que este o tenha feito com sucesso em prazo razoável.

3. É facto notório, não carecendo de alegação e prova, que uma espera de cerca de quatro anos pela reparação de defeitos numa casa de repouso e lazer causa sofrimento, tendo este gravidade suficiente para merecer a tutela do direito para efeitos de dano não patrimonial.

Decisão Texto Integral: Acordam na 2ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra:

G (…) e D (…) intentaram a presente acção declarativa com processo ordinário contra (…) – Sociedade de Construções, Lda alegando, em síntese, que em Setembro de 1999 acordaram com a ré em esta proceder a diversas obras de remodelação num imóvel dos autores, pelo preço de 10 138 400$00 (50 570,31 euros), tendo em 17 de Maio de 2001 sido entregue a obra aos autores e sido paga a última prestação do preço à ré, mas tendo surgido várias anomalias no imóvel a partir de Outubro de 2001, o que foi comunicado imediatamente à ré, que em 2002 procedeu a uma reparação que não eliminou as anomalias, tendo começado nova reparação em Janeiro de 2003 que não concluiu, nunca mais voltando ao imóvel para reparar os defeitos, apesar dos insistentes pedidos feitos pelos autores ao longo do ano de 2003 e 2004, pelo que não é de esperar que a ré venha a reparar ou substituir os trabalhos, estando irremediavelmente comprometida a confiança dos autores na ré, não sendo exigível a continuação da sua relação contratual.

Concluíram, pedindo a condenação da ré a pagar o montante necessário à reparação dos defeitos, que avaliam em 20 000,00 euros, bem como a quantia de 5 000,00 euros por danos não patrimoniais, tudo acrescido de juros à taxa legal desde a citação.

A ré contestou, arguindo as excepções de ineptidão da petição inicial e de caducidade, impugnando os defeitos invocados pelos autores, bem com a falta de disponibilidade para proceder a reparações e alegando ainda que não é lícito aos autores pedirem o valor da reparação dos defeitos, sem pedir primeiro a reparação, substituição ou redução do preço.

Concluiu pedindo a procedência das excepções e a improcedência da acção e a absolvição do pedido.

Os autores replicaram opondo-se às excepções e mantendo o alegado na petição inicial.

Foi então proferido despacho saneador que julgou parcialmente procedente a excepção da ineptidão da petição inicial, relativamente ao pedido de indemnização por danos não patrimoniais, julgou improcedente a excepção da caducidade e proferiu sentença conhecendo do pedido, que julgou a acção improcedente por não ter sido cumprida a sequência dos artigos 1221º, 1222º e 1223º do CC, absolvendo a ré do pedido.

Interposto recurso da sentença, foi esta revogada na parte relativa à improcedência dos pedidos e determinou o prosseguimento dos autos.

Procedeu-se a julgamento, após o que foi proferida sentença que julgou a acção parcialmente procedente e condenou a ré a pagar aos autores a quantia de 8 452,50 euros acrescidos de IVA, relativa à reparação dos defeitos verificados na moradia, acrescida de juros de mora desde a citação e a quantia de 2 000,00 euros a título de danos não patrimoniais, acrescida de juros de mora desde a data da sentença.

                                                            *

Inconformada, a ré interpôs recurso da sentença, o qual foi admitido como apelação com subida imediata, nos próprios autos e efeito devolutivo.

A recorrente alegou, apresentando as seguintes conclusões:

1- Porque entendem os recorrentes que da prova produzida nos presentes autos resulta factualidade diversa da constante da decisão relativa a concretos pontos da matéria de facto, invocam o preceituado no artigo 712º do CPC, nomeadamente a previsão do nº1, a), no que tange à faculdade deste Tribunal Superior de alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto pelo Tribunal de 1ª instância, conquanto que do processo constem “todos os elementos de prova que serviram de base à decisão sobre os pontos da matéria de facto em causa ou se tendo ocorrido gravação dos depoimentos prestados, tiver sido impugnada, nos termos do art. 685-B, a decisão neles proferida.”, como é o caso dos autos.  

2- Aos quesitos identificados sob o nºs 8, 11 e 12, ora convertidos nos pontos 20, 23 e 24 dos factos assentes, entendeu o Tribunal a quo dar como provada a matéria deles constante; o que, salvo o devido respeito e melhor entendimento, não resulta minimamente da prova produzida em audiência de discussão e julgamento.

3- Sobre tal matéria foi produzida prova testemunhal, respondeu com manifesto e esclarecido conhecimento por ser, à data, trabalhador da ré, a testemunha (…) que declarou, no respectivo depoimento gravado, ao minuto 4:30, disse “Foi-se lá grampear a telha, nas partes que estavam arreadas.”

4- De tal depoimento conjugado com o relatório pericial que no seu ponto 5 exarou que “Algumas das telhas estão completamente descravadas, presentemente”, com o esclarecimento prestado pelo Sr. Perito na audiência de julgamento, ao minuto 4:19 do registo que refere “uma ou duas estavam descravadas” (o que significa que o cravamento existiu e existe ainda, na maioria das telhas); resulta claramente que a resposta dada ao quesito 8, agora ponto 20 do relatório, não corresponde à matéria apurada e provada, devendo ser complementada em termos tais que passe a ter a redacção “As reparações efectuadas consistiram na execução de correcções com excesso de argamassas e grampeamento de telhas.”

5- Quanto à resposta dada ao quesito 14, resulta da prova produzida que a mesma deverá ser alterada, porquanto do depoimento das supra mencionadas testemunhas, resulta que na obra foi colocado grampeamento  e subtelha/onduline, sendo este último material de natureza antiderrapante, tudo conforme registo no depoimento da testemunha (…).

6- Em consequência deverá passar a ter a seguinte redacção “Houve deslizamento de algumas telhas da cobertura devido ao seu peso e ao facto de não se encontrarem, à data, fixados com grampos.

7- A resposta ao quesito 29, ora ponto 41 da factualidade assente, resulta da prova produzida nos autos resposta diametralmente oposta à dada, porquanto, tendo ficado provado nos pontos 19 (quesito 7), 20 (quesito 8), 21 (quesito 9), 22 (quesito 10), que a ré se deslocou à obra e ali realizou inúmeras intervenções de reparação, e as testemunhas (…)e (…) declararam que “A (…) está disponível para corrigir”, todos os defeitos, nomeadamente, os que aqui vier a apurar-se terem de ser corrigidos.

8- Quanto à primeira das testemunhas vide registo minuto 37:56 e quanto à segunda vide minuto 11:55 “Nós fomos lá várias vezes.”, minuto 17:10; minuto 23:20 “Na altura utilizou-se telas líquidas (…) houve várias tarefas para corrigir os problemas.” “Fizemos as reparações necessárias.”; e a passagem ao minuto 5:60 do 2º registo da testemunha (…) “Isso não é questionável (…) estaríamos sempre e estamos cá não para criar problemas é para criar soluções.” A instâncias da advogada da ré e à pergunta “Das vezes que tem conhecimento em que houve pedido para fazer correcção (…) foi lá?”, a testemunha respondeu “Sempre”. E a nova insistência: “Havendo pedidos hoje; da prática e do conhecimento que tem da forma de estar da (…), se hoje houvesse necessidade de lá voltar, qual seria a resposta da (…)? Recusar-se a corrigir defeitos alguma vez foi política da (…)?”, responde a testemunha “Não. A nossa política é o bom desempenho que temos vindo a ter.

E a testemunha (…), à passagem do minuto 35.00 perguntado se “A (…) alguma vez fugiu ao cumprimento das suas obrigações?”, respondeu “Não, senhor.” E novamente inquirido “Havendo necessidade, ainda estará disponível?”, respondeu: “Sim senhor, pelo que eu conheço. Sempre foi lema da (…) se houvesse uma situação, ia lá corrigir.” E, por último “A ideia que tem é que estão disponíveis para corrigir?”, respondeu: “Sim.”

9- Face a tais elementos a resposta dada ao quesito 29 deve ser alterada e, por força do exposto, ser de “Não provado”.

10- No que concerne à questão da subsunção dos factos ao Direito, também se entende, salvo o devido respeito por entendimento diverso, que o tribunal a quo não andou bem.  

11- Com efeito, foi a ré condenada no pagamento do custo dos trabalhos necessários à eliminação dos defeitos, por via de se considerar que “(…) tendo já sido dada oportunidade à mesma para efectuar a sua reparação e não tendo esta logrado efectuá-la, não se justificará que venha novamente a ser condenada na realização da dita reparação, verificando-se neste caso um incumprimento definitivo da obrigação de eliminação dos defeitos por parte do empreiteiro.” (sublinhado nosso).

12- A tal propósito, e quanto à conclusão retirada, importa salientar dois aspectos. O primeiro é que, não ficou provado nos autos que os defeitos ora apurados e provados sejam os mesmos que a ré corrigiu através das provadas intervenções feitas na obra. Logo, não é lícito concluir que lhe tenha sido dada oportunidade de corrigir os defeitos e esta não o tenha efectuado. Aliás, o que resulta da matéria de facto dada como provada é exactamente o contrário: sempre que foi solicitada a intervenção da ré, esta compareceu, interveio e corrigiu defeitos, designadamente o deslizamento de telhas, a fendilhação e as infiltrações.

13- Um segundo aspecto, prende-se com a consideração pela Sra. Juiz de que, por via da anterior conclusão, não se justifica que a ré “venha novamente a ser condenada na realização da dita reparação”.

14- O Tribunal a quo não apreciou correctamente a prova produzida; primeiro porque não foi provada qualquer anterior condenação da ré na reparação destes ou de outros defeitos da obra; razão pela qual a utilização do advérbio “novamente” é absolutamente inadequada por falta de factualidade em que possa radicar e segundo, porque, alterada a resposta ao quesito 29º, como se pugnou supra, sempre terá de, por força da aplicação da disciplina do contrato de empreitada, vertida, quanto a tal particular, nos arts. 1221º e ss do C. Civil, de percorrer-se o trilho legal de soluções ali tipificadas.

15- Na verdade, decorre da própria redacção dos art.s 1221º, 1222º e 1223º C.C. e do entendimento jurisprudencial unânime que tem vindo a ser feito, que qualquer lesado com a defeituosa execução da obra para se ressarcir dos seus prejuízos, terá de subordinar-se à ordem estabelecida nesses preceitos, podendo exigir: em primeiro lugar, a eliminação dos defeitos; caso não possam ser eliminados, a exigir nova obra; seguidamente a redução do preço ou a resolução do contrato, no caso de os defeitos tornarem a obra inadequada ao fim a que se destina; e só em último lugar, pedir indemnização nos termos gerais – neste sentido, entre muitos, cfr. RE, 19.01.95, CJ, 1995, 1º-274; RE, 21.04.88, CJ 2º-267; RE 28.05.92, BMJ 417-842.

16- Por força do regime estrito da empreitada, não é lícito ao dono da obra escolher uma das soluções legais; uma vez que tais direitos indemnizatórios não têm objecto alternativo.

17- Desta feita, e porque em violação do estatuído nos arts. 1221º, 1222º e 1225º do C. Civil, terá também neste segmento de ser revogada a decisão de condenação da ré no pagamento de 8 452,50 euros, acrescidos de IVA, absolvendo-se a ré do pedido.

18- Qualquer pedido de condenação no pagamento de indemnização a título de danos não patrimoniais, está subordinado à previsão do art. 496º do C. Civil, isto é, para que aja obrigação de indemnizar é necessário que o lesado prove a existência de danos.

19- Com pertinência para a questão nada foi, rigorosamente, nem alegado nem provado.

20- Ora, no caso vertente, apesar disso e de modo surpreendente, a Sra Juiz considerou que “Analisada a factualidade provada nos autos e pese embora a sua singeleza, constatamos que a obra em questão tinha como propósito, para os autores, a reconstrução de uma casa que seria um espaço privilegiado para encontros familiares, para passarem os fins de semana longe da cidade. Mais se verifica que os autores, logo no primeiro inverno subsequente à realização das obras depararam-se com diversas infiltrações de água quer no telhado quer nas paredes quer no alpendre. Mais se verifica que pese embora os diversos contactos e tentativas para resolução dos apontados defeitos, os mesmos, passados que eram pelo menos quatro anos ainda não se mostravam resolvidos, sendo certo que esse tipo de deficiências causa natural limitação no usufruto de uma casa de campo destinada a momentos de lazer e despreocupação.”, concluindo que tais factos se traduzem em danos com gravidade exigível para merecer a tutela do direito (!) fixando-os no montante de 2 000,00 euros.

21- Uma vez que, sobre danos nem uma palavra, desconhece-se, em absoluto, em que consistiram e se eles assumiram um grau de gravidade suficiente, susceptível de fazer desencadear o dispositivo legal em observação.

22- Em consequência, e uma vez que a factualidade provada não revela que a acção da ora apelante/ré haja causado aos apelados/autores prejuízos não patrimoniais, deve concluir-se pela não verificação de um dos pressupostos da obrigação de indemnizar, procedendo também, neste particular, a presente apelação, com a consequente absolvição da ré do pedido.

23- Em consequência do exposto e por força da violação frontal do preceituado nos arts. 653º, nº2, 659º, nº3, do CPC e 1221º, 1222º, 1225º e 496º, nº1 do CC, deve ser a decisão proferida pelo tribunal a quo revogada e substituída por outra que, considerando procedente a presente apelação, absolva a ré de todos os pedidos contra si formulados.

                                                            *

A recorrida não contra alegou.

                                                            *

Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.

As questões a decidir são:

I) Impugnação da matéria de facto.

II) Reparação dos defeitos.

III) Danos não patrimoniais.   

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                                                            *

FACTOS.

Os factos dados como provados na sentença são os seguintes:

1. Em Setembro de 1999, os ora autores celebraram com ré, sociedade comercial por quotas que se dedica à construção civil, um contrato de empreitada destinado à remodelação de um prédio urbano sito na localidade de ..., em ...(A).

2. Constavam como obrigações da ré as mencionadas no orçamento por ela apresentado em Setembro de 1999, o qual consta do documento nº1 junto com a petição, nomeadamente, a obrigação de reforço dos topos das paredes existentes para aplicação de novo vigamento; a obrigação de fornecimento e aplicação de madeiramento novo (vigas, barrotes e ripas), reparação e alinhamento da estrutura do telhado com Cuprinol incolor e ainda a obrigação de fornecimento e aplicação e isolamento térmico “Roof Mate” em toda a área do telhado, orçamento este que se cifrava em 10 138 400$00 (B).

3. A obra foi entregue aos autores em 17 de Maio de 2001, data em que foi paga a última prestação pelos serviços da ré (C).

4. Em 17 de Abril de 2003, o autor endereçou um fax ao Eng. (…), dando-lhe conta do problema de infiltração de água, quer no telhado, quer no alpendre, e alertando-o para a possibilidade de apodrecimento das madeiras, solicitando-lhe ainda a sua presença na casa para concluir as reparações iniciadas em Janeiro de 2003 (D).

5. Em 14 de Agosto de 2003, o autor dirigiu um segundo fax ao cuidado do Engenheiro (…), solicitando novamente a presença dos trabalhadores na casa entre 18 de Agosto e 5 de Setembro de 2004, dando, uma vez mais, conta das anomalias verificadas (E).

6. Em 30 de Setembro de 2003, posteriormente a um contacto telefónico, foi enviado um terceiro fax ao Engenheiro (...), alentando para a continuação da verificação das anomalias já descritas (F).

7. Em 25 de Outubro de 2003, os autores voltaram a contactar o engenheiro (…), desta vez através de carta registada, solicitando a deslocação dos trabalhadores da ré ao imóvel em questão (G).

8. Carta esta à qual o engenheiro (…) respondeu em 5 de Novembro de 2003, salientando o interesse na visita à obra a fim de realizar inventário das anomalias existentes e referindo que aguardaria pela marcação de uma data para a visita (H).

9. Em 13 de Maio de 2004 e depois de insistentes tentativas dos ora autores para se proceder a reparação dos defeitos, o engenheiro (…) dirigiu nova carta à autora, onde reiterou a vontade de resolver as irregularidades, justificando ainda os sucessivos atrasos com uma falta de meios humanos (I).

10. Em 9 de Agosto de 2004, os autores escreveram um derradeiro fax ao Engenheiro (…)o, solicitando a deslocação dos trabalhadores da ré à casa de ... no mês de Setembro (J).

11. Os autores apresentaram uma reclamação na Associação Portuguesa para a Defesa do Consumidor (DECO), expondo sumariamente o seu problema.

   - Em 14 de Setembro de 2004, a DECO dirigiu uma carta à gerência da ré, solicitando-lhe um esclarecimento relativo à reclamação que deu entrada no Gabinete de Apoio ao Consumidor feita pelo Sr. (…)

   - Carta esta à qual respondeu a gerência da ré, salientando que a dificuldade de regularização dos defeitos apresentados se devia a “dificuldades contratuais e financeiras”.

   - Em 28 de Setembro de 2004, a DECO informou, por meio de carta, o autor do conteúdo da carta da ré referida no artigo anterior.

   - Em 4 de Outubro de 2004, a DECO enviou nova carta à gerência da ré solicitando a marcação de uma reunião de tentativa de conciliação.

   - Carta esta que não obteve qualquer resposta por parte da gerência da ré (L).

12. Descontentes com a situação, os autores estabeleceram de imediato contacto telefónico com o responsável pela obra, Engenheiro (…), sócio gerente da ré, para que se efectuasse uma deslocação à casa com a finalidade de reparar as referidas anomalias. Posteriormente a este contacto, os trabalhadores da ré deslocaram-se à obra para fazer reparações (M).

13. A obra tinha como propósito, para os autores, a reconstrução de uma casa que seria um espaço privilegiado para encontros familiares, para passarem os seus fins-de-semana longe da cidade (1).

14. No primeiro inverno subsequente à entrega da obra, em meados de 2001, os autores depararam-se com infiltrações de água no telhado (2).

15. E infiltrações na parede lateral da casa (3).

16. E infiltrações de água no alpendre (4).

17. E serradura a cair das vigas de madeira, a qual era causada pelo “bicho da madeira” (5).

18. Os autores estabeleceram de imediato contacto telefónico com o responsável pela obra, Eng. (…), sócio gerente da ré, para que se efectuasse uma deslocação a casa com a finalidade de reparar as referidas anomalias (6).

19. Posteriormente a este contacto, os trabalhadores da ré deslocaram-se à ora para fazer reparações (7).

20. Todavia, as reparações efectuadas consistiram apenas na execução de correcções com excesso de argamassa, correcções essas que se tornaram em elementos muito absorventes (8).

21. Ao longo do ano de 2002, houve apenas uma deslocação por parte dos trabalhadores da ré à obra a fim de reparar os referidos defeitos apontados pelos autores (9).

22. Em Janeiro de 2003, os trabalhadores da ora ré voltaram a deslocar-se ao prédio urbano em questão, a fim de, mais uma vez, procederem a reparação aos defeitos já inventariados (10).

23. Embora tenham iniciado as ditas reparações, abandonaram-nas sem dar qualquer tipo de explicação aos autores (11).

24. Apesar da persistência dos autores, nenhum trabalhador apareceu, nem qualquer contacto foi estabelecido com os autores (12).

25. Não foi efectuada qualquer deslocação à casa de Penela por parte dos trabalhadores da ré, nem tão pouco houve qualquer resposta ao fax enviado pelos autores em 9 de Agosto de 2004 (13).

26. Houve deslizamento de algumas telhas da cobertura devido ao seu peso e ao facto de não terem sido fixadas com grampos ou com outro tipo de mecanismo antiderrapante (14).

27. Devido a este deslizamento algumas telhas ficaram sem estarem numa relação de sobreposição com a telha seguinte da mesma fila e algumas estão em muitos locais desalinhadas (15).

28. Houve fendilhação em elementos do cume da cobertura criando zonas de entrada de águas (16).

29. Alguns pontos da cobertura têm de ser impermeabilizados (17).

30. Foram feitas correcções com argamassa que se tornaram absorventes e não corrigiram as patologias existentes nos dorsos dos telhados e na intercepção do pano da parede vertical da casa com o telhado do alpendre (18).

31. O bloco de cobertura do alpendre deslizou e provocou fendilhação e movimento de telhas criando aberturas para entrada de água (19).

32. Para evitar as infiltrações é necessário remover as telhas e transportar material resultante para o vazadouro (20).

33. É necessário remover a subtelha e roofmate existentes e transportar o material resultante a vazadouro (21).

34. é necessário efectuar a picagem e remoção de argamassas desnecessárias e transporte do material resultante a vazadouro (22).

35. É necessário efectuar um tratamento apropriado da estrutura e forro madeira (23).

36. É necessário fornecer e aplicar roofmate com 3 cm de espessura devidamente fixada (24).

37. É necessário fornecer e aplicar subtelha devidamente fixada e ventilada (25).

38. É necessário grampear a telha que está colocada (26).

39. É necessário efectuar rufagem de chaminés, elementos singulares da cobertura e todos os locais necessários com rufo de zinco com os desenvolvimentos necessários (27).

40. Os trabalhos referidos nos quesitos 20 a 27 importam em 7 350,00 euros a que acrescerá uma margem comercial de 15% para o empreiteiro e ainda IVA (28).

41. A ré já não irá proceder à reparação dos efeitos que ficam apontados nos quesitos 20 a 27 (29).

                                                            *

                                                            *

ENQUADRAMENTO JURÍDICO.

I) Impugnação da matéria de facto.

(…)

                                                            *

II) Reparação dos defeitos.       

Conforme resulta dos factos provados, foi celebrado entre os autores e os réus um contrato de empreitada, previsto nos artigos 1207º e seguintes do CC, por força do qual a ré se comprometeu a realizar uma obra aos autores, mediante o pagamento de um preço.

Invocando o dono da obra (neste caso os autores) a existência de vícios na mesma, que excluam ou reduzam a sua aptidão para o uso a que se destina, incumbe-lhe a respectiva prova, por força do artigo 342º nº1 e nº2 do CC.

Verificada a existência dos invocados vícios, presume-se a culpa do empreiteiro (neste caso a ré) que, nos termos do artigo 799º do CC, tem o ónus de provar que o cumprimento defeituoso não lhe é imputável (cfr. neste sentido, entre outros acs STJ de 1/07/03, RP de 19/03/07 e de 24/05/07, todos em www.dgsi.pt).

Nas suas alegações, a ré, ora recorrente, defende que não se provou que os defeitos apurados são os mesmos que foram objecto da sua reparação.

Não tem razão, pois os factos são bem claros no sentido de que a obra em causa, foi por si realizada, apresentando anomalias várias que não foram reparadas, apesar de intervenções falhadas por parte da recorrente.

Portanto, foi feita a prova, que incumbia aos autores, da existência de vícios da obra realizada pela ré.

Presumindo-se a culpa da ré no cumprimento da prestação, de acordo com o acima exposto, também se conclui que a ré não logrou afastar a presunção e fazer a prova que lhe competia nos termos do artigo 799º do CC, ou seja, a prova de que não teve culpa da ocorrência destes defeitos.

Alega ainda a recorrente que os autores não podem exigir a indemnização ora reclamada, uma vez que não foi respeitada a sequência prevista nos artigos 1221º e 1222º do CC. 

Com efeito, tem-se entendido que o dono da obra não pode eliminar os defeitos substituindo-se ao empreiteiro, devendo peticionar primeiro em tribunal a condenação do empreiteiro a realizar a construção nova e, obtida a sentença condenatória e mantendo-se o incumprimento deste, só em execução de sentença poderá o dono da obra recorrer a terceiro para proceder à construção da obra à custa do empreiteiro (cfr. ac. STJ de 2/11/06 em www.dgsi.pt).

A razão desta sequência legal destina-se a dar oportunidade ao empreiteiro de corrigir a sua prestação, não permitindo ao dono da obra que se substitua arbitrariamente, procedendo ele próprio a reparações que poderão ser bem mais onerosas.

Contudo, tal sequência, mesmo não havendo urgência na reparação, apenas poderá ter razão de ser enquanto não foi dada a oportunidade ao empreiteiro de, em tempo razoável, proceder à reparação.

A doutrina e a jurisprudência têm vindo a considerar que, havendo urgência na reparação, o dono da obra pode proceder à reparação e exigir o seu custo ao empreiteiro, nomeadamente por recurso à acção directa prevista no artigo 336º do CC, em virtude de tal actuação ser indispensável para assegurar o direito à habitabilidade da casa face à impossibilidade de recorrer em tempo útil aos meios coercivos normais para evitar a inutilização prática desse direito (cfr. neste sentido Pedro Romano Martinez “Direito das Obrigações-Contratos”, página 483, 2ª edição e “Cumprimento Defeituoso”, página 346 e acórdãos do STJ de 1/07/2003 e de 28/05/2004, ambos em www.dgsi.pt).

No presente caso, a reparação não terá sido sentida como urgente, pois os autores não a realizaram, tendo vindo, ao longo destes anos, a insistir com a ré para a efectuar e pedindo agora, na presente acção, uma quantia que destinam a tal reparação.

Todavia, mesmo não sendo urgente a reparação, esta deverá ser feita em tempo razoável, não sendo exigível aos autores que esperem indefinidamente, sob pena de manifesto abuso de direito (artigo 334º do CC).   

Efectivamente, comunicados os defeitos à ré, esta ainda procedeu a uma reparação que os não eliminou e, decorridos cerca de quatro anos depois da verificação dos defeitos e da sua denúncia, há que concluir necessariamente que a ré não irá proceder à reparação e que a relação de confiança entre as partes deixou de existir.

Na sentença recorrida, entendendo-se que essa relação de confiança deixou de existir, escreveu-se, referindo-se à ré, que “não se justificará que venha novamente a ser condenada na realização da dita reparação”, expressão esta que, manifestamente, resulta de mero lapso, quando obviamente pretendeu dizer que não deverá ser dada nova oportunidade à ré para a correcção dos defeitos, uma vez que já teve essa oportunidade e não a aproveitou, não tendo demonstrado que tem capacidade para proceder à necessária reparação.

Não procedendo a ré à reparação, não deixa a mesma de ser responsável pelos prejuízos causados, nos termos do artigo 1225º do CC, correspondendo a indemnização devida à quantia que se provou ser necessária à reparação.

Neste sentido decidiu o acórdão do STJ de 10/07/2008 (relator Fonseca Ramos), em www.dgsi.pt, onde se entendeu que aos casos de urgência na reparação dos defeitos são de equiparar os outros casos em que o empreiteiro não realizou essa reparação em tempo razoável.

É o caso dos autos, em que, depois de comunicarem os defeitos à ré e de esta ter feito pelo menos uma tentativa sem sucesso para os reparar, os autores esperaram cerca de quatro anos antes de intentar esta, insistindo sempre, sem êxito, para que ré resolvesse o problema.

Tem, pois, de se considerar que a ré teve oportunidade de exercer o seu direito de ser ela a eliminar os defeitos e, não o tendo feito em prazo razoável, é legítimo aos autores procederem eles próprios à reparação, com recurso a terceiro e à custa da ré.

Improcede, portanto, a apelação nesta parte.      

                                                            *

III) Danos não patrimoniais.

Pretende também a recorrente a revogação da condenação em indemnização por danos não patrimoniais, por não se terem provado quaisquer danos dessa natureza.

Prevê o artigo 496º que os danos não patrimoniais sejam ressarcidos, desde que tenham gravidade suficiente para merecer a tutela do direito.

Sendo hoje pacífica a jurisprudência no sentido de que os danos não patrimoniais são indemnizáveis não só no âmbito da responsabilidade extra contratual, mas também no âmbito da responsabilidade contratual, concorda-se em absoluto com a sentença recorrida, quando considera que a espera dos autores durante cerca de quatro anos pela reparação dos defeitos de uma sua casa, que iria servir para repouso e lazer, constitui um dano de natureza não patrimonial que merece a tutela do direito.

E não é necessário que conste expressamente nos factos provados que os autores sofreram com esta situação, uma vez que é facto notório – que não necessita de alegação e prova, nos termos do artigo 514º nº1 do CP – que uma situação destas causa sofrimento às pessoas.

Improcede, por isso, o recurso também nesta parte. 

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SUMÁRIO.

1. O recurso da matéria de facto não visa a realização de novo julgamento, mas sim apenas a fiscalização de existência de erros de julgamento, pelo que, se estes não se verificarem, predomina a convicção do julgador da 1ª instância.

2. No contrato de empreitada, a imposição legal de o dono da obra pedir primeiro a condenação do empreiteiro a eliminar os defeitos da obra, não podendo pedir o valor da reparação a efectuar por terceiro, tem como objectivo proteger o direito de o empreiteiro a ter a oportunidade de corrigir a sua prestação, o que já não ocorrerá se houver urgência na reparação.

3. Mas mesmo que não haja urgência na reparação, o dono da obra poderá peticionar o valor da reparação, desde que já tenha sido facultado ao empreiteiro a oportunidade de proceder à eliminação dos defeitos, sem que este o tenha feito com sucesso em prazo razoável.

4. É facto notório, não carecendo de alegação e prova, que uma espera de cerca de quatro anos pela reparação de defeitos numa casa de repouso e lazer causa sofrimento, tendo este gravidade suficiente para merecer a tutela do direito para efeitos de dano não patrimonial.      

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DECISÃO.

Pelo exposto se decide julgar o recurso improcedente e manter a sentença recorrida.  

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Custas pela recorrente.

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Teresa Pardal (relatora)
João Moreira do Carmo
Judite Pires