Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
2521/12.3TBPBL.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: MARIA DOMINGAS SIMÕES
Descritores: DESTITUIÇÃO
GERENTE
DIREITO À INDEMNIZAÇÃO
Data do Acordão: 10/14/2014
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: POMBAL
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ART.º 257.º/1 DO CSC
Sumário: I. Nos termos do art.º 257.º/1 do CSC, os sócios podem deliberar a todo o tempo a destituição de gerentes, assim tendo a nossa lei consagrado o princípio da sua livre destituibilidade.

II. Sendo lícita a destituição dos gerentes mesmo sem invocação de qualquer causa, a existência de fundamento -justa causa, no dizer da lei- tem como efeito a desoneração da sociedade do pagamento de qualquer indemnização ao gerente destituído. Daí que, configurando-se como facto impeditivo do direito à indemnização, o ónus da respectiva alegação e prova recai sobre a sociedade, nos termos do n.º 2 do art.º 342.º do Código Civil.

III. Mesmo no caso da destituição “ad natum”, a dar lugar ao arbitramento da indemnização prevista no art.º 257.º, n.º 7 do CSC, são aplicáveis os princípios gerais da responsabilidade civil, caso em que sobre o autor recai o ónus da alegação e prova dos danos efectivamente sofridos, não sendo bastante a mera invocação da perda da remuneração devida pelo exercício da gerência.

Decisão Texto Integral:
I- Relatório

No Tribunal Judicial da comarca de Pombal,

A... , casado, natural da freguesia da (...), concelho de Pombal, residente na Rua (...), concelho de Pombal, veio instaurar contra:

B.. ., Lda., N.I.P.C. n.º (...), com sede na Rua (...), Pombal, acção declarativa de condenação, a seguir a forma ordinária do processo comum, pedindo a final a condenação da ré a pagar-lhe as quantias de € 42.000,00 (quarenta e dois mil euros), correspondentes às remunerações dos anos de 2012 a 2015, acrescidas de juros de mora desde a data do vencimento até integral e efectivo pagamento, a título de indemnização pela destituição de gerente sem justa causa, e de 2.133,00 (dois mil, cento e trinta e três euros), esta referente ao vencimento do mês de Dezembro de 2011 e respectivo subsídio de Natal, igualmente acrescida de juros moratórios.

Em fundamento alegou, em síntese útil, ter sido nomeado gerente da ré por deliberação de 26 de Maio de 2010 (Ap. 2 de 11 de Junho de 2010), com remuneração a partir de Fevereiro de 2011, altura em que passou a auferir a quantia mensal de € 1 000,00.

Mais alegou que, sem que nada o fizesse prever, uma vez que sempre exerceu as funções inerentes à gerência da sociedade com zelo e cuidado, tendo permanentemente em atenção os interesses societários, por deliberação tomada em Assembleia Geral Extraordinária que teve lugar no dia 7 de Março de 2012, foi destituído da gerência, ficando na situação de desempregado, sendo certo que seria previsível que se mantivesse no exercício das funções de gerente por três anos mais.

Com fundamento em alegada destituição sem justa causa, reclamou o aludido montante indemnizatório de € 42 000,00 ao abrigo do disposto no art.º 257.º, n.º 7 do CSC, disposição legal que expressamente convocou, e ainda o pagamento da quantia de € 2 133,00, respeitando ao vencimento de Dezembro e subsídio de Natal, que disse não lhe terem sido pagos.

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Regularmente citada, a ré apresentou contestação, peça na qual invocou a excepção peremptória da incompetência em razão da matéria, por entender que as questões suscitadas pressupõem a existência de uma relação jurídica de índole laboral, donde ser competente para a acção o Tribunal de Trabalho.

Em sede de impugnação afirmou não serem verdadeiros os factos alegados pelo autor em suporte do pedido formulado, esclarecendo que na verdade foi este quem renunciou à gerência, o que declarou aos sócios e demais gerentes e foi por estes aceite na assembleia extraordinária que teve lugar no dia 23 de Novembro de 2011, conforme ficou documentado na acta interna n.º 7. E tanto assim foi que nunca mais o autor compareceu nas instalações da sociedade ré que, receando eventual invalidade da renúncia por inobservância de forma, veio posteriormente a deliberar a destituição do autor, para a qual, de resto, sobravam motivos. Acrescentou que o autor nenhum prejuízo sofreu, uma vez que à data era reformado da Marinha, auferindo reforma muito superior à média nacional, tendo sido abonado de todas as quantias que lhe eram devidas até à data em que, por sua iniciativa, deixou de exercer funções na ré e de comparecer nas respectivas instalações.

Porque o demandante veio a juízo formular pretensão manifestamente infundamentada, mais requereu a sua condenação como litigante de má fé.

O autor replicou, pugnando pela competência do Tribunal Judicial de Pombal em razão da matéria, negando ter-se demitido, antes mantendo ter sido injustificadamente destituído do cargo.

Devolvendo a imputação de má fé, reclamou finalmente a condenação da ré a este título em indemnização a seu favor no montante de € 1 000,00, pugnando pela aplicação de multa de idêntico valor.

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Dispensada a realização da audiência preliminar, foi proferido despacho saneador, no qual foi julgada improcedente a excepção da incompetência material suscitada pela ré, tendo os autos prosseguido com selecção dos factos assentes e organização da base instrutória. Desta última peça reclamou a ré por omissão, a qual não foi apreciada face à entrada em vigor do NCPC, nos termos e com os fundamentos constantes do despacho que consta de fls. 130/131.

Teve lugar audiência de discussão com observância do legal formalismo que da acta consta, após o que foi proferida sentença que decretou a total improcedência da acção, absolvendo a ré do pedido.

Inconformado, interpôs o autor o presente recurso e, tendo apresentado as suas alegações, inobservando de forma ostensiva o comando do n.º 1 do art.º 639.º do CPC, rematou-as com 72 (setenta e duas!) conclusões, das quais se extraem, por relevantes, as seguintes:

i.  O Recorrente exerceu funções na Sociedade ré incluindo no mês de Dezembro, pelo que lhe deve ser pago o valor do seu vencimento;

ii. O Recorrente não deixou de se apresentar nas instalações da Sociedade, seu local de trabalho, para exercer as suas funções de gerente, mas sim porque foi impedido de lá entrar pelos sócios da sociedade, bem como o impediram de exercer as suas funções de gerente e trabalhador;

iii. Também não assiste razão à Meritíssima Juíza quando conclui que o Recorrente renunciou à gerência da Recorrida;

iv. Por força do n.º 1 do artigo n.º 258.º do CSC, a renúncia é um acto receptício, que só pela recepção se torna eficaz para com o destinatário. Deste modo, para operar, tem de ser feita por escrito e dirigida à Sociedade (conforme artigo nº 60, nº 5 do CSC);

v. A renúncia não se torna efectiva no momento em que a comunicação é recebida pela sociedade, pois o artigo 258.º n.º 1 do CSC protela a efectividade da renúncia para oito dias depois;

vi. E não é pelo facto de o Gerente, aqui Autor, numa reunião de Assembleia Geral, durante uma acesa discussão com os restantes sócios, ter mencionado que renunciaria ao cargo de gerente da sociedade, caso os assuntos em discussão fossem decididos como aqueles pretendiam, que se pode concluir que este renunciou;

vii. O próprio gerente, logo ao ter pronunciado tal declaração, afirmou que para tomar tal decisão precisaria de oito dias, pois teria sempre de consultar os seus familiares, titulares duma das três quotas em que se encontra distribuída a participação social da sociedade Ré;

viii. Pelo que não assiste razão à Meritíssima Juiz quando na Sentença alega que “a renúncia apresentada pelo A. às suas funções de gerente no dia 23.11.2011 e prontamente aceite pelos representados da R. nela presentes, … assume plena validade, e não só é válida, como deve considerar-se regularmente comunicada.”;

ix. Não foi feita imediatamente a acta oficial com a renúncia do Recorrente, conforme consta do depoimento da testemunha C..., que se encontra gravado na faixa 20131213101753_123916_64922 do minuto 00:49 ao minuto …;

x. Conforme consta do depoimento da testemunha, a acta da Sociedade não foi feita, em virtude de considerar que o recorrente não tinha poderes para tal e que a sócia E... não estava devidamente representada, o que não corresponde à verdade;

xi. Segundo o testemunho do C..., os documentos internos para ele não tinham qualquer valor, pois não passavam de um papel onde consta o que é dito e decidido nas referidas reuniões;

xii. Não se compreende como é que um documento interno, sem qualquer valor legal, onde consta a renúncia do Recorrente, teve valor na referida assembleia;

xiii. Não pode ser válida a renúncia da gerência constante no documento interno da Sociedade;

xiv. Para que a renúncia pudesse ser válida e eficaz era necessário que o Gerente renunciante tivesse assinado a acta da Assembleia-geral, o que não fez;

xv. Quer a nomeação da gerência, quer a sua cessação, são factos obrigatoriamente sujeitos a registo e isso deve-se à necessidade da publicidade de tais factos como factores de confiança e segurança do comércio;

xvi. Consta da Certidão do Registo Comercial da Recorrida que a data da cessação de funções de gerência pelo Sr. A... operou no dia 29/03/2012, e não no dia 23/11/2011.

xvi. Pelo que se requer que seja alterada a matéria de facto no sentido de ser dado como Não Provado o quesito N) da Base instrutória e ponto n.º 26 da Sentença recorrida;

xvii. Não tendo ficado provado que o Recorrente tenha renunciado à Gerência não se podia decidir como se decidiu na sentença recorrida, que deve ser revogada;

xviii. Sempre sem conceder, se se considerasse que o Recorrente renunciou à gerência, tal renúncia só teria efeitos a partir de Fevereiro de 2012 e não efeitos imediatos, conforme fundamentou a Meritíssima Juiz;

xix. O pedido de renúncia também ficou condicionado ao facto do Recorrente consultar a sua representada;

xx. De acordo com o artigo 270.º do Código Civil, as partes podem subordinar a um acontecimento futuro a produção dos efeitos do negócio jurídico;

xxi. Neste caso estamos perante uma condição suspensiva;

xxii. A ser considerada a apresentada renúncia, o Recorrente condicionou o seu efeito, ou seja, que a renúncia apenas produziria efeitos a partir de Fevereiro de 2012 e com a anuência da sua representada, mediante consulta desta;

xxiii. Dispõe ainda o artigo 275.º, n.º 2, que “se a verificação da condição for impedida, contra as regras da boa fé, por aquele a quem prejudica, tem-se por verificada”;

xxiv. Mais dispõe o artigo 278º do Código Civil que “se for estipulado que os efeitos do negócio jurídico comecem ou cessem a partir de certo momento é aplicável o disposto nos artigos 272º e 273º do mesmo normativo legal;

xxv. Conforme consta da Sentença, dos factos dados como provados nos pontos nºs 26º e 27º, verifica-se que o pedido de renúncia à gerência apenas produziria efeitos a partir de Fevereiro de 2012, bem como esse pedido ficou suspenso até consulta da sua representada;

xxvi. Condição que foi impedida de comunicar à Sociedade pelos Sócios e pelos outros Gerentes da recorrida, ao impedir o acesso do Autor às reuniões e ao desempenho do exercício das suas funções;

xxvii. Não poderia assim, a Meritíssima Juiz ter decidido como decidiu, nomeadamente que o pedido de renúncia produziu efeitos imediatos, pelo que também por este motivo deve ser revogada a Sentença recorrida;

xxviii. O Recorrente, após o dia 23 de Novembro de 2011, apresentou-se no seu local de trabalho, ou seja, na sede da Recorrida, para prestar as suas funções, inclusivamente as funções de gerente, no que foi impedido pelos sócios e pelos outros gerentes – vide o depoimento da testemunha que acima se encontra transcrito;

xxix. Foi agendada uma assembleia-geral com a seguinte ordem de trabalhos: deliberar sobre a destituição do gerente A...;

xxx. Correspondesse à verdade que o Recorrente tinha renunciado à gerência, ou que aquela comunicação tinha efeitos imediatos, e não seria necessário convocar uma assembleia-geral para deliberar a destituição;

xxxi. Também têm de ser dados como “Não Provados” os factos constantes dos pontos 35. e 36. da Sentença recorrida;

xxxii. Fundamenta ainda a Meritíssima Juíza a sua decisão no facto de o Autor colocar os seus interesses pessoais à frente dos interesses da Sociedade.

xxxiii. Ora tal alegação não tem qualquer fundamento legal, dado que não se fez prova de quaisquer financiamentos à Sociedade, ou que esses eventuais financiamentos para aquisição de máquinas teriam que ser avalizados pelas gerentes;

xxxiv. Não fazendo sentido os gerentes em funções darem o aval pessoal num financiamento a crédito à Sociedade, dando o seu património pessoal como garantia, por obrigações que viriam a ser cumpridas por outra gerência que viesse a ser nomeada nos anos seguintes;

xxxv. Considerando que a Sociedade Ré tem uma rotatividade nas funções de gerência;

xxxvi. O Autor levou à discussão nessa reunião que daria o seu aval pessoal nos financiamentos para aquisições das referidas máquinas, caso também fosse dado aval por todos os sócios da Sociedade;

xxxvii. Ao que estes negaram peremptoriamente assumir tal compromisso;

xxxviii. Toda a estratégia montada pelos sócios da Ré tinha apenas como único objectivo verem-se livres da gerência desempenhada pelo aqui Recorrente, pelo que também por esta via deve ser revogada a sentença recorrida.

xxxix. Lendo atentamente a decisão recorrida verifica-se que não se indica nela um único facto concreto susceptível de revelar, informar e fundamentar a real e efectiva situação, do verdadeiro motivo do não deferimento da pretensão do Recorrente;

xl. Deixando a Meritíssima Juiz de se pronunciar sobre algumas questões que são essenciais à boa decisão da causa, nomeadamente as acima expostas.

Imputando à sentença apelada violação do disposto nos art.ºs 154º, 186º, nºs 1 e 2, 200º, nº 2, 278º, nºs 1, al. e) e 3, 810º, 577º, al. b e e), 615º, als b), c) e. d), 662º, 712º, do C.P.C; Artigo 270º, 272º, 273º, 275º, 342º e 374º do C.C; Artigo 258º, do C.S. Comerciais e art.ºs 13º, 20º, 202º, 204º, 205º, nº 1, da C.R.P., requer a final a sua revogação.

A apelada contra alegou doutamente e, chamando a atenção para o deficiente cumprimento, por banda do apelante, do ónus de formular conclusões, pugnou naturalmente pela improcedência do recurso.

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Assente que pelas conclusões se define e delimita o objecto do recurso, são as seguintes as questões suscitadas pelo recorrente:

i. indagar se a decisão apelada padece do vício da nulidade, por violação do disposto nos art.ºs 154.º e  615.º, n.º 1, nas suas als. b), c) e d);

ii. determinar se a decisão apelada violou os normativos dos art.ºs 13.º, 20.º, 202,º, n.º 2, 204.º e 205.º da CRP.

iii. indagar se ocorreu erro de julgamento, devendo ser eliminados do elenco dos factos assentes os ali consignados sob os n.ºs 26. 35. e 36.;

iv. determinar o fundamento da cessação de funções de gerência, designadamente se o autor/recorrente foi destituído sem justa causa, havendo lugar ao pagamento da reclamada indemnização, acrescida da remuneração atinente ao mês de Dezembro e subsídio de Natal correspondente.

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i. da nulidade da decisão

Razões de precedência lógica impõem que se inicie o conhecimento das questões elencadas pela invocação da nulidade da decisão apelada.

O recorrente imputa à decisão recorrida o vício extremo da nulidade, por violação do disposto nas als. b), c) e d) do n.º 1 do art.º 615.º do CPC. Todavia, a despeito da invocação da al. c), atinente à contradição entre os fundamentos e a decisão, nada alega a este respeito, acusando apenas a falta de fundamentação (de facto e de direito) da decisão e ainda a omissão de pronúncia quanto a questões que haviam sido submetidas à cognição do Tribunal, isentando-se todavia de identificar quais as questões cuja apreciação foi omitida.

Como é bom de ver, se o recorrente imputa à sentença diversas nulidades, mas não as concretiza, situando-as e identificando-as tendo por referência os concretos fundamentos dela constantes, fica este Tribunal de recurso impedido de as apreciar, por não lhe caber escrutinar a decisão tendo em vista a identificação de eventuais vícios de que padeça, já que as nulidades taxativamente elencadas no art.º 615.º não são de conhecimento oficioso. Por assim ser, é inconsequente a mera invocação d al. c) do n.º 1 do art.º 615.º -nela se prevendo como causa de nulidade da sentença a oposição entre os fundamentos e a decisão- se não se aponta a contradição em que o julgador incorreu. Do mesmo passo, se não se identifica, dentre as questões suscitadas, qual ou quais não foi(ram) objecto da decisão, não cabe a este Tribunal tentar adivinhar a que é que o apelante pretende referir-se.

Não obstante, sempre se dirá que não se verifica qualquer contradição entre os fundamentos e a decisão, nem tão pouco omissão de pronúncia.

A contradição a que alude a al. c) do n.º 1 do convocado art.º 615.º ocorre quando os argumentos alinhados em suporte da decisão repelem o resultado que nela se expressou, o que não ocorre claramente na decisão recorrida. Na verdade, tendo a Mm.ª juíza “a quo” considerando como válida e eficaz a declaração de renúncia à gerência efectuada pelo apelante, tendo ainda apreciado a título subsidiário a justeza da destituição do cargo, dando assente, por último, a ausência de prejuízos (entendimento que o recorrente, de resto, aqui não põe em causa), teria logicamente que concluir, como concluiu, em total coerência, pela improcedência da acção. Nenhuma contradição, portanto, existe entre os fundamentos e a decisão.

A nulidade prevista na al. d) sanciona o incumprimento do preceituado no n.º 2 do art.º 608.º, preceito nos termos do qual “o juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras; não pode ocupar-se senão das questões suscitadas pelas partes, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras”.

Refira-se, a propósito do aqui preceituado, que com as questões de facto e de direito sobre as quais o Tribunal há-de necessariamente pronunciar-se não se confundem os meros argumentos ou razões invocadas pelas partes para convencer da bondade da sua tese, não integrando a nulidade constante da al. d) do preceito a que nos vimos reportando a falta de discussão de algum do argumentário expendido.

No caso em apreço reclamava o ora apelante indemnização por ter sido destituído por justa causa e o pagamento do salário atinente ao mês de Dezembro de 2011, acrescido do proporcional do subsídio de Natal. A ré sociedade contrapôs ter sido o autor quem renunciou à gerência, mais tendo alegado que, em todo o caso, a considerar-se ter o mesmo sido destituído, o foi com justa causa, para além de que não sofreu qualquer prejuízo decorrente de tal destituição. E cada uma das questões enunciadas foi com proficiência tratada na decisão recorrida, a descontento do apelante, é certo, mas sem qualquer omissão que aqui cumpra colmatar.

No que concerne à nulidade decorrente da falta de fundamentação, impõe o art.º 154.º do CPC ao juiz que fundamente as decisões proferidas sobre qualquer dúvida suscitada no processo ou qualquer pedido controvertido (vide n.º 1). Em consonância com tal dever de fundamentação, as sentenças são nulas quando não especifiquem os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão (vide al. b) do art.º 615.º do mesmo diploma legal.

O dever de fundamentação das decisões corresponde a uma exigência constitucional (cf. art.º 205.º, n.º 1 da CRP) e, sendo um instrumento legitimador da própria decisão -quanto mais persuasivo for o seu discurso, mais facilmente será convencido o seu destinatário e acatado o seu conteúdo-, constitui ainda garantia da efectividade do direito ao recurso. Todavia, conforme sem dissêndio vem sendo entendido -entendimento que mantém plena actualidade face à redacção da al. b) do art.º 615.º agora em vigor, uma vez que reproduziu, sem alterações, a disposição cessante, antes contida na al. b) do n.º 1 do art.º 668.º do CPC- só a absoluta, que não a deficiente ou pouco persuasiva fundamentação, recai na previsão legal.

Assim, para que se verifique o vício da falta de fundamentação, exige a lei que tenham sido de todo omitidas as razões (de facto e/ou de direito) que conduziram à prolação daquela concreta decisão (v., por todos, aresto do STJ de 15/12/2011, processo n.º 2/09.9 TTLMG.P1S1 e desta mesma Relação de 17/4/2012, processo n.º 1483/09.9 TBTMR, ambos disponíveis em www.dgsi.pt).

Revertendo o caso dos autos, basta ler a decisão proferida para concluir que a mesma não padece do imputado vício, uma vez que a Mm.ª juíza “a quo”elencou com clareza e precisão os factos por si julgados assentes com relevância para a questão a decidir, tendo justificado a sua convicção, e explicitou com clareza as razões de direito pelas quais julgou válida e eficaz a renúncia, justificada a destituição e indemonstrada a existência de quaisquer prejuízos. Daí que a decisão proferida não padeça do vício da falta de fundamentação, que pressupõe, como se disse, a sua absoluta ausência.

Dá ainda o recorrente como violadas as disposições contidas nos art.ºs 186º, nºs 1 e 2, 200º, nº 2, 278º, nºs 1, al. e) e 3, 810º e 577º, al. b e e), todos do CPC. A este respeito impõe-se chamar a atenção para o óbvio: só se verifica violação de determinado normativo se o mesmo foi indevidamente aplicado ou omitida a sua aplicação, quando devida. E nenhuma destas hipóteses se verifica no caso vertente, tendo-se o recorrente limitado a invocar a violação de disposições legais dispersas, sem qualquer rigor, tratando-se de preceito que se ocupa da ineptidão da petição inicial (o art.º 186.º), da oportunidade do conhecimento das nulidades (o art.º 200.º, n.º 2), dos casos de absolvição da instância (o art.º 278.º), do acordo global no âmbito do processo executivo (o art.º 810.º), e das excepções dilatórias (o art.º 577.º), matérias que nada têm a ver com o que se discute nos presentes autos.

Improcede, pelo exposto, a arguição das imputadas nulidades.

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ii. Com a mesma reprovável falta de rigor que presidiu à arguição das nulidades, vem o apelante invocar a violação de diversos preceitos constitucionais, a saber, os constantes dos art.ºs 13.º, 20.º, 202.º, n.º 2, 204.º e 205.º, todos da CRP.

No que se reporta à invocação do princípio da igualdade, consagrado no art.º 13.º na CRP, não se vê -nem o recorrente o diz- em que dimensão terá resultado violado pela decisão recorrida, afigurando-se completamente destituída de sentido tal imputação de inconstitucionalidade.

Epigrafado de “acesso ao direito e tutela jurisdicional efectiva”, proclama o art.º 20.º que “a todos é assegurado o acesso ao direito e aos tribunais para defesa dos seus direitos e interesses legalmente protegidos, não podendo a justiça a ser denegada por insuficiência de meios económicos” (cf. n.º 1). Emanação deste princípio é a garantia de um processo equitativo, que se concretiza na igualação das partes, seja em termos de garantia do contraditório, seja dos meios de defesa colocados à disposição de cada uma.

No artigo 20.º da Constituição está assim consagrado "o direito a uma solução jurídica dos conflitos, a que se deve chegar em prazo razoável e com observância de garantias de imparcialidade e independência, possibilitando-se, designadamente, um correcto funcionamento das regras do contraditório, em termos de cada uma das partes poder deduzir as suas razões (de facto e de direito), oferecer as suas provas, controlar as provas do adversário e discretear sobre o valor e resultado de umas e outras" (cf., entre outros, Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 540/97, acessível no site do itij www.dgsi.pt).

No caso em apreço, verifica-se ter sido dado pleno cumprimento ao contraditório, tendo-se o requerido pronunciado sobre cada um dos requerimentos apresentados pela contraparte e meios de prova por esta oferecidos, tendo-lhe sido dada a oportunidade, de que se prevaleceu, de produzir os meios de prova tidos por pertinentes. Daí que não se verifique a violação do aludido princípio constitucional.

Dá o apelante ainda como violada a norma contida no n.º 2 do art.º 202.º, que assim dispõe: “Na administração da justiça incumbe aos tribunais assegurar a defesa dos direitos e interesses legalmente protegidos dos cidadãos, reprimir a violação da legalidade democrática e dirimir os conflitos de interesses públicos e privados”.

Não nos diz o recorrente em que medida e porque é que tal preceito teria resultado inobservado, sendo certo, porém, que do compulso dos autos ressalta ter sido dirimido o conflito de interesses que opunha as partes. Não foi reconhecida razão ao apelante, é um facto, mas o litígio foi dirimido, assim resultando observado o aludido preceito constitucional.

No que concerne à violação do art.º 204.º, segundo o qual “Nos feitos submetidos a julgamento não podem os tribunais aplicar normas que infrinjam o disposto na Constituição ou os princípios nela consignados”, por mais abrangente que seja a sua formulação, tal não isenta o alegante, como é óbvio, de indicar a norma de cuja aplicação decorreria a violação de disposição constitucional ou princípio na constituição consagrado. Tal ónus não o cumpriu o recorrente, o que nos dispensa de quaisquer considerandos suplementares.

Por último, e quanto à violação do art.º 205.º, que consagra o dever de fundamentação das decisões judiciais, já se disse quanto foi tido por pertinente, não se verificando violação do apontado preceito constitucional.

Sintetizando, não violou a decisão recorrida qualquer preceito da CRP ou princípio constitucionalmente consagrado.

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iii. da impugnação da matéria de facto

Conforme ónus imposto pelo artigo 640.º do NCPC (que reproduz o anterior artigo 685.º-B do CPC), querendo impugnar a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição, os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados; os concretos meios probatórios, constantes do processo ou do registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida; e, finalmente, a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas (cf. als. a), b) e c) do n.º 1 do preceito).

Consoante dispõe o n.º 2, no caso previsto na al. b) do número anterior, quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respectiva parte, indicar com exactidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos extractos que considere relevantes.

Nos presentes autos colocou o recorrente em causa, para além do mais, a correcção do julgamento no que respeita aos pontos da matéria de facto elencados na sentença recorrida sob os pontos 35. e 36., que pretende ver eliminados, por não provados. Todavia, em parte alguma procedeu o apelante à indispensável indicação dos concretos meios probatórios que, em seu entender, determinariam a pretendida alteração, limitando-se singelamente a afirmar deverem “ser dados como não provados os factos constantes dos pontos 35. e 36. da sentença recorrida, o que desde já e aqui se requer”. Ora, como resulta manifesto do que vem de se expor, não basta requerer pelo que, não tendo validamente impugnado os aludidos pontos da matéria de facto, não há que conhecer, nesta parte, do recurso interposto.

O recorrente pugna ainda pela eliminação do elenco dos factos assentes da matéria constante do ponto 26. da sentença recorrida, que, em seu dizer, resultaria infirmada pelo teor do testemunho prestado por C..., nomeadamente nas passagens que identifica e transcreve,

Antes de mais, cumpre precisar que no âmbito do despacho de condensação a que procedeu, fez a Mm.ª juíza titular do processo ingressar no elenco dos factos assentes sob a al. N), reportando-se à acta da assembleia geral realizada no dia 23 de Novembro de 2011 aludida em M): “Mais consta do ponto 2) da citada acta que «Foi deliberada a questão em causa e após ampla discussão, o Sr. A..., na qualidade de gerente, pretendeu passar a associar um pedido de aumento do seu vencimento a partir do próximo mês de Fevereiro de 2012, como contrapartida para o aval à aquisição da K... Tal proposta, porque de manifesta índole chantagista, foi reprovada por unanimidade pelos presentes. Imediatamente após, o Sr. A... informou que cessaria desde logo e com efeitos imediatos as suas funções como gerente. Os demais presentes declararam expressamente que aceitavam a renúncia de gerente pelo Sr. A...».

Para assim considerar, a Mm.ª juiz “a quo” baseou-se no documento junto pela ré com a contestação, a fls. 58-59 do PP, designado de “Acta n.º 7”, alegadamente respeitando a assembleia de reunião extraordinária que teve lugar no dia 23 de Novembro de 2011, e isto não obstante o autor o ter impugnado, acusando de falsa a rubrica que constava da 1.ª página (cf. art.º 40.º da réplica).

Todavia, já em fase de julgamento, viu-se a Mmª juíza confrontada com a junção, pelo próprio autor, de uma diferente versão da 1.ª página da dita acta (cf. fls. 219/220), da qual consta, em relação ao mesmo Ponto Dois: “Foi debatida a questão em causa e, após larga discussão, o Gerente Sr. A... aproveitou para associar à questão inicial o pedido de aumento de salário a partir do mês de Fevereiro do próximo ano, sendo reprovado por unanimidade dos presentes; o mesmo Sr. A... informou que não fará parte da gerência a partir de Fevereiro do próximo ano nessas condições; foi proposto pela maioria presente a possibilidade de assumirem a gerência apenas dois dos actuais gerentes; o SR. A... suspendeu entretanto a renúncia pedida anteriormente até consulta da sua representada; Os Sócios não aceitaram e deliberaram que o gerente em causa cessa funções com efeitos imediatos de todas as actividades na empresa, com aprovação pela maioria dos presentes”.

A respeito, ouvida a dita testemunha C..., esclareceu que o documento em causa foi elaborado no decurso da reunião e serviria depois de base à elaboração da acta dita oficial, que no caso se terá atrasado devido ao facto -pelo menos assim foi entendido pelos demais- da sócia E..., que havia outorgado procuração a favor do autor, ter deixado de estar devidamente representada. Acrescentou ainda que, estando incumbido da elaboração das actas, ia redigindo à medida que a reunião se desenrolava, imprimia quanto havia escrito e lia aos presentes; se não estivessem de acordo quanto à redacção, voltava a alterar e a imprimir até chegarem a uma versão final, que era assinada por todos os presentes na última folha, sendo as primeiras rubricadas apenas pela testemunha. Tal procedimento, atribuiu-o à ignorância sobre a necessidade de todos os presentes rubricarem as folhas anteriores à da assinatura, acrescentando ainda que, do seu ponto de vista, o documento não tinha qualquer valor.

Face ao assim declarado, e na incerteza sobre qual das versões juntas aos autos, no que respeitava à primeira página da dita acta, era a prevalecente, deu a Mm.ª juíza de julgamento como assente quanto constava desta última - facto vertido no ora impugnado ponto 26., cuja redacção é, como se vê, diferente daquela que constava da antiga al. N), que tinha tido origem na versão da acta originariamente junta com a contestação. E justificou do seguinte modo a sua opção:

“De facto, não obstante a problemática referente à acta nº 7, que aparece nos autos com duas versões diversas no que se refere à sua primeira folha (do que se conclui que alguém usou nos autos uma versão falsa de tal documento, entendido como aquele que por todos foi subscrito e correspondente à versão final da acta interna da reunião havida a 23.11.2011), foi o próprio A. que juntou aos autos uma dessas versões e analisando ambas dessa análise constata que alguns factos ali estão relatados da mesma forma e um deles é precisamente o facto de o A. ter associado a aceitação do aval a uma exigência de um aumento do seu salário a partir de Fevereiro do ano seguinte, o que se teve como posição confessória desse mesmo facto que se tem por desfavorável relativamente à sua pretensão deduzida nos autos e aos factos alegados em ordem à sua sustentação, pelo que se consignaram os factos correspondentes.

Na realidade, sobre o que exactamente se passou nessa reunião, embora os depoimentos das testemunhas arroladas pela R. tenha sido mais ou menos unívocos no que se refere ao facto de ser a acta junta pela R. aquela que traduz a versão final do que se passou na dita reunião, aqui existe contradição entre as posições das partes nessa matéria e sendo dessa forma não se encontra também justificação para nas mãos do A. aparecer uma versão diversa da acta em referência e que, curiosamente é aquela que melhor defende a sua posição nos autos, enquanto que nas mãos da R. aparece uma outra que, aparenta mais favorável à tese da R., nesta matéria e mais desfavorável ao A., até porque em si se contém a tese de que o A. havia renunciado à gerência com efeitos imediatos, sem qualquer ressalva.

A dúvida sobre o que se passou efectivamente não conseguiu o Tribunal esbatê-la não obstante os esforços feitos nesse sentido, motivo pelo qual se consignou apenas a versão da acta junta pelo A., não porque se tivesse concluído ser ela a verdadeira, mas apenas e só porque ainda que tendo apenas o teor da mesma, se entendeu que o mesmo continha em si a admissão de factos desfavoráveis à versão factualmente carreada para os autos pelo A. e logo, a respectiva junção assumia relevo de confissão.

É que a dita acta nesta versão junta pelo A. tem, ao contrário do que o mesmo dizia, uma postura no sentido de renunciar voluntariamente ao cargo de gerente, embora com efeitos a partir de Fevereiro seguinte e embora dizendo mais tarde ter “suspendido” a renúncia apresentada anteriormente até consulta da sua representada, quando o próprio dizia nunca ter renunciado ao cargo e manter-se em legítimas funções à data em que veio a ser destituído por deliberação de 7.3.2012.

Refira-se, aliás, que já a própria posição do A. em sede de petição é algo equívoca no que tange a estes factos, na medida em que embora na sua versão só tenha sido destituído em Março de 2012 é ele próprio que apenas pretende a atribuição do salário de Dezembro (e não até Março de 2012), dando a entender que também ele considerou cessadas as suas funções antes da alegada destituição”.

Ora, atento o teor da acta que pelo próprio autor foi junta como sendo aquela que espelhava a realidade do ocorrido na reunião que teve lugar no dia 23 de Novembro, e independentemente do Tribunal não se ter convencido de que se tratava efectivamente da versão final, afigura-se correcto o entendimento expresso pela Mm.ª juíza “ a quo” no sentido de se ter por confessado que o autor declarou pelo menos quanto dela consta, por se tratar de facto que lhe é desfavorável (cfr. art.ºs 373.º, 374.º e 376.º do CC). Neste contexto, afigura-se da mais perfeita irrelevância a opinião expressada pela testemunha C..., que o recorrente destaca, no sentido de não atribuir valor ao documento em causa, por se tratar de documento interno. Com efeito, para além do assim declarado não ter, em nosso entender, o sentido que o apelante lhe pretende atribuir -contextualizada a declaração, bem se compreende que a testemunha pretendia apenas distinguir entre o documento em causa e a acta, dita oficial, que, com base nele, seria posteriormente elaborada-, a verdade é que não está aqui em causa determinar se o mesmo documento vale como acta, sendo certo que se trata sempre de documento escrito assinado pelo autor.

Do que vem de se dizer resulta evidente que o depoimento prestado pela testemunha não infirma o dito facto 26., que por isso se mantém.

*

II Fundamentação

De facto

Improcedendo a pretensão modificativa do recorrente, e inexistindo fundamento para proceder à alteração oficiosa da decisão proferida sobre a matéria de facto, são os seguintes os factos a atender:

1. A Ré é uma sociedade por quotas que tem por objecto a ‘‘serração de madeiras’’.

2. É uma empresa de constituição antiga que, pertencendo originariamente a várias famílias, foi, ao longo dos tempos, tendo a prática de ser representada na gerência por elementos de várias dessas famílias, conjuntamente.

3. Para o efeito, as mesmas efectuavam entre si a designação dos elementos da sua confiança a indicar para exercer o cargo, num determinado período, por forma a representar o maior número possível delas.

4. São sócios de tal sociedade E..., F..., G..., H..., I..., J..., L..., M..., N... e N....

5. Por deliberação de 26.05.2010, tal como consta da acta nº 92 de fls. 50 e segs., no seguimento da lógica mencionada em 3. foram nomeados gerentes da Ré: A..., C... e D..., sendo que o A. era, em tal gerência, o “representante” da sócia E...e respectiva família.

6. Consta ainda de tal acta que o gerente C... seria remunerado, posto que exercia a gerência a tempo inteiro, e que os outros dois exerceriam a gerência de forma gratuita.

7. Nessa altura estava previsto que os gerentes D... e o Autor iriam dedicar-se à gerência da Ré em regime de “part-time”.

8. Tal nomeação foi registada na Conservatória de Registo Comercial competente em 11/06/2010, através da AP. 2/20100611.

9. À data da sua nomeação como gerente da R, o A. militar da marinha, pelo menos na reserva de tal instituição, e trabalhava na associação designada de “ W...” em Bajouca, Leiria.

10. Em data exacta não apurada, mas em todo o caso próxima do verão do referido ano, o A. comunicou à dita Associação que ali iria cessar funções, o que veio a acontecer em data exacta não apurada, mas em todo o caso próxima do final do mesmo ano.

11. A associação “ W...” pretendia que o autor continuasse a ser seu trabalhador após a data dita em 10.

12. O A. propôs à R. passar a estar a tempo inteiro na empresa, mediante o recebimento de remuneração.

13. Não obstante a existência de alguma controvérsia logo existente nessa altura, o R. passou a dedicar-se exclusivamente à laboração da R. (exercendo a gerência e substituindo um trabalhador entretanto reformado da empresa), tendo exigido ser remunerado por valor não inferior à do trabalhador da R com a remuneração mais elevada.

14. Os restantes sócios e gerentes da R, colocados perante tal, acabaram por anuir às exigências salariais do A, o qual passou, em data exacta não apurada, mas em todo o caso próxima de Fevereiro de 2011, a ser remunerado com a quantia mensal de € 1.000,00 (mil Euros) pelo exercício das funções de gerente.

15. Desde essa altura, e no desenvolvimento do relacionamento, passou a existir uma relação tensa entre o A. e os sócios da R. que não se incluíam na família por si representada.

16. Não obstante a existência de três gerentes, era prática ocorrerem reuniões frequentes (pelo menos mensais) entre os gerentes e os sócios, tendo em vista a tomada de decisões referentes à vida da sociedade.

17. A existência dos problemas evidenciados 14. levou a que as reuniões referidas em 15. passassem a ser traduzidas em actas internas, cuja própria redacção amiúde causava problemas e tinha várias versões.

18. Em data exacta não apurada do ano de 2011, e em todo o caso anterior a 23.11.2011, os sócios e gerentes deliberaram quanto à necessidade da R. adquirir uma designada máquina “ K...” que permitiria uma redução substancial dos custos com pessoal e um aumento em termos de produção, bem como uma melhor qualidade do produto acabado.

19. Tal equipamento permitiria alargar o leque de produtos comercializados pela Ré.

20. A Ré não dispunha de fundo de maneio ou de capitais próprios para adquirir a referida “ K...”, pelo que necessitaria de recorrer a financiamento bancário.

21. Contactadas instituições bancárias no sentido de averiguar das condições de financiamento, foi recolhida a informação de que a sua concessão estaria dependente do fornecimento de garantias pessoais (aval) por parte dos gerentes da Ré e respectivos cônjuges.

22. No decurso do desenvolvimento das diligências encetadas tendo em vista a compra, a determinada altura o A. recusou-se a anuir a tal exigência, sendo que os outros dois gerentes e respectivos cônjuges estavam na disposição de conceder o seu aval.

23. Tendo em vista resolver essa questão foi agendada uma “Assembleia de reunião extraordinária”, a qual se veio a realizar no dia 23 de Novembro de 2011.

24. Da “acta interna” então lavrada consta que tal Assembleia se realizou sem a presença da Sra. E..., que se fez representar pelo Sr. A..., sendo o ponto dois da ordem de trabalhos do seguinte teor “ Apresentação de questão do facto de um dos gerentes não ter condições para dar o aval para a aquisição da Maldisserra, que já anteriormente teria sido concedido”.

25. No âmbito de tal reunião e ao nível da discussão do ponto 2. da ordem de trabalhos, o A. exigiu, em ordem à prestação do aval solicitado, o aumento do seu vencimento para valor igual ao do gerente C..., o que foi rejeitado por todos os presentes.

26. Face a isso, o A. comunicou, pelo menos, que deixaria de fazer parte da gerência a partir de Fevereiro do ano seguinte, na sequência do que foi proposto pela maioria presente a possibilidade de a gerência passar a ser assumida apenas pelos outros dois gerentes que permaneciam em funções.

27. Após isso consta que o A. “suspendeu entretanto a renúncia pedida anteriormente até consulta da sua representada. Os sócios não aceitaram e deliberaram que o gerente em causa cessa funções com efeitos imediatos de todas as actividades na empresa (…)”.

28. De tal reunião foi lavrada acta composta de duas folhas, na última das quais o A. apôs pelo seu próprio punho a sua assinatura.

29. A primeira folha não foi rubricada por qualquer outra pessoa à excepção de C... que a elaborou.

30. A dita acta teve várias versões de conteúdo diverso.

31. Nos dias 24 e 28.11.2011 o A. compareceu na empresa.

32. No primeiro desses dias, o gerente C... depois da hora do almoço, aconselhou-o a ausentar-se, face ao clima de conflito existente, ao que o mesmo acedeu.

33. No último desses dias, o A. apresentou-se na empresa e aprestava-se para trabalhar quando compareceram no local alguns sócios da R. que o impediram de o fazer por considerarem que o mesmo tinha renunciado ao cargo, expulsando-o do local.

34. No último desses dias o A. não efectuou o registo de entrada.

35. O R. não atendia clientes e não estava habilitado a cubicar madeira, e no essencial desenvolvia funções de trabalho na empresa, substituindo um funcionário que se havia aposentado, recorrendo ao gerente C... ou aos funcionários mais antigos quando esporadicamente ficava na fábrica sem a presença daquele.

36. Os sócios e alguns trabalhadores queixavam-se que o mesmo era rude e ríspido no tratamento que lhes dispensava.

37. Em Assembleia Geral, realizada no dia 07/03/2012 e registada no livro de actas com o n.º 95 e cuja cópia se encontra a fls. 21 a 25 de teor aqui dado por reproduzido para todos os efeitos legais, foi feito constar, para além do mais, que estava presente a totalidade do capital social – estando a sócia E... representada por T... – tendo sido deliberado que “Inicialmente os sócios pretenderam ser esclarecidos da pertinência de tal ponto de ordem, que entendiam por desnecessário até porque o Sr. A... já havia apresentado, de forma voluntária, livre e espontânea, a renúncia ao cargo de gerente, em sede da reunião extraordinária do dia 23-11-2011. (…) Ainda assim, por mera cautela e mesmo preferindo pecar por excesso, para a eventualidade de alguém considerar que o formalismo constante do art. 258.º, nº 1 do Código das Sociedades Comerciais não foi cumprido, decidiram os sócios passar a deliberar sobre a destituição do Sr. A..., para a mera hipótese, teórica, da sua mencionada renúncia, eventualmente não ser legalmente admitida, até porque agora consta devidamente da Convocatória. (…) /Assim, considerando todos os factores mencionados, deliberam os sócios presentes e/ou representados na destituição do referido Sr. A..., com efeitos imediatos, tudo e sempre sem condescenderem quanto à legalidade da renúncia à gerência, por este ter apresentado em 23-11-2011”.

38. Para tal Assembleia foi enviada convocatória aos sócios da qual constava, para além do mais, como ponto 1 da ordem de trabalhos “Deliberar sobre a destituição do Gerente Sr. A...”.

39. A R. pagou ao A. todos os vencimentos até ao mês de Novembro de 2011, respectivo subsídio de alimentação, duodécimos do subsídio de férias e de Natal.

40. Em documento escrito, datado de 26 de Novembro de 2011, E... declarou que «Na qualidade de sócia da sociedade por quotas “ B..., Lda., com sede no lugar de Helenos, freguesia de Ilha, concelho de Pombal, NIPC (...) (…) constitui seu procurador, A..., casado, natural da freguesia da (...), Concelho de Pombal (…) a quem confere poderes para: A representar em quaisquer Assembleias-gerais e aí deliberar, praticar e assinar todos os demais actos como se presente fosse e no interesse da sociedade».

41. De tal procuração consta ainda que “foi lido e explicado o seu conteúdo à outorgante, que não assina por não o saber fazer, estando aposta a sua impressão digital”.

42. Tal procuração foi autenticada no dia 26 de Novembro de 2011 por P..., solicitador, cédula pessoal nº 4760, que declarou que pela dita E... lhe foi apresentado o documento que se vem de referir para autenticar, que consta de uma procuração, tendo declarado estar inteirada do seu conteúdo e que a mesma exprime a sua vontade.

43. Do dito termo de autenticação consta, ainda, que “Este termo foi lido e explicado o seu conteúdo à outorgante, que não assina por não o saber fazer, estando aposta a sua impressão digital”.

44. Consta, igualmente, que “Reconheço a assinatura do rogado de Q..., pessoa cuja identidade verifiquei por consentimento pessoal, cujo rogo foi dado na minha presença pela própria rogante E..., pessoa cuja identidade verifiquei por exibição do bilhete de identidade número (….) e, tendo-lhe lido o presente documento, a mesma declarou não saber assinar”.

45. Mais consta do citado termo “A rogo de E... por não saber assinar” e por baixo de tal afirmação mostra-se aposta uma assinatura: “ Q...”.

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De direito

Da causa de cessação de funções e do direito do autor a uma indemnização pela destituição

Como resulta do relatado, o apelante dissente da solução jurídica dada ao pleito por entender que a declaração de renúncia por si emitida não revestiu a formal legalmente prescrita, donde não produzir quaisquer efeitos; quando assim se não entenda, terá de se concluir pela sua ineficácia, uma vez que a produção dos seus efeitos ficou subordinada à verificação de uma condição -consulta da sócia sua representada- que não chegou a verificar-se; improcedendo os anteriores fundamentos, impõe-se o entendimento de que só produziria efeitos em Fevereiro de 2012, o que não se verificou, uma vez que não foi levada ao registo.

Concluindo subsistir deste modo como causa da cessação das suas funções de gerente a destituição deliberada na Assembleia-Geral que teve lugar em Março de 2012, dada a inexistência de causa que a justificasse, tem direito a haver para si a indemnização reclamada.

Vejamos, pois, da razão que lhe assiste (ou não).

A renúncia à gerência como causa de cessação das funções vem prevista no art.º 256.º do CSC, impondo a lei que a mesma seja comunicada por escrito à sociedade, tornando-se efectiva 8 dias depois de recebida a comunicação (cf. n.º 1 do art.º 258.º deste diploma).

Nos termos do n.º 2 do citado art.º 258.º, a renúncia sem justa causa obriga o renunciante a indemnizar a sociedade pelos prejuízos causados, “salvo se esta for avisada com a antecedência conveniente”.

Resulta do regime legal assim desenhado que o gerente é livre de renunciar à gerência, quer haja ou não justa causa para tanto, podendo no entanto incorrer na obrigação de indemnizar, caso a sociedade sofra prejuízos em razão da abrupta privação do contributo do renunciante. Por assim ser, quer o prazo geral de 8 dias para que a renúncia se torne efectiva consagrado no n.º 1 do citado art.º 258.º (e que vale para qualquer situação de renúncia, com ou sem justa causa), quer o dever de avisar com a antecedência conveniente (a determinar casuisticamente), são consagrados no interesse da sociedade, nada obstando a que esta torne a renúncia efectiva em momento anterior, elegendo nomeadamente um novo gerente em substituição do renunciante[1].

No caso agora em apreciação cumpre referir que a declaração de renúncia, consignada que ficou em acta interna subscrita pelo autor, satisfaz a forma escrita exigida pela lei. Com efeito, e contrariamente ao que o apelante parece pressupor, a validade da declaração não dependia da sua consignação em acta dita oficial, bastando-se com um qualquer escrito. Por assim ser, se a declaração ficou exarada em acta interna e se o declarante a subscreveu, está respeitada a exigência legal de documento escrito e plenamente provadas as declarações que lhe foram atribuídas, nos termos das disposições conjugadas dos já citados art.ºs 373.º, 374.º e 376.º do Código Civil.

Por outro lado, tendo a comunicação sido dirigida aos demais gerentes e sócios presentes, que subscreveram igualmente o documento em causa, a comunicação foi, do ponto de vista do seu destinatário, regularmente efectuada (cf. art.º 260.º, n.º 5 este do CSC), e no acto recepcionada.

Pretende no entanto o apelante que a declaração de renúncia em causa não era apta a produzir no acto os seus efeitos, conforme o entendeu a ré sociedade.

Com relevo para esta questão, apurou-se que na dita reunião, e ao nível da discussão do ponto 2. da ordem de trabalhos, o A. exigiu, em ordem à prestação do aval solicitado, o aumento do seu vencimento para valor igual ao do gerente C..., o que foi rejeitado por todos os presentes. Face a isso, o A. comunicou que deixaria de fazer parte da gerência a partir de Fevereiro do ano seguinte, na sequência do que foi proposto pela maioria presente a possibilidade de a gerência passar a ser assumida apenas pelos outros dois gerentes que permaneciam em funções (cf. pontos 25. e 26., sendo nosso o destaque).

Consoante dispõe o art.º 224.º do Código Civil, a declaração negocial que tem um destinatário torna-se eficaz logo que chega ao seu poder ou é dele conhecida, e é irrevogável depois de ser recebida pelo destinatário ou de ser dele conhecida (cf. n.º 1 do art.º 230.º do mesmo diploma legal).

No que tange ao sentido da declaração, importa atender ao disposto nos artigos 236.º a 239.º[2], o primeiro destes preceitos consagrando a teoria objectivista da impressão do destinatário. A regra é, assim, a de que o sentido decisivo da declaração negocial é aquele que seria apreendido por um declaratário normal, entendido como alguém medianamente instruído e diligente colocado na posição do real declaratário, perante o comportamento do declarante, exceptuados os casos de a este não poder ser imputado, razoavelmente, aquele sentido, ou de o declaratário conhecer a sua (do declarante) vontade real.

Tratando‑se de negócio formal, a interpretação alcançada nos precedentes termos não pode valer se não tiver um mínimo de correspondência no texto do respectivo documento, ainda que imperfeitamente expresso (art.º 238.º).

Revertendo ao caso dos autos, visto o teor literal da assinalada declaração, dela se extrai com segurança que o seu autor pretendia deixar de exercer na ré as suas funções de gerente. Aliás, considerando o contexto em que foi emitida -em reacção à não aceitação de uma exigência acabada de formular- seria este o sentido que um destinatário normal lhe atribuiria e assim foi entendida pela ré, cujos sócios presentes, que formavam maioria, de imediato propuseram que a gerência passasse a ser exercida pelos dois gerentes ainda em funções. Tal declaração da ré sociedade, lançando mão dos enunciados critérios, vale aqui inequivocamente como aceitação da renúncia.

É certo que, logo após, o autor intentou suspender os efeitos da declaração efectuada, invocando a necessidade de consultar a sócia sua representada -note-se que o apelante, conforme apurado, para além das funções de gerente, que exercia por direito próprio, tendo para tanto sido nomeado, arrogava-se poderes de representação de uma das sócias- proposta de imediato rejeitada, como se alcança do documento a que nos vimos reportando. E a verdade é que a retratação só vale se chegar ao conhecimento do destinatário ao mesmo tempo que a proposta ou antes dela -cfr. art.º 230.º, n.º 2-, o que não foi o caso. A este respeito, parece oportuno distinguir entre a renúncia, negócio jurídico unilateral, receptício, que não necessitaria de forma especial, e a comunicação, só a esta respeitando a exigência da forma escrita[3]. Deste modo, tendo o autor declarado renunciar à gerência, tal declaração, ainda que verbalmente efectuada, é válida, e como tal chegou ao conhecimento dos gerentes da ré e foi por estes aceite. Tendo sido observada a forma legalmente exigida para a comunicação à sociedade quando foi depois reduzida a escrito e o autor apôs a sua assinatura no documento, é de concluir pela sua perfeição e total eficácia.

Defende no entanto o apelante que, nesta circunstância, tendo a produção dos efeitos da declaração de renúncia sido diferida para o mês de Fevereiro, não produziu quaisquer efeitos em data anterior.

É correcto ter ficado consignado que o autor declarou que “deixaria de fazer parte da gerência em Fevereiro seguinte”, assim diferindo para essa altura a produção dos efeitos da sua renúncia.

À luz do transcrito art.º 258.º parece não sofrer contestação a possibilidade de o gerente renunciante fazer indicação, na comunicação a que se reporta o n.º 1, da data em que a renúncia se tornará efectiva, dilatando o prazo previsto no n.º 1, como forma até de obviar à produção de eventuais prejuízos, capazes de o fazerem incorrer em responsabilidade civil (cf. o n.º 2 do preceito). Afigurando-se, no entanto, que está aqui em causa primordialmente o interesse da sociedade -que, podendo não ter outros gerentes, e não tendo possibilidade de, no imediato, substituir o renunciante, veria a sua actividade paralisada- poderá sempre renunciar a esta dilação, faculdade assente no reconhecimento de que, na maior parte dos casos, não retirará qualquer vantagem do facto de ter a dirigir os seus destinos um gerente demissionário, o que será tão mais verdadeiro quanto maior for o período em causa. Por assim ser, e aceitando que a intenção do apelante fosse diferir para o mês de Fevereiro os efeitos da renúncia à gerência, afigura-se lícita a renúncia da apelada ao prazo concedido, conferindo àquela efeitos imediatos.

Por último, pretende o apelante que a circunstância da renúncia não ter sido levada a registo, mas antes a destituição posteriormente deliberada, retiraria eficácia à primeira. Incorre todavia em erro, conforme se tentará evidenciar. É que uma coisa é a eficácia da renúncia perante a sociedade ré, a quem foi regularmente comunicada; outra, diferente, a da produção dos efeitos de tal renúncia face a terceiros, só esta ficando dependente do registo (cf. art.º 14.º, n.º 2 do Código do Registo Comercial), tratando-se, como é o caso, de actos sujeitos a registo e publicação obrigatórios (cf. art.ºs 3.º, n.º1, al. m), 15.º, n.º 1, 70.º, n.º1, do CRCom. e 166.º, este do CSC). E se é facto que a renúncia do autor não tem eficácia externa, tal não invalida a produção dos seus efeitos nas relações estabelecidas entre si e a sociedade ré, sendo certo que só destas se cura nesta acção.

In extremis, parece o recorrente pretender desvalorizar a declaração efectuada, atento o contexto em que foi proferida -durante acesa discussão com os restantes sócios-, assim sugerindo a existência de um desvio entre a vontade e a declaração. Todavia, para lá de, nem ao de leve, o elenco dos factos assentes dar guarida a tal pretensão, a verdade é que, em momento algum, o recorrente invocou antes a existência de um qualquer vício que inquinasse a declaração, tratando-se assim de questão nova e por isso subtraída aos poderes de cognição deste Tribunal.

Em síntese, atenta a validade e regularidade da renúncia efectuada, prontamente aceite pela sociedade sua destinatária, o autor apelante cessou funções naquele mesmo dia 23 de Novembro de 2011, tal como correctamente foi considerado na decisão apelada. E por assim ser, nenhum direito teria a eventual indemnização, nem tão pouco à remuneração atinente ao mês de Dezembro, durante o qual não esteve já em funções.

Sem embargo, sempre se dirá que, mesmo no pressuposto de que a causa da cessação das funções de gerente que o autor vinha exercendo na apelada foi a sua destituição, deliberada na assembleia geral que teve lugar no dia 7 de Março de 2012, e independentemente de estarmos perante justa causa ou não, sempre a pretensão indemnizatória que formulou estaria votada ao insucesso.

De acordo com o artigo 256.º, do Código das Sociedades Comerciais, “As funções de gerente subsistem enquanto não terminarem por destituição ou renúncia, sem prejuízo do contrato de sociedade ou o acto de designação poder fixar a duração delas.”.

Nos termos do art.º 257.º do mesmo diploma, os sócios podem deliberar a todo o tempo a destituição de gerentes (vide n.º 1 do preceito), assim tendo a nossa lei consagrado o princípio da livre destituibilidade. Deste modo, sendo lícita a destituição dos gerentes mesmo sem invocação de qualquer causa, a existência de fundamento -justa causa, no dizer da lei- tem como efeito fundamental, para o que aqui importa, a desoneração da sociedade do pagamento de qualquer indemnização ao gerente destituído. Daí que, configurando-se como facto impeditivo daquele direito, entendamos que a sua alegação e prova é ónus que recai sobre a sociedade, nos termos do n.º 2 do art.º 342.º do Código Civil.[4]

Resulta do que se deixou exposto que, a ter operado a destituição, incumbia à ré provar que havia fundamento para tanto, não como forma de afastar a ilicitude da destituição -ainda que sem causa, trata-se, como vimos, de um acto lícito, dada a prevalência que o legislador entendeu dever conferir ao interesse societário, em detrimento do interesse pessoal do gerente em manter o cargo- mas para se exonerar ao pagamento da eventual indemnização a que houvesse lugar, tratando-se de uma forma de responsabilidade pela prática de acto lícito.

Não define a lei o que seja a justa causa, apontando, de forma genérica, que assim são tidas a violação grave dos deveres do gerente e a sua incapacidade para o exercício normal das respectivas funções (vide n.º 6 do preceito). Renunciando embora à enunciação de um critério geral ou à consagração de um elenco, ainda que não taxativo, das causas legitimadoras da destituição, não deixou a lei de associar a justa causa à violação ou incumprimento de algum dever no exercício do cargo de gerente, os quais deverão revestir uma gravidade tal que tenha como consequência a quebra de confiança dos sócios no gestor. Em qualquer das situações, a justa causa é sempre alguma circunstância ligada à pessoa ou a uma conduta do gerente e corresponderá a todo o comportamento por este assumido que inviabilize, em termos de razoabilidade, a manutenção da relação de gerência, por a sua conduta afectar gravemente o interesse social e/ou dos sócios[5].

No caso vertente, destacando o comportamento adoptado pelo apelante na dita reunião que teve lugar no dia 23 de Novembro, considerou-se na decisão recorrida ser o mesmo “violador dos deveres de lealdade para com a ré ou, pelo menos, susceptível de violar, de forma grave, a relação de confiança necessária à sua manutenção no cargo”, revelando que “colocava os seus interesses pessoais à frente dos da Ré, e mais do que zelar pelo destino da sociedade e de todos os sócios da mesma, ali estava para fazer vingar a sua visão pessoal ou a de uma das sócias ou família”. E com base em tal ponderação, assinalando ser ilegítima a conduta do demandante, visando impor à ré um aumento salarial como contrapartida da assunção da responsabilidade como avalista, concluiu-se na decisão apelada pela existência de justa causa para a destituição.

Mas o juízo de improcedência do pedido indemnizatório alicerçou-se ainda num outro fundamental argumento, tendo a Mm.ª juíza considerado que a fixação de uma indemnização dependia da prova da existência, por banda do autor, de efectivos prejuízos, prova que no caso não havia sido feita.

Com efeito, no caso da destituição “ad natum”, a dar lugar ao arbitramento de uma indemnização, como previsto no art.º 257.º, n.º 7 do CSC, discute-se se são aplicáveis os princípios gerais da responsabilidade civil, caso em que sobre o autor recai o ónus da alegação e prova dos danos efectivamente sofridos, ou se a lei se basta com a invocação da perda da remuneração devida pelo exercício da gerência. Tendo a Mm.ª juiz “a quo”, na esteira daquele que é, cremos, o melhor entendimento, considerado que ao apelante incumbia fazer prova dos prejuízos sofridos[6], ónus de que não se desincumbira, negou-lhe a concessão de uma qualquer indemnização, também com este fundamento. E a verdade é que, como se vê do teor das conclusões, o recorrente, discordando da decisão quanto à verificação da justa causa, renunciou todavia a discutir em sede do recurso esta derradeira questão, não questionando o critério perfilhado pela Mm.ª juíza “a quo”, sendo certo que, conforme evidencia o elenco factual, a tal respeito completamente omisso, não fez prova de ter sofrido quaisquer efectivos prejuízos em razão da suposta destituição. E a ausência de demonstração dos prejuízos, segundo o entendimento expresso e que se tem por correcto, sempre inviabilizaria o arbitramento de qualquer indemnização.

Atento o exposto, dada a improcedência de todos os argumentos recursivos, impõe-se manter a sentença apelada.

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III Decisão

Em face a todo o exposto, acordam os juízes da 1.ª secção cível do Tribunal da Relação de Coimbra em julgar improcedente o recurso, mantendo a sentença apelada. 

Custas a cargo do autor/recorrente.

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Maria Domingas Simões - Relatora

Nunes Ribeiro

Helder Almeida

[1] Cf. Raul Ventura, “Sociedade por quotas”, vol III, pág. 123.

[2] “A interpretação das cláusulas contratuais só envolve matéria de facto quando importa a reconstituição da vontade real das partes, constituindo matéria de direito quando, no desconhecimento de tal vontade, se deve proceder de harmonia com o n.º 1 do art. 236º do Código Civil” vide aresto do STJ de 4/6/2002, processo nº 02 A 1442, disponível em www.dgsi.pt.

[3] Neste sentido, Prof. Raul Ventura, ob. citada, págs. 122-123, entendimento igualmente acolhido no aresto da Relação de Lisboa de 24/1/2012, processo n.º 2785/08.7 TBPDL.L1-7 citado na sentença recorrida.

[4] Tal entendimento, de resto, será hoje maioritário, como se vê dos acórdãos da Rel. de Lisboa de 8/10/2009, processo n.º 132/96.L1-2 e de 7/4/2011, processo n.º 5878/08.9 TBCSC L1.2 e também do desenvolvido aresto da Rel. de Coimbra de 30/11/2010, prolatado no processo n.º 509/07.5 TBGRD.C1, com recenseamento de diversa doutrina e jurisprudência, todos disponíveis em www.dgsi.pt.

[5] Neste sentido, versando extensamente a questão, citado aresto da Rel. de Coimbra de 30/11/2000.

[6] Tal entendimento, contando embora com a voz discordante do Prof. Pinto Furtado, in “Curso de Direito das Sociedades”, 5.ª ed. pág. 369, é hoje dominante, assim o cremos, nos nossos Tribunais, como se vê dos arestos identificados na sentença apelada, podendo ainda citar-se os recentes acórdãos desta Relação de 15/1/2013, processo n.º 1796/10.7 T2 AVR.C1, e de 21/5/2013, processo n.º 160/08.2 TBPMS.C1, de que se destacam os seguintes pontos do sumário: III. A indemnização devida a gerente destituído sem justa causa deve ter como suporte a alegação e prova da existência de prejuízos. IV. Se o gerente não os alegou nem provou, não há que fixar indemnização. V. Para esse efeito não basta a simples invocação da perda da remuneração devida pelo exercício da gerência”.