Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
79/07.4GCSRT.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: ORLANDO GONÇALVES
Descritores: RECONSTITUIÇÃO DO FACTO
RECURSO SOBRE A MATÉRIA DE FACTO
ALTERAÇÃO DOS FACTOS
COMPARTICIPAÇÃO
CO-AUTORIA
Data do Acordão: 09/15/2010
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COMARCA DA SERTÃ
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: REVOGADA
Legislação Nacional: 26º E 210º DO CP, 124º,125º,127º,150º, 412º,428º E 431º DO CPP
Sumário: 1.A reconstituição do facto, como meio de prova tipicamente previsto, uma vez realizada no respeito dos pressupostos e procedimentos a que está vinculada, autonomiza-se das contribuições individuais de quem tenha participado e das informações e declarações ali prestadas.

2.Respeitada a legalidade na aquisição do meio de prova acima referido, o mesmo pode ser valorado nos termos do art.127.º do Código de Processo Penal, ainda que o arguido – que prestou informações e esclarecimentos na reconstituição do facto – em audiência de julgamento opte pelo exercício do direito ao silêncio ou não compareça à mesma audiência.

3.As contribuições do arguido para a reconstrução do facto, designadamente com a prestação oral de informações e esclarecimentos, não se confundem com a questão da leitura em audiência de julgamento das declarações anteriormente prestadas no inquérito ou na instrução. 4. O Tribunal da Relação altera a decisão da matéria de facto se, na reapreciação da prova que faz, concluir com toda a segurança que o tribunal da 1ª instância errou no julgamento dos concretos pontos de facto impugnados pelo recorrente.

5.A lei (artigo 26º do CP) na comparticipação criminosa sob a forma de co-autoria não exige que cada um dos agentes intervenha em todos os actos a praticar para obtenção do resultado pretendido, bastando que a actuação de cada um, embora parcial, seja elemento componente de todo e indispensável à produção do resultado.

Decisão Texto Integral: Relatório

            Pelo Tribunal Judicial da Comarca da Sertã, sob acusação do Ministério Público, foram submetidos a julgamento em processo comum, com intervenção do Tribunal Colectivo, os arguidos

C, filho de A e de M, natural ….e concelho de …, nascido em 22 de de 1984, solteiro, servente de pedreiro, residente …, Cernache de Bonjardim; e

J, filho de J e de MO natural …, nascido em 05 …de 1983, solteiro, pintor, residente … Proença-a-Nova,

imputando-se-lhes a prática, em co-autoria e na forma consumada, de um crime de roubo agravado, p. e p. no artigo 210.º, n.ºs 1 e 2, alínea b), com referência ao  art. 204º, n.º 2, alínea f), ambos do Código Penal, em conjugação  com o  art. 26.º, do  mesmo  Código.

A demandante «J..Filhos, Lda.» deduziu pedido de indemnização civil contra os demandados – aqui arguidos -, pedindo a sua  condenação solidária no pagamento da quantia de  € 85,00, a título de indemnização por  danos  patrimoniais, acrescida de  juros  moratórios  à  taxa  legal, desde a notificação a que  se refere  o art.78º, do C.P.P., até  integral  pagamento.

            Realizada a audiência de julgamento, o Tribunal Colectivo, por acórdão proferido a 10 de Dezembro de 2009, decidiu:

-  julgar improcedente, por não provada, a acusação pública e, consequentemente, absolver os arguidos C  e J., da  prática, em co-autoria e na  forma consumada, de um crime de roubo agravado, p. e p. no artigo 210.º, n.ºs 1 e 2, b), com referência ao  art. 204º, n.º 2, f), ambos do Código Penal; e

- julgar totalmente improcedente o pedido de indemnização civil, dele absolvendo os demandados.

            Inconformado com o acórdão dele interpôs recurso o Ministério Público, concluindo a sua motivação do modo seguinte:

1 - Por se impugnar matéria de facto, nos termos e para os efeitos do disposto no art. 412.º, n.º 3 al. a) do CPP indica-se que os pontos que, concretamente, se reputam incorrectamente julgados são todos os factos dados como não provados, titulados como os factos não provados da douta acusação pública e indicados a fls. 5, 6 e 7 do acórdão recorrido.

2 - Os arguidos C e J foram absolvidos da prática do crime de roubo agravado p. e p. pelo art.210.º, n.º 1 e 2 al. b), com referência ao art. 204.º, n.º 2, al, f) ambos do CP, pelo qual vinham acusados.

3 - A apreciação da prova feita pelo tribunal, que conduziu à matéria provada e não provada, com especial relevo para a apreciação da prova constituída pelos autos de reconstituição do crime, na sua conjugação com os demais elementos de prova produzidos, deveria merecer uma diferente conclusão.

4 - Considerou o tribunal recorrido, no que respeita à reconstituição do facto, que esta só teve lugar após a tomada de declarações aos arguidos, nessa qualidade e que a ser valorado na parte confessória era uma forma de ludibriar a proibição de prova prevista no art. 356.º, n.º 7 do CPP.

5 - Ora, o meio de prova previsto art. l50.º do CPP, tendo um valor de prova permitida em julgamento, com autonomia, pode contar com a colaboração do arguido e pode seguir-se à confissão deste. Tem ainda a vantagem de materializar e objectivar o carácter pessoal da confissão, prevenindo alterações de estratégia de defesa em audiência. (Simas Santos e Leal Henriques, no CPP anotado, 2.ª edição,1999,I Vol., pag.794).

6 - O Supremo Tribunal de Justiça tem considerado a reconstituição do facto como um meio de prova autonomizado que não impondo a participação do arguido, não a exclui, quando este se disponha a participar, não estando os órgãos de polícia criminal que tenham acompanhado a diligência pode prestar declarações sobre o modo como decorreu e os termos em que decorreu. Tais declarações do arguido ou de outros intervenientes no acto não estão abrangidos na proibição do art.356.º, n.º7 do C.P.P. ( Ac STJ de 5-1-2005, proc. n.º 04P#”/&, in www.dgsi.pt).

7 - No mesmo sentido se pronunciou o Supremo Tribunal, em, acórdão de 20-4-2006, proc. n.º 06P363, in www.dgsi.pt, especificando que os contributos verbais do arguido, para o modo como a reconstituição é feita, não se reconduz ao estrito conceito processual de declarações, por serem instrumentais em relação à recriação do facto. Mesmo que prestadas a solicitação de órgão de polícia criminal não são informações prestadas pelo arguido à margem do processo, nem conversas informais, pois que se destinam a esclarecer o auto de reconstituição, meio de prova previsto no art.150.º do CPP, de acordo com o mesmo acórdão.

8 - Não podia o tribunal recorrido considerar que o depoimento prestado pelo Cabo Chefe da GNR, J, em audiência não podia ser valorado sob pena de estar a valorar um meio de prova proibido nos termos do art. 356.º, n.º 7 do CPP, nem por esta via desvalorizar o meio de prova dos autos constituído pelos autos de reconstituição, realizados nos termos do art. 150º do CPP.

9 - À luz das regras da experiência comum a realização de um auto de reconstituição, com contributos do arguido, sempre corresponderá a uma certa e determinada confissão a apreciar pelo tribunal de acordo com as regras do art. 127.º do CPP.

10 - Nos autos foram apresentados como meios de prova dois autos de reconstituição, a fls. 36 e segs. e a fls. 40 e segs. feitos com a colaboração dos arguidos C e J, respectivamente.

11 - Tais autos foram confirmados e explicitados pela testemunha Cabo Chefe, J em audiência. (Sessão de 3/12/2009 – J -, ao minuto 3 a7).

12 - Os dois autos de reconstituição foram feitos de forma autónoma entre si, na medida em que na sua actuação os arguidos repartiram tarefas, tendo estão em locais diferentes, embora numa actuação concertada, para a prática em que decorreu.

13 - Da análise dos autos de reconstituição verifica-se que os mesmos encaixam entre si nos momentos em que são comuns e, da mesma forma, com análise conjugada com o depoimento prestado pela testemunha A - funcionário da bomba de Gasolina - verifica-se uma total coincidência com referido nos autos de reconstituição, no que a esta última diz respeito.

14 -E ainda certo que o auto de apreensão de fls, 19 e 20 (de um gorro e de uma faca) só aconteceu por espontânea colaboração do arguido C que os apresentou à GNR, sendo que tais objectos, sem terem sido reconhecidos com rigor pela funcionário da bomba (aliás, nem o poderiam ser, a nosso ver.), o certo é que foi referido por esta que o gorro e a faça usados tinham as mesmas características daqueles que foram apreendidos.

15 - Desse modo, da conjugação das diversas provas apresentadas em audiência, quer entre si, quer com as regras da experiência comum, evidencia-se a veracidade da reconstituição do crime efectuada pelos arguidos, não estando o tribunal em presença de autos de reconstituição de factos que não ocorreram ou que não podiam sequer ter ocorrido.

16 - Por acórdão de2-4-2008, proc. n.º 154/|06.1PBAVR, o Tribunal da Relação de Coimbra aceitou depoimentos de órgãos de polícia criminal que tinham recolhido declarações, cuja leitura não seja permitida, quando estes tenham também participado em auto de reconstituição e o depoimento se reporte a este meio de prova, pois que a participação do arguido no auto de reconstituição não envolve a repetição de declarações do arguido.

l7 - Os autos de reconstituição, tendo sido legalmente realizados, nos termos do art.150.º do CPP e não tendo sequer sido questionado pela defesa que os arguidos tivessem sido determinados “a participar por qualquer forma de condicionamento ou perturbação da vontade, seja por meio de coacção física ou psicológica, que se possa enquadrar nas formulas referidas como métodos proibidos enunciados no art.126.º do C.P.P.”. (Ac. STJ de 5-1-2005 atrás citado), não estamos perante provas que não sejam permitidas em audiência, nos termos dos artigos 355.º, n.º 2 e 356.º, n.º 1 al. b) do CPP.

18 - O depoimento da testemunha Cabo-Chefe da GNR ao depor sobre a matéria constante dos autos de reconstituição, bem como sobre a participação dos arguidos nos mesmos autos, não é uma forma de contornar ou de ludibriar o que dispõe o art. 356.º, n.º 7 do CPP.

19 - Ao valorar de forma diferente o Tribunal recorrido violou o que dispõem as referidas normas processuais penais e ainda o disposto nos artigos 150.º e 127.º do mesmo diploma legal.

20 - O tribunal na sua motivação apresenta um raciocínio que, ao fazer a apreciação das provas para obter os factos provados e não provados, exclui o valor dos autos de reconstituição por ter sido feito apenas após a tomada de declarações aos arguidos, nesta qualidade, bem como do depoimento do elemento de polícia criminal que neles participou, o que, a ser valorado na parte confessória consubstanciaria uma violação do disposto no art. 356.º, n.º 7 do CPP.

2l - Não fez, a nosso ver, o tribunal uma correcta apreciação ou exame crítico da prova, sempre na conjugação dos autos de apreensão e dos autos de reconstituição com a globalidade da demais prova produzida, em violação as normas citadas em conjugação com o disposto nos art. 374.º, n.º 2 do CPP, sendo nulo o acórdão nos termos do art. 379.º, n.º 1 al. a) do diploma legal.

22 - Desse modo, mostram-se incorrectamente julgados todos os factos dados como não provados da acusação pública tal como resulta titulado e indicado no acórdão recorrido a fls. 5, 6 e 7 que, de acordo com o nosso entendimento deverão ser dados como provados e o acórdão substituído por outro que considere tais factos provados e que condene os arguidos pela prática do crime de roubo pelo qual estão acusados ou então se determine a repetição do julgamento nesta conformidade.

Pelo exposto, revogando o douto acórdão recorrido nos termos sobreditos Vossas Excelências farão Justiça.

            O arguido C respondeu ao recurso interposto pelo Ministério Público pugnando pela improcedência deste, por não provado, e consequente confirmação do douto acórdão recorrido.

            Também o arguido J respondeu ao recurso interposto pelo Ministério Público pugnando pela improcedência deste, por não provado, e consequente confirmação do douto acórdão recorrido.

 

            A Ex.ma Procuradora-geral-adjunta neste Tribunal da Relação emitiu parecer no sentido da procedência do recurso, determinando-se, em face de erro notório na apreciação da prova, o reenvio dos autos para novo julgamento, nos termos do art.426.º, n.º1, do C.P.P..   

            Foi dado cumprimento ao disposto no art.417.º, n.º 2 do Código de Processo Penal, tendo o arguido J respondido ao parecer da Ex.ma Procuradora-geral-adjunta, mantendo a sua posição expressa na resposta ao recurso.

            Colhidos os vistos, cumpre decidir.

      Fundamentação

            A matéria de facto apurada e respectiva convicção constante do acórdão recorrido é o seguinte:

            Factos provados

Da acusação pública:

No dia 18 de Julho de 2007, um indivíduo dirigiu-se às Bombas de Combustível J… & Filhos, propriedade de JL

O referido indivíduo, munido de um faca que ocultava por baixo de uma capa e com um gorro que lhe tapava a cara, apenas mostrando os olhos e o nariz, dirigiu-se ao funcionário daquele estabelecimento e ordenou-lhe que lhe entregasse o dinheiro que houvesse nas gavetas.

Logo que o funcionário, de nome A, respondeu não ter dinheiro nas gavetas, o arguido apontou-lhe a faca que trazia debaixo da camisola. Perante a cominação da arma empunhada pelo dito indivíduo, o A de imediato procedeu a entrega de três envelopes que continham no seu interior dinheiro

Dois dos envelopes continham moedas e notas, no valor total de € 80,00, os quais pertenciam a A. O outro envelope continha no seu interior a quantia de € 85,00, provenientes dos últimos abastecimentos, que pertencia à Firma J… e Filhos.

Posto isto, e já na posse daqueles três envelopes, o dito indivíduo, em passo de corrida, abandonou aquele local.

Do pedido de indemnização civil (além dos provados ao nível da acusação pública):

A sociedade «J… & Filhos, Lda.», em consequência do comportamento do indivíduo, dado por assente ao nível da acusação pública,   ficou desembolsada  da   quantia  de € 85,00.

Outros factos:

São conhecidos ao arguido C os seguintes antecedentes criminais:

- Por  sentença  transitada  em julgado a 21…..2003, datada  de 06.11.2003, proferida no PCC n.º …/02.2GBSRT, do Tribunal Judicial da Sertã,  foi condenado  por  crime  de furto qualificado, na pena de 1 ano e 6 meses de prisão, e de furto simples, na pena de  6  meses de prisão, e, em cúmulo jurídico, na pena  única  de  um  ano e nove meses de prisão, suspensa na sua execução pelo período de 2 anos, já extinta;

 - Por sentença transitada em julgado a 15….2006, datada de 15.09.2006, proferida no PCS n.º…/06.4GDSRT, do Tribunal Judicial da Sertã, foi condenado por crime de condução sem habilitação legal, na pena de 80 dias de multa, à taxa diária de € 4,50, já extinta.

Este arguido possui o 6º ano de escolaridade.

Durante a frequência do 2º ciclo, por comportamentos disfuncionais por parte do arguido C, foi o mesmo institucionalizado na Casa do Gaiato no Porto, por ter praticado pequenos ilícitos.

Não possui hábitos de trabalho consistentes.

Por volta dos seus 24 anos, iniciou o consumo de drogas duras, bem como substâncias etílicas.

No âmbito de processo judicial no Tribunal da Sertã, foi-lhe aplicada medida de coacção de não permanência na residência dos pais e de não contacto com a sua companheira.

O arguido, sua companheira e os dois filhos de ambos subsistem à custa  da reforma por invalidez do pai daquele e dos proventos auferidos, como empregada doméstica, pela mãe do mesmo.

Este arguido não exerce qualquer actividade profissional, nem dá mostras de o pretender fazer.

Revela limitações nas competências pessoais ao nível do  auto-controlo e resolução de problemas.

Não são conhecidos antecedentes criminais ao arguido .

Factos não provados

Da  acusação pública:

No dia 18 de Julho de 2007, cerca das 23h00, os arguidos C e J, conforme plano previamente elaborado, em conjugação de esforços e com intuito de se assenhorearem de valores que se encontrassem nas Bombas de Combustível J… & Filhos, propriedade de JL, dirigiram-se para a Rua Santa Margarida, em Proença-a-Nova, no veiculo automóvel de marca Renault, modelo … conduzido pelo segundo arguido e a este cedido temporariamente pela seguradora.

Ali chegados, o arguido J cessou a marcha do veículo junto ao Heliporto de Proença-a-Nova, tendo o arguido C saído do mesmo, seguindo a pé até às Bombas de Combustível J… e Filhos, sita na Rua...

Uma vez chegado à mencionada Bomba de Combustível, o arguido C, munido de um faca que ocultava por baixo da camisola e com um gorro que lhe tapava a cara, apenas mostrando os olhos e o nariz, dirigiu-se ao funcionário daquele estabelecimento e ordenou-lhe que lhe entregasse o dinheiro que houvesse nas gavetas.

Logo que o funcionário, de nome A, respondeu não ter dinheiro nas gavetas, o arguido apontou-lhe a faca que trazia debaixo da camisola. Perante a cominação da arma empunhada pelo arguido, o A de imediato procedeu a entrega de três envelopes que continham no seu interior dinheiro

Posto isto, e já na posse daqueles três envelopes, o arguido C, em passo de corrida, abandonou aquele local e seguiu em direcção à Rua de S. Bartolomeu, Proença-a-Nova, tendo percorrido cerca de 500 metros até à Rua da Cavaleira, rua esta que dá acesso à Zona Industrial de Proença-a-Nova, local onde o arguido J, conforme previamente combinado, o aguardava no veículo automóvel acima identificado.

Após o arguido C ter entrado no automóvel, o arguido J inverteu o sentido de marcha, voltou a passar pela Zona Industrial e seguiu em direcção a Coimbra.

Já em Coimbra, os arguidos dirigiram-se ao Bairro do lngote, tendo, com o dinheiro provindo da investida às Bombas de Combustível J… e Filhos, adquirido cocaína que dividiram em partes iguais para consumo.

Os arguidos, com a conduta acima descrita, agiram com o propósito conseguido, de, mediante a utilização da faca acima mencionada, constrangerem o funcionário daquelas Bombas de Combustível a entregar as quantias pecuniárias acima aludidas.

Os arguidos C e J, ao agirem da forma acima descrita, procederam de forma concertada e em comunhão esforços, deliberada livre e conscientemente, com o objectivo concretizado de fazerem coisa sua e dividirem entre si os valores subtraídos a A

Bem sabiam que os valores não lhes pertenciam e que aquela conduta era proibida e punida por lei.

Do pedido  de  indemnização  civil (além dos não provados ao  nível  da   acusação pública):

Nenhuns.

Provas que serviram para formar a convicção do tribunal

Factos  provados e não provados  ao  nível da  acusação pública e do pedido de indemnização civil:

A testemunha A era quem se encontrava no atendimento às bombas de combustível identificadas na matéria assente ao nível da acusação pública.

Referiu que, ao fechar das bombas, uma pessoa se lhe dirigiu, de cara tapada, com uma capa, onde escondia, parcialmente, a lâmina compatível com pertencer a uma faca. Perante o silêncio da testemunha, relativamente   ao pedido de dinheiro, o tal indivíduo insistiu pela entrega do dinheiro que estava nos envelopes em cima  da mesa, exibindo a lâmina da  arma.

A  dita  testemunha foi confrontada com a fotografia de   fls.  20, onde se  visiona  uma  faca (tal como o  gorro),  tendo respondido   que  poderiam ser esses  os  adereços usados pelo  tal   indivíduo  nas  circunstâncias de  tempo   e lugar  acima  referenciadas, mas sem  certeza, porquanto  não  chegou  sequer a  ver  o  cabo da  faca e a  lâmina, apesar do  redondo  junto ao  bico, não  tem nada  de distintivo.

No mais, esta testemunha confirmou os termos em que tal indivíduo se lhe dirigiu, bem como que levou consigo três envelopes, sendo dois deles pertencentes à própria testemunha,  com  a  quantia  total de  € 80,00,  e  um outro com  o  total de  € 85,00.

O declarante JL na  qualidade de sócio-gerente  da  demandante, apenas  declarou  ter  conhecimento  do que a testemunha  anterior,  sendo funcionário da  sociedade,  lhe  revelou, designadamente, acerca das  quantias   subtraídas pelo tal  indivíduo.

Chamado  a  depor na qualidade de testemunha,  o  Cabo-chefe  da   GNR, NIC  da Sertã,  enquanto  elemento   da  autoridade  que recebeu  uma  queixa de   furto  no interior de  um  veículo, em  finais  de  Agosto de  2007, em  diligência, encontrou  um indivíduo de  nome  «Chico»  que  lhe  contou  o  furto  das  bombas de  combustível.

Posteriormente,  esta testemunha dirigiu-se  à testemunha  A,  ainda  em  funções   na  referida   sociedade   distribuidora de  combustíveis, que  lhe  confirmou  a ocorrência dos  factos.

Após, em finais de Agosto/princípios  de Setembro de  2007, entrou  em contacto  com  o  arguido C e constitui-o, nessa  qualidade,  a  27 de Setembro  de  2007 (cfr. fls. 14), seguida  de  tomada   de  declarações como tal.

No dia  seguinte,  teve  lugar a  apreensão  documentada a fls. 19 (28-09.2007),  levada a  cabo pelo  soldado da GNR  R,  que   foi ouvido em tribunal na qualidade de testemunha, confirmando  tal  auto e acrescentando  que se limitou a apreender   objectos que  o arguido  C lhe  entregou para o efeito, de  seguida a ter prestado  declarações  no posto da  GNR.

Posteriormente, a 02.10.2007, o arguido J foi  constituído como tal e  foram-lhe tomadas declarações nessa qualidade.

A 11.12.2007, teve lugar, pelas 11 horas e 14  horas, a  «reconstituição do facto» de  acordo  com as  indicações  do arguido  C  e do arguido J, respectivamente, de  uma  forma separada.

A  este  respeito, importa  considerar  o  que  segue.

Vem sendo  considerado  que o afirmado  por   qualquer  pessoa perante   uma   testemunha   do  processo, relacionado  com a  investigação,  com os meios de prova  obtidos  e  com as   diligências  efectuadas, desde que a  testemunha  não  refira,  como  prevê a lei, quaisquer  declarações  do arguido  ou de testemunhas que  não possam ser lidas  em  audiência de  julgamento, sobretudo  aquelas   que  importem a confissão por  parte do arguido  dos ilícitos  imputados, decorra  ou não  tal assunção de  culpa  de  declarações  formais  ou de conversas informais, pode  ser   valorado   processualmente.

O  Ac.  do STJ, de 23.09.1995 (BMJ, 445, 279) ajuizou no sentido de que  as   conversas informais  no  decurso de  uma  investigação  com diversas pessoas,  designadamente  com o arguido,  e as informações daí resultantes, podem ser  valoradas e não  são  uma  forma  de  contornar  o disposto  no  art.  356º, n.º 7  do C.P.P., a menos  que  se provasse  que  o agente  investigador  agiu deliberadamente  escolher  aquele  meio  para  evitar a proibição da leitura  das  declarações em  audiência.

1. Por  seu lado,  o mesmo  STJ, no Ac. de 22.04.2004 [1],  decidiu:

“(…)  as circunstâncias descritas  permitem o  enquadramento  legal  da  actividade   investigatória  dos  órgãos  de polícia  criminal – no caso, os  agentes da  GNR -  pois o que  se  mostra   ter  acontecido  - e  é o mais  natural -  é  que os  agentes  em causa  não tenham  crido  logo na primeira declaração  confessória  do  suspeito sem a  terem testado  nomeadamente  por  confronto  com outros meios de prova, maxime a reconstituição dos  factos, pois  é  do conhecimento  comum que  há “confissões   espontâneas” que, sem, mais,  desacompanhadas  de  outros  elementos  probatórios,  não merecem a menor  credibilidade, isto é, não  são  o  bastante  para  fundar suficientemente  a  suspeita.

Daí que, certamente só  depois de  realizadas  tais  diligências  lhes tenha  surgido  “fundadamente” a suspeita  da  autoria  do(s) crime(s), tal como é   exigido pelo n.º 1, do  artigo  59º, do CPP.

E, a ser assim,  só a   partir  desse momento  - isto é,  do momento  em que a  suspeita  passou a ser  razoavelmente  fundada -  se  impunha, legalmente,  a suspensão “imediata”  do acto e a constituição  formal do   recorrente, até  então mero  suspeito, como  arguido, o que  foi  feito.

Até então, o processo de  obtenção  das   diversas declarações, incluindo  as  do então  suspeito e ora  arguido,  logrou  cobertura  legal, nomeadamente, nos artigos 55º, n.º 2, 249º, n.os  1 e 2 al. a) e b)  do  CPPenal.

Daí que – revertendo  para os autos -, ao ser inquirido o referido  Cabo-Chefe  da  GNR sobre o acontecido  nessas  diligências,  nomeadamente  no dito auto  de  reconstituição, não tenha  deposto  sobre  matérias  proibidas – factos  que lhe tenham sido transmitidos pelo arguido -, antes sobre o resultado  da  sua  percepção directa,  colhida  durante a  realização do  auto respectivo [2] [3].

Nos termos do art. 150º, do C.PPenal, “quando  houver  necessidade de determinar  se  um facto poderia  ter  ocorrido de certa  forma, é  admissível a sua  reconstituição. Esta  consiste  na reprodução, tão  fiel  quanto possível,  das  condições  em que se  afirma ou  se  supõe  ter  ocorrido o  facto e na  repetição do   modo da realização do mesmo”.

Nos termos do n.º 1 do artigo 355.º, do C.P.Penal, não valem em julgamento, nomeadamente para o efeito de formar a convicção do tribunal, quaisquer provas que não tiverem sido produzidas ou examinadas em audiência. O n.º 2 ressalva as provas contidas em actos processuais cuja leitura em audiência seja permitida, nos termos dos artigos seguintes.

O artigo 356.º, do mesmo diploma, regula a leitura permitida de autos e declarações, estatuindo o n.º 7 que os órgãos de polícia criminal que tiverem recebido declarações cuja leitura não for permitida, bem como quaisquer pessoas que, a qualquer título, tiverem participado da sua recolha, não podem ser inquiridas como testemunhas sobre o conteúdo daquelas.

A circunstância de os arguidos terem participado na reconstituição dos factos não tem o efeito de fazer corresponder esse acto a declarações suas para se concluir pela impossibilidade de valoração daquele meio de prova.

Na verdade, a reconstituição dos factos, como meio de prova, tem por finalidade verificar se um facto poderia ter ocorrido nas condições em que se afirma ou supõe a sua ocorrência e na forma da sua execução [4], ponto é que não fossem valorados como provas as revelações do arguido, nessa qualidade, feitas durante a realização dessas diligências.

E não se diga que o direito de defesa do arguido sofre qualquer redução com a produção da referida prova testemunhal, dado que esta teve lugar em audiência de julgamento, onde o arguido a poderia ter contrariado [5].

Portanto, não se pode considerar  inconstitucional, por violação das garantias de defesa do arguido, a norma constante do n.º 1, do artigo 32º, da Constituição da República [6], tomar  em conta as declarações feitas pelo arguido extraprocessualmente, em “conversas informais” ou no decurso de uma "reconstituição do facto", porque se trata de valorar depoimentos de testemunhas em audiência de julgamento.

Porém, no caso dos autos, a diligência probatória teve lugar, exclusivamente, após a tomada de declarações aos ditos arguidos, nessa qualidade, o que, a ser valorado, na parte confessória, consubstanciaria uma forma de ludibriar a proibição de  prova  prevista  no  art.  356º, n.º 7, do C.P.Penal.

Por  outro lado, ainda  que assim se  não  considerasse, a alegada confissão do arguido  C desacompanhada de qualquer outro elemento de prova, não é suficiente para fundamentar uma condenação..

Com efeito, quanto à reconstituição do facto, nos termos do artigo 150.º do C.PPenal, apenas pode servir para determinar "se um facto poderia ter ocorrido de certa forma", pelo que da espécie de reconstituição efectuada no inquérito apenas se poderia concluir que os factos poderiam ter ocorrido da  forma como o foram, mas não que efectivamente o foram. Perante tal indigência de provas, é impossível o tribunal ter a certeza de que foram os arguidos os autores dos  factos, e, na dúvida, têm que absolver-se.

Acresce que a apreensão  documentada a  fls.  19 não  constitui um  apport  probatório relativamente à  dita  reconstituição, porquanto  o reconhecimento   da testemunha Artur Neves  não  foi   conclusivo, pelas razões   acima referidas.

Portanto, fica a dúvida séria acerca da autoria dos factos por parte  dos arguidos.

A  não se decidir, em termos de facto,  desta  forma,  violar-se-ia  o princípio in dúbio pro  reo,  consubstanciado  nestes termos:  «O Tribunal a quo chegou a um estado de dúvida insanável e, apesar disso, escolheu a tese desfavorável ao arguido»[7].

Como se refere no Ac. RPt. de 28-01-2009 [8], certo é que a convicção do tribunal tanto pode assentar em prova directa do facto como em prova indiciária da qual se infere o facto a provar.

É legítimo o recurso a presunções simples ou naturais, uma vez que são admissíveis em processo penal as provas que não forem proibidas por lei (artigo 125.º do Código de Processo Penal) e o artigo 349.º do Código Civil prescreve que as presunções são as ilações que a lei ou o julgador tira de um facto conhecido para afirmar um facto desconhecido, sendo as presunções judiciais admitidas nos casos e termos em que é admitida a prova testemunhal (artigo 351.º do Código Civil).

Depois, as presunções simples ou naturais (as aqui em causa) são simples meios de convicção, pois que se encontram na base de qualquer juízo. O sistema probatório alicerça-se em grande parte no raciocínio indutivo de um facto conhecido para um facto desconhecido; toda a prova indirecta se faz valer através desta espécie de presunções.

“As presunções simples ou naturais são, assim, meios lógicos de apreciação das provas; são meios de convicção. Cedem perante a simples dúvida sobre a sua exactidão no caso concreto”[9].

A prova indiciária é uma prova indirecta, de suma importância no processo penal, pois são mais frequentes os casos em que a prova é essencialmente indirecta do que aqueles em que se mostra possível uma prova directa. Da prova indiciária induz-se, por meio de raciocínio alicerçado em regras de experiência comum ou da ciência ou da técnica, o facto probando. A prova deste reside fundamentalmente na inferência do facto conhecido – indício ou facto indiciante – para o facto desconhecido a provar, ou tema último da prova. É do facto indiciante que se infere um facto conclusivo quanto ao facto probando, juridicamente relevante no processo.

Não se pode ignorar, porém, que o recurso a este tipo de prova consente erros, na medida em que a convicção terá que se obter através de conclusões baseadas em raciocínios e não directamente verificadas e, por outro lado, um indício revela, com tanto mais segurança o facto probando, quanto menos consinta a ilação de factos diferentes. Ou seja, quando um facto não possa ser atribuído senão a uma causa – facto indiciante –, o indício diz-se necessário e o seu valor probatório aproxima-se do da prova directa. Quando o facto pode ser atribuído a várias causas, a prova de um facto que constitui uma destas causas prováveis é também somente um indício provável ou possível. Para dar consistência à prova será necessário afastar toda a espécie de condicionamento possível do facto probando menos uma. A prova só se obterá, assim, excluindo hipóteses eventuais divergentes, conciliáveis com a existência do facto indiciante.

Ora, o princípio in dubio pro reo, enquanto expressão, ao nível da apreciação da prova do princípio político-jurídico da presunção de inocência, traduz-se, precisamente, na imposição de que um non liquet na questão da prova tem de ser sempre valorado a favor do arguido – a dúvida resolve-se a favor do arguido.

Tal princípio[10], como regra de decisão da prova, é solução que resulta de um conjunto de factores em verificação cumulativa:

- Necessidade de pôr fim ao processo, com decisão definitiva que não represente, do ponto de vista da paz jurídica do arguido, uma demora intolerável;

- A inadmissibilidade da pena de suspeição;

- A opção pelo modus probandi de livre apreciação da prova ou livre convicção do tribunal, necessariamente objectivável e motivável.

- A possibilidade do surgimento de dúvidas, resistentes à prova e impeditivas da tal convicção, na verificação dos enunciados factuais abrangidos pelo objecto do processo;

- A consciência da diferença entre o processo criminal e a lide civilística, que impede a transferência para o primeiro da solução do ónus de prova, típica de um processo de partes;

- A convicção de que o Estado não deve exercer o seu ius puniendi quando não obtiver a certeza de o fazer legitimamente.

Daí que, o princípio in dubio pro reo, deve ser perspectivado e entendido, como remate da prova irredutivelmente dúbia, destinado a salvaguardar a legitimidade da intervenção criminal do poder público. O Estado não deve exercer o seu ius puniendi quando não obtiver a certeza de o fazer legitimamente.

Partindo de tais considerações, entendendo-se não ter sido produzida prova indiciária (sendo certo que a prova directa se encontra totalmente arredada) necessária ou suficientemente consistente, coerente e sólida de forma a poder o Tribunal, com recurso às ditas presunções naturais, concluir pela culpabilidade do arguido, arredando as dúvidas existente sobre a mesma, pairando uma séria incerteza quanto à sua participação/autoria dos factos. Tal estado de incerteza terá de ser valorado a favor do arguido, com aplicação do princípio in dubio pro reo [11].

No que concerne  ao pedido de  indemnização  civil, o  dado por provado  foi-o  com  base  no depoimento  da  testemunha A, que se  manteve   funcionário  da  demandante, durante  algum tempo, e, após  isso, relação de  amizade.

Os antecedentes criminais e a situação pessoal do arguido C. tiveram por fonte os CRC’s e o relatório social, respectivamente, juntos aos autos.

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O âmbito do recurso é dado pelas conclusões extraídas pelo recorrente da respectiva motivação. ( Cfr. entre outros , os acórdãos do STJ de 19-6-96 [12] e de 24-3-1999 [13] e Conselheiros Simas Santos e Leal Henriques , in Recursos em Processo Penal , 6.ª edição, 2007, pág. 103).
São apenas as questões suscitadas pelo recorrente e sumariadas nas respectivas conclusões que o tribunal de recurso tem de apreciar [14], sem prejuízo das de conhecimento oficioso .

No caso dos autos , face às conclusões da motivação do Ministério Público as  questões a decidir são as seguintes :

- se o acórdão recorrido é nulo, nos termos dos artigos 379.º, n.º 1, al. a), e 374.º, n.º 2 , do C.P.P., porquanto o Tribunal a quo não fez uma correcta apreciação ou exame crítico da prova que resulta da conjugação dos autos de apreensão e de reconstituição do facto, com os depoimentos das testemunhas A e Cabo-Chefe da GNR, para dar como não provados os factos que constam da acusação;

- se o Tribunal a quo julgou incorrectamente todos os factos dados como não provados no acórdão recorrido, pois da conjugação dos autos de reconstituição do facto, com o depoimento das testemunhas J e A , o auto de apreensão de folhas 19 e 20 e as regras da experiência comum, resulta que os mesmos factos deveriam ali terem sido dados como provados; e

- se, consequentemente, devem os arguidos ser condenados pela prática do crime de roubo pelo qual estão acusados ou determinar-se a repetição do julgamento.

            Passemos ao conhecimento da primeira questão.

A necessidade de fundamentação das decisões dos tribunais, que não sejam de mero expediente, tem consagração no art.205.º, n.º 1 da Constituição da República Portuguesa, e insere-se nas garantias de defesa de processo criminal a que alude o art.32.º, n.º 1 do mesmo diploma fundamental.

A fundamentação da sentença, e da sua falta, tem tratamento específico na lei processual penal.

Nos termos do art.379.º, alínea a) do Código de Processo Penal, é nula a sentença que não contiver as menções referidas no art.374.º, n.º 2 do mesmo Código.

O art.374.º, n.º 2 do Código de Processo Penal - para que remete o art.379.º, al. a), citado -  estabelece que , na sentença , ao relatório segue-se a fundamentação, «…que consta da enumeração dos factos provados e não provados, bem como de uma exposição, tanto quanto possível completa , ainda que concisa , dos motivos de facto e de direito , que fundamentam a decisão , com indicação e exame critico das provas que serviram para formar a convicção do tribunal .». 

A fundamentação da matéria de facto não se satisfaz com a simples indicação das provas, uma vez que se exige o exame crítico das provas que formaram a convicção do tribunal.  
Esta exigência do exame crítico das provas é um aditamento levado a cabo pela Lei n.º 59/98 de 25 de Agosto, na sequência de jurisprudência que se vinha formando sobre essa necessidade, nomeadamente pelo STJ, que interpretou aquele dever de fundamentação no sentido de que a sentença - para além de dever conter a indicação dos factos provados e não provados e a indicação dos meios de prova - há-de conter também os elementos que , em razão das regras de experiência ou de critérios lógicos , constituíram o substrato racional  que conduziu a que a convicção do tribunal se formasse no sentido de considerar provados e não provados os factos da acusação , ou seja , um exame critico sobre as provas que concorrem para a formação da convicção do Tribunal num determinado sentido .- Cfr, entre outros  acórdão do STJ , de 13 de Fevereiro de 1992 ( CJ, ano XVII , 1º , pág. 36) .
Neste sentido, se pronunciava ainda o Tribunal Constitucional, declarando inconstitucional a norma do n.º 2 do art.374.º do C.P.P.  na interpretação segundo a qual a fundamentação das decisões da matéria de facto se bastava com a simples enumeração dos meios de prova utilizados na 1ª instância , não exigindo a explicitação do processo de formação da convicção do tribunal , por entender ser violado o dever de fundamentação das decisões dos tribunais previsto no n.º1 do art.205.º da Constituição da República Portuguesa , bem como quando conjugada com a norma das alíneas b) e c) do n.º2 do art.410.º do mesmo Código , por violação do direito ao recurso consagrado no n.º1 do art.32.º da Constituição da República Portuguesa - Cfr. entre outros o Acórdão n.º 680/98 , publicado no DR, II Série , de 5 de Março de 1995 .

No dizer do Prof. Germano Marques da Silva o objectivo de tal dever de fundamentação é imposto pelos sistemas democráticos, permitindo “ a sindicância da legalidade do acto , por uma parte , e serve para convencer os interessados e os cidadãos em geral acerca da sua correcção e justiça , por outra parte , mas é ainda um importante meio para obrigar a autoridade decidente a ponderar os motivos de facto e de direito da sua decisão, actuando  por isso  como meio de autodisciplina .” - Cfr. Curso de Processo Penal” , Vol. III, 2ª ed. , pág. 294.

No presente caso, o recorrente invoca a nulidade da sentença porquanto, no seu entender, o Tribunal a quo não fez uma correcta apreciação ou exame crítico da prova que resulta da conjugação dos autos de apreensão e de reconstituição do facto com os depoimentos das testemunhas A e Cabo-Chefe da GNR, para dar como não provados os factos que constam da acusação.

Vejamos.

Da fundamentação da matéria de facto da sentença recorrida resulta que o Tribunal a quo, para dar como não provados os factos constantes da acusação, considerou que os depoimentos das testemunhas A, JL , Cabo-Chefe da GNR J e Soldado da GNR R e os autos de apreensão e de reconstituição do facto, não constituem prova suficiente de que foram os arguidos os autores dos factos a estes imputados na acusação, 

O douto acórdão não se limitou, no entanto, a indicar os meios de prova para os factos dados como não provados – bem como para os dados como provados. Indicou, ainda, o que, no essencial, terá dito de relevante cada uma daquelas testemunhas inquiridas e a sua credibilidade, bem como as razões pelas quais os depoimentos das testemunhas e os autos de apreensão e de reconstituição do facto não permitem concluir que os arguidos foram os autores dos factos, colocando o Tribunal em “… dúvida séria acerca da autoria dos factos por parte dos arguidos”.  

Na realidade, o recorrente não se insurge contra propriamente contra a ausência de fundamentação da matéria de facto, mas sim contra o exame crítico da prova nos moldes em que ficou a constar da fundamentação da matéria de facto, em especial contra a desvalorização do auto de reconstituição e a não conjugação deste com os depoimentos das testemunhas A e J e o auto de apreensão.

Tendo a sentença recorrida indicado os meios de prova que serviram para formar a convicção do tribunal, possibilitando ao Tribunal de recurso, bem como aos restantes sujeitos processuais, entender em termos lógicos e racionais, a razão pela qual o Tribunal a quo formou a sua convicção no sentido de dar como provados, e ainda como não provados, os factos que constam do acórdão, temos de concluir que consta deste o exame crítico das provas e que a decisão recorrida não padece, quanto à decisão da matéria de facto, da nulidade a que alude o art. 379.º, n.º 1, alínea a) do C.P.P., nem se mostra violado o disposto no art.374.º, n.º 2 do mesmo Código.

Assim, improcede esta questão.

            Passemos à questão seguinte.

A modificação da decisão da 1ª instância em matéria de facto só pode ter lugar, sem prejuízo do disposto no art.410.º, do C.P.P., se se verificarem as seguintes condições, enunciadas no art.431.º do mesmo Código:
  « a) Se do processo constarem todos os elementos de prova que lhe serviram de base;
     b) Se a prova tiver sido impugnada nos termos do n.º 3 do art.412.º; ou
     c) Se tiver havido renovação de prova .”.
Quando a decisão recorrida não se funda só em prova documental, pericial ou outra que consta do processo, mas ainda em prova produzida oralmente em audiência de julgamento, importa considerar, para a impugnação da matéria de facto, e por força do disposto nesta alínea b) do art.431.º do C.P.P., o estatuído  no art. 412.º, n.º3 do mesmo Código.
O art.412.º, n.º 3 do C.P.P.,  impõe ao recorrente, quando impugne a decisão proferida sobre a matéria de facto, o dever de especificar:

  « a) Os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados ;

     b) As concretas provas que impõem decisão diversa da recorrida ;
     c) As provas que devam ser renovadas.»

E acrescenta o n.º 4 deste preceito legal :
« Quando as provas tenham sido gravadas, as especificações previstas nas alíneas b) e c) do número anterior fazem-se por referência ao consignado na acta, nos termos do disposto no n.º 2 do art.364.º, devendo o recorrente indicar concretamente as passagens em que funda a impugnação.»
O tribunal procede à audição ou visualização das passagens indicadas e de outras que considere relevantes para a descoberta da verdade e a boa decisão da causa. ( n.º 6 do art.412.º do C.P.P.).

O recorrente defende que o Tribunal a quo julgou incorrectamente todos os factos dados como não provados no acórdão recorrido, pois da conjugação dos autos de reconstituição do facto, com o depoimento das testemunhas J e A , o auto de apreensão de folhas 19 e 20 e as regras da experiência comum, resulta que os mesmos factos deveriam ali terem sido dados como provados.

O recorrente indica nas conclusões da motivação os concretos factos que considera incorrectamente julgados – todos os constantes dos factos dados como não provados – e ainda, minimamente, as provas concretas que impõem decisão diversa da recorrida, sendo que, quanto à prova produzida oralmente indica as concretas passagens de gravação do depoimento da testemunha J. referência ao consignado na acta.
Deste modo, o Tribunal da Relação considera-se apto a modificar a matéria de facto fixada pelo Tribunal a quo, que o recorrente impugna, designadamente ao abrigo do disposto nos artigos 412.º, n.ºs 3 e 4 e  431.º, al. b), do C.P.P..
Importa aqui acentuar que a garantia do duplo grau de jurisdição da matéria de facto exige uma articulação entre o Tribunal de 1ª Instância e o Tribunal de recurso relativamente ao principio da livre apreciação da prova , previsto no art. 127.º do Código de Processo Penal , que estabelece que “Salvo quando a lei dispuser de modo diferente , a prova é apreciada segundo as regras da experiência e a livre convicção da entidade competente.”.

As normas da experiência são «...definições ou juízos hipotéticos de conteúdo genérico , independentes do caso concreto “sub judice” , assentes na experiência comum , e por isso independentes dos casos individuais em cuja observação se alicerçam , mas para além dos quais têm validade.» - Cfr. Prof. Cavaleiro de Ferreira , in “Curso de Processo Penal”, Vol. II , pág.300.

Sobre a livre convicção do juiz diz o Prof. Figueiredo Dias que esta é “... uma convicção pessoal -  até porque nela desempenha um papel de relevo não só a actividade puramente cognitiva mas também elementos racionalmente não explicáveis (v.g. a credibilidade que se concede a um certo meio de prova) e mesmo puramente emocionais  -  , mas em todo o caso , também ela uma convicção objectivável e motivável , portanto capaz de impor-se aos outros .”- Cfr., in “Direito Processual Penal”, 1º Vol. ,  Coimbra  Ed. , 1974, páginas 203 a 205.

O principio da livre apreciação da prova assume especial relevância na audiência de julgamento , encontrando  afloramento  , nomeadamente , no art. 355.º do Código de Processo Penal . È ai que existe a desejável oralidade e imediação na produção de prova , na recepção directa de prova.

Para respeitarmos os princípios oralidade e imediação na produção de prova, se a decisão do julgador estiver fundamentada na sua livre convicção baseada na credibilidade de determinadas declarações e depoimentos e for uma das possíveis soluções segundo as regras da experiência comum, ela não deverá ser alterada pelo tribunal de recurso.

O preceituado no art.127.º do Código de Processo Penal deve ter-se por cumprido quando a convicção a que o Tribunal chegou se mostra objecto de um procedimento lógico e coerente de valoração, com motivação bastante, e onde não se vislumbre qualquer assumo de arbítrio na apreciação da prova.

O objecto da prova pode incidir sobre os factos probandos ( prova directa ), como pode incidir sobre factos diversos do tema da prova, mas que permitem , com o auxílio das regras da experiência, uma ilação quanto a este ( prova indirecta ou indiciária).

A prova indirecta “ … reside fundamentalmente na inferência do facto conhecido – indício ou facto indiciante – para o facto desconhecido a provar, ou tema último da prova” – cfr. Prof. Cavaleiro de Ferreira, “ Curso de Processo Penal”, Vol. II , pág. 289.

Como salienta o acórdão do STJ de 29 de Fevereiro de 1996, “ a inferência na decisão não é mais do que ilação, conclusão ou dedução, assimilando-se todo o raciocínio que subjaz à prova indirecta e que não pode ser interdito à inteligência do juiz.” – cfr. Revista Portuguesa de Ciência Criminal, ano 6.º , tomo 4.º, pág. 555. No mesmo sentido, o acórdão da Relação de Coimbra, de 9 de Fevereiro de 2000, ano XXV, 1.º, pág. 51.

O recorrente, Ministério Público, considera que o Tribunal a quo julgou incorrectamente  a matéria de facto da acusação, que deu como não provada, alegando, designadamente, que não podia o tribunal recorrido considerar que o depoimento prestado pelo Cabo Chefe da GNR, J., em audiência não podia ser valorado sob pena de estar a valorar um meio de prova proibido nos termos do art. 356.º, n.º 7 do CPP, nem por esta via desvalorizar o meio de prova dos autos constituído pelos autos de reconstituição, realizados nos termos do art. 150.º do CPP..

Insurge-se o recorrente, para este efeito, essencialmente contra a fundamentação do acórdão recorrido na parte em que se menciona e conclui o seguinte: « A circunstância de os arguidos terem participado na reconstituição dos factos não tem o efeito de fazer corresponder esse acto a declarações suas para se concluir pela impossibilidade de valoração daquele meio de prova.

Na verdade, a reconstituição dos factos, como meio de prova, tem por finalidade verificar se um facto poderia ter ocorrido nas condições em que se afirma ou supõe a sua ocorrência e na forma da sua execução 4, ponto é que não fossem valorados como provas as revelações do arguido, nessa qualidade, feitas durante a realização dessas diligências.

E não se diga que o direito de defesa do arguido sofre qualquer redução com a produção da referida prova testemunhal, dado que esta teve lugar em audiência de julgamento, onde o arguido a poderia ter contrariado 5.

Portanto, não se pode considerar inconstitucional, por violação das garantias de defesa do arguido, a norma constante do n.º 1, do artigo 32º, da Constituição da República 6, tomar  em conta as declarações feitas pelo arguido extraprocessualmente, em “conversas informais” ou no decurso de uma "reconstituição do facto", porque se trata de valorar depoimentos de testemunhas em audiência de julgamento.

Porém, no caso dos autos, a diligência probatória teve lugar, exclusivamente, após a tomada de declarações aos ditos arguidos, nessa qualidade, o que, a ser valorado, na parte confessória, consubstanciaria uma forma de ludibriar a proibição de prova prevista  no  art.  356º, n.º 7, do C.P.Penal.».

Vejamos.
A reconstituição do facto, a que alude o art.150.º do Código de Processo Penal e a possibilidade de valoração em audiência de julgamento do depoimento dos órgãos de policia criminal sobre declarações do arguido prestadas aquando da reconstituição do facto, em face do disposto nos artigos 129.º e 356.º, n.º 7 do Código de Processo Penal, não é uma questão nova.
A “reconstituição do facto” encontra-se inserida no Titulo II ( Dos meios de Prova) , Livro III ( Da prova), do Código de Processo Penal.
Este meio de prova é admissível « Quando houver necessidade de determinar se um facto poderia ter ocorrido de certa forma…» ( art.150.º, n.º1, 1.ª parte do C.P.P.). « Consiste na reprodução, tão fiel quanto possível, das condições em que se afirma ou se supõe ter ocorrido o facto e na repetição do modo de realização do mesmo.» ( art.150.º, n.º1, 2.ª parte do C.P.P.).
A reconstituição do facto é uma representação da realidade suposta e, por isso, para ter utilidade pressupõe que o facto seja representado, tanto quanto possível, nas mesmas condições em que se afirma ou supõe ter ocorrido e que se possam verificar essas condições. – cfr. Prof. Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, Vol. II, edição de 1993, pág. 151. 
A representação da realidade suposta pode contar com a participação de vários intervenientes designadamente com a intervenção do arguido, pois a lei em lado algum o impede de contribuir para a reconstrução do facto.
Importante é que essa participação seja livre, fora de qualquer coacção física ou psíquica , caso em que  não poderia ser utilizada, como resulta do art.126.º do Código de Processo Penal. 
O acto de reconstituição não é um acto puramente mudo, mas feito de utilização de diversas linguagens, fundamentalmente a gestual e oral.
Da reconstituição do facto deve ser lavrado um auto, nos termos do art.99.º do Código de Processo Penal. Este auto de reconstituição pode ser completado, nos termos do art.150.º, n.º2 do mesmo Código, por documentação fotográfica e por gravações audiovisuais.
No que toca à linguagem oral utilizada na reconstituição do facto, designadamente por parte do arguido, uma posição jurisprudencial defende que esta não corresponde a “declarações” no sentido técnico-jurídico, mas a esclarecimentos ou informações dos passos que se vão desenvolvendo na reconstituição do crime, normalmente a pedido do Ministério Público ou dos órgãos de polícia criminal, como o local onde se consumou o crime e as posições que os intervenientes tinham no palco dos factos.    
Os esclarecimentos ou informações que tenham possibilitado ou contribuído para recriar as condições em que se supõe ter ocorrido o facto, diluem-se nos próprios termos da reconstituição, confundindo-se com os seus resultados.
A reconstituição do facto, como meio de prova tipicamente previsto, uma vez realizada no respeito dos pressupostos e procedimentos a que está vinculada, autonomiza-se das contribuições individuais de quem tenha participado e das informações e declarações ali prestadas.
Respeitada a legalidade na aquisição deste meio de prova, o mesmo pode ser valorado nos termos do art.127.º do Código de Processo Penal, mesmo que o arguido em audiência de julgamento tenha optado pelo direito ao silêncio ou não compareça à mesma audiência. 
As contribuições do arguido para a reconstrução do facto, designadamente com a prestação oral de informações e esclarecimentos, não se confundem com a problemática da leitura em audiência de julgamento das declarações anteriormente prestadas no inquérito ou na instrução, estas sim, não permitidas fora das situações a que alude o art.357.º do Código de Processo Penal.
Recorda-se que, nos termos do art.357.º do C.P.P., a leitura das declarações feitas antes do julgamento pelo arguido só é permitida a solicitação do próprio arguido ou para dissipar contradições ou discrepâncias entre as anteriormente feitas perante o juiz de instrução e as feitas em audiência de julgamento. 
As informações prestadas pelo arguido no acto de reconstituição não são declarações feitas à margem do processo a órgão de polícia criminal; são a verbalização do acto de reconstituição validamente efectuado no processo, e mesmo que prestadas, neste e naquele passo, a solicitação de órgão de polícia criminal ou do Ministério Público, destinam-se no geral a esclarecer o próprio acto de reconstituição, com ele se confundindo.
O art.356.º, n.º 7 do Código de Processo Penal estatui que « Os órgãos de polícia criminal que tiverem recebido declarações cuja leitura não for permitida, bem como quaisquer pessoas que, a qualquer título, tiverem participado na sua recolha, não podem ser inquiridas como testemunhas sobre o conteúdo daquelas.».
E o art.129.º, n.º1 do C.P.P. estatui, por sua vez, que « Se o depoimento resultar do que se ouvir dizer a pessoas determinadas, o juiz pode chamar estas a depor. Se o não fizer, o depoimento produzido não pode, naquela parte, servir como meio de prova, salvo se a inquirição das pessoas indicadas não for possível por morte, anomalia psíquica superveniente ou impossibilidade de serem encontradas.».     
Para a orientação jurisprudencial a que vimos fazendo referência, os depoimentos dos órgãos de polícia criminal sobre o que viram e ouviram na reconstituição do facto, designadamente através dos esclarecimentos aí prestados pelo arguido, não constituem “declarações de arguido”.
Uma vez que os esclarecimentos ali prestados são contribuições do arguido para a reconstituição do facto e se integram no meio de prova autónomo a que alude o art.150.º do C.P.P., com este se confundindo, nada obsta a que os órgãos de polícia criminal prestem depoimento sobre os termos e o modo como decorreu a reconstituição do facto.
Neste sentido, entre outros, podem consultar-se os acórdãos do STJ de 11 de Dezembro de 1996 ( BMJ n.º 462, pág. 299), de 22 de Abril de 2004 ( C.J., ano XII, tomo 2.º, pág. 165),  de 5 de Janeiro de 2005 ( CJ., n.º 181, pág. 159), de 20 de Abril de 2006, proc. n.º 06P363 ( www.dgsi.pt/jstj ), de 14 de Junho de 2006, proc. n.º 06P1574 ( www.dgsi.pt/jstj ), do Tribunal da Relação do Porto, de 12 de Dezembro de 2007 ( CJ, ano XXXII, 5.º, pág. 215) e do Tribunal da Relação de Coimbra, de 1 de Abril de 2009, no proc. n.º 91/04.5PBCTB.C1 (www.dgsi.pt/jtrc ) e de 26 de Maio de 2009 , no proc. n.º 94/07.8GBCNT.C1 ( com o presente relator e Ex.mª Adjunta).
Esta posição jurisprudencial não é pacífica, pois existe quem defenda que podem ser valorados os factos que resultem da reconstituição do facto, mas não já o que o arguido disse nessa reconstituição. 
Neste outro entendimento, as declarações do arguido anteriores à fase de julgamento estão sempre sujeitas ao regime dos artigos 356.º e 357.º do Código de Processo Penal, ainda que tenham sido produzidas a propósito da reconstituição do facto. Em consequência não podem ser valorados os depoimentos dos órgãos de polícia criminal sobre o que estes ouviram ao arguido durante a reconstituição do facto efectuada no inquérito, salvo a solicitação do próprio arguido. Os órgãos de polícia criminal só podem depor sobre os outros factos que percepcionaram directamente na diligência.
Para o acórdão do STJ de 11 de Julho de 2001, a diligência externa de indicação dos locais dos incêndios baseando-se nas declarações do arguido não podem ser valoradas quando o arguido se remeteu ao silêncio no julgamento. Existe em tal caso uma situação paralela às denominadas “conversas informais”. O resultado final a que se chega pode «…dizer-se de algum modo em contrapé com o interesse público na perseguição dos criminosos, da segurança dos cidadãos e das garantias que devem provir de um Estado de direito, bem como na confiança das instituições. Só que cabe aos tribunais agir com total independência na interpretação da lei no caso concreto…» - cfr C.J., ASTJ, ano IX, 3.º, pág. 166 e seguintes.  
Também para o Prof. Pinto de Albuquerque « As garantias de defesa e o respeito pelo direito ao silêncio impõem que as declarações do arguido feitas em reconstituição dirigida pelo Ministério Público ou pelo órgão de polícia criminal não possam ser lidas, visualizadas ou ouvidas em julgamento, salvo solicitação do arguido ( artigo 357, n.º1, al. a), e n.º2, e artigo 356, n.º8. Só as declarações prestadas pelo arguido em reconstituição dirigida pelo juiz de instrução podem ser lidas, visualizadas ou ouvidas em julgamento quando houver contradições entre elas e as declarações feitas na audiência ( artigo 357, n.º1, al.b), e n.º2, e artigo 356, n.º8).» - cfr. Comentário do Código de Processo Penal, U.C. Editora, pág. 427.  
Salvo o devido respeito, afigura-se-nos que esta última posição, que defende que o aproveitamento em audiência de julgamento de um auto de reconstituição de facto em que o arguido preste declarações feitas no inquérito ou na instrução obedece à regra do art.357.º, n.º2 do Código de Processo Penal, não atende ao facto da reconstituição de facto ser um meio de prova autónomo, colocado no Código de Processo Penal ao lado de outros meios de prova, como a prova testemunhal, as declarações do arguido ou a prova documental.
As “declarações” do arguido, que mais não são que contribuições para a descoberta da verdade, desde que livremente prestadas e enquanto indispensáveis à compreensão da reconstituição de facto, não podem deixar de ser valoradas, sob pena de este meio de prova se tornar frequentemente inútil, pois a reconstituição do facto não é um acto mudo, que possa realizar-se sem contribuições orais de sujeitos processuais.
Encontrando-se essas contribuições do arguido, em linguagem oral e gestual, integradas no auto de reconstituição, designadamente em fotografias com legendagem, temos alguma dificuldade em as equiparar às chamadas  “ conversas informais”, que são aquelas que surgem à margem do processo.
As fotos que integram os autos de reconstituição de folhas 37 a 39 e 42 a 45, seriam praticamente incompreensíveis se delas se retirasse o que os arguidos ali quiseram explicar. 

Note-se que a jurisprudência vem considerando que as declarações do arguido obtidas através de escutas telefónicas – em regra sem a sua livre colaboração e conhecimento - podem ser valoradas em julgamento mesmo que o arguido opte pelo silêncio na audiência, desde que as mesmas se encontrem transcritas em auto e juntas ao processo, pois passam a constituir prova documental, submetida ao princípio da livre apreciação - . Cfr. entre outros , os acórdãos do STJ de 5 de Fevereiro de 1998 ( CJ , STJ , ano VI , 1º pág. 192) e de 17 de Junho de 2004 ( www.stj.pt) , da Relação de Lisboa , de 12 de Janeiro de 2000 ( CJ, ano XXV, 1, pág. 135) e da Relação de Guimarães , de 19 de Maio de 2003  ( CJ, n.º 167 , pág. 299) da Relação de Coimbra, de 12 de Outubro de 2005, proc. n.º 1152/05 ( elaborado pelo presente relator) e, na doutrina , o Prof. Germano Marques da Silva  ( Curso de Processo Penal , II , 1995, pág. 163) , o Dr. Manuel Monteiro Guedes Valente  ( Processo Penal , I , Almedina , pág.409) e o Doutor em Direito  e Magistrado Carlos Climent Durán ( “La prueba penal”,  edição de Tirant lo branche , Valência , 1999 ).

Tal como as gravações das escutas telefónicas, realizadas na sequência de autorização judicial, mandadas transcrever pelo JIC em auto e juntas ao processo, são um meio de prova documental a valorar pelo Tribunal de acordo com o princípio da livre apreciação da prova, e mesmo que contenham declarações do arguido podem ser valoradas, também as contribuições do arguido consignadas em auto de reconstituição do facto, desde que prestadas livremente, podem ser valoradas, sem sujeição ao regime dos artigos 129.º e 356.º, n.º 7 do Código de Processo Penal.

Entendemos é que só podem ser valoradas as declarações do arguido indispensáveis à reconstituição do facto. Quaisquer declarações do arguido que constem do auto de reconstituição ou de gravações da reconstituição que não sejam indispensáveis à reconstituição do facto merecem o tratamento das “ conversas informais”, isto é, são tratadas como se não existissem.

Defendendo nós que os esclarecimentos prestados pelo arguido na reconstituição de facto são contribuições que se integram no meio de prova autónomo a que alude o art.150.º do C.P.P., com este se confundindo, e que nada obsta a que os órgãos de polícia criminal prestem depoimento sobre os termos e o modo como decorreu a reconstituição do facto, não podemos concordar com a parte da fundamentação da matéria de facto do acórdão recorrido que considera que tendo a reconstituição do facto tido lugar após a tomada de declarações aos arguidos, nessa qualidade, a valoração na parte confessória seria uma forma de ludibriar a proibição de prova prevista no art. 356.º, n.º 7 do CPP.

A reconstituição do facto com a contribuição de alguém que assume ter praticado um crime, apresentando instrumentos que terá sido utilizados nesse crime, para poder ser considerada livre, deve ser realizada com a constituição dela como arguido – como foi - pois só assim está informado dos direitos que lhe assistem e que integram o seu estatuto processual.

Não podia o tribunal recorrido considerar que o depoimento prestado pelo Cabo Chefe da GNR, J, em audiência não podia ser valorado sob pena de estar a valorar um meio de prova proibido nos termos do art. 356.º, n.º 7 do CPP, nem por esta via desvalorizar, ainda, o meio de prova constituído pelos autos de reconstituição, realizados nos termos do art. 150.º do Código de Processo Penal, pois não faz na fundamentação da matéria de facto o mínimo exame crítico dos autos de reconstituição do facto realizados com a intervenção dos arguidos e constantes de folhas 36 a 45.

Defende o recorrente, em seguida, que os autos de reconstituição de facto, que foram confirmados e explicitados pela testemunha J, em audiência de julgamento e encaixam entre si e, ainda, com o depoimento da testemunha A, bem como com o auto de apreensão de um gorro e de uma faca, constante folhas 19 e 20,  pelo que  das diversas provas conjugadas quer entre si, quer com as regras da experiência comum , evidencia-se a veracidade da reconstituição do crime, pelo que devem ser dados como provados os factos dados como não provados no acórdão recorrido.
Do auto de reconstituição do facto constante de folhas 36 a 39 - em que participou o arguido C e que está por ele assinado -, consta, no essencial, o itinerário que o mesmo arguido terá seguido num veículo conduzido pelo co-arguido J até ao estacionamento num parque junto ao heliporto em Proença-a-Nova e o caminho de  cerca de 600 m que realizou a pé até à cabine das Bombas de Gasolina onde abordou o funcionário que aí se encontrava e o percurso que, após sair a correr dessa cabine com o dinheiro, tomou até à Rua da Cavaleira, em direcção à zona industrial de Proença-a-Nova , onde o esperava o co-arguido no veículo automóvel, e posterior acesso ao IC 8.
O auto de reconstituição do facto constante de folhas 40 a 45 - em que participou o arguido C e que está por ele assinado - descreve, no essencial, o percurso que fez no veículo que conduzia  até ao estacionamento num parque junto ao heliporto em Proença-a-Nova, onde deixou a pé o co-arguido C e o percurso tomado até à Rua da Cavaleira, quando circulava no sentido zona industrial - Proença-a-Nova, onde parou para apanhar o co-arguido C e posterior acesso ao IC 8.

O Tribunal da Relação procedeu ainda à audição integral dos pequenos depoimentos das testemunhas J, A e R, dela resultando, no essencial, o seguinte:

A testemunha J, Cabo-Chefe da GNR, declarou que de início não teve conhecimento da queixa apresentada pela testemunha A. Quando andava a investigar um crime de furto encontrou um indivíduo na zona de Cernache do Bonjardim, de alcunha o “Chico” e que se relacionava com os dois arguidos, que lhe contou que os arguidos C e J tinham feito um roubo. Não sabia do roubo nas Bombas de Gasolina em Proença-a-Nova por ter estado de férias. Perante a informação chamou e ouviu primeiro o empregado das Bombas de Combustível, que lhe disse que apareceu um indivíduo e depois saiu depois por uma rampa que lá tem em direcção à zona industrial de Proença-a-Nova, descrevendo alguns aspectos do indivíduo.

Convocou o C para prestar declarações e tendo confessado os factos constitui-o arguido. Perguntou-lhe se ainda tinha a faca e o gorro usados e disse que sim. Quem apreendeu a faca e o gorro ao arguido C foi o Soldado da GNR D, que se deslocou para Cernache do Bonjardim a casa ou ao carro. Mais tarde, os arguidos participaram no reconhecimento dos factos, espontaneamente. Disse-lhes se queriam advogado e eles não quiseram. Esteve presente na reconstituição do facto, feita pelos arguidos em separado, descrevendo os percursos que os arguidos disseram ter feito na reconstituição, designadamente a rampa indicada pelo arguido C como local por onde fugiu e que dá acesso ao IC 8, através da zona industrial.
A testemunha A que trabalhava em Julho de 2007 nas Bombas de gasolina, da firma J…e Filhos, no lugar de .. em Poença-a-Nova , declarou, no essencial, que cerca das 23 horas de um dia daquele mês, quando estava sentado à mesa dentro do cubículo daquelas Bombas, lhe apareceu um individuo dizendo para lhe entregar o dinheiro, que tinha nas gavetas. Disse-lhe que não tinha dinheiro nas gavetas e que só tinha os três envelopes que tinha na mesa, 2 com moedas e notas e um só com notas. Nesses envelopes estavam € 85 do patrão, dos últimos abastecimentos, e € 80 eram seus, do fundo de maneio. Só viu o indivíduo a aparecer a pé. Não havia lá nenhum carro no local.

Trazia um gorro que lhe tapava parcialmente o rosto. Não viu a cara do indivíduo, só viu a boca e parte do nariz.  O gorro de folhas 20 é parecido com o que o indivíduo trazia. É do mesmo género do que consta a folhas 20; não tinha aba por baixo, para poder cobrir, com certeza, mais a cara.

Trazia uma faca tendo a ponta da lâmina de fora da capa que trazia vestida. Só trazia metade fora. A lâmina era arredondada como a que consta de folhas 20. Não a viu toda como a que consta ali. Perante a pergunta “Quer dizer que não reconheceu a faca?” respondeu “Reconheci que a ponta é desse género.”

Não tinha sotaque estrangeiro e era magro, franzino, de raça branca com pele escura, queimada. Cabelos compridos.

Quando insistiu com o pedido do dinheiro o indivíduo exibiu a ponta da faca para fora da roupa. Apontou-lhe a faca. Entregou-lhe os envelopes e o indivíduo fugiu para a parte que dá para a zona industrial de Proença-a-Nova, para onde fica a Rua de S. Bartolomeu.

Por sua vez, a testemunha R Soldado da GNR, declarou, no essencial, que viu que o Cabo Chefe J estava a ouviu o C e este lhe disse que tinha na sua posse em casa dele, perto de Cernache do Bonjardim, a faca e o gorro. O Cabo Chefe J pediu-lhe para se deslocar com o arguido Carlos a fazer a apreensão, porque ele estaria a fazer outra coisa. Foi a casa do arguido, perto de Cernache do Bonjardim, da qual já tinha conhecimento por ser já pessoa referenciada na GNR. O arguido C colaborou , entrando em casa e trazendo o gorro e a faca, que foram apreendidos.

Do exposto, resulta para o Tribunal da Relação que -  como refere o recorrente - os autos de reconstituição do facto em que participaram os arguidos, em separado, “ encaixam” um no outro. E casos existem, em que a reconstituição do facto de co-arguidos não coincidem no essencial.

Sendo certo que os autos de reconstituição do facto, só por si, são insuficientes para concluir  os factos se passaram nos termos em que os descrevem nos autos em que participam livremente,, importa realçar que a testemunha A declarou que o individuo que se apresentou perante si na cabine a exigir-lhe o dinheiro surgiu a pé, não havendo nenhum carro no local, o que coincide com o constante dos autos reconstituição dos factos, em que ambos os arguidos colocam só o arguido C a dirigir-se até à cabine das Bombas de Combustível e a pé, sem que para aí se tenha deslocado o veículo automóvel conduzido pelo arguido J..

A testemunha A declarou que o dito indivíduo que lhe exigiu o dinheiro fugiu para a parte que dá para a zona industrial de Proença-a-Nova, para onde fica a Rua de S. Bartolomeu e, na reconstituição do facto, o arguido C coloca-se a fugir para aquela zona. Na reconstituição do facto, é na via de acesso à zona industrial de Proença-a-Nova, na Rua da Cavaleira, que o arguido J posiciona o veículo que conduzia quando seguidamente apanhou o arguido C

Resulta do depoimento da testemunha R, Soldado da GNR, que o arguido C residia à data dos factos em causa perto de Cernache do Bonjardim, pelo que é perfeitamente racional que este arguido para se dirigir às Bombas de Combustível, sitas em Proença-a-Nova, não se deslocasse a pé, mas num veículo com motor e que fugisse da localidade no mesmo veículo em que para lá se transportou. Não estando estacionado qualquer veículo com motor perto das Bombas de Combustível é perfeitamente verosímil que outra pessoa esperasse o arguido C perto do local, num veículo com motor, para fugirem do local com o dinheiro do assalto, nos termos que constam dos autos de reconstituição do facto realizados com a participação dos arguidos.

Relativamente à faca e gorro apreendidos ao arguido Ca, e que este espontânea e voluntariamente facultou à GNR, depois da testemunha R se deslocar a sua casa, como esta declarou, importa mencionar que ambos os objectos apreendidos àquele foram considerados pela testemunha A como parecidos, do género dos utilizados pelo assaltante nas Bombas de Combustível.

O Tribunal recorrido desvalorizou estas declarações dizendo que a testemunha declarou “sem certeza” que os “adereços usados pelo tal individuo” poderiam ter sido os de folhas 20, “ porquanto não chegou sequer a ver o cabo da faca e a lâmina, apesar do redondo junto ao bico, não tem nada de distintivo”.

Salvo o devido respeito, não vemos o que mais de distintivo poderia ter a lâmina da faca além da redondo junto ao bico.

A faca utilizada usualmente nos assaltos e que costuma ser apreendida nos processos criminais, caracteriza-se por ser bicuda, com um bico situado no centro da lâmina, que lhe dá um grande poder letal.

A faca que consta da foto de folhas 20, apreendida ao arguido C, não é a vulgar faca que costuma ser apreendida aos assaltantes. A faca que a testemunha A declarou que é do género da faca que lhe foi apontada no assalto, tem a lâmina redonda na extremidade, como a testemunha frisou.

Quanto ao gorro apreendido e fotografado a folhas 20, não tem aba por baixo, permitindo que possa cobrir a cara do assaltante, como acontecia com o gorro do assaltante no depoimento da testemunha A

Em face da conjugação destas provas, o Tribunal da Relação, no âmbito da livre apreciação da prova e das regras da experiência comum, postulado pelo art.127.º do C.P.P., conclui, com toda a segurança, que ambos os arguidos, C e J, participaram no assalto às citadas Bombas de Combustível, pelo que mal andou o Tribunal de 1.ª instância ao ter ficado com “ dúvida séria acerca da autoria dos factos por parte dos arguidos” e ao não dar como provada a correspondente factualidade da acusação do Ministério Público.

Consequentemente, ao abrigo do disposto no art.431.º, alíneas a) e b) do Código de Processo Penal, o Tribunal da Relação altera, nessa parte a decisão da matéria de facto, que passa a ser a seguinte:

            Factos Provados:

    1. No dia 18 de Julho de 2007, cerca das 23h00, os arguidos C e J conforme plano previamente elaborado, em conjugação de esforços e com intuito de se assenhorearem de valores que se encontrassem nas Bombas de Combustível J… & Filhos, propriedade de JL, dirigiram-se para …, em Proença-a-Nova, num veiculo automóvel, cuja matrícula se desconhece, conduzido pelo segundo arguido.

   2. Ali chegados, o arguido J cessou a marcha do veículo junto ao … de Proença-a-Nova, tendo o arguido C. saído do mesmo, seguindo a pé até às Bombas de Combustível J… e Filhos, sita na Rua ...

   3. Uma vez chegado à mencionada Bomba de Combustível, o arguido C, munido de um faca que ocultava por baixo de uma capa que trazia vestida e com um gorro que lhe tapava a cara, apenas mostrando os olhos e o nariz, dirigiu-se ao funcionário daquele estabelecimento e ordenou-lhe que lhe entregasse o dinheiro que houvesse nas gavetas.

   4. Logo que o funcionário, de nome A, respondeu não ter dinheiro nas gavetas, o arguido apontou-lhe a faca que trazia debaixo da capa.

   5. Perante a cominação da arma empunhada pelo arguido, o A de imediato procedeu à entrega de três envelopes que continham no seu interior dinheiro

   6. Dois dos envelopes continham moedas e notas, no valor total de € 80,00, os quais pertenciam a A. O outro envelope continha no seu interior a quantia de € 85,00, provenientes dos últimos abastecimentos, que pertencia à Firma J… e Filhos.

   7. Posto isto, e já na posse daqueles três envelopes, o arguido C, em passo de corrida, abandonou aquele local e seguiu em direcção à Rua de S. Bartolomeu, Proença-a-Nova, tendo percorrido cerca de 500 metros até à Rua da Cavaleira, rua esta que dá acesso à Zona Industrial de Proença-a-Nova, local onde o arguido J, conforme previamente combinado, o aguardava no veículo automóvel acima identificado.

   8. Após o arguido C ter entrado no automóvel, o arguido J inverteu o sentido de marcha, voltou a passar pela Zona Industrial e seguiu em direcção a Coimbra.

   9. Os arguidos, com a conduta acima descrita, agiram com o propósito conseguido de, mediante a utilização da faca acima mencionada, constrangerem o funcionário daquelas Bombas de Combustível a entregar as quantias pecuniárias acima aludidas.  

   10. Os arguidos C e J, ao agirem da forma acima descrita, procederam de forma concertada e em comunhão esforços, deliberada livre e conscientemente, com o objectivo concretizado de fazerem coisa sua os valores subtraídos a A.

   11. Bem sabiam que os valores não lhes pertenciam e que aquela conduta era proibida e punida por lei.

   12. A sociedade «J… Lda.», em consequência do comportamento dos arguidos, ficou desembolsada da quantia de € 85,00.

   13. São conhecidos ao arguido C os seguintes antecedentes criminais:

- Por sentença transitada em julgado a 21….2003, datada de 06.11.2003, proferida no PCC n.º ../02.2GBSRT, do Tribunal Judicial da Sertã, foi condenado por  crime  de furto qualificado, na pena de 1 ano e 6 meses de prisão, e de furto simples, na pena de  6  meses de prisão, e, em cúmulo jurídico, na pena  única  de  um  ano e nove meses de prisão, suspensa na sua execução pelo período de 2 anos, já extinta;

 - Por sentença transitada em julgado a 15….2006, datada de 15.09.2006, proferida no PCS n.º ../06.4GDSRT, do Tribunal Judicial da Sertã, foi condenado por crime de condução sem habilitação legal, na pena de 80 dias de multa, à taxa diária de € 4,50, já extinta.

   14. Este arguido possui o 6º ano de escolaridade.

   15. Durante a frequência do 2º ciclo, por comportamentos disfuncionais por parte do arguido C foi o mesmo institucionalizado na Casa do Gaiato no Porto, por ter praticado pequenos ilícitos.

   16. Não possui hábitos de trabalho consistentes.

   17. Por volta dos seus 24 anos, iniciou o consumo de drogas duras, bem como substâncias etílicas.

   18. No âmbito de processo judicial no Tribunal da Sertã, foi-lhe aplicada medida de coacção de não permanência na residência dos pais e de não contacto com a sua companheira.

   19. O arguido, sua companheira e os dois filhos de ambos subsistem à custa  da reforma por invalidez do pai daquele e dos proventos auferidos, como empregada doméstica, pela mãe do mesmo.

   20. Este arguido não exerce qualquer actividade profissional, nem dá mostras de o pretender fazer.

   21. Revela limitações nas competências pessoais ao nível do auto-controlo e resolução de problemas.

   22. Não são conhecidos antecedentes criminais ao arguido J

                Factos não provados 

  a) Que o veículo automóvel referido no ponto n.º1 dos factos provados fosse de marca Renault, modelo …, e tivesse sido cedido temporariamente pela seguradora ao arguido J.

  b) Já em Coimbra, os arguidos dirigiram-se ao Bairro do lngote, tendo, com o dinheiro provindo da investida às Bombas de Combustível J… e Filhos, adquirido cocaína que dividiram em partes iguais para consumo.

Procede , nestes termos, a impugnação da matéria de facto suscitada pelo Ministério Público.

            A última questão a conhecer e decidir é se devem os arguidos ser condenados pela prática do crime de roubo pelo qual estão acusados ou determinar-se a repetição do julgamento.

A repetição do julgamento está fora de causa uma vez que não se verifica existir no acórdão recorrido nenhum dos vícios a que alude o art.410.º, n.º2 do Código de Processo Penal. 

Os arguidos C e J estão acusados da prática, em co-autoria e na forma consumada, de um crime de roubo agravado, p. e p. no artigo 210.º, n.ºs 1 e 2, alínea b), com referência ao art. 204º, n.º 2, alínea f), ambos do Código Penal, em conjugação com o art. 26.º, do mesmo Código
O art.210.º do Código Penal estatui, designadamente, o seguinte:
« 1. Quem, com ilegítima intenção de apropriação para si ou para outra pessoa, subtrair, ou constranger a que lhe seja entregue, coisa móvel alheia, por meio de violência contra uma pessoa, de ameaça com perigo iminente para a vida ou para a integridade física ou pondo-a na impossibilidade de resistir, é punido com pena de prisão de 1 a 8 anos.
2. A pena é a de prisão de 3 a 15 anos se:
   a) (…)
   b) Se verificarem, singular ou cumulativamente, quaisquer requisitos referidos nos n.ºs 1 e 2 do artigo 204.º, sendo correspondentemente aplicável o disposto no n.º4 do mesmo artigo
A alínea f), n.º2, do art.204.º, do Código Penal, para que remete a alínea b), n.º2, do art.210.º, do mesmo Código, estabelece como circunstância qualificativa do furto, « trazendo o agente, no momento do crime, arma aparente ou oculta».
O crime de roubo é um crime complexo, composto por um crime de furto, qualificado pela violência, pela ameaça ou pela colocação da vítima na impossibilidade de resistir.
Como se escreve no acórdão do STJ de 16 de Junho de 1994 ( CJ, ASTJ, ano II, 2.º, pág. 253), «…o roubo encerra, fundidos numa unidade jurídica, o furto – que é o crime fim – e o atentado contra a liberdade ou integridade física das pessoas – crime meio - …».
O objecto do crime de roubo é a coisa móvel.
Constranger é, coagir, obrigar, pressionar, afectando a liberdade pessoal do coagido. Para fins de preenchimento do tipo legal, o constrangimento reveste a natureza de uma obrigação de facere, no caso de entrega coisa móvel.
No caso da subtracção da coisa sujeita-se o coagido a um non facere, a consentir na apropriação ilegítima da coisa móvel, que passa da sua esfera dominial para a de terceiro.
O constrangimento ou a subtracção, para preenchimento do tipo, deve realizar-se por qualquer dos modos previstos no art.º 210.º, do CP., ou seja, por violência contra a pessoa, ameaça com perigo iminente para a vida ou para a integridade física do visado ou colocação na impossibilidade de resistir.

A violência e ameaça bastam-se com “ uma sugestão convincente de que tais actos ( violência ou ameaça ), nas circunstâncias, podem ocorrer” – acórdão do STJ, de 15 de Novembro de 1989 , in BMJ, n.º 391, pág. 239.

Basta criar no espírito da vítima um fundado receio de grave e iminente mal capaz de paralisar a reacção contra o agente…” - – acórdão do STJ, de 19 de Dezembro de 1989 , in BMJ, n.º 392, pág. 251.

Para o preenchimento do tipo subjectivo impõe-se a ilegítima intenção de apropriação por parte do agente e o conhecimento e vontade de praticar o facto, com conhecimento da ilicitude da sua conduta.

A qualificação do roubo pela circunstância do agente trazer no momento do crime arma aparente ou oculta, impõe que se explicite a ideia de arma que está presente no âmbito da norma.

Para o acórdão do STJ de 27 de Junho de 1996 ( CJ, ASTJ, ano IV, 2.º, pág. 201) - que tem a concordância do Prof. José de Faria Costa ( Comentário Conimbricense do Código Penal, Tomo II, Coi.Editora, pág. 81) - , arma, para fins da verificação do crime de roubo qualificado, “… é todo o objecto que tenha a virtualidade de provocar nas pessoas ofendidas ou nos circunstantes, um justo receio de virem a ser lesadas, através da respectiva utilização, na sua integridade física, mesmo que, de facto, e sem que elas o saibam, não possa cumprir cabalmente tal função, designadamente por falta de partes componentes que, nas armas de fogo ou suas imitações, sejam susceptíveis de provocar o disparo.”   

De acordo com o art.26.º do Código Penal, na comparticipação criminosa sob a forma de co-autoria, são essenciais dois requisitos: uma decisão conjunta, tendo em vista a obtenção de um determinado resultado, e uma execução igualmente conjunta.
A lei não exige, porém, que cada um dos agentes intervenha em todos os actos a praticar para obtenção do resultado pretendido, bastando que a actuação de cada um, embora parcial, seja elemento componente de todo e indispensável à produção do resultado.
No caso em apreciação, resulta dos factos provados que os arguidos C e J, em comunhão de esforços e de vontade, se irmanaram no objectivo de apropriação de valores que se encontrassem no dia 18 de Julho de 2007, pelas 23 horas, nas Bombas de Combustível de J..& Filhos, em Proença-a-Nova.

No âmbito dessa intenção de apropriação de bens que sabiam não lhes pertencerem, deslocaram-se os arguidos a Proença-a-Nova, e aí o arguido C, dirigindo-se a pé às ditas Bombas de Combustível, constrangeu o funcionário delas, A, a entregar-lhe a quantia total de € 165,00 que aí se encontrava dentro de 3 envelopes, mediante a exibição da faca examinada a folhas 48, cuja lâmina lhe apontou. Na posse das quantias de dinheiro existentes nos envelopes o arguido C entrou no veículo automóvel que o arguido J conduzia e que o aguardava não longe das Bombas de Combustível, tal como previamente combinado.

Os arguidos agiram deliberada, livre e conscientemente, com o objectivo concretizado de fazerem coisa sua os valores subtraídos a A, bem sabendo que os valores não lhes pertenciam e que aquela conduta era proibida e punida por lei.

Sendo a faca apreendida e examinada a folhas 40, um objecto que tem a virtualidade de provocar na testemunha A um justo receio de lesão através da respectiva utilização, na sua integridade física, dúvidas não restam de que os arguidos preencheram,  em co-autoria, todos os elementos constitutivos da prática dum crime de roubo, p. e p. pelo art.210.º, n.ºs 1 e 2, alínea b), com referência ao art. 204º, n.º 2, alínea f), ambos do Código Penal.

Consequentemente, importa agora proceder à escolha e determinação da medida da pena a aplicar a cada um dos arguidos.

Resulta do disposto no art.70.º do Código Penal que, como critério de orientação geral para a escolha da pena, o tribunal deve dar preferência à pena não privativa da liberdade.

Por sua vez o art.71.º do Código Penal estatui que na determinação da medida concreta da pena deve o Tribunal atender à culpa do agente e ás exigências de prevenção ( n.º1 ), bem como a todas as circunstâncias que depuserem a favor ou contra este ( n.º2).

A culpabilidade é um juízo de reprovação que se faz sobre uma pessoa , censurando-a em face do ordenamento jurídico-penal.

O facto punível não se esgota na desconformidade com o ordenamento jurídico-penal , com a acção ilícita-típica,  necessário se tornando sempre que a conduta seja culposa, “ isto é , que o facto possa ser pessoalmente censurado ao agente , por aquele se revelar expressão de uma atitude interna pessoal juridicamente desaprovada e pela qual ele tem por isso de responder perante as exigências do dever-ser sócio-comunitário.” - cfr. Prof. Fig. Dias , in “Temas básicos da doutrina penal”, Coimbra Ed., pág. 230.

As finalidades da punição vêm definidas no art.40.º , n.º1 do Código Penal  , resultando dos seus termos que “ a aplicação de penas visa a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade”.

A protecção dos bens jurídicos implica a utilização da pena como instrumento de prevenção geral , servindo quer  para dissuadir a prática de crimes , através da intimidação das outras pessoas face ao sofrimento que com a pena se inflige ao delinquente ( prevenção geral negativa ou de intimidação ) , quer  para manter e reforçar a confiança da comunidade na validade e na força de vigência das normas do Estado na  tutela de bens jurídicos e , assim , no ordenamento jurídico-penal ( prevenção geral positiva ou de integração).

A reintegração do agente na sociedade está ligada à prevenção especial ou individual , isto é , à ideia de que a pena é um instrumento de actuação preventiva sobre a pessoa do agente , com o fim de evitar que no futuro , ele cometa novos crimes, que reincida.

O roubo praticado pelos arguidos é punível com pena de 3 a 15 anos de prisão.

No caso em apreciação as razões de prevenção geral são elevadas uma vez que os crimes de roubo são frequentes e causam intranquilidade e alarme na comunidade.

As razões de prevenção especial são moderadas relativamente ao arguido J uma vez que não lhe são conhecidos antecedentes criminais, sendo mais prementes relativamente ao arguido C uma vez que foi já condenado em 6-11-2003, pela prática de um crime de furto qualificado e de um furto simples, na pena única de 1 ano e 9 meses de prisão, suspensa na execução pelo período de 2 anos ( pena já extinta), e foi condenado em 15-9-2006, por crime de condução sem habilitação legal, na pena de 80 dias de multa, á taxa diária de € 4,50 ( pena já extinta).

O grau de ilicitude dos factos é moderado considerando, por um lado, o valor dos bens apropriados e, por outro, a violência utilizada na acção, que passou pelo exibir e apontar uma faca à testemunha A, colado desse modo na impossibilidade de resistir.

Agiram ambos os arguidos com dolo directo e intenso. As consequências para cada um dos ofendidos, das condutas dos arguidos, descritas nos factos provados, não se afiguram elevadas.

O arguido C é de modesta condição social e apresenta uma personalidade deficiente a nível emocional, com dificuldades de integração social, na família e no trabalho, como resulta dos pontos n.ºs 14 a 21 dos factos dados como provados.

A favor do arguido C existe uma circunstância particularmente relevante, que depõe a seu favor, e que foi a sua relevante colaboração para a descoberta da verdade, participando voluntaria e livremente quer na reconstituição do facto, quer na entrega de objectos associados ao roubo.

Relativamente ao arguido J – cujo julgamento decorreu na sua ausência, como aconteceu com o seu co-arguido – nada se apurou sobre a sua personalidade e situação sócio-económica, beneficiando também de relevante colaboração para a descoberta da verdade, com a sua participação voluntaria e livre na reconstituição do facto.

Tendo em conta todas as circunstâncias descritas, os critérios de fixação das penas e a pena abstracta aplicável ao crime de roubo ( de 3 a 15 anos de prisão), o Tribunal da Relação entende fixar ao arguido Ca, uma pena de 3 anos e 8 meses de prisão e ao arguido J, por co-autoria no mesmo crime, uma pena de 3 anos e 4 meses de prisão.

À data dos factos os arguidos não podiam beneficiar da suspensão da execução da pena uma vez que a pena era superior a 3 anos de prisão ( art.50.º, n.º1 do Código Penal).

Com a redacção da Lei n.º 59/2007, de 4 de Setembro, o art.50.º, n.º1 do Código Penal, passou a estatuir que « O tribunal suspende a execução da pena de prisão aplicada em medida não superior a 5 anos  se , atendendo à personalidade do agente , às condições da sua vida , à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste, concluir que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição .».
O pressuposto formal de aplicação da suspensão da execução da prisão é apenas que a medida concreta da pena aplicada ao arguido não seja superior a 5 anos .

O pressuposto material da suspensão da execução da pena de prisão é que o tribunal, atendendo à personalidade do arguido e às circunstâncias do facto, conclua que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.

A suspensão da execução da pena é, sem dúvidas, um poder vinculado do julgador, que terá de a decretar sempre que se verifiquem os respectivos pressupostos.

Deste modo, o tribunal, quando aplicar pena de prisão não superior a 5 anos deve suspender a sua execução sempre que, reportando-se ao momento da decisão, o julgador possa fazer um juízo de prognose favorável ao comportamento futuro do arguido, juízo este não necessariamente assente numa certeza, bastando uma expectativa fundada de que a simples ameaça da pena seja suficiente para realizar as finalidades da punição e consequentemente a ressocialização, em liberdade, do arguido.

Todavia, « a suspensão da execução da prisão não deverá ser decretada » - mesmo em caso de « conclusão do tribunal por um prognóstico favorável ( à luz de considerações exclusivas de prevenção especial de socialização) , se a ela se opuseram » ( obra citada , § 520) « as finalidades da punição » ( art.50.º, n.º 1 e 40.º , n.º1 do Código Penal ), nomeadamente  « considerações de prevenção geral sob a forma de exigência mínimas e irrenunciáveis de defesa do ordenamento jurídico » ( obra citada , § 520) , pois que « só por estas exigências se limita – mas por elas se limita sempre – o valor da socialização em liberdade que ilumina o instituto » ( idem)..- Cfr. Prof. Figueiredo Dias , in “Direito Penal Português , as Consequências do Crime”.

No presente caso, tendo em conta que os arguidos foram condenados em penas concretas inferiores a 5 anos de prisão, o pressuposto formal de aplicação da suspensão da execução da prisão encontra-se verificado.

Relativamente á verificação do pressuposto material de aplicação da mesma pena de substituição, importa acentuar que o crime de roubo qualificado assume acentuada gravidade, como resulta da pena de prisão aplicável, que se situa entre os 3 e os 15 anos de prisão.

Já tem antecedentes criminais.

O arguido J não tem antecedentes criminais conhecidos.

O arguido C já tem antecedentes criminais pela prática de dois crimes de furto, pelos quais foi condenado em 2003 em pena de prisão suspensa na execução, e pela prática de um crime de condução sem habilitação legal, pelo qual foi condenado em 2006 em pena de multa. Não cumpriu ainda prisão efectiva.

Como já se referiu ambos os arguidos beneficiam de uma circunstância de peso que lhes é  favorável, traduzida na relevante colaboração para a descoberta da verdade, o que de algum modo demonstra a rejeição do mal praticado, permitindo convencer que não voltarão a delinquir se vierem a ser confrontados com situação idêntica àquela pela qual foram agora condenados. 

Quanto às exigências de prevenção geral, embora  elevadas dado o sentimento de insegurança e de alarme social que comportamentos como os descritos nos factos provados geram na comunidade em geral, não vão ao ponto de afectar o sentimento jurídico da comunidade na validade e na força de vigência das normas jurídico-penais violadas pelos arguidos, numa situação como esta, pela substituição das penas de prisão por suspensão de execução das penas de prisão.

Concluindo-se que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam, ainda, de forma adequada e suficiente as finalidades da punição, o Tribunal da Relação entende decretar a suspensão da execução das penas aplicadas aos arguidos, pelo tempo correspondente, nos termos do art.50.º, n.º 5 do Código Penal, na redacção actualmente vigente.

Nos termos do art.111.º, n.º1 do Código Penal, tendo a faca apreendida nos autos servido como instrumento para a prática do crime de roubo e pondo em perigo a segurança das pessoas, deverá ser declarada perdida a favor do Estado.   

              Decisão

            Nestes termos e pelos fundamentos expostos acordam os juízes do Tribunal da Relação de Coimbra em conceder provimento ao recurso interposto pelo Ministério Público e, alterando a matéria de facto nos termos atrás fixados, revoga-se a absolvição dos arguidos decretada no acórdão recorrido e, pela prática, em co-autoria, de um crime de roubo agravado, p. e p. no artigo 210.º, n.ºs 1 e 2, alínea b), com referência ao  art. 204º, n.º 2, alínea f), ambos do Código Penal, decide-se condenar:

- o arguido C na pena de 3 ( três ) anos e 8 (oito) meses de prisão, que se suspende na execução pelo mesmo período; e

-  o arguido J na pena de 3 ( três ) anos e 4 (quatro) meses de prisão, que se suspende na execução pelo mesmo período.

Mais se decide decretar o perdimento a favor do Estado da faca examinada a folhas 48, e restituição ao arguido C do gorro que lhe foi apreendido.  

             Custas pelos arguidos, na 1.ª instância, fixando em 3 Ucs a taxa de justiça a cargo de cada um deles.

                                                                         *

(Certifica-se que o acórdão foi elaborado pelo relator e revisto pelos seus signatários, nos termos do art.94.º, n.º 2 do C.P.P.). 

                                                                                             

   *

                                                                                        Coimbra,


[1] Recurso n.º 902/04-5, processo 88/00.4GAOLR, do Tribunal de Oleiros.
[2] Este  mesmo  entendimento   foi  também,  entre  outros, corroborado  no Ac.  da  RC, de  01.03.2007 (relator Desembargador Germano Fonseca, processo 495/05.6PBCTB.C1).

[3] Como também se  considerou  no  acórdão  do STJ,  de 14.06.2006, relator Conselheiro SILVA FLOR, in  www.dgsi.pt.
[4] Prof. Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, II, pg. 196.
[5] No sentido de que os agentes da Polícia Judiciária que procederam à reconstituição do crime podem depor como testemunhas sobre o que se terá passado nessa reconstituição, pronunciaram-se, também,  os acórdãos do Supremo Tribunal de 11-12-1996, BMJ 462, pg. 299, de 22-4-2004, CJ, STJ, XII, tomo II, pg. 165, e de 30-03-2005, proc. n.º 552/05.

[6] Como  se decidiu no  acórdão  do STJ,  de 14.06.2006, relator Conselheiro SILVA FLOR, in  www.dgsi.pt.

[7] Cfr. o Ac. do STJ, de 27/5/1998, in BMJ nº 477, pp. 303-349.  
[8] Proc. n.º 0846986, www.dgsi.pt.
[9]  CAVALEIRO DE FERREIRA, Curso de Processo Penal, I, 333 e segs.
[10] Seguimos, de muito perto, a síntese conclusiva de CRISTINA LÍBANO MONTEIRO, Perigosidade de inimputáveis e in dubio pro reo, pág. 165 e seguintes.
[11] Figueiredo Dias, Direito Processual Penal, 1974, pág. 213
[12]  Cfr. BMJ n.º 458º , pág. 98.
[13]  Cfr. CJ, ASTJ, ano VII, tomo I, pág. 247.
[14]  Cfr. Prof. Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, III, Verbo, 2ª edição, pág. 350.