Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
2643/08.5PBAVR.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: PAULO GUERRA
Descritores: PENA RELATIVAMENTE INDETERMINADA
Data do Acordão: 02/23/2011
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COMARCA DO BAIXO VOUGA - JUÍZO DE MÉDIA INSTÂNCIA CRIMINAL DE AVEIRO (JUIZ 2)
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO CRIMINAL
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ART.º 83º DO C. PENAL
Sumário: A aplicação da pena relativamente indeterminada não resulta "ipso facto" da verificação de requisitos formais (certo número de condenações atestadas no certificado do registo criminal do arguido) mas também de um juízo de valor alicerçado em factos provados sobre a personalidade do agente e que, por isso, devem constar do despacho de pronúncia e da acusação, sob pena de o arguido ser surpreendido com a sobreposição de uma medida tão gravosa como é a aplicação de uma pena relativamente indeterminada e a respeito da qual não lhe foi possível tomar posição quanto a ela.
Decisão Texto Integral: 1. No processo comum colectivo n.º 2643/08.5PBAVR do Juízo de Média Instância Criminal de Aveiro, o arguido PC..., devidamente identificado nos autos, único recorrente dos autos, por acórdão datado de 23 de Junho de 2010, foi CONDENADO pelo seguinte crime e pena:
- em co-autoria material, um crime de roubo (simples), com violência depois da subtracção, previsto e punido pelos artigos 211º e 210º, nºs 1 e 2 b), ex vi artigos 204º, nº 2 e) e 4, e 202º c), todos do Código Penal, na pena de 2 (dois) anos de prisão;

            2. Inconformado, o arguido PC... recorreu da sentença.
Finalizou a sua motivação com as seguintes conclusões (transcrição):
«1. O arguido confessou os factos pelos quais vinha acusado, depondo, igualmente sobre o facto de data da prática dos factos ser toxicodependente.
2. Aos toxicodependentes deve ser aplicado o regime do cálculo da medida da pena em relação aos alcoólicos ex vi Art. 88.° do C Penal que remete para os Art.s 86.° e 87.° desse mesmo Diploma Legal.
3 — O Colectivo a quo não fez referência no acórdão ora em crise a que haja recorrido à aplicação de uma pena indeterminada mas correspondente a dois terços da pena de prisão que concretamente caberia ao crime cometido.
4. As testemunhas arroladas pela acusação, seja, TP..., e DD…, em momento algum referiram que o arguido/recorrente tenha socorrido da violência para continuar na posse do montante pecuniário que havia momentos antes subtraído.
5. A testemunha TP... refere expressamente que o arguido teve receio, teve medo, de que seriam dois contra um e então tentou fugir livrando-se dele, pois que, o havia manietado.
6. A fuga/libertação do arguido ocorreu quando os mesmos (arguido e testemunha TP...) se encontravam agarrados e num jogo de empurrões e de puxa para cá e para lá — conforme relato da testemunha TP...no seu depoimento.
7. Resulta, igualmente, do depoimento daquela testemunha que o arguido não teve intenção de o agredir colocando-o numa impossibilidade de oferecer resistência, pois que, ele próprio ofereceu resistência e conseguiu manietar o arguido.
8. Há pois atendendo à prova produzida em Audiência de Julgamento uma dúvida notória, mais do que razoável uma dúvida intransponível sobre a prática do crime de violência após a subtracção, dando-se como provado o que notoriamente não se prova.
9.“A apreciação da prova é na verdade discricionária, tem evidentemente como toda a discricionariedade jurídica os seus limites que não podem ser ultrapassados: a liberdade de apreciação da prova, é, no fundo uma liberdade de acordo com um dever — o dever de perseguir a chamada «verdade material» - de tal sorte que a apreciação há-de ser, em concreto, recondutível a critérios de objectivos e, portanto, em geral, susceptível de motivação e de controlo” (in, Prof Figueiredo Dias, Direito Processual Penal).
10. Ora, “a livre apreciação da prova não se confunde de modo algum com a apreciação arbitrária da prova nem com a mera impressão gerada no espírito do julgador. O julgador, ao apreciar livremente a prova, ao procurar através dela atingir a verdade material,
deve observância a regras da experiência comum utilizando como método de avaliação a aquisição do conhecimento critérios objectivos, genericamente susceptíveis de motivação e controlo.”, em que se pronunciou o Tribunal Constitucional, no douto acórdão n° 1165/96, de 19 de Novembro.

11. “A livre ou íntima convicção do juiz não poderá ser nunca puramente
subjectiva ou emotiva e, por isso, há-de ser fundamentada, racionalmente objectivada e
logicamente motivada, de forma a susceptibilizar controlo.” Sentido em que se pronunciou
o STJ, no douto acórdão de 21 de Janeiro de 1999.

12. Assim, «sendo a valoração um juízo de aceitabilidade dos enunciados fácticos em que consistem os resultados probatórios, e tendo em conta que estes são aceitáveis quando o seu grau de probabilidade é suficiente, os critérios (positivos) de valoração hão-de indicar o momento a partir do qual um enunciado fáctico alcança um grau de probabilidade suficiente e maior que qualquer outro enunciado alternativo dos mesmos factos.” (ABELLAN, Marina Gascón in «Los hechos en el derecho — Bases argumentales de la prueba», Marcial Pons, Madrid, 199).
13. Há pois, em nosso entender, uma interpretação incorrecta dos depoimentos prestados pelas testemunhas da acusação em sede de Audiência de Julgamento, há uma apreciação arbitrária, emotiva e sem nexo lógico, não se tendo dado cumprimento ao dever de perseguir a verdade.
14. Preteriu o Colectivo uma formalidade imposta pelo n° 1 do Art. 358.° do C Processo Penal não dando possibilidade ao ora recorrente de exercer defesa sobre a alteração não substancial efectuada e que levou a condenação em termos diferentes daqueles por que vinha acusado.
15. Acto esse, o omitido, que acarreta uma inconstitucionalidade, uma vez que foi preterido o Art. 32.° da Constituição da República Portuguesa.
16. Acresce que, a prova testemunhal, que se encontra devidamente gravada, deve ser reapreciada, pois que, a mesma não foi devidamente valorada, e, impõe decisão diversa da recorrida, uma vez que apenas ficou provado ter existido furto simples.
Termos em que,
E nos demais de Direito, com o sempre mui douto suprimento de V.as Exas., deve ser dado provimento ao presente Recurso, e em consequência ser o Arguido, ora Recorrente, ver a pena privativa de liberdade em que foi condenado ser reduzida em conformidade com as alegações acima expostas».

            3. O Ministério Público em 1ª instância respondeu ao recurso, opinando que o acórdão recorrido deve ser mantida na íntegra, assente que a mesma fez uma criteriosa fundamentação e aplicação da lei ao caso concreto.
Conclui assim:
«1º- Não ocorreu qualquer erro de julgamento dos factos julgados como provados e o Tribunal “a quo” fez um correcto e minucioso exame crítico de toda a prova produzida em audiência de julgamento, na estrita observância do disposto nos artigos 127º e 374º, n.º 2 do CPP.
2º- A prova produzida em audiência de julgamento é suficientemente elucidativa da prática dos factos pelos quais foi o recorrente condenado, descritos na matéria de facto julgada como provada sob o n° 10 a 16 e integradora do crime de roubo simples, com violência depois da subtracção.
3ª- Com efeito, essa prova, produzida, apreciada, ponderada e valorada pelo Tribunal de acordo com os preceitos legais aplicáveis e supra referidos, suporta objectivamente o julgamento de facto havido e impregna o processo decisório de formação da convicção do Colectivo de toda a justeza, correcção e objectividade que tal juízo tem que conter.
4ª- A decisão recorrida encontra-se devidamente fundamentada, quer de facto, quer de direito e não é possuidora de qualquer vício que inquine a sua validade substancial ou formal, devendo ser mantida na íntegra».
 
            4. Admitido o recurso e subidos os autos a este Tribunal da Relação, o Exmº Procurador da República deu o seu parecer, defendendo a justeza do acordado e remetendo para a resposta do Colega de 1ª instância.

            5. Cumprido o disposto no artigo 417.º, n.º 2, do Código de Processo Penal, foram colhidos os vistos, após o que se seguiu a legal conferência, por dever ser o recurso aí julgado, de harmonia com o preceituado no artigo 419.º, n.º 3, alínea c) do mesmo diploma.

            II – FUNDAMENTAÇÃO
           
1. Conforme jurisprudência constante e amplamente pacífica, o âmbito dos recursos é delimitado pelas conclusões formuladas na motivação, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso (cfr. artigos 119º, n.º 1, 123º, n.º 2, 410º, n.º 2, alíneas a), b) e c) do CPP, Acórdão de fixação de jurisprudência obrigatória do STJ de 19/10/1995, publicado em 28/12/1995 e, entre muitos, os Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, de 25.6.1998, in B.M.J. 478, p. 242 e de 3.2.1999, in B.M.J. 484, p. 271).
             Assim, balizados pelos termos das conclusões[1] formuladas em sede de recurso, as questões a decidir consistem em saber

1º- Existe erro notório na apreciação da prova quanto à factualidade C?

2º- Existe erro de julgamento quanto à factualidade C?

3º- Foi preterida uma formalidade essencial, no caso, a notificação a que se alude no artigo 358º do CPP?

4º- Foi excessiva a pena de prisão aplicada, devendo antes ser-lhe aplicada uma pena relativamente indeterminada?
           
2. DO ACÓRDÃO RECORRIDO
           
2.1. O tribunal a quo considerou provados os seguintes factos
«A
1) No dia 26 de Novembro de 2008, no período compreendido entre as 12.30 e as 14.00 horas, indivíduo ou indivíduos não identificados dirigiram-se ao estabelecimento comercial denominado “XXX….”, sito na Estrada de …, Aveiro, de cuja sociedade proprietária é gerente AP..., com o intuito de se apoderarem dos objectos que ali encontrassem.
2) Chegados aí, e como a porta do mesmo se encontrava fechada, estroncaram-a com objecto não apurado, por onde entraram para o referido estabelecimento.
3) Dali retiraram os seguintes objectos, alguns pertença daquela sociedade e outros pertença de MR…:
- 1 (um) cofre portátil de cor vermelho, de marca “ ...”, de valor não apurado, o qual continha no seu interior alguns documentos e cheques;
- 2 (duas) chaves de um veículo de marca “ ...”, com os n°s de série ... e ...;
- 1 (uma) calculadora de cor cinza, de valor não apurado;
- 1 (uma) pasta mostruário de cor preta, de valor não apurado;
- 1 (uma) caixa para divisão de moedas, de cor preta;
- 1 (uma) mala em Nylon de cor preta, de marca “ ...”, que tinha no seu interior uma antena portátil de computador, de valor não apurado;
- 1 (um) computador portátil de marca “ ...”, no valor de 1.200,00€;
- 1 (um) par de óculos graduados de cor branca, no valor de 600,00€;
- 1 (uma) mala em NYlon azul, própria para computador;
- 1 (uma) carteira porta-documentos de marca “ ...”, dc valor não apurado;
- 1 (um) estojo em pele de cor preto, o qual continha no seu interior 2 (dois) cabos de computador, de valor não apurado;
- 1 (um) estojo em pele de cor preto, que continha no seu interior artigos pessoais, de valor não apurado, e
- 1 (um) cartão de Multibanco da conta n° …, do Banco ..., agência de ... pertencente ao “Condomínio ...”.
4) Após, tais indivíduos, meteram os referidos objectos num saco e abandonaram o local, levando aos referidos objectos consigo, fazendo-os seus.
5) Parte deles vieram a ser recuperados pouco depois e entregues aos respectivos proprietários.

B
6) No dia 07 de Novembro de 2008, cerca das 12.53 horas, o arguido EV..., ao comando do veículo de marca Opel, modelo Vectra, de matrícula …, dirigiu-se ao Posto de Abastecimento ..., sito na Auto-estrada A25, em Aveiro, e posicionou esse veículo junto a uma das bombas de abastecimento aí existentes.
7) Em acto contínuo, o arguido EV...abasteceu o depósito do dito veículo com uma quantidade não apurada de combustível, no valor total de 40,01€ (quarenta euros e um cêntimo), após o que se ausentou sem ter procedido ao respectivo pagamento.
8) Com a conduta acima descrita, o arguido EV...quis, como conseguiu, fazer seu aquele combustível sem proceder ao respectivo pagamento, bem sabendo que o mesmo não lhes pertencia.
9) Agiu deliberada, livre e conscientemente, não ignorando que a sua conduta era proibida e punida pela lei penal.

C

10) No dia 08 de Novembro de 2008, cerca das 03.30 horas, o arguido PC... e outro indivíduo não identificado, fazendo-se transportar no referido veículo de matrícula … e agindo em comunhão de esforços e na execução do entre ambos acordado, dirigiram-se àquele mesmo Posto de Abastecimento ..., com o propósito de fazerem seu o dinheiro que ali viessem a encontrar na caixa registadora.
11) Nesse seguimento, uma vez ali chegados, enquanto tal indivíduo permaneceu no exterior, ao comando do dito veículo, o arguido PC..., forçando o sistema de fecho da porta do estabelecimento de modo não apurado (porta essa que se encontrava fechada), logrou introduzir-se no mesmo estabelecimento e dirigiu-se à caixa registadora, da mesma retirando todo o dinheiro que ali se encontrava.
12) Alertado pelo barulho, a testemunha TP..., ali funcionário, acorreu ao local onde se encontrava o arguido PC..., tendo logrado agarrá-lo por um braço e recuperado parte do dinheiro que o mesmo tinha consigo.
13) Em acto contínuo e visando dali sair com o dinheiro que ainda tinha da sua posse, o arguido PC... desferiu um pontapé nas pernas do TP... e dali fugiu, levando consigo quantia monetária não inferior a 50,00€, que fez sua.
14) Ao agirem da forma descrita, designadamente quando o arguido PC..., na execução do que havia acordado com o tal indivíduo, usou da força física para imobilizar o funcionário daquele estabelecimento, visou colocá-lo na impossibilidade de lhes resistir e, desse modo, fazer sua aquela quantia monetária, bem sabendo que a mesma não lhe pertencia.
15) Sabia o arguido PC...que, estando a porta do estabelecimento fechada, não estava autorizado a ali entrar.
16) Agiu de forma livre, voluntária e consciente, bem sabendo que as suas condutas eram proibidas e punidas pela lei penal.

D
            17) O arguido EV...é o mais novo de quatro irmãos, tendo o seu pai sido militar da GNR. Foi consumidor de heroína e cocaína desde os 16 anos de idade, tendo estado recentemente internado numa instituição para tratamento à dependência de drogas, de onde saiu à cerca de três meses, mantendo a medicação.
            18) Não exerce qualquer actividade profissional e vive com a sua mãe, sendo esta que o sustenta. 
19) Tem uma filha de 28 anos de idade, já autónoma, a qual visita regularmente.
20) Concluiu o 8º ano de escolaridade.
21) O arguido PC... é oriundo de uma família sócio-económica e culturalmente desfavorecida, composta pelos progenitores e nove filhos, sendo que o pai faleceu quando ele tinha 7 anos de idade.
22) O arguido PC...era consumidor de heroína e cocaína, o que fazia desde cerca dos 14 anos de idade, vivendo na altura sózinho num apartamento arrendado.
23) Trabalhou algum tempo como carpineteiro confrador em obras de construção civil, em Espanha, vindo depois a ficar inactivo profissionalmente, praticando actos ilícitos para obter dinheiro para adquirir as drogas.
24) Iniciou tratamento à toxicodependência depois de ficar preso, em Janeiro de 2009, o qual ainda mantém no Estabelecimento Prisional de Custóias.
25) Mantém contactos regulares com a sua mãe, por telefone, e com alguns dos irmãos.
26) Tem um filho de cerca de dois anos, fruto da relação com a sua companheira, iniciada por volta dos 15 anos de idade, efectuando aquela visitas regulares ao arguido PC...no Estabelecimento Prisional..
27) Este evidencia dificuldades de adaptação ao meio prisional e de cumprimento das normas aí instituídas, tendo sido alvo de sanções disciplinares, com vários dias de isolamento.
28) Revela reduzido sentido e consciência crítica dos seus comportamentos e incapacidade de definir objectivos ou projectos de realização pessoal ou sócio-profissional normalizados.
29) Concluiu o 6º ano de escolaridade.

E
30) O arguido EV...foi condenado pelos crimes e nas penas seguintes:
           - em 27-02-1984, por crimes de tráfico e de consumo de estupefacientes, na pena única de 19 meses de prisão (tendo-lhe depois sido perdoado um ano), suspensa na sua execução por 2 anos (tendo depois sido revogada tal suspensão);
- em 05-03-1987, por um crime de tráfico de estupefacientes, na pena de 7 anos de prisão (tendo-lhe sido perdoados 14 meses e depois mais um ano e 2 meses, por sucessivas “leis de amnistia”);
- em 22-06-1990, por um crime de tráfico de estupefacientes, na pena de 7 anos e 6 meses de prisão (tendo-lhe depois sido perdoados 15 meses, com liberdade definitiva em 10-09-1997);
- em 15-07-1998, por um crime de tráfico de estupefacientes, na pena de 6 anos de prisão (cumprida em 12-12-2003);
- 25-09-2002, por crime de condução de veículo em estado de embriaguez, na pena de 60 dias de multa, à taxa de 05,00€ (já extinta pelo pagamento);
- 24-10-2003, por crime de condução de veículo em estado de embriaguez, na pena de 12 meses de prisão, suspensa na sua execução por 3 anos (já extinta);
- 05-11-2008, por crime de condução de veículo em estado de embriaguez, na pena de 240 dias de multa, à taxa de 05,00€;
- 13-02-2009, por crime de furto simples, na pena de 100 dias de multa, à taxa de 05,00€, e
- 17-03-2009, por crime de desobediência, na pena de 10 meses de prisão, suspensa na sua execução por 1 ano.
31) O arguido PC...foi condenado pelos crimes e nas penas seguintes:
           - em 12-07-2001, por crime de furto qualificado, em pena de prisão (não se diz no CRC qual), suspensa na sua execução por 2 anos (tendo depois sido revogada tal suspensão);
- 17-01-2002, por crime de falsidade de testemunho, na pena de 90 dias de multa, à taxa de 03,00€;
           - em 01-02-2002, por crimes de furto qualificado, na pena única de 4 anos e 6 meses de prisão (já extinta pelo cumprimento);
- 03-07-2002, por crimes de furto e roubo, na pena única de 2 anos e 5 meses de prisão, suspensa na sua execução por 4 anos (já extinta);
- 21-04-2008, por crime de condução de veículo sem habilitação legal, na pena de 45 dias de multa, à taxa de 07,00€ (já extinta);
           - em 14-05-2008, por crime de furto qualificado tentado, na pena de 9 meses de prisão, suspensa na sua execução por 1 ano;
           - em 29-10-2008, por crime de furto qualificado tentado, na pena de 1 ano e 6 meses de prisão, e
           - em 28-10-2009, por crime de furto qualificado tentado, na pena de 1 ano e 6 meses de prisão.
            2.2. Não resultou provado que:
«a) Que os factos descritos em A supra foram praticados pelos arguidos EV...e PC...e que usaram o veículo de marca Opel Vectra, de cor branca, com a matrícula … agindo em comunhão de esforços e intentos, com intenção de fazerem os referidos objectos seus, bem sabendo que os mesmos não lhes pertenciam e que agiam contra a vontade dos legítimos donos, actuando voluntária, livre e conscientemente, bem sabendo que tais condutas lhes eram vedadas;
 b) Que o combustível referido em B supra era gasóleo;
c) Que o arguido EV...praticou os factos descritos em C supra juntamente com o arguido PC..., na execução do que haviam acordado ambos e em comunhão de esforços».

            2.3. Motivou, assim, a sua decisão de facto o tribunal «a quo»: (transcrição):
«A formação da convicção do Tribunal Colectivo baseou-se na globalidade das provas produzidas, em conjugação e confronto, e nomeadamente nos elementos seguintes:
- quanto aos factos referidos em A supra, foram valoradas os depoimentos das testemunhas AP... (que disse ser o gerente dessa empresa) e MR...  (que disse ser colaborador da mesma empresa), os quais referiram a ocorrência e os objectos furtados, especificando cada um deles, além do seu valor aproximado e a propriedade dos mesmos, bem como o que foi recuperado e recebido, além de o primeiro ter referido a forma como ocorreu a intrusão no estabelecimento comercial e altura do evento (aludindo ser a da queixa efectuada à PSP), confirmando os documentos que lhe foram exibidos. Foram ainda considerados, em conjugação com tais depoimentos, o auto de notícia, quanto à data dos factos (fls. 3), os termos de entrega dos objectos recuperados a essas testemunhas (fls. 9 e 10/68 e 69), as fotos do local, que comprovam também a forma de entrada (fls. 84 e 85), os elementos bancários quanto ao Cartão Multibanco (fls. 94 a 97/ 159 a 163) e a certidão relativa à sociedade (fls. 190 a 193), tudo isso comprovando os factos respectivos;
- quanto aos factos referidos em B supra, foram valoradas as declarações do arguido EV…, que admitiu a veracidade de tais factos (embora dizendo que não os poder confirmar, por ter metido combustível várias vezes na viatura sem pagar) e a consciência da ilicitude de actos dessa natureza, além de ter sido considerado o depoimento da testemunha CV... (que disse ser, na altura, funcionária desse posto ...), a qual referiu os factos ocorridos, designadamente a matrícula da viatura e o que sucedeu, confirmando o relatório então elaborado e o talão do combustível (fls. 5 a 7/26 a 28/45 a 47), bem como os reconhecimentos do veículo e da pessoa depois efectuados pela mesma na PSP (fls. 54, 55, 80 e 81). Da conjugação destes elementos, não restaram dúvidas sobre a ocorrência dos factos e da sua autoria, uma vez que, além de o arguido EV...os admitir, aquela testemunha identificou a viatura utilizada, que a este pertencia, e identificou também aquele, em reconhecimento, como o autor de tais actos, tudo isso apontando, de forma segura, no sentido de que foi o arguido EV...que praticou esses factos (sendo que este, apesar de ter dito que algumas vezes essa viatura foi usada por amigos seus, não referiu que também eles lhe “metessem” combustível desse modo, sendo que ele próprio admitiu esse tipo de actos, pelo que, tudo conjugado com as regras da lógica e normalidade, leva à conclusão da veracidade de tais factos); 
- quanto aos factos referidos em C supra, foram valoradas as declarações do arguido PC..., que confessou tais factos, descrevendo como tudo se passou e assumindo a consciência da ilicitude dos mesmos  (embora dizendo que não forçou a fechadura, mas apenas a abertura da porta, e que não deu pontapés ao funcionário, apenas o empurrando), tendo ainda sido considerado o depoimento da testemunha TP… (que disse ser funcionário desse posto ...), o qual referiu os factos ocorridos, designadamente a forma como o indivíduo entrou na loja ..., forçando as portas (que são de abertura automática, mas estavam fechadas, sendo o atendimento nocturno dos clientes feito pelo guichet), bem como aquilo de que se apropriou, a tentativa de o impedir que fugisse com o dinheiro e a reacção do mesmo, além de mencionar a fuga na viatura, cuja matrícula recolheu, onde estava outro indivíduo, confirmando o relato de ocorrência que então fez para a gerência, que agora examinou (fls. 33 e 34, onde descreve como tudo se passou, designadamente o ter sido pontapeado), o que não deixou dúvidas quanto à actuação do arguido PC...para consumar a apropriação e sua intencionalidade, atingindo fisicamente tal funcionário, sendo também essa a normalidade das coisas numa situação detecção em flagrante delito, como a presente (o relato da testemunha foi claro, ainda que tenha referido não saber se esse pontapé foi intencional, mas tal deduz-se do que foi descrito). Mais foram valorados os depoimentos das testemunhas ND... e DD... (respectivamente gerente e funcionário desse Posto ...), referindo o primeiro a ocorrência que lhe foi participada e também o valor que estaria na caixa e que foi subtraído e descrevendo o segundo o que verificou na altura, confirmando o relatório então redigido (fls. 35). Foi ainda valorado o reconhecimento do arguido PC...efectuado pela testemunha TP...na PSP, em cujo auto, agora confirmado, descreve também a actuação deste (fls. 73);
- quanto aos factos referidos em D supra, foram consideradas as declarações dos arguidos EV...e PC..., tendo cada um deles mencionado a sua situação pessoal e familiar, tendo-se ainda considerado os relatórios sociais juntos, com prevalência do referido nestes, nos casos de discrepância, pela maior base de recolha de informação (fls. 312 a 315 e 371 a 374);
- quanto aos factos descritos em E supra, foram considerados os CRC dos arguidos, junto aos autos (fls. 344 a 351 e  352 a 365);
            - quanto aos factos não provados, aludidos em a) a c) supra, tal foi consequência da falta de elementos probatórios bastantes, já que os arguidos EV...e PC...os negaram e não foi produzida prova bastante da sua veracidade, designadamente testemunhal, sendo que outros elementos, susceptíveis de valoração, não existem nos autos e que, por si sós, permitam concluir pela veracidade de tais factos. Com efeito, os arguidos EV...e PC...negaram a autoria dos factos descritos em A supra e nenhuma das testemunhas referiu ter presenciado tais factos, sendo que a testemunha RT... apenas mencionou a matrícula da viatura que viu parada, com um indivíduo ao volante e outro a atirar objectos para um silvado, junto da estrada, onde depois vieram a ser recuperados tais artigos, como confirmou a testemunha AA... (agente da PSP), mas não identificou, com um grau de certeza razoável, tais indivíduos (o reconhecimento de fls. 16/65 é feito sem certezas) e o arguido EV...referiu que nem sempre era ele o condutor de tal viatura, por a emprestar a amigos seus, tendo restado a dúvida relativamente à autoria de tais factos (em face das provas produzidas em audiência). Quanto à participação do arguido EV...nos factos descritos em C supra, o mesmo negou-o e apenas o arguido PC...o referiu, pelo que, embora fossem dois indivíduos e tivesse sido usada aquela viatura (que a testemunha TP...confirmou), perante o já referido quanto ao seu alegado uso por outros indivíduos e também a fragilidade própria das declarações de co-arguido, no caso do arguido PC..., quando desacompanhadas de outros elementos probatórios (cfr. o Ac. do STJ de 12-07-2006, Processo 06P1608, in www.dgsi.pt), permaneceu igualmente a dúvida nesta parte, o que não permitiu afirmar a veracidade de tais factos, concretamente quanto à participação do arguido EV....   
           
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3. APRECIAÇÃO DO RECURSO

3.1. Comecemos pela impugnação de facto.
Diverge o recorrente da prova dos factos 10 a 16 (SEGMENTO C do rol de factos provados, só impugnando tal factualidade de 8/11/2008), entendendo que não foi feita prova cabal do crime de roubo, com violência após subtracção para que convolou a incriminação penal o Colectivo de Aveiro.
Antes de mais, urge verificar se estão correctas as conclusões apresentadas.
Incidindo este recurso sobre matéria de facto, nos termos do artigo 412º, n.º 3 do CPP, incumbe ao recorrente o ónus de especificar
a)- os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados;
b)- as concretas provas que impõem decisão diversa da recorrida;
c)- as provas que devam ser renovadas.
Acentua depois o n.º 4 desse normativo que “quando as provas tenham sido gravadas, as especificações previstas nas alíneas b) e c) do n.º 3 fazem-se por referência ao consignado na acta, nos termos do artigo 364º, n.º 2, devendo o recorrente indicar concretamente as passagens em que se funda a impugnação.
O artigo 417º, n.º 3 do CPP (na versão revista de 2007, levada a cabo pela Lei n.º 48/2007 de 29/8) permite o convite ao aperfeiçoamento da respectiva peça processual se a motivação do recurso não contiver conclusões ou destas não for possível deduzir total ou parcialmente as indicações previstas nos n.ºs 2 a 5 desse mesmo normativo.
Temos entendido o seguinte: se analisada a peça do recurso constatarmos que a indicação das especificações legais constam do corpo da motivação de forma assaz suficiente para se compreender o móbil do recorrente, não deveremos, assim, ser demasiado formalistas ao ponto de atrasar a tramitação de um processo quando existem conclusões e se consegue das mesmas deduzir, mesmo que parcialmente, note-se, as indicações previstas no n.º 2 e no n.º 3 do citado artigo 412º.
A este propósito, convém lembrar que as “conclusões aperfeiçoadas” têm de se manter no âmbito da motivação apresentada, não se tratando de uma reformulação do recurso ou da apresentação de um novo recurso - por outras palavras: o convite ao aperfeiçoamento, estabelecido nos n.º 3 e 4 do artigo 417.º, do C.P.P., pode ter lugar quando a motivação não contiver conclusões ou destas não for possível deduzir total ou parcialmente as indicações previstas nos nºs. 2 a 5 do artº 412º do mesmo código, mas sempre sem modificar o âmbito do recurso.
Pelo que se o corpo da motivação não contém as especificações exigidas por lei, já não estaremos perante uma situação de insuficiência das conclusões, mas sim de insuficiência do recurso, insusceptível de aperfeiçoamento.
Contudo, no caso vertente, o recorrente indica, embora de forma muito imprecisa, mas sempre suficiente, no corpo da motivação as partes dos depoimentos gravados que crê ter sido mal valorados pelo tribunal.
Como tal, e mesmo considerando que a peça das alegações de recurso não prima pela perfeição processual, entendemos que o recurso satisfaz as condições mínimas para poder passar pelo crivo inicial.
Ou seja, e em conclusão:
O recorrente impugna a MATÉRIA DE FACTO dada como provada, tendo sido cumprido – mesmo que deficientemente quanto à formulação das conclusões - o determinado nos n.ºs 3 e 4 do artigo 412º do CPP.
Não nos ancoraremos em argumentos formais e ouviremos a prova gravada quanto ao RECURSO.
E tal faremos até ancorados em recente e sábia decisão do STJ, datada de 1/7/2010 (Pº 241/08.2GAMTR.P1.S1).
Nesse aresto, assim se escreveu:
«O Tribunal da Relação, perante as falhas que apontou ao recurso quanto à impugnação da matéria de facto por confronto com as provas produzidas na audiência e documentadas em acta, falhas essas que revelariam um alegado mau cumprimento do disposto nos n.°s 3 e 4 do art.° 412.° do CPP, deveria ter mandado aperfeiçoar as conclusões do recurso antes de se pronunciar, corno tem sido jurisprudência constante deste STJ e do Tribunal Constitucional, para permitir um segundo grau de recurso em matéria de facto.
O Supremo Tribunal de Justiça tem vindo a considerar inconstitucional, por violação dos direitos a um processo equitativo e do próprio direito ao recurso, as normas dos n.°s 3 e 4 do art. 412.° do CPP na interpretação segundo a qual o incumprimento dos ónus aí fixados, conduz à rejeição do recurso, sem a possibilidade de aperfeiçoamento (cfr. Acs de 26-9-01, proc. n.° 2263/01, de 18-10-01, proc. n.° 2374/01, de 10-4-02, proc. n.° 153/00, de 5-6-02, proc. n.° 1255/02, de 7-10-04, proc. n.° 3286/04-5, de 17-2-05, proc. n.° 4716/04-5, e de 15-12-05, proc. n.° 2951/05-5).
Assim decidiu que “(5) se o recorrente não deu cabal cumprimento às exigências do n.° 3 e especialmente do nº 4 do art. 412º do CPP, a Relação não pode sem mais rejeitar o recurso em matéria de facto, nem deixar de o conhecer, por ter por imodificável a matéria de facto, nos termos do art. 431º do CPP. (6) Este último artigo, como resulta do seu teor, não toma partido sobre o endereçar ou não do convite ao recorrente, em caso de incumprimento pelo recorrente dos ónus estabelecidos nos n. s 3 e 4 do art. 412º, antes vem prescrever, além do mais, que a Relação pode modificar a decisão da 1ª instância em matéria de facto, se, havendo documentação da provei, esta tiver sido impugnada, nos termos  do artigo 412º, n.º 3,  não fazendo apelo, repare-se, ao n.º 4 daquele artigo, o que no caso teria sido infringido. (7)- Saber se a matéria de facto foi devidamente impugnada à luz do n.º  3 do art. 412º é questão que deve ser resolvida à luz deste artigo e dos princípios constitucionais e de processo aplicáveis, e não à luz do art. 431º, al. b), cuja disciplina antes pressupõe que essa questão foi resolvida a montante. (8) Entendendo a Relação que o recorrente não forneceu os elementos legais necessários para reapreciar a decisão de facto nos pontos que questiona, a solução não é “a improcedência”, por imodificabilidade da decisão de facto, mas o convite para a correcção das conclusões. (Acs de 7-11-02, proc. n.º 3158/02-5 e de 15-5-03, proc. n.º 985/03-5)”.
E que, face à declaração com força obrigatória geral da inconstitucionalidade da norma do art. 412.°, n.° 2, do CPP, interpretada no sentido de que a falta de indicação, nas conclusões da motivação, de qualquer das menções contidas nas suas ais. a), b) e e) tem corno efeito a rejeição liminar do recurso do arguido, sem que ao mesmo seja facultada a oportunidade de suprir tal deficiência (Ac. n.° 320/2002 do T. Constitucional, DR-IA, 07.10.2002), não pode manter-se a decisão da Relação que decidiu não tomar conhecimento dos recursos no que se refere à decisão de facto, por não terem os recorrentes dado cumprimento ao imposto nos n.° 3 e 4 daquele art. 412.°.
Em tal caso a Relação deve tomar posição sobre a suficiência ou insuficiência das conclusões das motivações e ordenar, se for caso disso, a notificação do recorrente para corrigir/completar as conclusões das motivações de recurso, conhecendo, depois, desses recursos. (Acs. de 12-12-2002, proc. n.° 4987/02-5, de 7-10-04, proc. n.° 3286/04-5, de 17- 2-05, proc. n.° 47 16/04-5, e de 15-12-05, proc. n.° 295 1/05-5).
Só não será assim se o recorrente não tiver respeitado, de todo, as especificações a que se reporta a norma legal em causa, pois o conteúdo do texto da motivação constitui um limite absoluto que não pode ser extravasado através do convite à correcção das conclusões da motivação (cfr. os Acs. do STJ de 11-1-01, proc. n.° 3408/00-5, de 8-1 1-01, proc. n.° 2453/01-5, de 4-12-03, proc. n.° 3253/03-5 e de 15-12-05, proc. n.° 295 1/05-5).
Mas, se o recorrente, como é o caso dos autos, tendo embora indicado os pontos concretos da matéria de facto que considera incorrectamente julgados e as provas que impõem decisão diversa, com a indicação, nomeadamente, das testemunhas cujos depoimentos incidiram sobre tais pontos, que expressamente indicou (v.g., falta de vestígios de sangue na roupa, hora cm que ocorreu o homicídio e permanência do arguido no local de trabalho entre determinadas horas), só lhe faltando indicar “as concretas passagens das gravações em que funda a impugnação que imporia decisão diversa”, não se pode dizer que há uma total falta de especificações, mas, quanto muito, uma incorrecta forma de especificar. Tanto mais que, se o recorrente tem o ónus de indicar as concretas passagens das gravações, o tribunal tem o dever de atender a outras que considere relevantes para a descoberta da verdade (art.° 412.°, n.° 6, do CPP), sob pena do recorrente “escolher” a passagem que mais lhe convém e omitir tudo o mais que não lhe interessa, assim se defraudando a verdade material.
A Relação, ao proceder da forma como transcrevemos, não conheceu da impugnação da matéria de facto, já que a rejeitou por razões meramente formais e não deu oportunidade ao recorrente de corrigir os pequenos desvios em que, alegadamente, incorreu.
Portanto, omitiu pronúncia sobre questão de que deveria conhecer e incorreu na nulidade a que se reportam os art.°s 379.°, n.° 1, al. e) e 425.°, n.° 4, do CPP».

3.2. É sabido que o Tribunal da Relação deve conhecer da questão de facto sob dois prismas:
· primeiro da impugnação alargada, se tiver sido suscitada (O NOSSO CASO);
· e dos vícios do n.º 2 do art. 410.º do C.P.Penal.
Não há que confundir estas duas formas de impugnação da matéria factual – por um lado, a invocação dos vícios previstos no artigo 410º, n.º 2, alíneas a). b) e c), e por outro, os requisitos da impugnação – mais ampla - da matéria de facto a que se refere o artigo 412º, n.º 3, alíneas a), b) e c), todos do CPP.

3.3. Estabelece o art. 410.º, n.º 2 do CPP que, mesmo nos casos em que a lei restringe a cognição do tribunal, o recurso pode ter como fundamentos, desde que o vício resulte do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum:
a) A insuficiência para a decisão da matéria de facto provada;
b) A contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão;
c) Erro notório na apreciação da prova.
            Saliente-se que, em qualquer das apontadas hipóteses, o vício tem que resultar da decisão recorrida, por si mesma ou conjugada com as regras da experiência comum, não sendo por isso admissível o recurso a elementos àquela estranhos, para o fundamentar, como, por exemplo, quaisquer dados existentes nos autos, mesmo que provenientes do próprio julgamento (cf. Maia Gonçalves, Código de Processo Penal Anotado, 10. ª ed., 729, Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, Vol. III, Verbo, 2ª ed., 339 e Simas Santos e Leal Henriques, Recursos em Processo Penal, 6.ª ed., 77 e ss.), tratando-se, assim, de vícios intrínsecos da sentença que, por isso, quanto a eles, terá que ser auto-suficiente.
No fundo, por aqui não se pode recorrer à prova documentada.
A “insuficiência para a decisão da matéria de facto provada”, vício previsto no artigo 410.º, n.º 2, alínea a), ocorrerá quando a matéria de facto provada seja insuficiente para fundamentar a decisão de direito e quando o tribunal não investigou toda a matéria de facto com interesse para a decisão – diga-se, contudo, que este vício se reporta à insuficiência da matéria de facto provada para a decisão de direito e não à insuficiência da prova para a matéria de facto provada, questão do âmbito do princípio da livre apreciação da prova, que é insindicável em reexame restrito à matéria de direito.
A “contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão”, vício previsto no artigo 410.º, n.º 2, alínea b), consiste na incompatibilidade, insusceptível de ser ultrapassada através da própria decisão recorrida, entre os factos provados, entre estes e os não provados ou entre a fundamentação e a decisão.
Tal ocorre quando um mesmo facto com interesse para a decisão da causa seja julgado como provado e não provado, ou quando se considerem como provados factos incompatíveis entre si, de modo a que apenas um deles pode persistir, ou quando for de concluir que a fundamentação conduz a uma decisão contrária àquela que foi tomada.
Finalmente, o “erro notório na apreciação da prova”, a que se reporta a alínea c) do artigo 410.º, verifica-se quando um homem médio, perante o teor da decisão recorrida, por si só ou conjugada com o senso comum, facilmente percebe que o tribunal violou as regras da experiência ou de que efectuou uma apreciação manifestamente incorrecta, desadequada, baseada em juízos ilógicos, arbitrários ou mesmo contraditórios. O erro notório também se verifica quando se violam as regras sobre prova vinculada ou das legis artis (sobre estes vícios de conhecimento oficioso, Simas Santos e Leal-Henriques, Recursos em processo penal, 5.ª edição, pp.61 e seguintes).
Esse vício do erro notório na apreciação da prova existe quando o tribunal valoriza a prova contra as regras da experiência comum ou contra critérios legalmente fixados, aferindo-se o requisito da notoriedade pela circunstância de não passar o erro despercebido ao cidadão comum ou, talvez melhor dito, ao juiz “normal”, ao juiz dotado da cultura e experiência que deve existir em quem exerce a função de julgar, devido à sua forma grosseira, ostensiva ou evidente (cf. Prof. Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, Vol. III, Verbo, 2ª Ed., 341).
Trata-se de um vício de raciocínio na apreciação das provas que se evidencia aos olhos do homem médio pela simples leitura da decisão, e que consiste basicamente, em decidir-se contra o que se provou ou não provou ou dar-se como provado o que não pode ter acontecido (cf. Simas Santos e Leal Henriques, Recursos em Processo Penal, 6ª Ed., 74).
Não se verifica tal erro se a discordância resulta da forma como o tribunal teria apreciado a prova produzida – o simples facto de a versão do recorrente sobre a matéria de facto não coincidir com a versão acolhida pelo tribunal não leva ao ora analisado vício.
Existe tal erro quando, usando um processo racional ou lógico, se extrai de um facto dado como provado uma conclusão ilógica, irracional, arbitrária ou notoriamente violadora das regras da experiência comum.
Tal erro traduz-se basicamente em se dar como provado algo que notoriamente está errado, que não pode ter acontecido, ou quando certo facto é incompatível ou contraditório com outro facto positivo ou negativo (cf. Acórdão do STJ de 9/7/1998, Processo n.º 1509/97).
Ora, analisando a decisão recorrida, não vislumbramos qualquer indício desses vícios do artigo 410º/2 do CPP, mormente o erro notório, incorrectamente invocado pelo recorrente na sua motivação (mas já não nas conclusões), assente que o rigorosamente denuncia é a existência de um verdadeiro erro de julgamento, a seguir analisado.

3.4. Já o erro de julgamento – ínsito no artigo 412º/3 - ocorre quando o tribunal considere provado um determinado facto, sem que dele tivesse sido feita prova pelo que deveria ter sido considerado não provado ou quando dá como não provado um facto que, face à prova que foi produzida, deveria ter sido considerado provado.
Aqui, nesta situação de erro de julgamento, o recurso quer reapreciar a prova gravada em 1ª instância, havendo que a ouvir em 2ª instância.
Neste caso, a apreciação não se restringe ao texto da decisão, alargando-se à análise do que se contém e pode extrair da prova (documentada) produzida em audiência, mas sempre dentro dos limites fornecidos pelo recorrente no estrito cumprimento do ónus de especificação imposto pelos n.º 3 e 4 do art. 412.º do CPP.
Nos casos de impugnação ampla, o recurso da matéria de facto não visa a realização de um segundo julgamento sobre aquela matéria, agora com base na audição de gravações, antes constituindo um mero remédio para obviar a eventuais erros ou incorrecções da decisão recorrida na forma como apreciou a prova, na perspectiva dos concretos pontos de facto identificados pelo recorrente.
Como bem acentua Jorge Gonçalves nos seus acórdãos desta Relação, «o recurso que impugne (amplamente) a decisão sobre a matéria de facto não pressupõe, por conseguinte, a reapreciação total do acervo dos elementos de prova produzidos e que serviram de fundamento à decisão recorrida, mas antes uma reapreciação autónoma sobre a razoabilidade da decisão do tribunal a quo quanto aos «concretos pontos de facto» que o recorrente especifique como incorrectamente julgados. Para esse efeito, deve o tribunal de recurso verificar se os pontos de facto questionados têm suporte na fundamentação da decisão recorrida, avaliando e comparando especificadamente os meios de prova indicados nessa decisão e os meios de prova indicados pelo recorrente e que este considera imporem decisão diversa (sobre estas questões, cfr. os Acórdãos do S.T.J., de 14 de Março de 2007, Processo 07P21, e de 23 de Maio de 2007, Processo 07P1498, a consultar em www. dgsi.pt)».
E é exactamente porque o recurso em que se impugne (amplamente) a decisão sobre a matéria de facto não constituiu um novo julgamento do objecto do processo, mas antes um remédio jurídico que se destina a despistar e corrigir, cirurgicamente, erros in judicando ou in procedendo, que o recorrente deverá expressamente indicar, é que se impõe a este o ónus de proceder a uma tríplice especificação, já aqui aludida, prevista no artigo 412.º, n.º 3, do CPP.
A dita especificação dos «concretos pontos de facto» traduz-se na indicação dos factos individualizados que constam da sentença recorrida e que se consideram incorrectamente julgados, só se satisfazendo tal especificação com a indicação do conteúdo especifico do meio de prova ou de obtenção de prova e com a explicitação da razão pela qual essas «provas» impõem decisão diversa da recorrida.
Conforme jurisprudência constante, o recurso da matéria de facto não visa a realização de um segundo julgamento sobre aquela matéria, com base na audição de gravações, antes constituindo um remédio para obviar a eventuais erros ou incorrecções da decisão recorrida na forma como apreciou a prova, na perspectiva dos concretos pontos de facto identificados pelo recorrente. O recurso que impugne a decisão sobre a matéria de facto não pressupõe, por conseguinte, a reapreciação total do acervo dos elementos de prova produzidos e que serviram de fundamento à decisão recorrida, mas antes uma reapreciação autónoma sobre a razoabilidade da decisão do tribunal a quo quanto aos «pontos de facto» que o recorrente especifique como incorrectamente julgados[2].
            A delimitação dos pontos de facto constitui um elemento determinante na definição do objecto do recurso relativo à matéria de facto. Ao tribunal de recurso incumbe confrontar o juízo sobre os factos que foi realizado pelo tribunal a quo com a sua própria convicção determinada pela valoração autónoma das provas que o recorrente identifique nas conclusões da motivação.
Para esse efeito, deve o tribunal de recurso verificar se os pontos de facto questionados têm suporte na fundamentação da decisão recorrida, avaliando e comparando especificadamente os meios de prova indicados nessa decisão e os meios de prova indicados pelo recorrente e que este considera imporem decisão diversa (sobre estas questões, os Acórdãos do S.T.J., de 14 de Março de 2007, Processo 07P21, e de 23 de Maio de 2007, Processo 07P1498, a consultar em www. dgsi.pt).
Nos termos do artº 428º do CPP, as relações conhecem de facto e de direito, podendo modificar a decisão de facto quando a decisão tiver sido impugnada nos termos do artº 412º, nº 3 do mesmo diploma – tal não constituiu um novo julgamento do objecto do processo, como se a decisão da 1ª instância não existisse, mas apenas um remédio jurídico votado a despistar e corrigir erros in judicando ou in procedendo, expressamente indicados pelo recorrente.
Já o deixámos escrito - o recurso, no que tange ao conhecimento da questão de facto, não é um segundo julgamento, em que a Relação, agora com base na audição de gravações, e anteriormente com base na leitura de transcrições, reaprecie a totalidade da prova.
E se é certo que perante um recurso sobre a matéria de facto, a Relação não se pode eximir ao encargo de proceder a uma ponderação específica e autonomamente formulada dos meios de prova indicados, não é menos verdade que deverá fazê-lo com plena consciência dos limites ditados pela natureza do recurso como remédio e pelo facto de se tratar de uma apreciação de segunda linha, a que faltam as importantes notas da imediação e da oralidade de que beneficiou o tribunal a quo.
           
3.5. O artigo 127.º do C.P.P. consagra o princípio da livre apreciação da prova, o que não significa que a actividade de valoração da prova seja arbitrária, pois está vinculada à busca da verdade, sendo limitada pelas regras da experiência comum e por algumas restrições legais.
Tal princípio concede ao julgador uma margem de discricionariedade na formação do seu juízo de valoração, mas que deverá ser capaz de fundamentar de modo lógico e racional.
Os poderes do tribunal na procura da verdade material estão limitados pelo objecto do processo definido na acusação ou na pronúncia, guiado pelo princípio das garantias de defesa do artigo 32º da CRP.
Sobre o tribunal recai o dever de ordenar a produção da prova necessária à descoberta da verdade material, tanto relativamente aos factos narrados na acusação ou na pronúncia, como aos alegados pela defesa na contestação e aos que surgirem no decurso da audiência de julgamento em benefício do arguido.
Quanto à fundamentação da PROVA, há que atentar em certos princípios:
os dos artigos 124º, 125º e 126º do CPP (princípio geral da legalidade das provas);
A convicção sobre a realidade de certo facto existirá quando, e só quando, o tribunal tenha logrado convencer-se da verdade dos factos, para além de toda a dúvida razoável;
Não se procura uma verdade ontológica e absoluta mas apenas a verdade judicial e prática – não pode ser uma verdade obtida a qualquer preço mas apenas a que assenta em meios de prova que sejam legais;
A livre apreciação da prova (ou do livre convencimento motivado) não se pode confundir com a íntima convicção do juiz, assente numa apreciação arbitrária da prova, impondo-lhes a lei que extraia delas um convencimento lógico e motivado, avaliadas as provas com sentido da responsabilidade e bom senso;
Não satisfaz a exigência de fundamentação da decisão sobre Matéria de Facto a mera referência genérica aos meios de prova produzidos, importando fazer a indicação dos fundamentos que foram decisivos para a convicção do juiz, ou seja, os meios concretos de prova e as razões ou motivos que dos meios de prova relevaram ou que obtiveram credibilidade no espírito do julgador – não basta indicar o concreto meio de prova gerador do convencimento, urgindo expressar a razão pela qual, apoiando-se nas regras de experiência comum, o julgador adquiriu, de forma não temerária, a convicção sobre a realidade de um determinado facto.
A liberdade das provas não é, pois, absoluta, estando condicionada pela prudente convicção do julgador e temperada pelas regras da lógica e da experiência
            Porém, nessa tarefa de apreciação da prova, é manifesta a diferença entre a 1.ª instância e o tribunal de recurso, beneficiando aquela da imediação e da oralidade e estando este limitado à prova documental e ao registo de declarações e depoimentos.
            A imediação, que se traduz no contacto pessoal entre o juiz e os diversos meios de prova, podendo também ser definida como “a relação de proximidade comunicante entre o tribunal e os participantes no processo, de modo tal que aquele possa obter uma percepção própria do material que haverá que ter como base da sua decisão” (Figueiredo Dias, Direito Processual Penal, Coimbra, 1984, Volume I, p. 232), confere ao julgador em 1.ª instância certos meios de apreciação da prova pessoal de que o tribunal de recurso não dispõe.
É essencialmente a esse julgador que compete apreciar a credibilidade das declarações e depoimentos, com fundamento no seu conhecimento das reacções humanas, atendendo a uma vasta multiplicidade de factores: as razões de ciência, a espontaneidade, a linguagem (verbal e não verbal), as hesitações, o tom de voz, as contradições, etc.
As razões pelas quais se confere credibilidade a determinadas provas e não a outras dependem desse juízo de valoração realizado pelo juiz de 1.ª instância, com base na imediação, ainda que condicionado pela aplicação das regras da experiência comum.
            Assim, a atribuição de credibilidade, ou não, a uma fonte de prova testemunhal ou por declarações, tem por base uma valoração do julgador fundada na imediação e na oralidade, que o tribunal de recurso, em rigor, só poderá criticar demonstrando que é inadmissível face às regras da experiência comum (cf. Acórdão da Relação do Porto, de 21 de Abril de 2004, Processo: 0314013, www.dgsi.pt).
            Quer isto dizer que a ausência de imediação determina que o tribunal de 2.ª instância, no recurso da matéria de facto, possa alterar o decidido pela 1.ª instância se as provas indicadas pelo recorrente impuserem decisão diversa da proferida [al. b) do n.º3 do citado artigo 412.º] – neste sentido, o Ac. da Relação de Lisboa, de 10.10.2007, proc. 8428/2007-3, disponível para consulta em www.dgsi.pt).
A operação intelectual em que se traduz a formação da convicção não é, assim, uma mera opção voluntarista sobre a certeza de um facto, e contra a dúvida, nem uma previsão com base na verosimilhança ou probabilidade, mas a conformação intelectual do conhecimento do facto (dado objectivo) com a certeza da verdade alcançada (dados não objectiváveis), e para ela concorrem as regras impostas pela lei, como sejam as da experiência, da percepção da personalidade do depoente – aqui relevando, de forma muito especial, os princípios da oralidade e da imediação – e da dúvida inultrapassável que conduz ao princípio “in dubio pro reo” (cf. Ac. do T. Constitucional de 24/03/2003, DR. II, nº 129, de 02/06/2004, 8544 e ss. e Prof. Figueiredo Dias, Direito Processual Penal, 1ª Ed., 1974, Reimpressão, 205).

3.6. Vejamos, então, se houve ou não erro de julgamento nestes autos.
Invoca o recorrente que foi erroneamente dada como provada a factualidade 10 a 16, na parte referente ao uso de violência para «continuar na posse do montante pecuniário que havia momentos antes subtraído».
Invoca os depoimentos das testemunhas TP... e DD...como sendo insuficientes para o condenar por tal crime.
Por tal motivo, entende que deveria ANTES TER SIDO CONDENADO POR UM MERO CRIME DE FURTO, em obediência até ao princípio do «in dubio por reo».
Defendeu-se, assim, o tribunal «a quo» neste jaez:
«- quanto aos factos referidos em C supra, foram valoradas
· as declarações do arguido PC..., que confessou tais factos, descrevendo como tudo se passou e assumindo a consciência da ilicitude dos mesmos  (embora dizendo que não forçou a fechadura, mas apenas a abertura da porta, e que não deu pontapés ao funcionário, apenas o empurrando),
· tendo ainda sido considerado o depoimento da testemunha TP… (que disse ser funcionário desse posto ...), o qual referiu os factos ocorridos, designadamente a forma como o indivíduo entrou na loja ..., forçando as portas (que são de abertura automática, mas estavam fechadas, sendo o atendimento nocturno dos clientes feito pelo guichet), bem como aquilo de que se apropriou, a tentativa de o impedir que fugisse com o dinheiro e a reacção do mesmo, além de mencionar a fuga na viatura, cuja matrícula recolheu, onde estava outro indivíduo, confirmando o relato de ocorrência que então fez para a gerência, que agora examinou (fls. 33 e 34, onde descreve como tudo se passou, designadamente o ter sido pontapeado), o que não deixou dúvidas quanto à actuação do arguido PC...para consumar a apropriação e sua intencionalidade, atingindo fisicamente tal funcionário, sendo também essa a normalidade das coisas numa situação detecção em flagrante delito, como a presente (o relato da testemunha foi claro, ainda que tenha referido não saber se esse pontapé foi intencional, mas tal deduz-se do que foi descrito).
· Mais foram valorados os depoimentos das testemunhas ND... e DD... (respectivamente gerente e funcionário desse Posto ...), referindo o primeiro a ocorrência que lhe foi participada e também o valor que estaria na caixa e que foi subtraído e descrevendo o segundo o que verificou na altura, confirmando o relatório então redigido (fls. 35).
· Foi ainda valorado o reconhecimento do arguido PC...efectuado pela testemunha TP...na PSP, em cujo auto, agora confirmado, descreve também a actuação deste (fls. 73)».
Invoca o recorrente (na motivação, diga-se, assente que nas conclusões é muito lacónico) que não resultou provado que ele tenha agredido o TP...de modo intencional e premeditado, dando-lhe um pontapé e colocando-o assim em posição de impossibilidade de lhe resistir.
Entende o recorrente, mais uma vez na motivação que não nas conclusões, que foi manietado pelo dito TP...e que apenas se tentou livrar daquele «pois temia pela sua integridade física»

3.7. Ouvimos[3] as gravações dos depoimentos em causa, ou seja:
· Depoimentos das testemunhas TP...e DD...- sessão de 25/5/2010;
· Depoimento do arguido – sessão de 25/5/2010.
Quanto ao arguido, referiu que forçou as portas automáticas para entrar no local, tendo sido surpreendido pelo empregado TP..., não lhe tendo dado pontapé mas apenas um empurrão com as mãos para se libertar dele.
Já o TP... – que reconheceu o arguido em acto constante de fls 73 – referiu que viu o arguido aninhado atrás do balcão, tendo-o agarrado pelo braço a fim de lhe tirar o dinheiro subtraído.
Em certa altura, o arguido deu-lhe um esticão com o pé, reagindo com mais força,  e conseguiu fugir.
A testemunha fala mesmo em «pontapé para trás», não sabendo precisar se foi feito com intencionalidade.
A testemunha DD...pouco adianta sobre este assunto pois apenas ouviu o barulho de um carro a fugir do local, não tendo visto o dito pontapé.
Parece-nos, após ouvir a prova gravada, que o que aconteceu foi um pontapé dado pelo arguido (sendo essa a violência exigida pelo tipo legal do artigo 211º do CP) na tentativa de se soltar para se colocar em fuga, não podendo deixar de se admitir, sendo esse o normal acontecer das coisas, que ele o tenha também feito para conseguir levar o dinheiro que o TP...não tinha ainda conseguido retirar-lhe.
Essa foi a convicção do Colectivo, quando refere que:
· «o que não deixou dúvidas quanto à actuação do arguido PC...para consumar a apropriação e sua intencionalidade, atingindo fisicamente tal funcionário, sendo também essa a normalidade das coisas numa situação detecção em flagrante delito, como a presente (o relato da testemunha foi claro, ainda que tenha referido não saber se esse pontapé foi intencional, mas tal deduz-se do que foi descrito)».
Como tal, manteremos a factualidade tal como foi dada como apurada no acórdão recorrido, não tendo a audição das gravações mudado a nossa perspectiva e a leitura dos acontecimentos ocorrido em 8/11/2008, naquela Bomba da ... – o arguido agiu, usando da força física para imobilizar o TP...e dele escapar, visando colocá-lo na impossibilidade de lhe resistir e desse modo fazer seu o resto da quantia monetária que ainda tinha consigo (e note-se que se tem entendido que, a título de elemento subjectivo do tipo, se exige que o agente deve ter exclusiva ou predominantemente o dolo de manter as coisas subtraídas[4], podendo ser defendido que, in casu, o arguido teve predominantemente essa intenção específica, embora não exclusiva na medida em que também pretendeu escapar do «agarrar» do TP...).
É certo que se terão agarrado mutuamente, mas parece-nos simplista e irrealista pensar que o arguido não teria agido com a intenção de conservar o dinheiro ao dar o pontapé ao TP...– tanto trabalho para nada, não nos parece admissível!
O crime do artigo 211º do CP – apelidado por «crime de roubo impróprio» - é um delito de dano (quanto ao grau de lesão do bem jurídico protegido) e de resultado (quanto à forma de consumação do ataque ao objecto da acção), ocorrendo após a consumação do furto inicial (neste caso, qualificado pela agravativa «arrombamento» mas desqualificado pelo valor diminuto da coisa furtada) – cfr. artigo 204º/4, aqui aplicável «ex vi» artigo 210º/2 b) in fine do CP.
Bem qualificou o Colectivo esta factualidade, mantendo-a nós (e note-se que apenas precisou o Colectivo de alterar a qualificação jurídica dos factos narrados na acusação, não havendo factos novos, portanto, procedendo a tal comunicação, nos termos do artigo 358º/1 e 3 do CPP – cfr. fls 419 – acta de 23/6/2010).
            Em conclusão, há que dizer que o tribunal estava habilitado a decidir como decidiu - ao concluir da forma como o fez, o tribunal a quo observou as regras da experiência comum que balizam o princípio da livre apreciação da prova, assente que a versão provada é a única que se impõe pela lógica na correlacionação de circunstâncias entre os factos, com que o cidadão comum interpretaria as circunstâncias descritas.
           
3.8. Nem o princípio «in dubio pro reo» poderá aqui ser invocado pois não houve qualquer dúvida na mente dos 3 julgadores de Aveiro (revelando-se a única conclusão possível e admissível face ao cotejo da prova produzida, ao encadeamento lógicos dos factos, sendo tal raciocínio perfeitamente legítima face ao conteúdo permitido da livre apreciação da prova).
De facto, o arguido não tem qualquer razão em invocar a violação do princípio in dubio pro reo, desde logo porque este princípio só deve ser aplicado quando os elementos probatórios, no seu conjunto, não foram suficientes para o julgador formar a sua convicção num sentido ou noutro, como refere o acórdão desta Relação de Coimbra, de 24/03/2004 (em www.dgsi.pt/jtrp).
            Ao decidir como decidiu, não se alcança que o tribunal a quo tenha valorado contra o arguido qualquer estado de dúvida em que tenha ficado sobre a existência dos factos, do mesmo modo que também não se infere que o tribunal recorrido, que não teve dúvidas, devesse efectivamente ter ficado num estado de dúvida insuperável, a valorar nos termos do princípio in dubio pro reo. Não se verificou, por conseguinte, qualquer violação dos princípios da presunção de inocência e in dubio e dos artigos 340.º, 355.º e 356.º, do C.P.P., como sem razão o recorrente invoca.
O princípio in dubio pro reo[5], com efeito, «parte da dúvida, supõe a dúvida e destina-se a permitir uma decisão judicial que veja ameaçada a concretização por carência de uma firme certeza do julgador» – Cristina Líbano Monteiro, «In Dubio Pro Reo», Coimbra, 1997 -, sendo certo que a «dúvida que há-de levar o tribunal a decidir pro reo tem de ser uma dúvida positiva, uma dúvida racional que ilida a certeza contrária, ou, por outras palavras ainda, uma dúvida que impeça a convicção do tribunal» - Ac. STJ de 25-10-2007, in proc. 07P3170.
A diversidade das versões expostas não faz, necessariamente, operar o princípio in dubio pro reo. Este pressupõe um juízo positivo de dúvida resultante de um inultrapassável impasse probatório.
Circunstância que não ocorre in casu, já que consideramos que o tribunal recorrido valorou os meios de prova de acordo com a experiência comum e com critérios objectivos – e provas bastantes - que permitem estabelecer um “substrato racional de fundamentação e convicção”, com o apoio de presunções naturais, “juízos de avaliação através de procedimentos lógicos e intelectuais, que permitam fundadamente afirmar, segundo as regras da experiência, que determinado facto, não anteriormente conhecido nem directamente provado, é a natural consequência, ou resulta com toda a probabilidade próxima da certeza, ou para além de toda a dúvida razoável, de um facto conhecido“ – v. g. Ac. do Supremo Tribunal de Justiça de 07-01-2004 (Proc. 03P3213 - Rel. Cons. Henriques Gaspar - SJ200401070032133).
            Razão pela qual não há que alterar a matéria de facto quanto aos pontos sindicados no recurso.
           
            3.9. Em CONCLUSÃO, da análise da prova produzida, através da audição dos depoimentos gravados, tudo confrontado com a motivação da decisão de facto, sem esquecer que o recurso é um remédio e não um segundo julgamento, conclui-se que inexistem quaisquer razões para alterar o juízo probatório constante do acórdão recorrido, mantendo-se, em consequência, toda a matéria de facto dada como provada na decisão «a quo».           
            Improcedem, assim, as conclusões 4 a 13.

            3.10. Também improcede a conclusão 14ª e 15ª, na medida em que foi bem cumprido o teor do artigo 358º, n.º 1 e 3 do CPP na acta de 23/6/2010, na presença do ilustre defensor subscritor do recurso que ora se analisa (cfr. fls 419), nada tendo ele requerido.
Como tal, não se compreende esta alegação, quando é certo que o acto que se denuncia não ter sido feito afinal o foi, como bem expressa a acta de 23 de Junho de 2010, não alvo de qualquer incidente de falsidade.

3.11. Resta falar da pena aplicada ao arguido recorrente.
Justificou assim o Colectivo tal pena:
            «Importa, agora, proceder à escolha e graduação das penas a aplicar. (…) e o crime de roubo simples, com violência depois da subtracção, é punido com pena de prisão 1 a 8 anos (quanto aos mínimos da prisão ou multa, não mencionados nas citadas normas incriminadoras, cfr. os arts. 41º nº 1 e 47º nº 1 do C. Penal). 
(…)
Na determinação da pena concreta, dentro dos mencionados limites, há que ter em consideração a culpa dos arguidos (…) e PC...e as exigências de prevenção de futuros crimes, devendo ainda atender-se a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de ilícito, deponham a favor e contra eles (art. 71º do mesmo Código). As directrizes a observar são, por um lado, a culpa do agente, que impõe uma retribuição justa e, por outro, as exigências decorrentes do fim preventivo especial, ligadas à reinserção social do delinquente e as exigências decorrentes do fim preventivo geral, ligadas à contenção da criminalidade e à defesa da sociedade (cfr. Acs. do STJ de 24-02-93, BMJ 424º, 405 e da RC de 17-01-96, CJ I, 38).
            No caso presente, atender-se-á ao grau moderado da ilicitude dos factos (em face dos elementos que já fazem parte dos tipos incriminadores), sendo de ter em conta a forma da execução dos ilícitos, no caso do arguido PC...com entrada ilegítima no estabelecimento, forçando a respectiva porta (o que se valora agora por não ter sido considerado para qualificar o crime), e os valores subtraídos, não muito significativo, sendo que persistem os prejuízos; à elevada intensidade do dolo, na modalidade de directo, com que os arguidos (…) e PC...actuaram, querendo apoderar-se de bens de terceiro, obtendo benefícios ilegítimos; à existência de várias condenações criminais, anteriores a estes factos, o que é de ter em conta e revela uma personalidade propensa para o crime; à actual situação de reclusão do arguido PC.... Ponderando todos estes elementos e tendo em consideração as elevadas necessidades de prevenção, não só especial, mas também de ordem geral, que designadamente nos crimes de furto e roubo se fazem sentir, atenta a sua elevadíssima frequência e o alarme social que provocam, bem como a postura que cada um assumiu em audiência, admitindo esses factos, afigura-se adequado aplicar ao arguido (…) PC... a pena de 2 anos de prisão.
            Dispõe o artigo 50º, nº 1, do Código Penal (na redacção introduzida pela Lei 59/2007, de 04-09, em vigor desde 15-09-2007) que “O tribunal suspende a execução da pena de prisão aplicada em medida não superior a cinco anos se, atendendo à personalidade do agente, às condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste, concluir que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada as finalidades da punição.”
Contudo, não basta que a pena aplicada seja igual ou inferior a cinco anos, antes se impondo, para se poder determinar a suspensão da sua execução, a conclusão de que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada as finalidades da punição. E para chegar a essa conclusão tem de atender-se à personalidade do arguido, às condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste. Ou seja, não é relevante, por si só, a afirmação do arguido de que vai corrigir-se e que não cometerá outros crimes, sendo essa conclusão a extrair da sua personalidade e condições de vida, bem como do seu comportamento anterior e posterior aos factos, concretamente em termos de condenações criminais, e também das circunstâncias em que aqueles foram praticados. De todos esses elementos deve ressaltar um juízo de prognose favorável ao arguido, que leve o Tribunal a optar pela não execução da pena de prisão. Importa ainda considerar que mesmo a efectiva reintegração social do agente não pode relegar, para plano secundário, a prevenção geral e especial positiva, como finalidade também principal das penas (art. 40º do C. Penal).  
            Como refere Figueiredo Dias, o tribunal terá sempre de concluir “por um prognóstico favorável relativamente ao comportamento do delinquente”, para a formulação do qual “não pode bastar nunca ou só a personalidade ou só as circunstâncias do facto”, sendo certo que a existência de condenações anteriores tornam o prognóstico favorável “bem mais difícil e questionável”. Em todo o caso, “a suspensão da execução da prisão não deverá ser decretada se a ela se opuserem as necessidades de reprovação e prevenção do crime”, já que estão aqui em questão “considerações de prevenção geral sob a forma de exigências mínimas e irrenunciáveis de defesa do ordenamento jurídico”. Assim, havendo “razões sérias para duvidar da capacidade do agente de não repetir crimes, se for deixado em liberdade, o juízo de prognose deve ser desfavorável e a suspensão negada” (in Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime, Reimpressão, Coimbra Editora, 2005, págs. 342 a 344). 
            No caso presente, apesar da pena ser inferior a cinco anos, atenta a gravidade dos factos e o passado criminal do arguido PC..., com condenações recentes em penas de prisão efectiva e actualmente em reclusão, não apresentando qualquer projecto de vida estável que permita concluir que a ameaça da pena seria suficiente para assegurar as finalidade da punição, não se determina a sua suspensão, por não estarem verificados os requisitos legais (enunciados no citado art. 50º, nº 1, do C. Penal).
(…)»
            Vejamos.
O artigo 71º, n.º 1 do CP estabelece o critério geral segundo o qual a medida da pena deve fazer-se em função da culpa do agente e das exigências de prevenção. O n.º 2 desse normativo estatui que, na determinação da pena, há que atender a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, deponham a favor e contra ele.
            Na determinação da medida concreta da pena, dispõe o artigo 71.º, n.º 1 do C. Penal que ela é feita, dentro dos limites definidos na lei, em função da culpa do agente e das exigências prevenção, atendendo-se a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, depuserem a favor ou contra o agente, designadamente de entre as que constam do elenco do n.º 2, da mesma norma legal.
A medida concreta da pena há-de ser, assim, o quantum que é encontrado, de forma intelectual pelo julgador, através do racional e ponderado funcionamento dos conceitos de «culpa» e «prevenção, sendo a culpa o limite inultrapassável da punição concreta e casuística.
Dentro dos limites da moldura penal, há-de ser a culpa que fixa o limite máximo da pena que no caso será aplicada – a finalidade de prevenção geral de integração ou positiva orienta a determinação concreta da pena abaixo do limite máximo indicado pela culpa, aparentando-se mais com a prevenção especial de socialização, sendo esta a determinar, em última instância, a medida final da pena.
A determinação da pena dentro dos limites da moldura penal é um acto de discricionariedade judicial, mas não uma discricionariedade livre como a da autoridade administrativa quando esta tem de eleger, de acordo com critérios de utilidade, entre várias decisões juridicamente equivalentes, mas antes de uma discricionariedade juridicamente vinculada.
O exercício dessa discricionariedade pelo juiz na individualização da pena depende de princípios individualizadores em parte não escritos, que se inferem dos fins das penas em relação com os dados da individualização - trata-se da aplicação do DIREITO e, como acontece com qualquer outra operação nesse domínio, “mesclam-se a discricionariedade e vinculação, com recurso a regras de direito escritas e não escritas, elementos descritivos e normativos, actos cognitivos e puras valorações” (SIMAS SANTOS).
Neste domínio, o julgador tem de traduzir numa certa quantidade (exacta) de pena os critérios jurídicos de determinação dessa mesma pena...
            Sublinhe-se que estes constituem os princípios regulativos que deverão estar subjacentes à determinação de qualquer pena, funcionando a culpa como fundamento da punição em obediência ao princípio “nulla poena sine culpa” e limite máximo inultrapassável da pena, atendendo à dignidade da pessoa humana.
A prevenção, na sua vertente positiva ou de integração, mostra-se ligada às necessidades comunitárias da punição do caso concreto, e irá fixar os limites dentro dos quais a prevenção especial de socialização irá determinar, em última instância, a medida concreta da pena.
Na verdade, só se justificará a aplicação de uma pena se ela for necessária e na exacta medida da sua necessidade, ainda que sempre subordinada a uma incondicionável proibição de excesso, conquanto, ainda que necessária, a pena que ultrapasse o juízo de censura que o agente mereça é injusta e dessa forma inadmissível.
            Ora, aqui chegados, e com este pano de fundo, só há que considerar que a pena – 2 anos de prisão[6] - se mostra equilibrada e ajustada às reais necessidades de prevenção que se sentem neste caso em que este homem prevarica reiteradamente depois de ter cumprido penas de prisão efectivas pela prática de crimes semelhantes.
            Os argumentos do recorrente são absolutamente genéricos e pouco eivados em factos justificativos da pura alegação, ficando sem se saber o que significa, de facto, o termo “pena reduzida” aposto nas alegações de recurso (fls 481).
Em lado nenhum do acórdão se dá como provado, como ele subentendidamente pretende, que o arguido já não consome droga há 2 anos (apenas se apurou o facto 24, ou seja, que iniciou tratamento à toxicodependência depois de ficar preso, em Janeiro de 2009, o qual ainda mantém no EP de Custóias).
Estar em tratamento não significa estar completamente limpo da droga…
Não podemos olvidar que são muitas as situações criminais em que o arguido se envolveu no passado, funcionando a sua condição de toxicodependente como circunstância agravante face às reiteradas recaídas no consumo (somos nós que podemos também escolher o nosso próprio destino, passageiros de um tempo igualmente por nós determinado).
Não se pode ignorar que, mesmo em reclusão, o arguido «evidencia dificuldades de adaptação ao meio prisional e de cumprimento das normas aí instituídas, tendo sido alvo de sanções disciplinares, com vários dias de isolamento», «revelando incapacidade para definir objectivos ou projectos de realização pessoal ou socio-profissional normalizados», como consta do relatório da DGRS (fls 313-315).
São, na realidade, prementes as exigências de prevenção especial, face ao já aqui aludido passado criminal do arguido (se é certo que acreditamos que um erro na vida não significa uma vida de erros, também cremos que são demasiados erros na vida deste homem, sem projecto de vida definido, erros estes que têm de ser devida e exemplarmente sancionados, atento o alarme social das suas condutas anti-sociais, a sua reiterada desocupação, propícia à ilicitude e as características das suas personalidades assaz indiferentes ao desvalor das suas condutas).
Como tal, não nos parece excessiva a pena de 2 anos de prisão, constantes do acórdão recorrido, pena que manteremos, mantendo também a sábia decisão de não suspender a execução desta pena, assente os critérios plasmados no artigo 50º do CP (aliás, no recurso não se pede tal suspensão).

3.12. Finalmente, PORQUE NÃO APLICAR ao arguido uma pena relativamente indeterminada, como prescreve o artigo 88º do CP, normativo mencionado nas conclusões 1ª a 3ª?
Invoca o recorrente que, sendo toxicodependente, deve ser aplicado «o regime do cálculo da medida da pena em relação aos alcoólicos».
O problema dos delinquentes por tendência constituiu sempre objecto da maior preocupação do legislador penal.
«Antes de mais, surge a neces­sidade de defesa da comunidade em que ele se integra e, além disso, considerando os mencionados princípios, cumpre implementar esforços no sentido da sua reinserção social.
Nos termos do artigo 67° do Código Penal de 1886, na redacção que lhe deu o Decreto-Lei nº 184/72, de 31 de Maio, as penas de prisão ou de prisão maior aplicadas a delinquentes de difícil correcção, em que se incluíam os delinquentes habituais e por tendência, podiam «ser pror­rogadas por dois períodos sucessivos de três anos», verificando-se a manu­tenção da sua «perigosidade» e a falta de idoneidade do «condenado» para seguir vida honesta.
Iluminado o nosso ordenamento penal pela luz dos assinalados prin­cípios da culpa e da ressocialização, alicerçados, repita-se, no princípio da dignidade humana, entendeu o legislador instituir o sistema da pena relativamente indeterminada para os delinquentes por tendência e para os alcoólicos e equiparados».
Esta pena, segundo Eduardo Correia, surge como corolário da referência da culpa à persona­lidade do delinquente.
Citemos, a propósito, o ensinamento do mesmo autor, nas suas Li­ções de Direito Criminal, pp. 321 e 328, ed. de 1971:
· «Certo que a medida da punição poderá ir além da moldura penal do facto quando o modo de ser, que o agente não dominou, permite diagnosticar uma especial perigosidade - caso em que a culpa pela não preparação de personalidade passa a fundamentar, autonomamente, a pu­nição»;
· «Finalmente, deve acentuar-se que a teoria da culpa referida à perso­nalidade, tal como a deixamos exposta, se não pode nunca servir para justificar um prorrogamento indefinido da pena, tal como o conhece o nosso actual direito criminal, conduz, na sua lógica, à aceitação de uma pena indeterminada» - cf., sobre o problema, «Os Novos Rumos da Po­lítica Criminal e o Direito Penal Português do Futuro», do Prof. Doutor Figuei­redo Dias, separata da Revista da Ordem dos Advogados, pp. 36 e 37; «As Grandes Linhas da Reforma Penal», do Prof. Doutor Eduardo Correia, in Jor­nadas de Direito Criminal, I, 31; «O Novo Código Penal e a Moderna Criminologia», do Prof. Doutor Manuel da Costa Andrade, in Jornadas, I, p. 211; Iescheck, loc, cit., p. 108 e 118; Roxin, ib., p. 24; «Da Pena Relativa­mente Indeterminada na Perspectiva da Reinserção Social do Recluso», pela Prof. Doutora Anabela Miranda Rodrigues, in Jornadas, I, pp. 287 e segs.; «Al­gumas Considerações sobre o Sistema Monista das Reacções Criminais», do Dr. Lopes Rocha, BMJ, nº 323, pp. 19 e segs.
É sabido que a instituição da pena relativamente indeterminada aparece-nos pela primeira vez no firmamento jurídico consagrado no artigo 83º do Código
Penal, e teve por fonte o artigo 95º do Projecto da Parte Geral do Código Penal, discutido na 29ª Sessão da Comissão Revisora (cfr. BMJ 150/49).

Efectivamente, do relatório da proposta de Lei n. 221/I decorrem necessariamente os seguintes ensinamentos, em tese geral:
1. Trata-se de uma medida unificada de duração relativamente indeterminada e não de uma medida de segurança;
2. O factor condicionante da aplicação da pena relativamente indeterminada continua a ser o facto, mas aliado a personalidade do agente que, por via dele, acusa certos aspectos e tendências que estão no fundamento da sua produção e que ameaçam conduzir o agente a reiterá-los;
3. Esses aspectos e tendências tornam o agente como um ser perigoso, perigosidade essa que justifica, só por si, uma especial censura ético-jurídica, por ele as não ter dominado e corrigido, como podia e devia; e
4. A aplicação da pena relativamente indeterminada tem assim como finalidade única a recuperação social do delinquente, ajudando-o a moldar a sua defeituosa personalidade no respeito pelas regras mínimas de convivência, corrigindo-o e assegurando a sua reintegração social.
Os princípios da culpa e da ressocialização, ambos assentes no princípio constitucional da dignidade humana, encontram especial expres­são no Código Penal de 1982 ao estabelecer a pena relativamente inde­terminada.
Ou seja, a pena relativamente indeterminada, ao fixar um mínimo e um máximo precisamente definidos na lei, visa alcançar a reinserção social do delinquente, sem quebra da sua dignidade como homem[7].
Segundo o aludido artigo 83º, duas são as modalidades de requisitos exigidos:
· uns de natureza formal, relativos a vida negativa do agente; e
· um outro de cariz material e atinente a configuração actual da personalidade do delinquente.
Constituem os primeiros: a) a prática de agente de um crime doloso a que devesse aplicar-se, concretamente, prisão por mais de dois anos; b) que o agente haja praticado anteriormente dois ou mais crimes dolosos a cada um dos quais tenha sido aplicada prisão, também por mais de dois anos e c) Não tenham decorrido mais de cinco anos entre a prática do crime anterior e a do crime seguinte, não se computando nesse prazo o período durante o qual o delinquente cumpriu qualquer pena de prisão ou qualquer medida de segurança privativa da liberdade.
Finalmente, o elemento material concretizado no facto de o agente revelar acentuada inclinação para o crime e que no momento da condenação ainda persista, demonstrada através da avaliação conjunta dos factos praticados e da personalidade do agente.
Vem ainda a jurisprudência defendendo que a aplicação da pena relativamente indeterminada – uma sanção criminal de natureza mista, já que é executada como pena até ao momento em que se mostrar cumprida a pena que concretamente caberia ao crime, sendo executada como medida de segurança a partir deste momento e até ao seu limite máximo - não resulta "ipso facto" da verificação dos requisitos formais (certo número de condenações atestadas no certificado do registo criminal do arguido) mas também de um juízo de valor alicerçado em factos provados e que, por isso, devem constar do despacho de pronúncia e da acusação[8], sob pena de o arguido ser surpreendido com a sobreposição de uma medida tão gravosa como e a aplicação de uma pena relativamente indeterminada e a respeita da qual não lhe foi possível tomar posição quanto a ela.
Tudo isto, porém, como princípio geral.
A lei penal, permite a aplicação da medida em estudo em outros casos, designadamente os enunciados nos artigos 84º, 86º e 88º.
Estatui o artigo 86º:
"1 - Se um alcoólico habitual ou com tendência para abusar de bebidas alcoólicas praticar um crime a que devesse aplicar-se concretamente prisão, será punido com uma pena relativamente indeterminada, sempre que o crime tenha sido praticado em estado de embriaguez ou estado relacionado com o alcoolismo ou a tendência do agente...".
Por seu lado, o artigo 88º reza assim:
"O que fica disposto para os alcoólicos e aplicável com as devidas adaptações, aos delinquentes que abusem de estupefacientes"
Deste modo, há que concluir que, também nas hipóteses dos alcoólicos e dos que abusam dos estupefacientes, «na sua qualidade de estados de pré-criminalidade», a lei permite a aplicação de uma pena relativamente indeterminada, desde que provados fiquem determinados factos invocados no libelo acusatório, ou mais precisamente determinados elementos formais e materiais, como, aliás, acontece em tese geral.
Na verdade, e como refere Figueiredo Dias[9], os pressupostos de que depende a aplicação de uma pena relativamente indeterminada apresentam, nos termos do art. 86.°-1, uma tríplice natureza:
· respeitam por um lado à personalidade e ao comportamento social do agente,
· por outro lado ao crime praticado,
· por outro ainda ao relacionamento entre este crime e a personalidade do agente.
É necessário, em primeiro lugar, que o agente seja, nos termos da lei, «um alcoólico» - ou toxicodependente - ou uma pessoa «com tendência e para abusar de bebidas alcoólicas».
Como refere o doutrinador, a distinção entre aquele e esta é evanescente e, em definitivo, privada de conteúdo, por ser óbvio que um alcoólico não pode deixar de ser uma pessoa com tendência para abusar de bebidas alcoólicas. O que importa pois, num caso como no outro, é a tendência para ingerir em excesso bebidas alcoólicas (ou, nos termos do art. 88.° para abusar de estupefacientes). Tanto importando, para o efeito, que a tendência se revele disposicional ou adquirida, culposa ou não culposa: importante é só que ela exista e se revele de uma forma mais ou menos intensa, criando no agente repetidos estados de embriaguez ou de intoxicação, com as consequências que a tais estados normalmente se ligam em matéria social e, em particular, criminal.
Necessário se toma, em segundo lugar, que o agente tenha praticado «um crime a que devesse aplicar-se concretamente prisão», valendo aqui, por identidade de razão, a exigência de que se trate de prisão efectiva.
Finalmente, é exigido que «o crime tenha sido praticado em estado de embriaguez ou esteja relacionado com o alcoolismo ou a tendência do agente» (art. 86.°-1). Necessário se toma, por outras palavras, que o facto praticado seja expressão da tendência que possui o agente e que, em consequência, deste sejam de esperar novos factos ilícito-típicos da mesma espécie.
Vejamos o nosso caso.

3.13. Nada constava da acusação dos autos sobre a sua alegada toxicodependência (cfr. fls 102-103 do Pº apenso 142/08).
De facto, relativamente ao requisito material atrás mencionado, há que concluir que os factos que mediatizam tal pressuposto não constam da acusação, circunstância que, em nosso entender, acaba por afastar a aplicabilidade da pena relativamente indeterminada, por constituir "conditio sine quad non" da sua aplicação, pois, de contrário, ir-se-ia surpreender e prejudicar na sua defesa o arguido.
Contudo, mesmo a tal não se considerar, o certo é que a decisão recorrida não deu como provados quaisquer factos que concretizem o chamado elemento material.
Deu-se aí como provado apenas que:
«22) O arguido PC...era consumidor de heroína e cocaína, o que fazia desde cerca dos 14 anos de idade, vivendo na altura sózinho num apartamento arrendado.
23) Trabalhou algum tempo como carpineteiro confrador em obras de construção civil, em Espanha, vindo depois a ficar inactivo profissionalmente, praticando actos ilícitos para obter dinheiro para adquirir as drogas.
24) Iniciou tratamento à toxicodependência depois de ficar preso, em Janeiro de 2009, o qual ainda mantém no Estabelecimento Prisional de Custóias».
Ora, perante este reduzido manancial fáctico, não podemos de forma alguma concluir que o recorrente seja um "toxicodependente” - «pessoa que padece de uma dependência que lhe provoca uma alteração psiquiátrica da personalidade» - a  que tenha de ser aplicada uma pena relativamente indeterminada.
Além disso, nada nos autoriza a concluir, com segurança, que o crime a que o presente processo se reporta haja sido cometido pelo recorrente por força do estado de toxicodependência ou que esteja relacionado com a tendência do agente para o abuso de estupefacientes.
Melhor explicando: embora se haja provado que o arguido era consumidor de drogas à data dos eventos, o certo é que não se provou o nexo de causalidade entre esse estado e o cometimento do crime a que o processo alude.
Sabemos que o facto 23 diz-nos que ele praticou factos ilícitos para obter dinheiro para adquirir droga, mas não resultou provado que este específico crime tenha sido levado a efeito para esse fim e com esse desiderato.
Por sua vez, não olvidamos que este pressuposto material reside na especial perigosidade do agente associada ao seu abuso de estupefacientes, supondo a aplicação de uma pena deste jaez uma especial relação entre o facto e o estado de toxicodependência do agente, por um lado, e por outro, uma acentuada tendência para a prática de outros crimes em semelhante estado ou em virtude de tal estado.
Como tal, embora tenhamos um agente a quem será aplicada pena de prisão e a quem foi já aplicada igual pena por igual delito, a verdade é que falece o pressuposto material exigido por lei (artigo 86º/1 in fine do CP), por carência factual, para a qual também terá concorrido o próprio arguido ao não «contestar» a acção com esse fundamento (e se trouxesse esse factos à contestação, com toda a certeza o tribunal teria de os verter no elenco dos factos provados ou dos não provados).
Nesse sentido, e na carência de factos que integrem os requisitos do artigo 86º (por força do 88º) do CP, não é de sufragar a tese do recorrente, segundo a qual lhe deveria ter sido aplicada uma pena relativamente indeterminada.
3.14. Termos em que se conclui que o recurso do arguido improcede na sua totalidade.



                       ********************************




            III – DISPOSITIVO
           
Em face do exposto, acordam os Juízes da Secção Criminal desta Relação em negar provimento ao recurso, MANTENDO na íntegra o acórdão de 1ª instância.

            Comunique de imediato o teor desta decisão ao tribunal de 1ª instância.

            Condena-se o arguido em custas, com a taxa de justiça fixada em 5 UCs (artigos 513º, n.º 1 do CPP e 87º, n.º 1, alínea b) do CCJ).
Paulo Guerra (Relator)
Vieira Marinho

[1] Diga-se aqui que são só as questões suscitadas pelo recorrente e sumariadas nas conclusões da respectiva motivação que o tribunal de recurso tem de apreciar (cfr. Germano Marques da Silva, Volume III, 2ª edição, 2000, fls 335 - «Daí que, se o recorrente não retoma nas conclusões as questões que desenvolveu no corpo da motivação (porque se esqueceu ou porque pretendeu restringi8r o objecto do recurso), o Tribunal Superior só conhecerá das que constam das conclusões»).

[2] Cf. Acórdão da Relação do Porto de 11/7/2001, processo n.º 01110407, lido em www.dgsi.pt/trp.
[3] E a voz ouvida tem uma importância capital. Mas não é tudo, como é bem de ver...
Como opina o Acórdão da Relação de Évora, datado de 18/3/2010 (Pº 22/07.0GACUB.E1):
«1. Na tarefa da valoração da prova exige-se ao julgador uma apreciação crítica e racional, fundada nas regras da experiência, nas da lógica e da ciência, sem descurar a percepção – que a imediação potencia – da personalidade do depoente.
2. A voz não é o único canal comunicativo, sendo normalmente apreciado, pelo destinatário de qualquer mensagem, como um dos elementos da mesma, mas considerado numa avaliação global de toda a comunicação estabelecida. A voz é o canal mais informativo em qualquer comunicação, mas há que coaduná-la com elementos como expressões faciais, gestuais e corporais.
3. Em primeira instância, na apreciação do depoimento dá-se relevância aos aspectos verbais, mas também se considera a desenvoltura do depoimento, a comunicação gestual, o refazer do itinerário cognitivo, o tom de voz, as alterações na frequência vocal, as hesitações, o período de silêncio entre a pergunta e a resposta, os silêncios, a frequência dos períodos de silêncio no decurso do discurso, durante o discurso, os olhares para os advogados e as partes, antes, durante e depois da resposta, os gestos, movimentos corporais etc. Releva-se, ainda, a preocupação que a testemunha revela com o efeito do deu depoimento, em cada uma das partes, nos advogados, no Tribunal, a feitura ou não de alterações no tipo de discurso, e toda uma série de circunstâncias insusceptíveis de captação por um registo de áudio. Todos estes indicadores são importantes e podem ser reveladores até da mentira.
4. Consequentemente, a prática de registo da voz das testemunhas, em sistema áudio, e a sua reapreciação pelo Tribunal de 2.ª instância, é insatisfatória e está longe de conduzir aos melhores resultados. Por isso, quando o julgador da primeira instância atribui, ou não, credibilidade a uma fonte de prova - testemunhal ou por declarações - porque a opção tomada se funda na oralidade e na imediação, o Tribunal de recurso, em princípio, só a deverá censurar quando for feita a demonstração de que a opção tomada carece de razoabilidade, violando as regras da experiência comum».
[4] Sendo, pois, um crime de resultado cortado
[5] Aludamos aqui ao teor do acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 10.1.2008 (proc. 07P4198, em www.dgsi.pt, o qual cita profusamente Cristina Líbano Monteiro:
«De todo o modo, não haverá, na aplicação da regra processual da livre apreciação da prova (art. 127.º do CPP), que lançar mão, limitando-a, do princípio «in dubio pro reo» exigido pela constitucional presunção de inocência do acusado, se a prova produzida [ainda que «indirecta»], depois de avaliada segundo as regras da experiência e a liberdade de apreciação da prova, não conduzir – como aqui não conduziu - «à subsistência no espírito do tribunal de uma dúvida positiva e invencível sobre a existência ou inexistência do facto». O “in dubio pro reo”, com efeito, «parte da dúvida, supõe a dúvida e destina-se a permitir uma decisão judicial que veja ameaçada a concretização por carência de uma firme certeza do julgador» (cfr. Cristina Líbano Monteiro, «In Dubio Pro Reo», Coimbra, 1997).
Até porque «a prova, mais do que uma demonstração racional, é um esforço de razoabilidade» (idem, p 17): «O juiz lança-se à procura do «realmente acontecido» conhecendo, por um lado, os limites que o próprio objecto impõe à sua tentativa de o «agarrar» (idem, p. 13). E, por isso, é que, «nos casos [como este] em que as regras da experiência, a razoabilidade («a prova, mais do que uma demonstração racional, é um esforço de razoabilidade») e a liberdade de apreciação da prova convencerem da verdade da acusação (suscitando, a propósito, “uma firme certeza do julgador”, sem que concomitantemente “subsista no espírito do tribunal uma dúvida positiva e invencível sobre a existência ou inexistência do facto”), não há lugar à intervenção da «contraface (de que a «face» é a «livre convicção») da intenção de imprimir à prova a marca da razoabilidade ou da racionalidade objectiva» que é o in dubio pro reo (cuja pertinência «partiria da dúvida, suporia a dúvida e se destinaria a permitir uma decisão judicial que visse ameaçada a sua concretização por carência de uma firme certeza do julgador» (idem).
Ademais, «são admissíveis [em processo penal] as provas que não forem proibidas por lei» (art. 125.º do CPP), nelas incluídas as presunções judiciais (ou seja, «as ilações que o julgador tira de um facto conhecido para firmar um facto conhecido»: art. 349.º do CC). Daí que a circunstância de a presunção judicial não constituir «prova directa» não contrarie o princípio da livre apreciação da prova, que permite ao julgador apreciar a «prova» (qualquer que ela seja, desde que não proibida por lei) segundo as regras da experiência e a sua livre convicção (art. 127.º do CPP). Não estaria por isso vedado às instâncias, ante factos conhecidos, a extracção – por presunção judicial – de ilações capazes de «firmar um facto desconhecido».
A este propósito, convém de resto recordar que «verificar cada um dos enunciados factuais pertinentes para a apreciação e decisão da causa é o que se chama a prova, o processo probatório» e que «para levar a cabo essa tarefa, o tribunal está munido de uma racionalidade própria, em parte comum só a ela e que apelidaremos de razoável». E isso porque «a prova, mais do que uma demonstração racional, é um esforço de razoabilidade»: «no trabalho de verificação dos enunciados factuais, a posição do investigador-juiz pode, de algum modo, assimilar-se à do historiador: tanto um como o outro, irremediavelmente situados num qualquer presente, procuram reconstituir algo que se passou antes e que não é reprodutível». Donde que «não seja qualquer dúvida sobre os factos que autoriza sem mais uma solução favorável ao arguido», mas apenas a chamada dúvida razoável ("a doubt for which reasons can be given”)». Pois que «nos actos humanos nunca se dá uma certeza contra a qual não militem alguns motivos de dúvida». «Pedir uma certeza absoluta para orientar a actuação seria, por conseguinte, o mesmo que exigir o impossível e, em termos práticos, paralisar as decisões morais». Enfim, «a dúvida que há-de levar o tribunal a decidir pro reo tem de ser uma dúvida positiva, uma dúvida racional que ilida a certeza contrária, ou, por outras palavras ainda, uma dúvida que impeça a convicção do tribunal» (ibidem).
Daí que, nos casos [como este] em que as regras da experiência, a razoabilidade (repete-se: «a prova, mais do que uma demonstração racional, é um esforço de razoabilidade») e a liberdade de apreciação da prova convencerem da verdade da acusação (suscitando, a propósito, «uma firme certeza do julgador», sem que concomitantemente «subsista no espírito do tribunal uma dúvida positiva e invencível sobre a existência ou inexistência do facto»), não haja - seguramente - lugar à intervenção dessa «contraface (de que a «face» é a «livre convicção») da intenção de imprimir à prova a marca da razoabilidade ou da racionalidade objectiva» que, fundada na presunção de inocência, é o "in dubio pro reo" (cuja pertinência «partiria da dúvida, suporia a dúvida e se destinaria a permitir uma decisão judicial que visse ameaçada a sua concretização por carência [aqui ausente] de uma firme certeza do julgador)».

[6] Moldura penal abstracta – 1 a 8 anos de prisão (cfr. artigo 210º/1 ex vi artigo 211º do CPP).
[7] E daí ter sido decidido, pelo Tribunal Constitucional, que «não se verifica, por conseguinte, a inconstitucionalidade dos artigos 83° e 84° do Código Penal. Nesse aresto, escreveu-se: «Com o Professor Figueiredo Dias, in Liberdade - Culpa - Direito Penal, pp. 215 e 216, diremos: “Deste modo, o juízo de compreensão da personalidade destes delinquentes patenteará em regra uma particular desconformidade entre essa personalidade e a suposta pela ordem jurídica, que justi­ficará o agravamento da pena aplicável ao delinquente especialmente perigoso. Como sempre, porém, a culpa haverá de determinar-se no momento do facto e, por conseguinte, ter uma medida «certa» que determine uma medida «certa» da pena. O que não implica necessariamente o repúdio de toda a ideia de indeterminação da pena, mas tão-só a necessidade de fixação da sua medida máxima, correspondente ao máximo da pena suportado pela culpa (agravada) do delinquente e que em caso algum poderá ser ultrapassada, encontre-se ou não aquele corrigido, seja ele ainda ou não perigoso”. Assim, e queremos que só assim, se defenderá a plena validade do princípio da culpa também relativamente ao delinquente espe­cialmente perigoso, ao mesmo tempo que se dará satisfação, até onde a justiça o permite - e, desta maneira, até onde a utilidade social o impõe -, às irrenunciáveis exigências de defesa (ética) da socie­dade».

[8] Tal como se opina relativamente à Reincidência (cfr. entre muitos, o Acórdão da Relação do Porto de 15/12/2004, in Pº 0444600, lido em www.dgsi.pt), a qual também não actua de forma automática, havendo que indagar factos que a comprovem, podendo lançar-se mão do mecanismo do artigo 358º e 359º do CPP, caso a acusação seja omissa a esse propósito.
[9] «Direito Penal Português – as consequências jurídicas do crime» (Aequitas, Editorial Notícias), pp. 576-578.