Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JTRC | ||
Relator: | GOMES DE SOUSA | ||
Descritores: | CONDUÇÃO SOB O EFEITO DE ÁLCOOL PROVA E CONTRA PROVA DA TAXA DE ÁLCOOL NO SANGUE | ||
Data do Acordão: | 02/03/2010 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Tribunal Recurso: | COMARCA DE VISEU | ||
Texto Integral: | S | ||
Meio Processual: | RECURSO PENAL | ||
Decisão: | CONFIRMADA | ||
Legislação Nacional: | ARTIGOS 292º,Nº1 E 69º,Nº1 DO CP, 127º E 344º,Nº2, 374º,Nº2 E 379º,Nº1 DO CPP; DL N º291/90 DE 20/09, DL 192/2006 DE 25/09 E PORTARIAS Nº 784/94 DE 13/08 E Nº1556/07 DE 10/12 | ||
Sumário: | 1.Confessada integralmente e sem reservas a conduta, e tendo o tribunal afirmado que baseou a sua convicção, entre outros pontos, nessa mesma confissão e no exame quantitativo ao teor de álcool no sangue, no sangue, basta para fundamentação factual num crime de tal natureza, aliás de acordo com o estabelecido no artigo 344º, nº 2, al. a) do Código de Processo Penal. 2.Não se torna necessário que o arguido tenha consciência do teor exacto da taxa de álcool no sangue, sim que tenha consciência de que ingeriu bebidas alcoólicas e que a taxa respectiva – a apurar apenas por métodos científicos ou técnicos com quantificação desconhecida a priori e de impossível quantificação por convencimento pessoal ou crença – tem um significado normativo claro. Isto é, para afirmar o dolo e a consciência da ilicitude é aqui essencial ver o facto como realidade normativa e não como realidade naturalística. 3.Os aparelhos já aprovados e fiscalizados dão garantia de “qualidade” metrológica, isso quer dizer que cumprem padrões de rigor apertados que o legislador entendeu suficientes para o seu uso e para, inclusive, a definição quantitativa de ilícitos contra-ordenacionais e criminais. 4.Assim, quer a Portaria 784/94, quer a Portaria 1.556/07, regem, exclusivamente, a área da metrologia legal e a sua vigência destina-se a regulamentar a aprovação de aparelhos de medição, não contendo comandos que sejam operativos para lá dessa específica realidade. 5.O seu campo de actuação – como o dos EMA previstos - esgota-se na actividade de aprovação e verificações do aparelho e não pode ser transposto para a audiência de julgamento. 6.Assim, ao Tribunal cabe apenas certificar-se que os aparelhos utilizados pelas forças de segurança estão aprovados e regularmente verificados, sem prejuízo dos seus poderes de análise face à concreta conformação dos factos surgidos em audiência de julgamento e à aplicação das regras de apreciação da prova e do regular exercício do contraditório. Mas isto em concreto, que nunca por apelo a um hipotético e abstracto “erro máximo admissível” que não pode continuar a ser confundido com “margem de erro” para efeitos de apreciação concreta dos factos. 7. Nada obsta a que o RIC seja considerado pelo tribunal como elemento de registo de relevo no apurar do comportamento estradal anterior do arguido. 8. O prazo de validade do registo individual do condutor inicia-se após o terminus do prazo de execução das sanções aplicadas. | ||
Decisão Texto Integral: | A - Relatório
No Tribunal Judicial da Comarca de Viseu – 1º Juízo Criminal - correu termos o processo comum singular supra numerado no qual o arguido R solteiro, filho de A e de M., natural da freguesia de… concelho de Viseu, nascido a 27 …. de 1983, vendedor, residente… Viseu, titular do Bilhete de Identidade n.º, emitido em …./…/27, pelo Arquivo de Identificação de Viseu, foi condenado, como autor de um crime de condução em estado de embriaguez, previsto e punido pelo artigo 292.º/1 do Código Penal, na pena de 105 (cento e cinco) dias de multa, à taxa diária de € 6 (seis euros) (cfr. artigo 47.º/2 do Código Penal), ou seja, na multa de € 630 (setecentos e vinte euros), fixando-se em 70 (setenta) dias de prisão a respectiva prisão subsidiária (artigo 49.º/1 do Código Penal) e, de acordo com o disposto no artigo 69.º/1, a) do Código Penal na pena acessória de proibição de condução de quaisquer veículos motorizados pelo período de 6 (seis) meses. * A final recorreu o arguido da sentença proferida, concluindo a motivação do recurso com as seguintes conclusões:
* O Digno Magistrado do Ministério Público junto do Tribunal de Viseu respondeu às alegações do recorrente, apresentando doutas motivações. O Exmº Procurador-geral Adjunto neste tribunal emitiu parecer no sentido do não provimento do recurso. * Foi cumprido o disposto no artigo 417 n.º 2 do Código de Processo Penal e colhidos os vistos legais. * B - Fundamentação B.1 - Resultaram provados os seguintes factos: * Não existem factos a considerar como não provados. * E adiantou, o tribunal recorrido, os seguintes considerandos como motivação factual: “A convicção do Tribunal para considerar provados os factos acima referidos resultou:----- Do resultado do exame de determinação quantitativa da presença de álcool no sangue do arguido, quanto à T.A.S. de que o arguido era portador;------ Da confissão livre, integral e sem reservas do arguido, bem como das suas declarações, quanto aos demais factos apurados;------ Do teor do Certificado de Registo Criminal do arguido, cuja genuinidade e fidedignidade não foi posta em causa;------ Dos depoimentos das testemunhas de defesa, relativamente à sua situação social, que depuseram de forma clara, isenta e convicta”;------ * Cumpre conhecer. B.2 - A motivação do recurso enuncia especificamente os fundamentos do mesmo e termina pela formulação de conclusões, deduzidas por artigos, em que o recorrente resume as razões do seu pedido (artigo 412º do Código de Processo Penal), de forma a permitir que o tribunal superior conheça das razões de discordância do recorrente em relação à decisão recorrida e que delimitam o âmbito do recurso. Mas não está o tribunal de recurso impedido de conhecer dos vícios referidos no art. 410º, nº 2 do Código de Processo Penal, desde que o vício resulte do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum. O recurso pode ainda ter como fundamento, mesmo que a lei restrinja a cognição do tribunal de recurso a matéria de direito, a inobservância de requisito cominado sob pena de nulidade que não deva considerar-se sanada – nº 3 do referido preceito. O recorrente, recorrendo sobre a matéria de facto, não deu – em absoluto e fora de qualquer possibilidade de correcção - cumprimento aos ónus contidos no artigo 412º do Código de Processo Penal, pelo que as suas razões serão apreciadas em sede de previsão do artigo 410º, nº 2 do Código de Processo Penal. No mais, não se verifica qualquer das circunstâncias a que se refere o artigo 410º, nº 2 do Código de Processo Penal, nem a inobservância de requisito conducente a nulidade. O presente recurso está fundado na inconformidade do recorrente quanto aos seguintes pontos: - A sentença dá como provados factos não confessados pelo arguido; - O exame de contraprova não foi efectuado no mais curto prazo possível; - Existência de uma margem de erro do alcoolímetro não considerada pelo Tribunal recorrido; - A reincidência; - A medida da sanção acessória. * B.3 – Afirma o recorrente que sentença dá como provados factos não confessados pelo arguido. O que se não percebe, pois que confessada integralmente e sem reservas a conduta, o tribunal afirmou que baseou a sua convicção, entre outros pontos, nessa mesma confissão e no exame quantitativo ao teor de álcool no sangue. E, para fundamentação factual num crime de tal natureza, tanto basta, aliás de acordo com o estabelecido no artigo 344º, nº 2, al. a) do Código de Processo Penal. Acresce que sempre restaria o talão do aparelho a atestar o grau de alcoolemia – que o tribunal considerou – para confirmar a prática do ilícito, se alguma dúvida houvesse sobre a inteireza da confissão. De onde resulta, também, face ao previsto no artigo 344º, nº 2, al. a), que os factos confessados se devem considerar provados. O que se evidencia da análise da sentença recorrida não faz resultar violados o dever de fundamentação das decisões judiciais, nem o cometimento de qualquer dos vícios previstos no artigo 410º, nº 2 do Código de Processo Penal. Do motivado pelo recorrente nada resulta que confirme materialmente as suas genéricas alegações, nem causa alguma de que resulte nulidade nos termos do artigo 379º, al. a) do Código de Processo Penal, designadamente não ocorre violação do disposto no artigo 374º, nº 2 do mesmo diploma legal. Por outro lado, não se torna necessário que o arguido tenha consciência do teor exacto da taxa de álcool no sangue, sim que tenha consciência de que ingeriu bebidas alcoólicas e que a taxa respectiva – a apurar apenas por métodos científicos ou técnicos com quantificação desconhecida a priori e de impossível quantificação por convencimento pessoal ou crença – tem um significado normativo claro. Isto é, para afirmar o dolo e a consciência da ilicitude é aqui essencial ver o facto como realidade normativa e não como realidade naturalística. Neste sentido os acórdãos da Relação de Guimarães no processo nº 1.374/08 (Cruz Bucho, ainda inédito), da Relação do Porto 2-7-2008 (proc. n.º 0813031, rel. Joaquim Gomes), de 2-7-2008, (proc. n.º 0814166, rel. Maria do Carmo Silva Dias) e de 28-5-2008 (proc. n.º 0811729, rel. Manuel Braz), in www.dgsi.pt. Percebe-se a posição de quem defenda que o quantitativo da taxa de álcool não pode ser confessada, porque desconhecida do próprio arguido. É uma posição que assenta numa visão unicamente naturalística do facto confessado – a concreta taxa apurada – e olvida que facto deve ser aqui entendido num sentido normativo. Não é exigível, para que se verifique o dolo, a consciência da ilicitude ou a operatividade da confissão, que o arguido saiba qual a taxa de álcool com que conduz. Tal conhecimento só lhe poderia advir por crença ou convencimento pessoal. E uma crença, para estes efeitos, não passa de mera opinião. Estas, sendo louváveis como qualquer crença, não fazem fé em juízo, nem são elemento caracterizador do dolo. Assim, nada obstando, em termos gerais, que tal confissão possa abranger o convencimento de que se conduz com “excesso de álcool”, nos casos de fronteira onde permanece a dúvida sobre o quantitativo e, logo, sobre a ilicitude da conduta, o exame quantitativo por aparelho aprovado dissipa tais dúvidas. E o recorrente parece ignorar esse elemento essencial na convicção e fundamentação da sentença recorrida. Ali o tribunal recorrido é expresso na afirmação de que “a convicção do Tribunal para considerar provados os factos acima referidos resultou … Do resultado do exame de determinação quantitativa da presença de álcool no sangue do arguido, quanto à T.A.S. de que o arguido era portador”. Logo, cai pela base a alegação do recorrente de que a prova da taxa de alcoolemia resultou provada por via – unicamente - da confissão do arguido. Logo, são improcedentes as conclusões I a V do requerimento de recurso do arguido. * B.4 – Invoca o arguido que o exame de contra-prova não foi realizado no mais breve curto prazo de tempo possível. Desde logo convém realçar que não existe limite temporal para a realização de tal exame e que a demora na sua realização, no caso concreto, apenas favoreceu o arguido. O que resulta dos autos – fls. 2-A, 5, 6 e 9 – é que o arguido foi sujeito à primeira quantificação às 07h e 10 m de …. 2008 e que foi feita a colheita de sangue às 08h00 do mesmo dia. Uma diferença temporal adequada, não excessiva. Por outro lado, a curva de alcoolemia ou curva de BAC (“Blood Alcohol Concentration”) estava já em fase descendente quando o exame foi realizado e o arguido não foi prejudicado em sede de apreciação factual. É sabido que a curva inicia a sua fase ascendente a partir do momento em que se ingere e inicia a sua fase descendente cerca de uma hora ou pouco mais após o terminus da ingestão. Ora, como entre a primeira quantificação e a recolha para o exame de sangue decorreram 50 minutos, contando com a condução entre o momento em que o arguido acabou de ingerir álcool e o momento em que foi interceptado, é de supor facilmente que mais de uma hora decorreu entre o terminus da ingestão e a colheita de sangue. Acresce que o exame sanguíneo é muito mais preciso do que a simples quantificação por aparelho quantitativo. Assim, em termos factuais, nada nos permite afirmar que a primeira quantificação seja a que mais se aproxima da realidade. São, pois, improcedentes os argumentos aduzidos nas conclusões VI a XI. * B.5.1 – O arguido foi condenado como autor de um crime de condução em estado de embriaguez, previsto e punido pelo artigo 292.º/1 do Código Penal, na pena de 105 (cento e cinco) dias de multa, à taxa diária de € 6 (seis euros) (cfr. artigo 47.º/2 do Código Penal), ou seja, na multa de € 630 (setecentos e vinte euros), fixando-se em 70 (setenta) dias de prisão a respectiva prisão subsidiária (artigo 49.º/1 do Código Penal) e, de acordo com o disposto no artigo 69.º/1, a) do Código Penal na pena acessória de proibição de condução de quaisquer veículos motorizados pelo período de 6 (seis) meses. E o arguido refere (conclusão XII) que a análise que fez da sentença recorrida não lhe permite concluir que tenha sido feito o desconto “legal” a que se entende com direito, como se uma sentença fosse o equivalente à compra, em qualquer supermercado, de um qualquer produto de marca branca com desconto tabelado. No entender deste tribunal não tinha que o fazer. A análise desta matéria depara-se com dois grandes problemas que raramente são colocados de forma clara e que conduzem à actual profusão de jurisprudência contraditória. O primeiro, a profusão de leis, decretos-lei, decretos-regulamentares e portarias vigentes ou não e que, de forma directa ou indirecta regeram e regem na matéria, a propiciar desnorte interpretativo que se concretiza na confusão que se estabelece entre diplomas com diversa área de actuação. Diplomas relativos à metrologia legal, de um lado, diplomas relativos à fiscalização da condução sob influência do álcool, por outro. Como se não bastasse, acrescem os diplomas relativos à orgânica, com a sucessão da DGV pela Autoridade Nacional de Segurança Rodoviária – ANSR - (Dec-Lei nº 77/2007, de 29 de Março e Portaria nº 340/2007, de 30 de Março). Daqui decorrendo um segundo lote de problemas, a aplicação do princípio in dubio pro reo, com base em imaginários (porque abstractos) Erros Máximos Admissíveis (EMA) em sede de apreciação de factos concretos – em sede, portanto, de apreciação de factos concretos em julgamento e de aplicação de diplomas relativos à fiscalização da condução sob influência do álcool - quando os mesmos apenas devem ser apreciados em sede de diplomas relativos à metrologia legal, é dizer, de aprovação prévia da qualidade dos aparelhos de medição a serem utilizados para efeitos legais. * B.5.2 – Em concreto. A metrologia legal é um conjunto de técnicas (ou ciência das medições?) visando assegurar a precisão necessária na área que ora nos interessa, a segurança da vida em sociedade, pretendendo assegurar os padrões de medida para esses fins societários, o rigor e a fiabilidade das medições efectuadas através da homologação e aprovação de instrumentos de medição nos mais variados domínios (é ver a página web do IPQ), através de entidade credível e com os meios técnicos e humanos necessários. No final e porque das medições efectuadas depende, na nossa área de actuação, a segurança de determinados comportamentos e sua eventual punibilidade por ilícitos, no caso estradais, pretende-se obter confiança nos resultados medidos, reduzir a variação das especificações técnicas dos equipamentos, prevenir os seus defeitos e normalizar as suas medições. No essencial, a punibilidade de certos comportamentos está dependente de determinados parâmetros quantitativos (quantidade de álcool, velocidade alcançada) pelo que assume relevo capital a confiabilidade das medições efectuadas. É assim que ao IPQ (Instituto Português de Qualidade) é atribuída a tarefa de “assegurar e gerir o sistema de controlo metrológico legal dos instrumentos de medição, reconhecer entidades competentes para o exercício delegado desse controlo e coordenar a rede por elas constituída, garantindo a efectiva cobertura a nível nacional” no «Subsistema da metrologia» o subsistema do SPQ (Sistema Português da Qualidade) que “garante o rigor e a exactidão das medições realizadas, assegurando a sua comparabilidade e rastreabilidade, a nível nacional e internacional, e a realização, manutenção e desenvolvimento dos padrões das unidades de medida” – artigo 3º, nº 2, al. t) e nº 3, al. b) do Dec-Lei nº 142/2007, de 27 de Abril. Na sequência de tais preocupações é já extenso o número de diplomas que visa garantir a fiabilidade dos instrumentos de medida, designadamente no âmbito da metrologia legal europeia, a Directiva comunitária nº 2004/22/CE do parlamento europeu e do conselho de 31 de Março de 2004 relativa aos instrumentos de medição, dispondo nos seus considerandos 2) e 4) que “podem ser utilizados instrumentos de medição correctos e rasteáveis para as mais variadas funções. As que respondam a razões de interesse público, de saúde, ordem e segurança públicas, protecção do ambiente, defesa do consumidor, cobrança de impostos e taxas, bem como de lealdade nas transacções comerciais, que afectam, directa e indirectamente, o quotidiano dos cidadãos sob diversas formas, podem exigir que os instrumentos de medição sejam submetidos a controlo legal”. (4) - “O controlo metrológico legal exige a conformidade com requisitos de desempenho específicos. Os requisitos de desempenho a cumprir pelos instrumentos de medição devem proporcionar um elevado nível de protecção. A avaliação da conformidade deve proporcionar um elevado nível de confiança”. É, pois, no âmbito destas preocupações de protecção e de criação de um elevado nível de confiança nos instrumentos de medição utilizados que é exigível a aprovação, pelo IPQ (controlo metrológico) e pela entidade competente na área da segurança rodoviária (antes DGV, hoje ANSR) que se fala em “erros máximos admissíveis”, no sentido de que o aparelho não será aprovado, logo, não será utilizado, se o seu desempenho o colocar fora dos parâmetros de admissibilidade estabelecidos por esses “erros máximos admissíveis”, enquanto parâmetros quantitativos que definem a sua aptidão qualitativa, isto é, enquanto instrumentos fiáveis e confiáveis para a medição exigida. Ao nível do direito interno regem hoje os seguintes diplomas na área da metrologia legal: o Dec-Lei nº 291/90, de 20-09, [1] o Dec-Lei nº 192/2006, de 26-09, o Regulamento Geral do Controlo Metrológico (aprovado pela Portaria nº 962/90, de 9-10) – diplomas de carácter geral - e o mais específico “Regulamento do Controlo Metrológico dos Alcoolímetros” (aprovado pela Portaria nº 1.556/07, de 10-12). [2] É nesta sede, em sede de comprovação de qualidade, fiabilidade e subsequente aprovação, dos aparelhos de medição que se suscita ou pode suscitar a existência de “erros máximos admissíveis” enquanto balizas quantitativas de adequação e qualidade, no pressuposto de que os aparelhos que os ultrapassem não oferecem as características exigíveis e que acautelem as ditas preocupações de protecção e de criação de um elevado nível de confiança nos instrumentos de medição. Se os aparelhos de medição obedecem aos parâmetros técnicos aceites, isto é, se as medições por si efectuadas se contêm nas balizas definidas pelos “erros máximos admissíveis”, essa adequação técnica metrológica apenas pode ser infirmada por inspecção periódica ou extraordinária. O que não vale é transpor o conceito de “erro máximo admissível”, com campo de aplicação exclusivo na metrologia legal, para a sede factual em audiência de julgamento. Ali apura-se da conformidade de um aparelho de medição para o seu desempenho. Aqui apuram-se factos concretos em função das regras processuais aplicáveis. * B.5.3 – Uma outra questão tem ganho relevo: o da vigência das Portarias 784/94, de 13-08 e nº 1.556/07, de 10-12. Há quem defenda a não vigência da primeira de tais portarias – in illo tempore - por caducidade por falta de objecto, face à expressa revogação do Decreto Regulamentar nº 12/90, de 14-05 pelo Decreto Regulamentar nº 24/98, de 30-10. É matéria em que estamos em frontal desacordo, pois descentra o essencial na análise a envidar. O fundamento em que assentava tal raciocínio é que a Portaria 784/94, de 13-08, que aprovava o Regulamento do Controlo Metrológico dos Alcoolímetros, apesar de não ter sido expressamente revogada pelo Decreto Regulamentar nº 24/98, de 30-10, ficou sem objecto já que o Regulamento do Controlo Metrológico dos Alcoolímetros visou dar satisfação, exclusivamente, ao previsto no artigo 1º, nº 2 do Decreto Regulamentar nº 12/90, de 14-05. É no “exclusivamente” que está o problema. A pertinência e validade do Regulamento do Controlo Metrológico dos Alcoolímetros é independente da vigência do Decreto Regulamentar nº 12/90, de 14-05, na medida em que se insere numa política autónoma de metrologia já existente muito antes da entrada em vigor deste último diploma e destina-se a vigorar na ordem jurídica portuguesa independentemente da vida (curta) de qualquer diploma que concretize um aspecto particular onde se suscite a necessidade de actuação da metrologia legal, designadamente no âmbito do direito estradal. De facto, a Portaria 784/94, de 13-08 foi publicada para regulamentar o Dec-Lei nº 291/90, de 20-09 num campo específico da metrologia, tendo este um amplo campo de aplicação, fora do âmbito dos alcoolímetros, como sobressai do seu artigo 1º, nº 1. Tal Portaria nunca foi uma regulamentação do Decreto Regulamentar nº 12/90. O Dec-Lei nº 291/90, de 20-09 procedeu a actualizações e aditamentos – tendo em vista, igualmente, a harmonização com o direito comunitário – ao Decreto-Lei n.º 202/83, de 19 de Maio, que instituiu as novas bases para o controle metrológico e assegurou a precisão das medições, recorrendo “à normalização para a definição da qualidade metrológica dos instrumentos de medição” e introduzindo “as modernas metodologias do controle, da certificação e da garantia da qualidade no domínio da metrologia legal”. No entanto, esse controlo metrológico de 1983 (Decreto-Lei n.º 202/83) ateve-se a “domínios tradicionais das transacções comerciais e das prestações de serviços”, pretendendo no entanto o seu alargamento a outros domínios, “tais como o da saúde, o do ambiente e o dos transportes, e a certos aspectos da defesa do consumidor ainda não abrangidos, como é o caso do controle dos pré-embalados”. O Decreto-Lei n.º 291/90, de 20 de Setembro, mais ambicioso, visou “a completa harmonização do regime anteriormente aplicável ao controlo metrológico com o direito comunitário”, “a inclusão dos métodos de medição no âmbito do controlo metrológico e alargou o âmbito do controlo metrológico a domínios ainda não cobertos pelo Dec-Lei nº 202/83, designadamente - artigo 1.º, nº 1 – a “operações comerciais, fiscais ou salariais, ou utilizados nos domínios da segurança, da saúde ou da economia de energia, bem como das quantidades dos produtos pré-embalados e, ainda, dos bancos de ensaio e demais meios de medição abrangidos pelo artigo 6.º”. Como se vê, o Dec-Lei nº 291/90 e a Portaria nº 784/94, de 13-08 - que regulamentava aquele através do Regulamento do Controlo Metrológico dos Alcoolímetros (a metrologia na área da segurança) - têm vida própria, independentemente da vigência ocasional de diplomas estradais (designadamente o Dec-Reg nº 12/90) que alteram, com frequência, aspectos legais específicos e procedimentais da fiscalização da condução sobre o efeito do álcool. [3] Esta constatação nega a ideia de uma dependência desta Portaria relativamente ao Decreto Regulamentar nº 12/90. Actualmente este decreto encontra-se revogado, como também o está o decreto que o revogou, o Decreto regulamentar nº 24/98, de 30-10, este pela Lei nº 18/2007, de 17-05 – artigo 2º. Mas o essencial a reter é que estamos perante diversos tipos de diplomas, regulando aspectos diversos da realidade: o Dec-Lei nº 291/90 e a Portaria nº 784/94, de 13-08 (actualmente a Portaria 1.556/07) regem e regulamentam a metrologia na área da segurança (aprovação e controlo dos alcoolímetros); os Decretos Regulamentares nº 12/90 e nº 24/98 (ambos revogados) e, agora, a Lei nº 18/2007, de 17-05, regem e regulamentam a área de prevenção, segurança e fiscalização da condução sob o efeito do álcool (que, obviamente, necessita da metrologia para o uso adequado e controlado dos alcoolímetros). Portanto, nunca um destes diplomas poderia revogar um daqueles, já que abarcam diferentes matérias e diferentes aspectos da área geral da segurança rodoviária. * B.5.4 – Altera esta conclusão a posição a tomar sobre a matéria, já que um dos argumentos utilizados é a referência, pelo Regulamento do Controlo Metrológico dos Alcoolímetros a “erros máximos admissíveis”? Por outro lado e com nota de actualidade, a aprovação da Portaria nº 1.556/07, de 10-12 e a previsão expressa de EMA num quadro dela constante em Anexo altera algo? Entendemos que não. De novo, estamos perante realidades distintas: uma, a aprovação e verificação periódica ou extraordinária, pelo Instituto Português da Qualidade, da fiabilidade dos aparelhos utilizados; outra, a fiscalização da condução com a utilização dos aparelhos já aprovados e fiscalizados. É que, se os aparelhos já aprovados e fiscalizados dão garantia de “qualidade” metrológica, isso quer dizer que cumprem padrões de rigor apertados que o legislador entendeu suficientes para o seu uso e para, inclusive, a definição quantitativa de ilícitos contra-ordenacionais e criminais. E o regulado no Dec-Lei nº 291/90, de 20 de Setembro dá suficientes garantias de controlo dos alcoolímetros em todas as fases – da aprovação ao uso – como se extrai do seu articulado, através de vários tipos de verificação: Assim, quer a Portaria 784/94, quer a Portaria 1.556/07, regem, exclusivamente, a área da metrologia legal e a sua vigência destina-se a regulamentar a aprovação de aparelhos de medição, não contendo comandos que sejam operativos para lá dessa específica realidade. O seu campo de actuação – como o dos EMA previstos - esgota-se na actividade de aprovação e verificações do aparelho e não pode ser transposto para a audiência de julgamento. Assim, ao Tribunal cabe apenas certificar-se que os aparelhos utilizados pelas forças de segurança estão aprovados e regularmente verificados, sem prejuízo dos seus poderes de análise face à concreta conformação dos factos surgidos em audiência de julgamento e à aplicação das regras de apreciação da prova e do regular exercício do contraditório. Mas isto em concreto, que nunca por apelo a um hipotético e abstracto “erro máximo admissível” que não pode continuar a ser confundido com “margem de erro” para efeitos de apreciação concreta dos factos. Não cabe ao julgador – de motu próprio e sem que nada de concreto a isso o conduza – substituir-se ao legislador, à Autoridade Nacional de Segurança Rodoviária (anterior DGV) e ao Instituto Português da Qualidade, sob pena de colocar em crise todo o sistema e de aumentar a insegurança das regras jurídicas que punem tais ilícitos, os previnem e fiscalizam. Aliás, isso mesmo é dito por A.Furtado et al. [4] “Os EMA são limites definidos convencionalmente em função não só das características dos instrumentos, como da finalidade para que são usados. Ou seja, tais valores limite, para mais e para menos, não representam valores reais de erro, numa qualquer medição concreta, mas um intervalo dentro do qual, com toda a certeza (uma vez respeitados os procedimentos de medição), o valor da indicação se encontra. Assim, os alcoolímetros são ensaiados de forma a garantir que as suas indicações estão tão próximas quanto possível de erro zero dentro da sua gama de medição e, portanto, na sua utilização corrente, fornecerão valores sempre dentro dos limites de erro estabelecidos na lei”.
O mesmo é afirmado por M. Céu Ferreira; António Cruz in “Controlo metrológico de alcoolímetros no instituto português da qualidade”: [5]
“De acordo com os resultados laboratoriais obtidos durante as operações de controlo metrológico, demonstra-se que os EMA não são uma margem de erro, nem devem ser interpretados como tal. O valor da indicação do instrumento é em cada situação, o mais correcto. O eventual erro da indicação, nesse momento, nessa operação, com o operador que a tiver efectuado, nas circunstâncias de ambiente locais, quaisquer que tenham sido outros factores de influência externos ou contaminantes do ar expirado, seja ele positivo ou negativo, está com toda a probabilidade contido nos limites do EMA”.
Em resumo, não pode o tribunal iniciar o julgamento com uma só certeza, a de que está já decidido a fazer a aplicação do princípio in dubio pro reo antes de ser produzida qualquer prova. Porque é isso que ocorre em todos os casos que chegam a juízo e onde é aplicado o princípio in dubio pro reo. E tal só ocorre porque se confunde o EMA com uma margem de erro factual. Convém também esclarecer que a posição maioritária dos Tribunais da Relação de Évora, [6] Coimbra, [7] Lisboa, [8] Porto [9] e Guimarães, [10] contraria a posição assumida pelo recorrente. * B.5.5 – Assim, a análise a fazer em audiência de julgamento reduz-se à apreciação de um meio de obtenção de prova [11] – um exame - estando vedado ao tribunal afastá-lo fora dos limites contidos nas regras de apreciação da prova, que é sempre concreta, estando-lhe fechado o recurso a considerações genéricas, não assentes em qualquer considerando factual que afaste aquele juízo quantitativo. Como se afirma no acórdão da Relação de Guimarães no processo nº 1.374/08 (Cruz Bucho), [12] “Como é óbvio, não se exclui a possibilidade de um concreto aparelho poder fornecer um resultado errado. Mas, no caso em apreço, essa possibilidade não se apoia em factos concretos”. Mas, como resulta dos autos, a aprovação do aparelho e sua fiabilidade não foi posta em causa e o arguido não impugnou a certeza da quantificação. Assim, o valor de TAS a considerar deveria ser o constante do talão do aparelho e não qualquer quantificação descontada. Tal conduta revelaria erro notório na apreciação da prova – artigo 410º, nº 2, al. c) do Código de Processo Penal. Considerar a tese do recorrente é, por outro lado, desconsiderar o tipo penal. Este – como outros tipos de ilícitos onde o elemento quantitativo é relevante – assenta numa certeza quantitativa para a fixação dos próprios pressupostos do ilícito. É que o legislador não previu ilícitos com um mínimo (e um máximo) quantitativamente variáveis. Não previu que o crime de condução em estado de embriaguez é cometido entre o mínimo (patamar mínimo) de 1,2 g/l a 1,3 ou talvez 1,4 g/l. Não é essa a opção, assente, precisamente, na certeza metrológica da determinação desses quantitativos que enformam o tipo penal. * B.6 – Invoca, ainda, o recorrente a inexistência de reincidência e a ilegalidade da fundamentação da sentença recorrida ao considerar o RIC (Registo Individual do Condutor) na sua condenação. Ora, o tribunal recorrido sequer considerou a existência do RIC na condenação do arguido. Considerou sim o seu CRC, constante de fls. 23, 24 e 62, 63, do qual consta uma condenação, no tribunal Judicial de Viseu, por um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, praticado em 10-01-2004. Mas considerou tal situação uma mera agravante de carácter geral, já que em lado algum é referida a reincidência como agravante modificativa Assim, um dos argumentos do recorrente – a reincidência – não tem razão de ser, pois que não foi considerada pelo tribunal recorrido. O outro argumento do recorrente, nesta sede, a consideração do RIC para além do seu prazo de validade, também se não verifica. De facto, o RIC do recorrente consta de fls. 37-38 mas não foi considerado pelo tribunal recorrido, sequer na sua fundamentação factual. E bem que poderia ter sido. Nada obsta a que o RIC seja considerado pelo tribunal como elemento de registo de relevo no apurar do comportamento estradal anterior do arguido. E, se tivesse sido considerado, funcionaria como elemento adjuvante num juízo geral de agravamento do juízo de censura a formular. Por outro lado, não tem razão o recorrente quando afirma que não deveria ter sido considerado o Dec-Lei nº 105/2006, de 07-06, e o seu prazo de 5 anos quanto à validade do RIC. Isto porquanto os dois registos do RIC – um idêntico ao registo que consta do CRC, outro pela prática de uma contra-ordenação – ainda estão activos. Como tais registos foram lavrados ainda na vigência da original redacção do Dec-Lei nº 317/94, de 24-12, o prazo de validade do registo é de três anos subsequentes ao terminus do prazo de execução das sanções aplicadas. Ora, o que se verifica de tal RIC é que o recorrente nem sequer cumpriu a sanção aplicada em 10-01-2004 (fls. 37) e cumpriu a sanção pela prática da contra-ordenação apenas em 03-03-2006 (fls. 38). Improcedem, portanto, as conclusões XIV a XVII. * B.7 – Quanto à medida da pena acessória de inibição de conduzir, tendo esta um mínimo de três meses e um máximo de três anos e considerando a ilicitude da conduta, culpa intensa e comportamento anterior do arguido, entende-se adequada a medida concreta aplicada pelo tribunal recorrido. Acresce que o recorrente sequer cumpriu a primeira sanção imposta e foi já condenado, por contra-ordenação – RIC a fls. 38 – numa sanção acessória de 150 dias. Ambas as condenações foram insuficientes para que o arguido alterasse a sua trajectória na prática de factos ilícitos estradais. Assim, razões de prevenção geral e especial aconselham a afastar qualquer juízo de tolerância e permitem-nos concluir estar bem doseada a pena acessória concreta aplicada. É, pois, improcedente o recurso. * C - Dispositivo Assim, em face do exposto, acordam os Juízes que compõem a 4ª Secção deste tribunal em declarar improcedente o recurso interposto e, em consequência, confirmam a sentença recorrida. Sem custas. (elaborado e revisto pelo relator antes de assinado). Évora, 03 de Fevereiro de 2010
João Gomes de Sousa
Calvário Antunes
[1] Que revogou os Decretos-Lei nºs 202/83, de 19 de Maio, e 7/89, de 6 de Janeiro. [3] O Dec-Lei nº 192/06, de 26-09 veio entretanto a transpor para a ordem jurídica interna o disposto na Directiva n.º 2004/22/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 31 de Março, relativa aos instrumentos de medição, mantendo-se em vigor em simultaneidade com o Dec-Lei nº 291/90. [4] - In “Controlo metrológico dos alcoolímetros e cinemómetros no IPQ”, A.Furtado, C.M.Pires, M.C.Ferreira e O. Pellegrino - Departamento de Metrologia, Instituto Português da Qualidade – SPMET. [5] - “2º Encontro Nacional da Sociedade Portuguesa de Metrologia - A Metrologia e o Crescimento Sustentado” - 17 de Novembro de 2006, Lisboa SPMET. [8] - Acórdãos de 21-02-2008 (Proc. 10259/07.9, relator Carlos Benido), de 19-02-2008 (4226/07.5, Simões de Carvalho), de 29-11-2007 (8661/07.9, Guilherme Castanheira), de 18-10-2007 (7895/07.9, Guilherme Castanheira), de 18-10-2007 (7213/07.9, Almeida Cabral), de 09-10-2007 (5112/07.9, Almeida Cabral), de 28-11-2006 (10024/06.5, Margarida Blasco e de 05-12-2005 (11590/05.9, Ana Brito). |