Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JTRC | ||
Relator: | MARIA JOÃO AREIAS | ||
Descritores: | EXECUÇÃO PENHORA BENS COMUNS SEPARAÇÃO DE MEAÇÕES TORNAS HIPOTECA PRIVILÉGIO IMOBILIÁRIO GERAL | ||
Data do Acordão: | 09/16/2014 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Tribunal Recurso: | COIMBRA - VARA COMPETÊNCIA MISTA-1ª SECÇÃO | ||
Texto Integral: | S | ||
Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | REVOGADA | ||
Legislação Nacional: | ARTS. 825 CPC, 686 CC | ||
Sumário: | 1.- Penhorado um determinado bem comum do casal ou a “meação nos bens comuns”, numa execução movida unicamente contra um dos cônjuges, e citado o cônjuge ao abrigo do disposto no art. 825º do CPC, das duas, uma: - ou o cônjuge do executado não requer a separação de meações nem junta certidão de acção pendente, e a execução prossegue contra o bem penhorado, para a sua venda ou adjudicação na acção executiva; - ou o cônjuge requer a separação de meações ou junta certidão comprovativa de processo de separação de bens já instaurado, suspendendo-se a execução nos bens comuns até à partilha. E aí, o bem é adjudicado ao executado ou ao seu cônjuge. 2.- Se o bem penhorado for adjudicado ao executado, a execução prossegue relativamente a tal bem. Se o bem penhorado não lhe for adjudicado, é levantada a penhora, podendo ser penhorados outros bens que tenham cabido ao executado, permanecendo a penhora até à nova apreensão. 3.- Nesta última hipótese, a penhora anterior permanece unicamente até que a segunda tenha lugar, para eficácia da garantia do exequente. 4.- Com a adjudicação do bem penhorado ao cônjuge do executado, a garantia de pagamento do crédito do exequente resultante da penhora transfere-se para os bens que hão de constituir o quinhão do executado/devedor, neste caso, o valor das tornas. 5.- Contudo, apenas a garantia de pagamento do crédito exequendo resultante da penhora se transmite para os bens que hão de constituir o quinhão do cônjuge executado, o que não sucederá com as demais garantias reais ou privilégios que incidam sobre os penhorados e que venham a ser adjudicados ao seu cônjuge, garantias estas que se manterão intocadas a partir do momento em que tais bens venham a ser excluídos da execução. 6.- O facto de o credor reclamante ser titular de uma hipoteca sobre um imóvel penhorado (bem comum do casal e que veio a ser adjudicado ao cônjuge não executado, na sequência de processo de separação de meações), não lhe atribui qualquer preferência no pagamento do valor das tornas que venham a caber ao cônjuge executado. 7.- A invocação de privilégio imobiliário geral sobre o referido imóvel por parte do ISS, também não lhe atribuiu qualquer preferência nos pagamentos que vierem a ser feitos pelo valor das tornas a receber pelo cônjuge/executado. | ||
Decisão Texto Integral: | Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra (2ª Secção):
I – RELATÓRIO Por apenso à execução comum para pagamento de quantia certa movida por V(…) contra M (…) e outra, penhorados que foram: - o “direito à meação” da executada M (…) no prédio urbano descrito na Conservatória do Registo Predial de Coimbra sob o n.º (...)/20030714, freguesia de Santo António dos Olivais, e inscrito na matriz urbana sob o artigo (...).º, - os créditos de que a executada M (…) seja titular junto da Administração Tributária a título de eventual reembolso ou restituição de impostos liquidados e montantes relativos a juros compensatórios ou indemnizatórios, e cumprido o disposto no art. 864º do CPC, foram reclamados os seguintes créditos: A) BANCO SANTANDER TOTTA, S.A., no montante global de € 80.723,20 (oitenta mil setecentos e vinte e três euros e vinte cêntimos), acrescido dos juros vincendos, calculados à taxa de 5,493% (1,493% + 4%), para ambos os contratos, sobre o capital de € 37.934,13 e de € 34.331,74, bem como, no caso do segundo contrato, do respetivo imposto de selo, calculado à taxa de 4% sobre o montante de juros apurado, tudo até efetivo e integral pagamento, com fundamento em dois contratos de mútuo com hipoteca sobre o prédio urbano descrito na CRP de Coimbra sob o n.º (...)/20030714, freguesia de Santo António dos Olivais, inscrito na matriz urbana sob o artigo (...).º. B) O Centro Distrital de Coimbra do Instituto de Segurança Social, IP, pede se declare verificado relativamente à reclamada (…), título de créditos de contribuições referentes aos meses de Maio de 2005 a Abril de 2010, no total de € 8975,64, acrescido de juros vencidos até Junho de € 2725,59. O juiz a quo, reconhecendo os referidos créditos e as garantias e privilégios invocados, proferiu sentença verificando-os e graduando-os pela seguinte forma: “- I) relativamente ao valor de € 36.051,44 de tornas que couberam à reclamada F (…), [por via da adjudicação em partilha do imóvel descrito na Conservatória do Registo Predial de Coimbra sob o n.º (...)/20030714, freguesia de Santo António dos Olivais, e inscrito na matriz urbana sob o artigo (...).º , ao ex-cônjuge marido C (…)], 1º - O crédito hipotecário. 2º - O crédito da Segurança Social garantido por privilégio imobiliário relativo a esta reclamada. 3º - O crédito exequendo, apenas garantido com penhora. - II) relativamente aos rendimentos/créditos fiscais penhorados- tendo embora o Sr. AE elaborado auto, desconhecemos se efetivamente algo chegou a ser penhorado, relativamente à reclamada M...: 1º - O crédito da Segurança Social que sobre a mesma incide, garantido por privilégio mobiliário relativo a esta reclamada. 2º - O crédito exequendo, apenas garantido com penhora”. A referida sentença conclui ainda com as seguintes determinações: “O Sr. AE procederá ao oportuno levantamento da penhora que incide sobre o imóvel que foi adjudicado ao referido cônjuge – C (…) - no âmbito do supra referido processo de inventário de separação de meações, logo após substituição do crédito da executada sobre o referido cônjuge, pela penhora do montante de € 36.051,44 que ali lhe foi adjudicado a título de tornas. Tal não afecta as hipotecas incidentes, tanto mais que os créditos hipotecários em causa foram contraídos por ambos - leia-se, co-reclamada F (…) e o dito C (…).” Inconformado com tal decisão, o exequente dela interpôs recurso de apelação, concluindo a sua motivação com as seguintes conclusões: A) A sentença recorrida fez errada aplicação do direito aos factos provados, quando graduou os créditos relativamente à quantia de 36.051,44€. Com efeito, B) Aquele direito de crédito é o único bem penhorado nos autos. Assim, C) Nenhum crédito hipotecário beneficia ou pode beneficiar relativamente a ele, de causa legitima de preferência, pois que, nos termos do artº 686 do Código Civil, D) A hipoteca é um direito real de garantia que confere ao credor o direito de ser pago pelo valor de certas coisas imóveis, ou equiparadas, pertencentes ao devedor ou a terceiro, com preferência sobre os demais credores que não gozem de privilégio especial ou prioridade de registo. E) Com o levantamento da penhora sobre o imóvel, o credor hipotecário continua a beneficiar de todas as garantias de que já beneficiava antes da execução, pelo que, não pode o respetivo crédito ser admitido a pagamento na execução a que os presentes autos estão apensos. F) A graduação em segundo lugar do crédito da Segurança Social também é ilegal, e isto porque inexistindo qualquer imóvel penhorado de que seja titular a executada, não existe consequentemente privilégio imobiliário, ou preferência legitima daquele crédito relativamente ao do exequente, pelo menos com base naquele direito real de garantia. G) A sentença recorrida ao decidir a graduação de créditos relativamente a quantia de 36.051,44 €, nos termos em que o fez, violou o disposto no artº 686 do Código Civil, que devia ser interpretado no sentido de que o titular daquele direito real de garantia – hipoteca – apenas tem direito de preferência no caso da venda do prédio hipotecado, e relativamente a outros créditos que não beneficiem de privilégio especial ou prioridade de registo. H) A sentença recorrida ao graduar os créditos nos termos sobreditos, violou ainda o disposto nos arts. 601 e 604 do Código Civil, que deviam ser interpretados no sentido de que inexistiam no caso sub iudice quaisquer causas legitimas de preferência, que levassem àquela graduação de créditos. Termos em que, deve o presente recurso obter provimento por provado, e em consequência revogar-se a sentença de verificação e graduação de créditos, na parte em que graduou antes do crédito exequendo, os créditos hipotecário e da segurança social, por não disporem estes de causas legítimas de preferência relativamente ao primeiro – crédito exequendo, que deve por isso ser graduado em primeiro lugar. Não foram apresentadas contra-alegações. Tendo sido cumprido o disposto nos nºs. 3 e 4 do art. 864º do CPC, na sequência da penhora da “meação” da executada em determinado imóvel comum, o Banco Santander veio reclamar os seus créditos invocando a garantia real (hipoteca) de que é titular sobre o referido imóvel, e o ISS veio invocar a existência de privilégio imobiliário a seu favor, nos termos dos arts. 11º, do DL 103/80, de 09.05, e 29º, nº2, do DL 328/93, de 25/9. E, caso o referido imóvel viesse a ser vendido no âmbito da presente execução, dúvidas não haveria de que a existência das hipotecas a favor do Santander e de tal privilégio imobiliário a favor do ISS, lhes garantiria o pagamento preferencial sobre o produto do imóvel hipotecado. Contudo, no caso em apreço, o que a sentença recorrida vem a graduar, não é o produto resultante da alienação do imóvel no processo executivo, mas o crédito a tornas que veio a ser reconhecido à executada no inventário que decorreu para separação de meações. Com efeito, tendo a execução sido suspensa quanto aos bens comuns, nos termos do art. 825º do CPC, até à partilha a realizar no referido inventário, o identificado imóvel acabou por ser aí adjudicado ao cônjuge da executada, atribuindo-se à executada tão só o direito a tornas no valor de 36.051,44 €. E são os pagamentos a efetuar com o referido valor (na suposição de que o respetivo montante venha a ser depositado à ordem dos presentes autos, uma vez que se mostra ordenada a respetiva penhora sem que, aparentemente, o seu cônjuge tenha procedido ainda ao depósito de tais tornas) que constituem o objeto do presente recurso. No que respeita à garantia real invocada pelo credor reclamante Santander (hipoteca), a mesma dá-lhe preferência a ser pago pelo valor de tal imóvel em relação aos demais credores que não gozem de privilégio especial ou de prioridade de registo (art. 686º do Código Civil). Ou seja, tal hipoteca dar-lhe-ia o direito a ser pago preferencialmente pela venda de tal imóvel, não lhe atribuindo, contudo, qualquer preferência no crédito das tornas a que um dos cônjuges venha a ter direito na sequência da partilha no património comum. Vejamos como funciona atualmente a penhora de bens comuns. Penhorado um determinado bem comum do casal ou a “meação nos bens comuns”[2], numa execução movida unicamente contra um dos cônjuges, e citado o cônjuge ao abrigo do disposto no art. 825º do CPC, das duas, uma: - ou o cônjuge do executado não requer a separação de meações nem junta certidão de ação pendente, e a execução prossegue contra o bem penhorado, para a sua venda ou adjudicação na ação executiva; - ou o cônjuge requer a separação de meações ou junta certidão comprovativa de processo de separação de bens já instaurado, suspendendo-se a execução nos bens comuns até à partilha. E aí, o bem é adjudicado ao executado ou ao seu cônjuge. Se o bem penhorado for adjudicado ao executado, a execução prossegue relativamente a tal bem. Se o bem penhorado não lhe for adjudicado, é levantada a penhora, podendo ser penhorados outros bens que tenham cabido ao executado, permanecendo a penhora até à nova apreensão (art. 825º, nº7, do CPC). Nesta última hipótese, a penhora anterior permanece unicamente até que a segunda tenha lugar, para eficácia da garantia do exequente. Como a jurisprudência vem defendendo[3], com a adjudicação do bem penhorado ao cônjuge do executado, a garantia de pagamento do crédito do exequente resultante da penhora transfere-se para os bens que hão de constituir o quinhão do executado/devedor, neste caso, o valor das tornas. Assim como, no caso de se ter procedido à penhora do “direito à meação”, esta terá por efeito dar preferência ao exequente sobre o produto dos bens comuns que, ocorrida a separação judicial de bens, venham a caber ao executado, relativamente a credores com penhoras subsequentes sobre os concretos bens que, pela partilha, sejam adjudicados ao cônjuge do executado tornas[4]. Contudo, apenas a garantia de pagamento do crédito exequendo resultante da penhora se transmite para os bens que hão de constituir o quinhão do cônjuge executado, o que não acontecerá com as demais garantias reais ou privilégios que incidam sobre os penhorados e que venham a ser adjudicados ao seu cônjuge, garantias estas que se manterão intocadas a partir do momento em que tais bens venham a ser excluídos da execução. Isso mesmo acaba por ser reconhecido e expressamente determinado na sentença recorrida, quando a final se determina que “logo após a substituição do crédito da executada sobre o referido cônjuge, pela penhora do montante de 36.051,44 € que ali lhe foi adjudicado a título de tornas”, o Sr Agente de Execução “procederá ao oportuno levantamento da penhora que incide sobre o imóvel que foi adjudicado ao referido cônjuge”. Ou seja, a concretizar-se a penhora do referido valor de 36.051,44 €, será levantada a penhora sobre o imóvel sobre o qual incidem as hipotecas invocadas pelo Santander, não sendo o mesmo objeto de venda na presente execução. E, como bem se reconhece na sentença recorrida, “tal não afeta as hipotecas incidentes”, que se mantêm na íntegra, continuando a garantir os créditos reclamados pelo Santander. Quanto ao valor das tornas – de que o cônjuge se tornou devedor ao executado na sequência da partilha operada nos bens comuns – não constituem um “produto” ou “o valor” do imóvel penhorado ou de parte dele para efeitos do art. 686º do Código Civil (como parece intuir-se do raciocínio contido na sentença recorrida, ao estender-lhe as garantias e privilégios invocados aquando da penhora da “meação no imóvel”). Como tal, o credor hipotecário não é titular de qualquer preferência no pagamento aos credores que possa vir a efetuar-se sobre o valor de tais tornas, preferência que nem sequer foi invocada (aparentemente, à data da prolação da sentença a penhora do crédito de tornas não se encontrava concretizado, não tendo sido apresentada qualquer reclamação de créditos relativamente a tal penhora). Quanto ao crédito reclamado pela Segurança Social a título de créditos de contribuições referentes aos meses de Maio de 2005 a Abril de 2010, relativamente ao qual invoca um privilégio creditório imobiliário, tal privilégio não se estende ao valor das tornas que a executada vier a receber na sequência da partilha. O crédito da Segurança Social encontrar-se-á abrangido, quando muito, por um privilégio mobiliário geral incidente sobre o referido valor das tornas, privilégio que, contudo, não foi invocado, nem podia, pelo facto de o direito às tornas se ter constituído posteriormente à convocação de credores. Como tal, e operando as garantias reais invocadas pelos credores reclamantes unicamente no caso de o pagamento aos credores vir a ser feito pelo produto do imóvel penhorado, não poderiam tais créditos ter sido graduados relativamente ao valor das tornas em dívida ao cônjuge executado, não se justificando a prolação de sentença de graduação de tais créditos, no momento em que o foi e reportada a um bem relativamente ao qual não houve lugar à convocação de credores[5]. Ou seja, caso a penhora venha a ser levantada relativamente a tal imóvel, ocorrerá uma inutilidade da lide quanto aos pedidos de reclamação de créditos deduzidos relativamente a tal imóvel. A apelação será de proceder, revogando-se a decisão recorrida relativamente à graduação efetuada quanto ao montante de 36.051, 44 €, adjudicado a título de tornas à executada M.... IV – DECISÃO Pelo exposto, acordam os juízes deste tribunal da Relação em julgar a apelação procedente, revogando-se a decisão recorrida, na parte em que procede à graduação de créditos relativamente ao montante adjudicado a título de tornas à executada M.... Sem custas.
Coimbra, 16 de Setembro de 2014
Maria João Areias ( Relatora ) Fernando Monteiro Inês Moura
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