Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
935/10.2TJCBR.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: MARIA JOÃO AREIAS
Descritores: EXECUÇÃO
PENHORA
BENS COMUNS
SEPARAÇÃO DE MEAÇÕES
TORNAS
HIPOTECA
PRIVILÉGIO IMOBILIÁRIO GERAL
Data do Acordão: 09/16/2014
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso:
COIMBRA - VARA COMPETÊNCIA MISTA-1ª SECÇÃO
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA
Legislação Nacional: ARTS. 825 CPC, 686 CC
Sumário: 1.- Penhorado um determinado bem comum do casal ou a “meação nos bens comuns”, numa execução movida unicamente contra um dos cônjuges, e citado o cônjuge ao abrigo do disposto no art. 825º do CPC, das duas, uma:
- ou o cônjuge do executado não requer a separação de meações nem junta certidão de acção pendente, e a execução prossegue contra o bem penhorado, para a sua venda ou adjudicação na acção executiva;

- ou o cônjuge requer a separação de meações ou junta certidão comprovativa de processo de separação de bens já instaurado, suspendendo-se a execução nos bens comuns até à partilha. E aí, o bem é adjudicado ao executado ou ao seu cônjuge.

2.- Se o bem penhorado for adjudicado ao executado, a execução prossegue relativamente a tal bem. Se o bem penhorado não lhe for adjudicado, é levantada a penhora, podendo ser penhorados outros bens que tenham cabido ao executado, permanecendo a penhora até à nova apreensão.

3.- Nesta última hipótese, a penhora anterior permanece unicamente até que a segunda tenha lugar, para eficácia da garantia do exequente.

4.- Com a adjudicação do bem penhorado ao cônjuge do executado, a garantia de pagamento do crédito do exequente resultante da penhora transfere-se para os bens que hão de constituir o quinhão do executado/devedor, neste caso, o valor das tornas.

5.- Contudo, apenas a garantia de pagamento do crédito exequendo resultante da penhora se transmite para os bens que hão de constituir o quinhão do cônjuge executado, o que não sucederá com as demais garantias reais ou privilégios que incidam sobre os penhorados e que venham a ser adjudicados ao seu cônjuge, garantias estas que se manterão intocadas a partir do momento em que tais bens venham a ser excluídos da execução.

6.- O facto de o credor reclamante ser titular de uma hipoteca sobre um imóvel penhorado (bem comum do casal e que veio a ser adjudicado ao cônjuge não executado, na sequência de processo de separação de meações), não lhe atribui qualquer preferência no pagamento do valor das tornas que venham a caber ao cônjuge executado.

7.- A invocação de privilégio imobiliário geral sobre o referido imóvel por parte do ISS, também não lhe atribuiu qualquer preferência nos pagamentos que vierem a ser feitos pelo valor das tornas a receber pelo cônjuge/executado.

Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra (2ª Secção):

I – RELATÓRIO

Por apenso à execução comum para pagamento de quantia certa movida por V(…) contra M (…) e outra,

penhorados que foram:

- o “direito à meação”  da executada M (…) no prédio urbano descrito na Conservatória do Registo Predial de Coimbra sob o n.º (...)/20030714, freguesia de Santo António dos Olivais, e inscrito na matriz urbana sob o artigo (...).º,

- os créditos de que a executada M (…) seja titular junto da Administração Tributária a título de eventual reembolso ou restituição de impostos liquidados e montantes relativos a juros compensatórios ou indemnizatórios,

e cumprido o disposto no art. 864º do CPC, foram reclamados os seguintes créditos:

A) BANCO SANTANDER TOTTA, S.A., no montante global de € 80.723,20 (oitenta mil setecentos e vinte e três euros e vinte cêntimos), acrescido dos juros vincendos, calculados à taxa de 5,493% (1,493% + 4%), para ambos os contratos, sobre o capital de € 37.934,13 e de € 34.331,74, bem como, no caso do segundo contrato, do respetivo imposto de selo, calculado à taxa de 4% sobre o montante de juros apurado, tudo até efetivo e integral pagamento, com fundamento em dois contratos de mútuo com hipoteca sobre o prédio urbano descrito na CRP de Coimbra sob o n.º (...)/20030714, freguesia de Santo António dos Olivais, inscrito na matriz urbana sob o artigo (...).º.

     B) O Centro Distrital de Coimbra do Instituto de Segurança Social, IP, pede se declare verificado relativamente à reclamada (…), título de créditos de contribuições referentes aos meses de Maio de 2005 a Abril de 2010, no total de € 8975,64, acrescido de juros vencidos até Junho de € 2725,59.

O juiz a quo, reconhecendo os referidos créditos e as garantias e privilégios invocados, proferiu sentença verificando-os e graduando-os pela seguinte forma:

“- I) relativamente ao valor de € 36.051,44 de tornas que couberam à reclamada F (…), [por via da adjudicação em partilha do imóvel descrito na Conservatória do Registo Predial de Coimbra sob o n.º (...)/20030714, freguesia de Santo António dos Olivais, e inscrito na matriz urbana sob o artigo (...).º , ao ex-cônjuge marido C (…)],

1º - O crédito hipotecário.

2º - O crédito da Segurança Social garantido por privilégio imobiliário relativo a esta reclamada.

3º - O crédito exequendo, apenas garantido com penhora.

- II) relativamente aos rendimentos/créditos fiscais penhorados- tendo embora o Sr. AE elaborado auto, desconhecemos se efetivamente algo chegou a ser penhorado, relativamente à reclamada M...:

1º - O crédito da Segurança Social que sobre a mesma incide, garantido por privilégio mobiliário relativo a esta reclamada.

2º - O crédito exequendo, apenas garantido com penhora”.

A referida sentença conclui ainda com as seguintes determinações:

O Sr. AE procederá ao oportuno levantamento da penhora que incide sobre o imóvel que foi adjudicado ao referido cônjuge – C (…) - no âmbito do supra referido processo de inventário de separação de meações, logo após substituição do crédito da executada sobre o referido cônjuge, pela penhora do montante de € 36.051,44 que ali lhe foi adjudicado a título de tornas.

Tal não afecta as hipotecas incidentes, tanto mais que os créditos hipotecários em causa foram contraídos por ambos - leia-se, co-reclamada F (…) e o dito C (…).”

Inconformado com tal decisão, o exequente dela interpôs recurso de apelação, concluindo a sua motivação com as seguintes conclusões:

A) A sentença recorrida fez errada aplicação do direito aos factos provados, quando graduou os créditos relativamente à quantia de 36.051,44€. Com efeito,

B) Aquele direito de crédito é o único bem penhorado nos autos.

Assim,

C) Nenhum crédito hipotecário beneficia ou pode beneficiar relativamente a ele, de causa legitima de preferência, pois que, nos termos do artº 686 do Código Civil,

D) A hipoteca é um direito real de garantia que confere ao credor o direito de ser pago pelo valor de certas coisas imóveis, ou equiparadas, pertencentes ao devedor ou a terceiro, com preferência sobre os demais credores que não gozem de privilégio especial ou prioridade de registo.

E) Com o levantamento da penhora sobre o imóvel, o credor hipotecário continua a beneficiar de todas as garantias de que já beneficiava antes da execução, pelo que, não pode o respetivo crédito ser admitido a pagamento na execução a que os presentes autos estão apensos.

F) A graduação em segundo lugar do crédito da Segurança Social também é ilegal, e isto porque inexistindo qualquer imóvel penhorado de que seja titular a executada, não existe consequentemente privilégio imobiliário, ou preferência legitima daquele crédito relativamente ao do exequente, pelo menos com base naquele direito real de garantia.

G) A sentença recorrida ao decidir a graduação de créditos relativamente a quantia de 36.051,44 €, nos termos em que o fez, violou o disposto no artº 686 do Código Civil, que devia ser interpretado no sentido de que o titular daquele direito real de garantia – hipoteca – apenas tem direito de preferência no caso da venda do prédio hipotecado, e relativamente a outros créditos que não beneficiem de privilégio especial ou prioridade de registo.

H) A sentença recorrida ao graduar os créditos nos termos sobreditos, violou ainda o disposto nos arts. 601 e 604 do Código Civil, que deviam ser interpretados no sentido de que inexistiam no caso sub iudice quaisquer causas legitimas de preferência, que levassem àquela graduação de créditos.

Termos em que, deve o presente recurso obter provimento por provado, e em consequência revogar-se a sentença de verificação e graduação de créditos, na parte em que graduou antes do crédito exequendo, os créditos hipotecário e da segurança social, por não disporem estes de causas legítimas de preferência relativamente ao primeiro – crédito exequendo, que deve por isso ser graduado em primeiro lugar.

Não foram apresentadas contra-alegações.
Dispensados que foram os vistos legais, ao abrigo do disposto no nº4 do art. 657º do CPC, cumpre decidir do objeto do recurso.
II – DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO
Tendo em consideração que o objeto do recurso é delimitado pelas conclusões das alegações de recurso, sem prejuízo da apreciação de eventuais questões de conhecimento oficioso – cfr., arts. 635º, e 639, do Novo Código de Processo Civil[1] –, a questão a decidir é unicamente a seguinte:
1. Se os créditos reclamados hão de ser pagos preferencialmente pelo valor de € 36.051,44 de tornas que couberam à reclamada M... (por via da adjudicação em partilha do imóvel cuja meação foi objeto de penhora).
III – APRECIAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO
Para a decisão da questão em apreço haverá que atentar nos seguintes factos tidos em consideração pelo juiz a quo:
1. Nos autos de execução comum nº 935/10.2TJCBR, de que os presentes autos são apenso, foi, por auto de penhora de 21-5-2010 – ap. 5270 de 2010-05-18, para garantir o pagamento de dívida exequenda de € 43 165,00 e despesas prováveis de € 4316,50, feita a seguinte penhora: direito à meação do prédio urbano sito no (...), freguesia de Santo António dos Olivais e concelho de Coimbra, inscrito na matriz predial urbana na freguesia de Santo António dos Olivais sob o Art. (...), com o valor patrimonial de 1,554,69 € e descrito na 1.ª CRP de Coimbra na ficha n.º (...)/Santo António dos Olivais, a favor de C (…)e mulher, F (…), executada nos autos em epígrafe.
2. Em auto de penhora da mesma data, foi ordenada penhora do crédito junto da Administração Tributária a título de eventual reembolso ou restituição de impostos liquidados e montantes relativos a juros compensatórios ou indemnizatórios – relativamente a ambas as reclamadas.
3. No exercício da sua atividade creditícia, o BANCO SANTANDER TOTTA, S.A outorgou:
a) título particular em 27 de Novembro de 2003, pelo qual celebrou com a co-executada reclamada F (…) e marido, C (…), um contrato de mútuo com hipoteca, pelo qual emprestou a estes a quantia de € 98.407,68 (noventa e oito mil quatrocentos e sete euros e sessenta e oito cêntimos), a liquidar em 240 prestações mensais e sucessivas, e nas demais condições constantes do referido título e do documento complementar;
b) título particular, outorgado em 27 de Novembro de 2003, pelo qual celebrou com a referida reclamada F (…) e marido, um contrato de mútuo com hipoteca, pelo qual emprestou a estes a quantia de € 101.112,32 (cento e um mil cento e doze euros e trinta e dois cêntimos), a liquidar em 240 prestações mensais e sucessivas, e nas demais condições constantes do referido título.
4. Para garantia do bom e pontual cumprimento das obrigações emergentes dos contratos a reclamada hipotecou, conjuntamente com o seu marido, a favor da reclamante, o prédio urbano referido em 1), hipotecas definitivamente registadas a favor da reclamante.
 5. A reclamada F (…) – por exercer atividade por conta própria, estando abrangida pelo âmbito do CD, no regime de trabalhadores independentes, onde se encontra inscrito sob o nº 11102800216, a título de créditos de contribuições referentes aos meses de Maio de 2005 a Abril de 2010 no total de € 8975,64, sendo acrescido de juros vencidos até Junho de €2725,59 deve ao Centro Distrital de Coimbra do Instituto de Segurança Social, IP, capital de € 1118,04 [ao período de meses de Junho a Dezembro de 2010], juros de mora vencidos de € 88,80.
Teremos ainda em consideração os seguintes factos, dada a sua relevância para cabal apreciação das questões em apreço:
6. A requerimento do ex-cônjuge da executada, C (…)a execução foi declarada suspensa relativamente à executada M (…) até à partilha a efetuar no âmbito do processo de inventário nº 2988/10.4TJCBR-A.
7. Em tal processo, o imóvel cuja meação foi objeto de penhora nos presentes autos veio a ser adjudicado ao ex-marido da executada, C (…) haja dos Santos, sendo reconhecido à executada o direito a tornas no valor de € 36.051,44.
Face aos termos em que o apelante configura as suas alegações de recurso, a decisão em apreço circunscreve-se à questão de saber se os créditos reclamados devem ser pagos preferencialmente relativamente ao crédito exequendo, por gozarem, os créditos do Santander de garantia real (hipoteca), e o crédito do ISSS de privilégio imobiliário, sobre o valor de € 36.051,44 de tornas que couberam à reclamada F (…) (por via da adjudicação em partilha do imóvel descrito na CRP de Coimbra sob o n.º (...)/20030714, freguesia de Santo António dos Olivais, e inscrito na matriz urbana sob o artigo (...).º, ao ex-cônjuge marido C (…)).

Tendo sido cumprido o disposto nos nºs. 3 e 4 do art. 864º do CPC, na sequência da penhora da “meação” da executada em determinado imóvel comum, o Banco Santander veio reclamar os seus créditos invocando a garantia real (hipoteca) de que é titular sobre o referido imóvel, e o ISS veio invocar a existência de privilégio imobiliário a seu favor, nos termos dos arts. 11º, do DL 103/80, de 09.05, e 29º, nº2, do DL 328/93, de 25/9.

E, caso o referido imóvel viesse a ser vendido no âmbito da presente execução, dúvidas não haveria de que a existência das hipotecas a favor do Santander e de tal privilégio imobiliário a favor do ISS, lhes garantiria o pagamento preferencial sobre o produto do imóvel hipotecado.

Contudo, no caso em apreço, o que a sentença recorrida vem a graduar, não é o produto resultante da alienação do imóvel no processo executivo, mas o crédito a tornas que veio a ser reconhecido à executada no inventário que decorreu para separação de meações. 

Com efeito, tendo a execução sido suspensa quanto aos bens comuns, nos termos do art. 825º do CPC, até à partilha a realizar no referido inventário, o identificado imóvel acabou por ser aí adjudicado ao cônjuge da executada, atribuindo-se à executada tão só o direito a tornas no valor de 36.051,44 €. E são os pagamentos a efetuar com o referido valor (na suposição de que o respetivo montante venha a ser depositado à ordem dos presentes autos, uma vez que se mostra ordenada a respetiva penhora sem que, aparentemente, o seu cônjuge tenha procedido ainda ao depósito de tais tornas) que constituem o objeto do presente recurso.

No que respeita à garantia real invocada pelo credor reclamante Santander (hipoteca), a mesma dá-lhe preferência a ser pago pelo valor de tal imóvel em relação aos demais credores que não gozem de privilégio especial ou de prioridade de registo (art. 686º do Código Civil). Ou seja, tal hipoteca dar-lhe-ia o direito a ser pago preferencialmente pela venda de tal imóvel, não lhe atribuindo, contudo, qualquer preferência no crédito das tornas a que um dos cônjuges venha a ter direito na sequência da partilha no património comum.

Vejamos como funciona atualmente a penhora de bens comuns.

Penhorado um determinado bem comum do casal ou a “meação nos bens comuns”[2], numa execução movida unicamente contra um dos cônjuges, e citado o cônjuge ao abrigo do disposto no art. 825º do CPC, das duas, uma:

- ou o cônjuge do executado não requer a separação de meações nem junta certidão de ação pendente, e a execução prossegue contra o bem penhorado, para a sua venda ou adjudicação na ação executiva;

- ou o cônjuge requer a separação de meações ou junta certidão comprovativa de processo de separação de bens já instaurado, suspendendo-se a execução nos bens comuns até à partilha. E aí, o bem é adjudicado ao executado ou ao seu cônjuge. Se o bem penhorado for adjudicado ao executado, a execução prossegue relativamente a tal bem. Se o bem penhorado não lhe for adjudicado, é levantada a penhora, podendo ser penhorados outros bens que tenham cabido ao executado, permanecendo a penhora até à nova apreensão (art. 825º, nº7, do CPC).

Nesta última hipótese, a penhora anterior permanece unicamente até que a segunda tenha lugar, para eficácia da garantia do exequente. Como a jurisprudência vem defendendo[3], com a adjudicação do bem penhorado ao cônjuge do executado, a garantia de pagamento do crédito do exequente resultante da penhora transfere-se para os bens que hão de constituir o quinhão do executado/devedor, neste caso, o valor das tornas. Assim como, no caso de se ter procedido à penhora do “direito à meação”, esta terá por efeito dar preferência ao exequente sobre o produto dos bens comuns que, ocorrida a separação judicial de bens, venham a caber ao executado, relativamente a credores com penhoras subsequentes sobre os concretos bens que, pela partilha, sejam adjudicados ao cônjuge do executado tornas[4].

Contudo, apenas a garantia de pagamento do crédito exequendo resultante da penhora se transmite para os bens que hão de constituir o quinhão do cônjuge executado, o que não acontecerá com as demais garantias reais ou privilégios que incidam sobre os penhorados e que venham a ser adjudicados ao seu cônjuge, garantias estas que se manterão intocadas a partir do momento em que tais bens venham a ser excluídos da execução.

Isso mesmo acaba por ser reconhecido e expressamente determinado na sentença recorrida, quando a final se determina que “logo após a substituição do crédito da executada sobre o referido cônjuge, pela penhora do montante de 36.051,44 € que ali lhe foi adjudicado a título de tornas”, o Sr Agente de Execução “procederá ao oportuno levantamento da penhora que incide sobre o imóvel que foi adjudicado ao referido cônjuge”. Ou seja, a concretizar-se a penhora do referido valor de 36.051,44 €, será levantada a penhora sobre o imóvel sobre o qual incidem as hipotecas invocadas pelo Santander, não sendo o mesmo objeto de venda na presente execução. E, como bem se reconhece na sentença recorrida, “tal não afeta as hipotecas incidentes”, que se mantêm na íntegra, continuando a garantir os créditos reclamados pelo Santander.

Quanto ao valor das tornas – de que o cônjuge se tornou devedor ao executado na sequência da partilha operada nos bens comuns – não constituem um “produto” ou “o valor” do imóvel penhorado ou de parte dele para efeitos do art. 686º do Código Civil (como parece intuir-se do raciocínio contido na sentença recorrida, ao estender-lhe as garantias e privilégios invocados aquando da penhora da “meação no imóvel”).

Como tal, o credor hipotecário não é titular de qualquer preferência no pagamento aos credores que possa vir a efetuar-se sobre o valor de tais tornas, preferência que nem sequer foi invocada (aparentemente, à data da prolação da sentença a penhora do crédito de tornas não se encontrava concretizado, não tendo sido apresentada qualquer reclamação de créditos relativamente a tal penhora).

Quanto ao crédito reclamado pela Segurança Social a título de créditos de contribuições referentes aos meses de Maio de 2005 a Abril de 2010, relativamente ao qual invoca um privilégio creditório imobiliário, tal privilégio não se estende ao valor das tornas que a executada vier a receber na sequência da partilha. O crédito da Segurança Social encontrar-se-á abrangido, quando muito, por um privilégio mobiliário geral incidente sobre o referido valor das tornas, privilégio que, contudo, não foi invocado, nem podia, pelo facto de o direito às tornas se ter constituído posteriormente à convocação de credores.

Como tal, e operando as garantias reais invocadas pelos credores reclamantes unicamente no caso de o pagamento aos credores vir a ser feito pelo produto do imóvel penhorado, não poderiam tais créditos ter sido graduados relativamente ao valor das tornas em dívida ao cônjuge executado, não se justificando a prolação de sentença de graduação de tais créditos, no momento em que o foi e reportada a um bem relativamente ao qual não houve lugar à convocação de credores[5]. Ou seja, caso a penhora venha a ser levantada relativamente a tal imóvel, ocorrerá uma inutilidade da lide quanto aos pedidos de reclamação de créditos deduzidos relativamente a tal imóvel.

A apelação será de proceder, revogando-se a decisão recorrida relativamente à graduação efetuada quanto ao montante de 36.051, 44 €, adjudicado a título de tornas à executada M....

IV – DECISÃO

 Pelo exposto, acordam os juízes deste tribunal da Relação em julgar a apelação procedente, revogando-se a decisão recorrida, na parte em que procede à graduação de créditos relativamente ao montante adjudicado a título de tornas à executada M....

Sem custas.                    

Coimbra, 16 de Setembro de 2014

Maria João Areias ( Relatora )

Fernando Monteiro

Inês Moura


[1] Tratando-se de decisão proferida após a entrada em vigor do novo código, aprovado pela Lei nº 41/2013, de 26 de Junho, em ação instaurada depois de 1 de Janeiro de 2008, aplicar-se-á o regime de recursos constante do novo código, de acordo com o art. 5º, nº1 do citado diploma – cfr., neste sentido, António Abrantes Geraldes, “Recursos no Novo Código de Processo Civil”, Almedina 2013, pág. 16.
[2] No caso em apreço constata-se que, mais uma vez, erradamente, se procedeu à penhora da “meação” num concreto bem comum, em vez de se proceder à penhora do próprio bem comum ou à penhora da meação nos bens comuns.
A questão da penhorabilidade dos bens comuns ou do “direito à meação nos bens comuns”, vem-se colocando a propósito da responsabilidade pelas dívidas da exclusiva responsabilidade de um dos cônjuges, uma vez que há muito vigora o regime segundo o qual pelas dívidas próprias “respondem os bens próprios do cônjuge devedor e, subsidiariamente, a sua meação nos bens comuns” (nº1 do atual art. 1696º do Código Civil).
Antes da entrada em vigor da alteração introduzida pelo art. 4º nº1 do Dec. Lei nº 329-A/95 de, de 12 de Dezembro, o nº1 do art. 1696º, previa uma moratória legal na execução de bens comuns, pois esta somente era “exigível depois de dissolvido, declarado nulo ou anulado o casamento, ou depois de decretada a separação judicial de pessoas e bens ou a simples separação judicial de bens”. Em conformidade com tal regime substantivo, o art. 825º do Código de Processo Civil/1961, previa que “Na execução movida contra um só dos cônjuges não podem ser penhorados senão os seus bens próprios e o direito à meação nos bens comuns. Penhorado o direito à meação, a execução fica suspensa até que se dissolva o matrimónio ou seja decretada judicialmente a separação de bens”. A doutrina admitia então que se pudesse penhorar o próprio direito à meação, mas não os bens integrantes nessa meação, bens estes que só poderiam ser penhorados diretamente no caso de dívidas substancialmente comerciais, por força do art. 10º do Código Comercial[2].
Com as alterações que o Dec. Lei nº 329-A/95 veio a introduzir no art. 825º do CPC[2], e apesar de o art. 1696º, nº1, do CC, continuar a referir-se à responsabilidade da meação nos bens comuns, deixou de se falar na penhora do direito à meação nos bens comuns, passando a prever-se a penhora de bens comuns, penhora esta que será sustada se, citado para o efeito, o respetivo cônjuge vier requerer a separação de meações ou juntar certidão comprovativa da pendência da ação em que aquela tenha sido requerida, prosseguindo a execução nos bens comuns penhorados caso o cônjuge não exerça tal faculdade.
Assim, como refere Remédio Marques, o disposto no art. 826º nº1 do CPC (art. 743º, nº1 do NCPC) relativamente à “penhora em caso de comunhão ou compropriedade” – que prevê que na execução movida apenas contra algum ou alguns dos contitulares de património autónomo ou bem indiviso, não podem ser penhorados os bens compreendidos no património comum ou uma fração de qualquer deles, nem uma parte especificada do bem indiviso –, já não abarca, ou pelo menos mostra-se desprovido de interesse prático, a penhora do direito à meação do executado nos bens comuns do casal, atenta a alteração efetuada, na reforma processual de 1995/1996, nos arts. 1696, nº1, do CC, e 825º, do CPC.
De qualquer modo, atentar-se-á em que, o que se mostra apreendido nos presentes autos, não é o direito à meação nos bens comuns, mas o direito à meação em determinado imóvel, quando a penhora na meação em cada um dos concretos bens que fazem parte do património comum nunca se encontrou prevista na nossa lei processual ou substantiva[2]: o que o anterior 825º permitia era a penhora do direito à meação nos bens comuns, e não a penhora da meação num concreto bem do casal.
[3] Cfr., neste sentido, Acórdãos do TRE de 13.12.2005 e do TRC de 02.11.1999, disponíveis in www.dgsi.pt, e Ac. TRC de 13.11.2001, in CJ Ano XXVI, Tomo V, pág. 18, defendendo este último que, transitada em julgado a sentença homologatória da separação de meações, proferida no inventário respetivo, o credor exequente pode pedir a venda dos bens adjudicados ao cônjuge do executado, devedor das tornas, para pagamento do seu crédito, ao abrigo do disposto no art. 1378º do CC.
[4] Como defende REMÉDIO MARQUES, “Podendo penhorar-se imediatamente (mas subsidiariamente) bens comuns do casal, concretos e determinados – uma vez que foi abolida a moratória nas execuções movidas contra um dos cônjuges –, nenhum interesse tem para o exequente a penhora do direito à meação, posto que o seu único efeito será o de dar preferência ao exequente sobre o produto dos bens comuns que, havendo dissolução do casamento (separação judicial de pessoas e bens ou separação judicial de bens, na hipótese de um outro credor promover, subsequentemente a penhora de bens comuns), venham a caber ao executado, relativamente a credores com penhoras subsequentes sobre os concretos bens que, pela partilha, sejam adjudicados ao cônjuge executado”- “Curso de Processo Executivo Comum à face do Código Revisto”, Almedina, 2000, pág. 215, nota 592.
[5] Isto sem prejuízo de vir a ser proferida sentença de graduação de tais créditos no caso de as tornas não chegarem a ser depositadas e de a execução vir a prosseguir para venda do imóvel penhorado, ou de vir a ser proferida sentença de verificação de créditos relativamente à penhora das tornas a receber pela executada no caso de, relativamente a tal bem, vierem a ser reclamados créditos com garantia real ou privilégio mobiliário.