Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
1523/21.3T8CTB-A.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: JOSÉ AVELINO GONÇALVES
Descritores: FIADOR
RENÚNCIA AO BENEFÍCIO DE EXCUSSÃO
DAÇÃO EM CUMPRIMENTO DE IMÓVEL HIPOTECADO
DESONERAÇÃO
Data do Acordão: 11/09/2022
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: JUÍZO LOCAL CÍVEL DE CASTELO BRANCO DO TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE CASTELO BRANCO
Texto Integral: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTIGOS 634.º, 640.º, AL.ª A), 644.º, 648.º E 653.º, TODOS DO CÓDIGO CIVIL
Sumário: I – O património do devedor constitui a garantia geral de cumprimento das obrigações assumidas perante os credores, de harmonia com o disposto no artigo 601.º do Código Civil, sendo que, em determinados casos, estes podem exigir daquele algumas garantias acrescidas, prevenindo uma eventual insolvabilidade;

II – De entre essas garantias, aparecem-nos as pessoais, de que é apanágio a fiança, ficando através dela o fiador pessoalmente obrigado perante o credor, pela satisfação do crédito afiançado, sendo a sua obrigação acessória da obrigação principal – “ A fiança tem o conteúdo da obrigação principal e cobre as consequências legais e contratuais da mora ou culpa do devedor”/artigo 634.º; “O fiador que cumprir a obrigação fica sub-rogado nos direitos do credor na medida em que estes foram por ele satisfeitos/artigo 644.º;

III – O legislador permite ao fiador uma vigilância constante relativamente ao comportamento do devedor e ao comportamento do credor, num caso e noutro para garantia do seu direito à eventual sub-rogação, nomeadamente através do estabelecido no art.º 653.º, que estabelece que “os fiadores, ainda que solidários, ficam desonerados da obrigação que contraíram na medida em que, por facto positivo ou negativo do credor, não puderem ficar sub-rogados nos direitos que a estes competem”.

IV – A não intervenção do fiador no negócio consistente na dação em cumprimento do imóvel hipotecado, poderá fundamentar defesa excepcional do mesmo, à luz das regras da boa-fé, por ter sido accionado pelo credor para pagamento do remanescente em dívida, por exemplo, no caso de se sentir prejudicado por entender que o valor atribuído ao imóvel é substancialmente inferior ao seu real valor de mercado, e que por isso não pode ver o crédito afiançado ser totalmente satisfeito através daquele negócio;

V – Mas, se os fiadores se constituíram principais pagadores da dívida contraída pelo devedor principal, renunciando expressamente ao benefício de excussão prévia, significa que é vontade dos mesmos permitir que o credor possa exigir a dívida do devedor principal ou do fiador, sem que este invoque que só pagará quando aquele já não tiver património suficiente para responder pela dívida;

VI – Por isso, se o fiador não goza do benefício da excussão, por dela ter renunciado validamente, assumindo a obrigação de principal pagador, já não poderá valer-se da norma do artigo 653.º - que pressupõe um facto voluntário (mas não necessariamente culposo) do credor afiançado que determine a perda da faculdade de sub-rogação nos direitos que a estes assistiam;

VII – Renunciado o benefício de excussão, assumida a obrigação de principais pagadores, os fiadores não tinham que ser chamados a participar do acordo que se reporta à dação em cumprimento do imóvel, não podendo aliás obstar à sua realização  - na medida em que traduz um acordo de vontade de ambas as partes - credor e devedor - e por outro lado, atento o âmbito da fiança prestada e considerando que renunciaram ao benefício de excussão prévia, nunca poderiam estar “aconchegados” na existência da hipoteca sobre o imóvel, por dela não se poder fazer valer, tendo afastado o principio da subsidiariedade da fiança - ao fiador não lhe é permitido intervir na definição da obrigação principal que garante, reportando-se esta ao relacionamento entre o credor e o devedor/ com a extinção parcial da obrigação originada pela escritura de dação, não ocorreu qualquer extinção da fiança, mas antes a redução da mesma ao montante remanescente ainda em dívida após a entrega do imóvel sub judice em dação.


(Sumário elaborado pelo Relator)

Decisão Texto Integral:

Processo n.º 1523.21.3T8CTB-A

(Juízo Local Cível de Castelo Branco - Juiz 3)

Acordam os Juízes da 1ª secção cível do Tribunal da Relação de Coimbra:

1.Relatório

Os co-executados AA e BB deduziram o presente incidente de oposição à execução, tendo apresentado em separado os respectivos embargos (v. ref.ª 2741217 de 16.12.2021 dos presentes autos e ref.ª 2743857 de 20.12.2021 apenso B).

Para o efeito alegaram, de forma unânime e no geral, em suma, que, admitindo a outorga dos contratos de mútuo com fiança e hipoteca nos termos que descrevem, sendo os aqui Embargantes fiadores em tais contratos, foi outorgado, em momento posterior, entre o executado CC e o banco Embargado um contrato de dação em cumprimento e renúncia de hipoteca, tendo o executado ficado convencido que os aqui Embargantes iriam sair do contrato como fiadores, desconhecendo o executado que foi efectuada a dação em cumprimento com renúncia de hipoteca; e bem ainda como foi atribuído ao imóvel o valor que indica; sendo que o executado CC tem vindo a fazer o pagamento das prestações ao embargado no valor de 100,00€, não se verificando qualquer incumprimento por parte deste; alegando ainda, em síntese, que por força da renúncia das hipotecas por parte do Embargado, impediu os embargantes de virem a ficar sub-rogados nesse direito, concluindo pela desoneração dos fiadores da obrigação que contraíram e respectiva extinção de responsabilidade.

Mais alega o co-executado / Embargante AA que ele e a sua esposa não intervieram na referida dação em cumprimento, nem dela tiveram conhecimento nem tão pouco foram ouvidos ou lhes foi comunicado o valor que foi pelos ali contratantes, fixado ao imóvel objeto do negócio; e ainda que quando assinaram o contrato de mútuo bancário com hipoteca e fiança nada lhes foi informado, nem explicado, nomeadamente o que era a renúncia expressa ao benefício da excussão prévia.

Por sua vez, alega ainda a co-executada / Embargante BB que o executado CC com a assinatura da procuração emitida a favor do banco Embargado terá ficado convencido que a dívida ao banco se encontrava paga, transmitindo à executada que já não era sua fiadora; sendo que tomou agora esta conhecimento, por força da citação nos presentes autos, da escritura de dação em cumprimento e renúncia de hipoteca; mais alega que a procuração em causa exorbita e contraria o teor do mandato que lhe foi concedido, estando as procuradoras apenas autorizadas a declarar que o mandante dá o imóvel para pagamento da dívida, devendo a mesma ser considerada saldada e consequentemente extintas as obrigações contraídas nos mútuos outorgados; sendo que a entender-se que o alcance do mandato que lhes foi conferido, era o de permitir um cumprimento apenas parcial da dívida, sempre o mesmo seria anulável, pois configuraria um mandato para celebração de negócio consigo mesmo, em que existiria um claro conflito dos interesses do representante e do representado; alega ainda que o valor do imóvel, à data, tinha um valor bem superior ao valor remanescente em dívida, tendo o mutuário efetuado o pagamento da totalidade da quantia em divida em virtude de ter dado em pagamento o imóvel hipotecado. 

Notificado, veio o exequente Novo Banco, S.A., contestar (v. ref.ª 2798570 de 16.02.2022), impugnando, no geral, o alegado pelos Embargantes; mais esclarecendo que em 11.05.2019 o contrato sub judice encontrava-se em incumprimento, tendo o mesmo passado para a gestão do Departamento de Recuperação de Crédito, e a partir de 08.05.2020, como o mutuário não liquidou mais prestações, constituiu-se em mora, verificando-se um incumprimento definitivo do contrato; os eventuais pagamentos esporádicos efetuados pelo mutuário ocorridos após o incumprimento definitivo do contrato nunca foram no valor suficiente para liquidação do montante de capital em dívida, acrescido dos juros, incluindo os de mora, já vencidos; no mais, alega ainda que o executado mutuário CC apresentou, em 19.08.2014, proposta de dação em cumprimento ao banco Embargado, tendo sido efectuada uma avaliação ao imóvel no sentido de apuramento do seu valor de venda imediata, cujo valor se cifrou em 62.250,00€, e por esse motivo foi remetida comunicação àquele o valor apurado e que o mesmo não seria suficiente para liquidar integralmente ambos os contratos, detalhando para tal qual o montante remanescente e como deveria o mesmo ser liquidado e nesta sequência veio o executado mutuário CC aceitar o exposto pelo banco Embargado, tendo o mesmo pleno conhecimento, aquando da celebração da escritura de dação, quer do montante em dívida referente a ambos os contratos celebrados, quer do valor do imóvel dado em dação por conta da avaliação efetuada, e bem assim de que permaneceria em dívida um valor remanescente por este ainda a liquidar; quanto à procuração em causa, alega que a mesma não padece de invalidade, defendendo ainda que não ocorre, no caso em apreço, liberação dos fiadores por impossibilidade de sub-rogação nos termos que explicita.

Termina concluindo pela improcedência dos embargos deduzidos.

O Juízo Local Cível de Castelo Branco - Juiz 3, julga os embargos improcedentes, e, consequentemente, decide:

“Pelo exposto, julgo as oposições à execução mediante embargos deduzidas por AA e BB totalmente improcedentes, por não provadas, e, consequentemente determino o prosseguimento da execução a que este incidente está apenso.

Valor da causa: o já anteriormente fixado.

Registe e notifique.

Dê conhecimento ao Sr. Agente de Execução nos autos de execução”.

AA, embargante nos autos em epígrafe, não se conformando com a decisão interpõem o seu recurso, assim concluindo:

1. O Tribunal a quo deu como provado no ponto 28. dos factos provados, que o recorrente não interveio na escritura pública de dação em cumprimento e renúncia de hipoteca, realizada entre o Banco Embargado e o executado CC, nem dela teve conhecimento.

2. O Efetivamente, em consequência da dação em cumprimento parcial da fração autónoma dada de hipoteca ao Banco Embargado, este liquidou parte da dívida, no montante de 62.250,00€.

3. O executado CC, ficou, pois, quanto ao remanescente, a dever ao Banco Embargado a quantia de 30.334,50 €.

4. O Banco Embargado, por força da dação em cumprimento que celebrou com o executado CC, autorizou o cancelamento das inscrições hipotecárias que garantiam o seu crédito, renunciando voluntariamente a tal garantia.

5. Na verdade, o Recorrente constituiu-se fiador e principal pagador no âmbito de dois contratos de mútuo com hipoteca a favor do seu filho, CC.

6. A questão está em saber se, com a dação em cumprimento parcial e renúncia à hipoteca, o Recorrente Fiador ficou, ou não, desonerado das suas obrigações como fiador perante o Banco Embargado.

7. Ora, dispõe o artº 653º do Cód. Civil que “Os fiadores, ainda que solidários, ficam desonerados da obrigação que contraíram, na medida em que, por facto positivo ou negativo do credor, não puderem ficar sub-rogados nos direitos que a este competem”.

8. Por sua vez, preceitua o artº 644º do mesmo Código que “O fiador que cumprir a obrigação fica sub-rogado nos direitos do credor, na medida em que estes foram por ele satisfeitos”.

9. Não obstante não haver uma referência expressa à sub-rogação na hipoteca do credor, tal garantia, sendo acessória do crédito, está naturalmente abrangida na referência genérica aos “direitos que a este competem” – cfr. neste sentido Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, 4º ed., Vol. I, p. 671.

10. Por outras palavras, renunciando o credor à garantia da hipoteca impede o fiador de ficar sub-rogado no direito à mesma.

11. E não se diga que está em causa apenas uma situação de fiança com benefício da excussão prévia, na medida em que o próprio texto do artigo diz expressamente que o mesmo se aplica ainda que em caso de “solidariedade”.

12. Acrescenta o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 22-06-2017, Proc. 4267/17.7T8LSB-A.L1-8, o qual julgou improcedente a apelação intentada pelo aqui Banco Embargado contra o filho do ora Recorrente DD, também ele tendo sido aqui fiador, que: “Noutra ordem de considerações, dir-se-á que, contrariamente ao invocado pelo requerido, o fiador pode, de facto, falar da “garantia da hipoteca que perdeu”, na medida em que tal garantia, sendo do Banco/credor, pode “reverter” a favor do fiador através da sub-rogação nos direitos do credor, na medida em que por si for satisfeita a obrigação. E foi precisamente dessa possibilidade, ou seja, de se valer da garantia da hipoteca perante o mutuário, na medida do que por si fosse satisfeito, que o requerido impediu o requerente.”

13. Continuando o dito Acórdão: “Nesta conformidade, independentemente de se considerar que as partes (mutuante e mutuário) não quiseram extinguir a obrigação anterior na totalidade, criando uma nova em seu lugar, a verdade é que se mostra verificada a desoneração do fiador nos termos do disposto no citado normativo.”.

14. E, o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 24.04.2012, Proc.º nº 18/07.2TBTBC.P1.S1, decidiu no seguinte modo: “O artº 653º do CC quando prescreve que “os fiadores, ainda que solidários, ficam desonerados da obrigação que contraíram, na medida em que, por facto positivo ou negativo do credor, não puderem ficar sub-rogados nos direitos que a este competem”, consagra a designada excepção ou benefício cedendarumactionem. Assim sendo, ficam desonerados da obrigação que contraíram os fiadores de um mútuo com garantia hipotecária se a instituição de crédito renunciou à hipoteca, emitindo documento de cancelamento em conformidade com o disposto nos arts 730º, alª d), 731º, n.º 1, do CC e 56º do CRgP|4|”.

15. Também o acórdão da Relação de Lisboa de 14.04.2016, Proc.º nº 10971/15.7T8LSB.L1-6, decidiu o seguinte: “Num contrato de mútuo, cancelada, com o consentimento do credor, a hipoteca que garantia a obrigação do mutuário, os fiadores deixaram de se poder sub-rogar nos direitos do credor, para os efeitos da desoneração prevista no artigo 653º do CC, já que a nova hipoteca constituída sobre outro prédio não goza da mesma prioridade da hipoteca anterior|5|”.

16. Assim, num contrato de mútuo, tendo o credor renunciado à hipoteca que garantia a obrigação do mutuário, o fiador deixou de se poder sub-rogar nos direitos do credor, para os efeitos da desoneração prevista no artigo 653º do Código Civil.

17. Nos termos do disposto naquele artigo, os fiadores ficam desonerados da obrigação que contraíram, na medida em que, por facto positivo ou negativo do credor, não puderem ficar sub-rogados nos direitos que a este competem.

18. Ou seja, em qualquer situação em que a atuação voluntária do credor tenha implicado o resultado de passar a ser impossível para o fiador, total ou parcialmente, a sub-rogação, nessa medida, total ou parcial, se extinguirá a responsabilidade do fiador.

19. E o cancelamento da hipoteca pelo Banco/Embargado impediu o recorrente e sua esposa de virem a ficar sub-rogados nesse direito.

20. Foi, pois, nessa medida que o Banco embargado prejudicou os fiadores, em concreto o aqui recorrente, porque foi nessa precisa medida que os impediu de se poderem sub-rogar no correspondente crédito do Banco.

21. Veja-se ainda o Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 4-06-2019, Proc. nº 1030/16.6T8VIS-A.C1: “É no que toca à vigilância relativamente ao comportamento do credor, exercida também com a finalidade de garantir o seu eventual direito de sub-rogação, que intervém o disposto no art.º 653º, norma cuja aplicação aos autos está em causa, e que refere, lembre-se, que «os fiadores, ainda que solidários, ficam desonerados da obrigação que contraíram na medida em que, por facto positivo ou negativo do credor, não puderem ficar sub-rogados nos direitos que a estes competem».

22. E ainda, na mesma linha de entendimento anda o Acórdão da Relação do Porto de 30/1/2017:«se é o credor o responsável pela “perda” dos direitos que lhe assistem é razoável que o fiador se possa desonerar da obrigação assumida, uma vez que se a vier a cumprir, já não vai dispor dos meios necessários para obter do afiançado o que despendeu, uma vez que por culpa do credor se perderam os direitos em que deveria ficar sub-rogado».

23. Acresce que, as partes têm plena faculdade de celebrar contratos como lhes aprouver, desde que sempre harmonizados com o princípio fundamental da boa-fé, para salientar a confiança entre as partes contratantes.

24. Ao Banco/Embargado impunha-se a obrigação de informar com clareza o recorrente/embargante das cláusulas contratuais bem como das condições da dação em cumprimento e renúncia de hipoteca, para que este decidisse o que queria fazer.

25. O que não aconteceu.

26. Em suma:-por se verificarem preenchidos os requisitos para que se opere a completa liberação da obrigação pelo recorrente assumida, enquanto fiador, nos termos do artigo 653.º do Código Civil, deverá proceder a oposição mediante embargos de executado.

27.E, em consequência, não podendo o fiador/Oponente Embargante ser executado, como foi, na execução principal, se impõe a sua absolvição na dita execução.

TERMOS EM QUE E NOS MELHORES DE DIREITO deve o recurso proceder, revogando-se a decisão proferida e, em consequência:

-Em face de tudo o supra exposto, julgar-se totalmente procedente a oposição à execução mediante embargos do executado AA e, em consequência, não podendo este ser executado, como foi, na execução principal, se impõe a sua absolvição na dita execução.

Vossas Excelências, porém, farão a costumada e esperada J U S T I Ç A!”

BB, embargante e já melhor id. nos autos, não se conformando com a sentença proferida nos presentes autos que julgou os embargos improcedentes, vem dela interpor recurso, assim concluindo:

No dia 31 de outubro 2014, no Cartório Notarial ..., foi celebrada escritura pública de dação em cumprimento e renúncia de hipoteca entre o recorrido Novo Banco SA e o1.º executado CC.

Que, para pagamento parcial da indicada dívida de que o Banco recorrido é credor, aceitam, para a mesma, a identificada fração e que, também através desta escritura, o Banco recorrido expressamente renunciou às referidas hipotecas registadas pelas apresentações quinze e dezasseis, ambas de vinte e seis de janeiro de dois mil e seis, para todos os efeitos legais, autorizando, consequentemente, os respetivos cancelamentos.

Os recorrentes não intervieram na escritura pública id. em 22), nem dela tiveram conhecimento.

Conforme resulta do disposto no art.º 653º do C. Civil, o credor que renuncia à garantia da hipoteca autorizando o seu cancelamento, impede o fiador de ficar sub-rogado no direito à mesma, o que tem por consequência legal a sua desoneração da obrigação que contraiu perante o credor.

Constituem requisitos da aplicação da citada norma legal: - a existência de um facto voluntário do credor, seja ele positivo ou negativo, não se exigindo que a atuação seja culposa; - que o fiador não possa ficar sub-rogado nos direitos do credor;

- Nos “direitos” previstos no art.º 653º do Código Civil, incluem-se os casos de garantias associadas ao crédito como são as hipotecas.

Jurisprudência produzida e confirmada no âmbito da situação sub judice havia já decidido que “nesta conformidade, independentemente de se considerar que as partes (mutuante e mutuário) não quiseram extinguir a obrigação anterior na totalidade, criando uma nova em seu lugar, a verdade é que se mostra verificada a desoneração do fiador nos termos do citado normativo.”, não se encontrando na jurisprudência divergente produzida razões fortes para alterar esta interpretação da mesma norma jurídica e da mesma questão fundamental de direito.

Na verdade, a jurisprudência invocada na douta sentença faz uma interpretação extensiva e ilegal do disposto nos artigos 653º, 730º e 644º todos do código Civil, em violação do disposto no princípio geral vertido no art. 9º do código Civil.

Em concreto, a sentença não se encontra conforme o direito quando da mesma consta que:

1º - A hipoteca se extinguiu pela dação em cumprimento parcial.

Ao contrário do que consta da douta sentença, tal não constitui uma forma de extinção da hipoteca e ela extinguiu-se, conforme provam os autos, por renúncia do credor hipotecário;

2º - O fiador não se encontra desprotegido pois com a dação em cumprimento parcial, ficou reduzida a responsabilidade do fiador na medida do pagamento efetuado.

A verdade ignorada pela douta sentença é que os fiadores continuam a ser devedores e agora sem qualquer garantia de sub-rogação nos direitos do credor! Acresce que a redução da responsabilidade não é uma consequência que decorra propriamente da doação em pagamento pois é antes consequência legal do carácter acessório da fiança.

3º - Os fiadores não viram afetada a sua obrigação de forma prejudicial pelo acordo entre mutuário e o banco exequente, subjacente à dação em cumprimento.

A realidade é que os fiadores viram frustradas as expetativas que tinham quando da realização do contrato, pois o fiador impedido de exercer o direito de sub-rogação nos direitos do credor, efetivamente vê suprimido um direito que lhe é conferido por lei e a violação de uma expetativa que tinha quando da realização do contrato.

10ª

Violou, pois a douta sentença recorrida o constante do art.º 9º, art.º 653º, art.º 730º e o art.º 644º, todos do Código Civil devendo ser substituída por outra que decida que se encontram preenchidos os requisitos para que se opere a completa liberação da obrigação por si assumida, enquanto fiadores, nos termos do artº 653º do C.C.

Assim fazendo a acostumada JUSTIÇA!

O exequente Novo Banco, S.A apresenta as suas contra-alegações:

(…).

2. Do objecto do recurso

A 1.ª instância alinhavou os seguintes factos:

1. Factos provados

1) O Exequente foi constituído por deliberação do Conselho de Administração do Banco de Portugal tomada em reunião extraordinária de 03.08.2014, nos termos do nº 5 do artigo 145º-G do RGICSF.

2) Nos termos daquela mesma deliberação do Conselho de Administração do Banco de Portugal, os créditos exequendos, que eram da titularidade do Banco Espírito Santo, S.A. (doravante sob a sigla BES), foram transferidas para a titularidade do Banco ora Exequente, com efeitos à data daquela deliberação.

3) No dia 16 de Fevereiro de 2006, foi celebrada escritura de compra e venda e mútuo com hipoteca e fiança, mediante a qual o BES, concedeu um empréstimo ao mutuário /executado CC no montante de € 80.000,00, destinado à aquisição da fracção autónoma, destinada a habitação, designada pela letra ..., rés-do- chão frente, com arrecadação número nove na cave, do prédio urbano sito na Praceta ..., ..., Quinta ..., ..., freguesia ..., concelho ..., inscrito na matriz sob o artigo ... e descrito na ... Conservatória do Registo Predial ... sob o número ...40.

4) O empréstimo id. em 3) foi celebrado por um prazo de 50 anos e deveria ser reembolsado em 600 prestações mensais, constantes e sucessivas de capital e juros, nos termos constantes da escritura junta com documento 1 anexo à execução.

5) Para caução e garantia de todas as responsabilidades assumidas nos termos do referido contrato id. em 3), nomeadamente juros que forem devidos e, ainda, das despesas judiciais e extrajudiciais que, para efeitos de registo, se fixaram em três mil e duzentos euros, o mutuário / 1.º executado CC constituiu hipoteca a favor do BES sobre a fracção autónoma adquirida id. em 3).

6) Os 2.º e 3.º executados, aqui Embargantes, outorgaram igualmente o contrato de mútuo id. em 3) e, em seu nome pessoal, constituíram-se fiadores e principais pagadores por tudo quanto viesse a ser devido ao Banco Exequente, em consequência do empréstimo que o 1.º executado contraiu através daquele contrato, com expressa renúncia ao benefício da excussão prévia, dando o seu acordo a quaisquer modificações da taxa de juro e alterações de prazo, bem como mudança de regime de crédito, que viessem a ser convencionadas entre o exequente e o 1.º executado.

7) A fiança constituída por via do contrato de mútuo id. em 3) manter-se-á plenamente em vigor enquanto subsistir qualquer dívida de capital, de juros ou de despesas, constituída por qualquer forma, imputável ao 1.º executado.

8) Da referida escritura id. em 3) consta: “Foi feita em voz alta, aos outorgantes, na presença simultânea de todos, a leitura e explicação do conteúdo desta escritura.”

9) No mesmo dia 16 de Fevereiro de 2006, foi celebrada escritura de mútuo com hipoteca e fiança, mediante a qual o BES, concedeu um empréstimo ao mutuário / 1.º executado CC no montante de € 17.500,00, do qual se confessou devedor.

10) Para caução e garantia de todas as responsabilidades assumidas nos termos do referido contrato, nomeadamente juros e, ainda, das despesas judiciais e extrajudiciais que, para efeitos de registo, se fixam em setecentos euros, o mutuário / 1.º executado CC constituiu hipoteca sobre a fracção autónoma supra descrita em 3) a favor do BES.

11) Os 2.º e 3.º executados aqui Embargantes, outorgaram igualmente o contrato de mútuo id. em 9) e, em seu nome pessoal, constituíram-se fiadores e principais pagadores por tudo quanto viesse a ser devido ao Banco Exequente, em consequência do empréstimo que o 1.º executado contraiu através daquele contrato, com expressa renúncia ao benefício da excussão prévia, dando o seu acordo a quaisquer modificações da taxa de juro e alterações de prazo, bem como mudança de regime de crédito, que viessem a ser convencionadas entre o exequente e o 1.º executado.

12) A fiança constituída por via do contrato de mútuo id. em 9) manter-se-á plenamente em vigor enquanto subsistir qualquer dívida de capital, de juros ou de despesas, constituída por qualquer forma, imputável ao 1.º executado.

13) Da referida escritura id. em 9) consta: “Foi feita em voz alta às outorgantes a leitura e explicação do conteúdo desta escritura.”

14) Por carta datada de 19 de agosto de 2014, o mutuário/executado CC dirigiu carta ao então BES, com o assunto: proposta de dação em cumprimento – crédito hipotecário n.º ...38 e ...40, e cujo teor se extrai, além do mais, sic:

“Ex.mos Senhores,

CC, Contribuinte Fiscal ..., residente na Praceta ..., ... – Quinta ..., ... ..., vem propor a aceitação por parte de V. Exas da dação em cumprimento por motivos de dificuldades financeiras, dos contratos em epígrafe relativo ao imóvel hipotecado a essa instituição.

Fracção autónoma designada por ... correspondente ao R/C frt com a arrecadação n.º 9 na cave, do prédio urbano sito na Praceta ..., Quinta ..., ..., freguesia ..., concelho ..., descrito na ... Conservatória do Registo Predial ... sob o n.º ...40, inscrito na respectiva matriz predial sob o artigo ...00.

Contatos para Avaliação do imóvel – ...50 (DD – Avalista e irmão do proponente) (…)”

15) No seguimento da carta id. em 14), foi efetuada uma avaliação ao imóvel no sentido de apuramento do seu valor de venda imediata.

16) Da avaliação efectuada ao imóvel id. em 3), o valor de venda imediata do mesmo cifrava-se em € 62.250,00.

17) O Embargado remeteu ao mutuário CC uma carta, em 17 de setembro de 2014, comunicando qual o valor apurado e que o mesmo não seria suficiente para liquidar integralmente ambos os contratos [id. em 3) e 9)], detalhando para tal qual o montante remanescente e como deveria o mesmo ser liquidado.

18) Do teor da missiva id. em 17), consta, além do mais:

ASSUNTO: Contratos n.

...38 — bhp — aquisição c/ hipoteca

...40 — multiopções c/ hipoteca — CC

Exmo(a). Senhor(a)

De acordo com o solicitado e no seguimento da proposta remetida sobre a entrega do imóvel a título de dação em cumprimento, livre de quaisquer ónus ou encargos, bens e pessoas, para liquidação dos contratos em nome de V. Exa., somos a informar que o valor apurado para aquisição do mesmo pelo Novo Banco foi de € 62.250,00. Este valor não é suficiente para liquidar o total das responsabilidades, existindo o valor remanescente de € 30.334,57.

Para resolução do referido montante, o Novo Banco considera a possibilidade de aceitar o imóvel para liquidação parcial das responsabilidades, mantendo-se parcialmente em dívida o empréstimo ...38 bhp aquisição c/ hipoteca mantendo as condições e ajustando o valor da prestação ao montante em questão, sendo aproximada de € 100,00. Estas prestações serão devidas desde a data de aceitação do Novo Banco para aquisição do imóvel.

As condições acima descritas representam uma simulação e estão condicionadas a posterior aprovação pelo Novo Banco.

Mais informamos, que a conta depósito à ordem para pagamento do referido empréstimo deverá encontrar-se activa, e como tal, caso se verifique a existência de saldo devedor o mesmo deverá ser regularizado até à data da escritura de dação em cumprimento.

Chamamos a atenção para o facto de ser necessário o certificado energético do imóvel no ato da escritura de Dação, pelo que agradecemos o seu envio, caso concorde com a proposta apresentada.

Agradecemos resposta até dia 17/10/2014, findo este prazo daremos por terminada a referida proposta. (…)”.

19) O mutuário CC, por carta dirigida ao Exequente, datada de 09.10.2014, veio a aceitar a proposta apresentada na carta enviada pelo Embargado em EE. em 17) e 18).

20) Do teor da missiva id. em 19), consta, além do mais:

“Contratos n.º

...38 — bhp — aquisição c/ hipoteca

...40 — multiopções c/ hipoteca — CC

Ex.mos Srs.

Vimos por este meio informar que concordamos com a proposta do Novo Banco relativamente à entrega do imóvel pelo valor de 62.250,00€ e mais informamos que não temos capacidade financeira para liquidação integral do remanescente, ou seja, € 30.334,57.

Para resolução do referido montante, aceitamos a liquidação parcial das responsabilidades, ficando a nosso cargo o valor remanescente com as mesmas condições estabelecidas contratualmente no empréstimo n.º ...38 – bhp – aquisição c/ hipoteca, sendo o valor da prestação do remanescente aproximadamente de € 100,00.

Tomamos conhecimento que as prestações do empréstimo n.º ...38 – bhp – aquisição c/ hipoteca serão devidas desde a data de aceitação do Novo Banco para aquisição do imóvel. (…)”.

21) O 1º executado CC outorgou, em 19.08.2014, procuração mediante a qual constituiu seu bastante procurador o Novo Banco, S.A., Embargado, tendo nela declarado: “(…) ao qual concede os necessários poderes para, com a faculdade de substabelecer, e efectuar negócio consigo mesmo, em seu nome, dar em pagamento, nos termos e condições e a quem entender, inclusivamente a si próprio, o que o mandante especialmente consente, ao abrigo do disposto no artigo 261.º , n o 1 do Código Civil, livre de ónus ou encargos, à excepção da hipoteca registada a favor do Banco mandatário, o seguinte imóvel: Fracção autónoma designada pela ...", correspondente ao ... frente, com arrecadação n.º 9 na cave, do prédio urbano sito na Praceta ..., ... e IA, Quinta ..., ..., da freguesia ..., concelho ..., descrito na ... a Conservatória do Registo Predial ... sob o no ...40, inscrito na respectiva matriz predial sob o artigo ...00, outorgando a competente escritura de dação em pagamento, assinando os demais documentos que se mostrem necessários (…).”

22) No dia 31 de Outubro 2014, no Cartório Notarial ..., foi celebrada escritura pública de dação em cumprimento e renúncia de hipoteca entre o Exequente e o 1.º executado CC, na qual declararam, além do mais:

“(…) que sobre a fracção autónoma [id. em 3)] incidem duas hipotecas voluntárias, a favor do "Banco Espírito Santo, SA", registadas pelas apresentações quinze e dezasseis, ambas de vinte e seis de Janeiro de dois mil e seis, cujos cancelamentos vão ser feitos com base na declaração de renúncia adiante proferida pelas outorgantes.

Que as referidas hipotecas foram constituídas pelo seu representado CC para garantia de dois empréstimos, cuja dívida correspondente às responsabilidades vencidas e não pagas, de capital e juros, decorrente daquele empréstimo ascende, nesta data, à quantia de noventa e dois mil quinhentos e oitenta e quatro euros e cinquenta e sete cêntimos, da qual aquele representado CC, é devedor agora ao Banco representado pelas outorgantes, na sequência e por força da supra referida transferência de activos e passivos, elementos extra patrimoniais e activos, sob gestão do Banco Espírito Santo, S.A, para o "Novo Banco, S.A".

Que por nisso terem acordado, para pagamento de parte da referida dívida, no montante de sessenta e dois mil duzentos e cinquenta euros, valor que atribuem ao identificado imóvel, aquele representado CC dá ao "Novo Banco, S.A", livre de quaisquer ónus ou encargos, a fracção atrás identificada, que se obriga a entregar, de imediato, desocupada de pessoas e bens (…).”

23) Mais declararam na escritura de dação em cumprimento e renúncia de hipoteca id. em 22) “Que, por força do pagamento parcial da dívida decorrente da dação aqui titulada, o representado CC, continua devedor do remanescente, no montante de trinta mil trezentos e trinta e quatro euros e cinquenta e sete cêntimos mantendo-se, quanto a este, em seu inteiro e pleno vigor todas as cláusulas e condições constantes do contrato de empréstimo número zero, dois, dois, oito, zero, zero, um, três, três, oito.”

24) Declararam ainda os ali outorgantes:

“Que, para pagamento parcial da indicada dívida (no valor de sessenta e dois mil duzentos e cinquenta euros), de que a sociedade sua representada é credora, aceitam, para a mesma, a identificada fracção e, em nome dela, dá quitação quanto à parte cujo pagamento da presente dação aqui aceitam.

Que, também através desta escritura, renunciam em nome da sua representada, às referidas hipotecas registadas pelas apresentações quinze e dezasseis, ambas de vinte e seis de Janeiro de dois mil e seis, para todos os efeitos legais, autorizando, consequentemente, os respectivos cancelamentos, uma vez que o imóvel passou a pertencer ao credor hipotecário.”

25) Por força da dação id. em 22), para pagamento de parte da dívida decorrente dos empréstimos referidos, que ascendia, à data de 31.10.2014, ao montante de 92.584,57€, procedeu-se ao pagamento de parte da dívida, no montante de 62.250,00€ através da dação em cumprimento parcial da fracção autónoma dada de hipoteca ao Banco exequente.

26) O mutuário CC continuou devedor do remanescente, no montante de 30.334,57€.

27) O Exequente na escritura de dação em cumprimento e renúncia de hipoteca id. em 22) foi representado pelas suas procuradoras ali identificadas, outorgando ainda estas como procuradoras designadas pelo Exequente para exercer os poderes de representação conferidos pelo 1.º Executado CC.

28) Os Embargantes não intervieram na escritura pública id. em 22), nem dela tiveram conhecimento.

29) Em 11 de maio de 2019 o contrato id. em 23) encontrava-se em incumprimento, tendo passado para a gestão do Departamento de Recuperação de Crédito.

30) Neste seguimento, foram enviadas pelo Embargado cartas de interpelação quer para o mutuário, quer para os fiadores, Embargantes.

31) O mutuário posteriormente regularizou alguns montantes, os quais foram afetos a prestações já vencidas, sendo de valor insuficiente para liquidação integral do montante já em dívida referente a todas as prestações.

32) O 1.º executado efetuou o pagamento da última prestação a que estava obrigado em 08.05.2020.

33) Com o não pagamento da prestação que se venceu em 08.06.2020, venceram-se todas as demais prestações previstas no contrato.

34) Na sequência das circunstâncias id. em 33), o Banco Exequente procedeu à integração dos intervenientes no procedimento extrajudicial de regularização de situações de incumprimento.

35) O referido procedimento id. em 34) foi extinto por impossibilidade de chegar a acordo.

36) O Exequente comunicou aos executados, através de carta que lhes remeteu em 02.01.2021, que considerava o contrato denunciado e que de acordo com as cláusulas contratuais era agora exigido o pagamento da totalidade do valor do contrato, incluindo a cláusula penal por mora.

37) O executado CC efectuou pagamentos esporádicos, não sendo suficientes para liquidação do montante de capital em dívida, acrescido dos juros, incluindo os de mora, já vencidos.

2. Factos não provados

Da oposição do Embargante AA

A) Que o Embargante e sua esposa tenham renunciado expressamente ao benefício de excussão prévia sem que lhes fosse explicado o que aquilo era no acto da assinatura do contrato id. em 3).

B) Que o Embargante e sua esposa tenham renunciado expressamente ao benefício de excussão prévia sem que lhes fosse explicado o que aquilo era no acto da assinatura do contrato id. em 9).

C) O Embargante e sua esposa assinaram o contrato de mútuo bancário, com hipoteca e fiança sem qualquer tipo de explicações.

D) Não tendo estado presente na dação em cumprimento id. em 22) o executado CC convenceu-se, porque assim lhe havia sido dito pelo Embargado, que o ora Embargante e sua esposa iriam sair do contrato como fiadores.

E) Também aquele executado desconhece que foi efetuada a dação em cumprimento com renúncia de hipoteca.

F) O executado CC desconhece como é que o Embargado atribuí ao imóvel o valor de 62.250,00€.

G) O executado CC tem vindo a efectuar o pagamento do remanescente em dívida por transferência bancária e isto até à data da entrada da petição de embargos.

Da oposição da Embargante BB

H) Com a assinatura da procuração id. em 21), o mutuário CC terá ficado convencido que a dívida ao Banco se encontrava paga pois transmitiu a fiadora, ora executada, que podia ficar descansada e que já não era sua fiadora.

I) Ao mutuário a favor do qual se constituiu a fiança, não são conhecidos outros bens.

J) A executada/embargante não vislumbra outra forma de obter reembolso daquilo que viesse a ter de pagar.

K) O imóvel id. em 3) tinha, à data de 31.10.2014, um valor bem superior ao valor remanescente em dívida.

Com a dação em cumprimento parcial e renúncia à hipoteca, os Apelantes fiadores ficaram, ou não, desonerado das suas obrigações como fiadores perante o Banco Embargado?

Dizem os Apelantes:

“Acrescenta o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 22-06-2017, Proc. 4267/17.7T8LSB-A.L1-8, o qual julgou improcedente a apelação intentada pelo aqui Banco Embargado contra o filho do ora Recorrente DD, também ele tendo sido aqui fiador, que:

“Noutra ordem de considerações, dir-se-á que, contrariamente ao invocado pelo requerido, o fiador pode, de facto, falar da “garantia da hipoteca que perdeu”, na medida em que tal garantia, sendo do Banco/credor, pode “reverter” a favor do fiador através da sub-rogação nos direitos do credor, na medida em que por si for satisfeita a obrigação. E foi precisamente dessa possibilidade, ou seja, de se valer da garantia da hipoteca perante o mutuário, na medida do que por si fosse satisfeito, que o requerido impediu o requerente.”

13. Continuando o dito Acórdão: “Nesta conformidade, independentemente de se considerar que as partes (mutuante e mutuário) não quiseram extinguir a obrigação anterior na totalidade, criando uma nova em seu lugar, a verdade é que se mostra verificada a desoneração do fiador nos termos do disposto no citado normativo.”.

14. E, o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 24.04.2012, Proc.º nº 18/07.2TBTBC.P1.S1, decidiu no seguinte modo:

“O artº 653º do CC quando prescreve que “os fiadores, ainda que solidários, ficam desonerados da obrigação que contraíram, na medida em que, por facto positivo ou negativo do credor, não puderem ficar sub-rogados nos direitos que a este competem”, consagra a designada excepção ou benefício cedendarumactionem. Assim sendo, ficam desonerados da obrigação que contraíram os fiadores de um mútuo com garantia hipotecária se a instituição de crédito renunciou à hipoteca, emitindo documento de cancelamento em conformidade com o disposto nos arts 730º, alª d), 731º, n.º 1, do CC e 56º do CRgP|4|”.

15. Também o acórdão da Relação de Lisboa de 14.04.2016, Proc.º nº 10971/15.7T8LSB.L1-6, decidiu o seguinte:

“Num contrato de mútuo, cancelada, com o consentimento do credor, a hipoteca que garantia a obrigação do mutuário, os fiadores deixaram de se poder sub-rogar nos direitos do credor, para os efeitos da desoneração prevista no artigo 653º do CC, já que a nova hipoteca constituída sobre outro prédio não goza da mesma prioridade da hipoteca anterior|5|”.

16. Assim, num contrato de mútuo, tendo o credor renunciado à hipoteca que garantia a obrigação do mutuário, o fiador deixou de se poder sub-rogar nos direitos do credor, para os efeitos da desoneração prevista no artigo 653º do Código Civil.

17. Nos termos do disposto naquele artigo, os fiadores ficam desonerados da obrigação que contraíram, na medida em que, por facto positivo ou negativo do credor, não puderem ficar sub-rogados nos direitos que a este competem.

18. Ou seja, em qualquer situação em que a atuação voluntária do credor tenha implicado o resultado de passar a ser impossível para o fiador, total ou parcialmente, a sub-rogação, nessa medida, total ou parcial, se extinguirá a responsabilidade do fiador.

19. E o cancelamento da hipoteca pelo Banco/Embargado impediu o recorrente e sua esposa de virem a ficar sub-rogados nesse direito.

20. Foi, pois, nessa medida que o Banco embargado prejudicou os fiadores, em concreto o aqui recorrente, porque foi nessa precisa medida que os impediu de se poderem sub-rogar no correspondente crédito do Banco.

21. Veja-se ainda o Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 4-06-2019, Proc. nº 1030/16.6T8VIS-A.C1:

“É no que toca à vigilância relativamente ao comportamento do credor, exercida também com a finalidade de garantir o seu eventual direito de sub-rogação, que intervém o disposto no art.º 653º, norma cuja aplicação aos autos está em causa, e que refere, lembre-se, que «os fiadores, ainda que solidários, ficam desonerados da obrigação que contraíram na medida em que, por facto positivo ou negativo do credor, não puderem ficar sub-rogados nos direitos que a estes competem».

22. E ainda, na mesma linha de entendimento anda o Acórdão da Relação do Porto de 30/1/2017:

«se é o credor o responsável pela “perda” dos direitos que lhe assistem é razoável que o fiador se possa desonerar da obrigação assumida, uma vez que se a vier a cumprir, já não vai dispor dos meios necessários para obter do afiançado o que despendeu, uma vez que por culpa do credor se perderam os direitos em que deveria ficar sub-rogado».

23. Acresce que, as partes têm plena faculdade de celebrar contratos como lhes aprouver, desde que sempre harmonizados com o princípio fundamental da boa-fé, para salientar a confiança entre as partes contratantes”.

Vejamos então.

Como é sabido, o património do devedor constitui a garantia geral de cumprimento das obrigações assumidas perante os credores, de harmonia com o disposto no artigo 601º do Código Civil – será o diploma a citar sem menção de origem -, sendo que, nem determinados casos, estes podem exigir daquele algumas garantias acrescidas, prevenindo uma eventual insolvabilidade.

De entre essas garantias, aparecem-nos as pessoais, de que é apanágio a fiança, ficando através dela o fiador pessoalmente obrigado perante o credor, pela satisfação do crédito afiançado - artigo 627º -, sendo a sua obrigação acessória da obrigação principal – “ A fiança tem o conteúdo da obrigação principal e cobre as consequências legais e contratuais da mora ou culpa do devedor”/artigo 634.º; “O fiador que cumprir a obrigação fica sub-rogado nos direitos do credor na medida em que estes foram por ele satisfeitos/artigo 644.º.

O fiador, não é um mero devedor de uma divida alheia, mas antes e também de uma divida própria, a divida afiançada, devendo o mesmo que deve o devedor e não aquilo que por este é devido – sobre esta matéria, Manuel Januário Gomes , “A fiança no quadro das garantias pessoais/Aspectos de regime”, in Comemorações dos 35 Anos do Código Civil e dos 25 Anos da Reforma De 1977, III Volume, Direito das Obrigações, 79/119.

Desta forma, é uma garantia que acresce à garantia pré existente, isto é, os bens do devedor principal. Ambas vão responder pelo pagamento da dívida, sendo que o património do devedor responde por dívida própria, e o património do fiador responde por dívida alheia, sendo, em princípio, subsidiária, que se expressa no facto de o fiador poder invocar o benefício da excussão prévia, nos termos do artigo 638º - o fiador só responde pelo pagamento se e quando se provar que o património do devedor é insuficiente para o cumprimento da obrigação contraída -  a invocação desse benefício impede que o credor execute o património do fiador sem que primeiro tenha tentado, sem sucesso, a execução do património do devedor ou sem que se tenha executado primeiro os bens que são objeto de garantia real.

A fiança, que se determina pela obrigação do devedor principal, sendo embora, na sua essência, uma garantia de cumprimento, é também uma garantia de solvência do devedor, uma garantia de consecução do resultado do cumprimento. Um exemplo dessa consideração do fim de garantia ou de segurança está na tendencial insensibilidade dos termos da responsabilidade fidejussória à sobrevinda impotência económica do devedor. Não faria qualquer sentido que o fiador, que garante a solvência do devedor, pudesse escusar-se a satisfazer o crédito no caso de o devedor não estar em condições, por incapacidade económica, de solver o crédito. “A fiança seria, então, uma mera figura de decoração que em nada aproveitaria ao credor /Acórdão do STJ de 21 de Janeiro de 2014 (Relator Gabriel Catarino), pesquisável em www.dgsi.pt.”.

Mas, o fiador tem interesse no cumprimento da obrigação afiançada, na medida em que o cumprimento da obrigação afiançada pelo devedor, implica a extinção da fiança, nos termos do art.º 651º.

Por outro lado, o legislador permite-lhe uma vigilância constante relativamente ao comportamento do devedor e ao comportamento do credor, num caso e noutro para garantia do seu direito à eventual sub-rogação.

 Relativamente ao comportamento do devedor, através do estabelecido no art.º 648.º, no qual se prevêem situações de que resulta tornar-se razoável que o fiador adquira contra o devedor o direito a obter a sua liberação ou a prestação de caução. Relativamente ao comportamento do credor através do estabelecido no art.º 653.º, que estabelece que “os fiadores, ainda que solidários, ficam desonerados da obrigação que contraíram na medida em que, por facto positivo ou negativo do credor, não puderem ficar sub-rogados nos direitos que a estes competem”.

As situações abrangidas pela previsão desta norma são muito variadas, mas têm que ter em comum a circunstância de o fiador, por acto voluntário, não necessariamente culposo, do credor, ter direta ou indiretamente perdido a possibilidade de sub-rogação nos direitos do credor contra o devedor.

Por isso, os fiadores, ainda que solidários, ficam desonerados da obrigação que contraíram, na medida em que, por facto positivo ou negativo do credor, não puderem ficar sub-rogados nos direitos que a este compete – artigo 653.º do Código Civil. Este artigo tem de ser equacionado com o artigo 644.º do mesmo diploma legal, nos termos do qual “o fiador que cumprir a obrigação fica sub-rogado nos direitos do credor, na medida em que estes foram por ele satisfeitos”.

Assim, facilmente se compreende que se o credor, por acção ou omissão voluntária, mas não necessariamente culposa, inviabilizar a sub-rogação do fiador este seja exonerado da fiança na mesma medida.

Em anotação a este artigo - Código Civil Anotado, Coimbra editora, vol. I, 4.ª edição, pg. 671 -, escrevem Pires de Lima e Antunes Varela:

 “Consagra-se neste artigo a doutrina do artigo 853.° do Código Civil de 1867. As alterações na forma não correspondem a alterações de conteúdo. Não obstante, agora, não se fazer referência especial à sub-rogação nos privilégios e hipotecas do credor, estas garantias, como acessórias, estão abrangidas na referência genérica que se faz aos direitos que a este competem (cfr. art. 644º).

Como casos de aplicação deste artigo, podem citar-se os seguintes: o credor não reclamou o seu crédito na falência do devedor, não deduziu uma preferência em concurso de credores, renunciou a um privilégio, não registou uma hipoteca, remitiu a obrigação de outro fiador, etc.

Esta desoneração só se verifica, diz o artigo, na medida em que os fiadores não puderem ficar sub-rogados nos direitos do credor. Pode, por conseguinte, apenas ficar reduzida a sua obrigação e não extinta. Se um crédito de 100 é reduzido, por culpa do credor, a 50 e só quanto a esta importância pode ficar sub-rogado o fiador, a fiança mantém-se quanto a esta quantia.

Para tanto será necessário determinar, caso por caso, o prejuízo real que a perda do direito imputável ao credor acarreta para o direito eventual do fiador. Mas será ao credor que incumbe a prova de ser o prejuízo real do fiador inferior ao valor do direito cuja sub-rogação ele tomou inviável.

O texto do artigo 653º tem o mérito de esclarecer que a sanção cominada contra o credor vale tanto para a hipótese de a impossibilidade (prática) da sub-rogação provir de facto positivo (actuação dolosa ou negligente) deste, como para a de ela resultar de simples omissão.

Por outro lado, também fica suficientemente explícita a ideia de que a previsão legal abrange tanto a perda dos direitos anteriores à fiança ou contemporâneos dela, como a dos direitos posteriores.”

Estando a desoneração do fiador dependente da impossibilidade de sub-rogação nos direitos do credor, por facto imputável ao credor, importa determinar o alcance da expressão “não puderem ficar sub-rogados nos direitos que a estes competem” utilizada no artigo 653.º Ou seja, a dificuldade/impossibilidade prática em obter a satisfação do crédito do fiador sobre o devedor.

Como é sabido, o campo de aplicação privilegiado do artigo 653.º será o da perda das garantias associadas ao crédito. Recorde-se que, nos termos do artigo 582.º, “ex vi” artigos 593.º e 594.º, ocorrendo sub-rogação, o crédito transfere-se para o fiador com todas as garantias que o acompanham - hipoteca, privilégios, penhor, penhora.

Daí que os exemplos que a doutrina apresenta de impossibilidade de sub-rogação se prendam, frequentemente, com perda de garantias - credor que não deduz preferência em concurso de credores, que não regista a hipoteca ou a ela renuncia.

É certo, para nós, que o regime de liberação do fiador por impossibilidade de sub-rogação, previsto no art.º 653.º, tem aplicação aos casos de garantias associadas ao crédito como são as hipotecas, que por culpa do credor, se extingam.

 Mais, a não intervenção do fiador no negócio consistente na dação em cumprimento do imóvel hipotecado, poderia fundamentar defesa excepcional do mesmo, à luz das regras da boa-fé, por ter sido accionado pelo credor para pagamento do remanescente em dívida, por exemplo, no caso de se sentir prejudicado por entender que o valor atribuído ao imóvel é substancialmente inferior ao seu real valor de mercado, e que por isso não pode ver o crédito afiançado ser totalmente satisfeito através daquele negócio.

No entanto, tal divagação jurídica não tem aplicação aos presentes autos.

Desde logo, porque o termo “os fiadores, ainda que solidários” constantes da norma do artigo 639.º, é dedicado às situações de pluralidade de fianças, em regime de solidariedade. Ou seja, havendo vários fiadores, e respondendo cada um deles pela totalidade da prestação, o que tiver cumprido fica sub-rogado nos direitos do credor contra o devedor e, de harmonia com as regras das obrigações solidárias, contra os outros fiadores.

Como escreve o Apelado, é “certo que, como já se referiu, no regime da fiança, há a possibilidade dos fiadores, de acordo com o artigo 639.º nº 1 do CC, exigirem a execução prévia das coisas sobre as quais recai garantia real, se esta for contemporânea da fiança ou anterior a ela. É certo também que, como regra, o fiador pode também recusar o cumprimento enquanto o credor não tiver excutido todos os bens do devedor, de acordo com o disposto no artigo 638.º nº 1 do CC.

Acontece, porém, que, no caso em presença, nem uma coisa, nem outra os Recorrentes estavam legitimados a fazer, uma vez que renunciaram ao benefício de excussão e assumiram a obrigação de principais pagadores, sendo por isso excluído o benefício referido, tendo em conta o estabelecido na alínea a) do artigo 640.º do CC, afastando com isso a subsidiariedade da fiança.

Em face do exposto, resulta, por um lado, que os fiadores não tinham que ser chamados a participar do acordo que se reporta à dação em cumprimento do imóvel, não podendo aliás obstar à sua realização (na medida em que traduz um acordo de vontade de ambas as partes - credor e devedor) e por outro lado, atento o âmbito da fiança prestada e considerando que renunciaram ao benefício de excussão prévia e se assumiram como principais pagadores, nunca poderiam estar “estribados” na existência da hipoteca sobre o imóvel, por dela não se poder fazer valer, tendo afastado o principio da subsidiariedade da fiança”.

A renúncia ao benefício da excussão prévia relaciona-se com a característica da subsidiariedade. O fiador tem o direito de recusar o cumprimento da prestação enquanto não estiverem excutidos todos os bens do devedor principal; e, inclusivamente, depois dessa excussão, se provar que o crédito não foi satisfeito por culpa do credor.

Mas, se os fiadores se constituíram principais pagadores da dívida contraída pelo devedor principal, renunciando expressamente ao benefício de excussão prévia, significa que é vontade dos mesmos permitir que o credor possa exigir a dívida do devedor principal ou do fiador, sem que este invoque que só pagará quando aquele já não tiver património suficiente para responder pela dívida – e essa renúncia resulta da matéria de facto/ Pontos 6) a 12 dos factos provados; Pontos A) a D) dos factos não provados.

Por isso, se o fiador não goza do benefício da excussão, por dela ter renunciado validamente, assumindo a obrigação de principal pagador, já não poderá valer-se da norma do artigo 653.º - que pressupõe um facto voluntário (mas não necessariamente culposo) do credor afiançado que determine a perda da faculdade de sub-rogação nos direitos que a estes assistiam – Acórdão do STJ de 12.2.2019 pesquisável em www.dgsi.pt.

Como escreve a 1.ª instância

“Esta característica da fiança pode ser afastada por vontade das partes, apresentando-se nesse caso o fiador, ao lado do devedor, como principal pagador; tornam-se responsáveis solidários pelo pagamento da dívida, que pode ser exigida pelo credor, na totalidade, a um ou a outro.

No caso em apreço, e face à factualidade apurada nos autos, foi precisamente isto que foi acordado entre os Embargantes / fiadores e o Banco credor, na medida em que aqueles expressamente se assumem como principais pagadores e renunciam ao benefício de excussão. Neste conspecto, a fiança dos Embargantes não pode ser considerada subsidiária relativamente à obrigação principal, sendo antes solidária.

Acresce dizer que ao fiador não lhe é permitido intervir na definição da obrigação principal que garante, reportando-se esta ao relacionamento entre o credor e o devedor, sendo a sua obrigação acessória daquela, conforme decorre dos artigos 627.º nº 2, 631.º, nº 2, 632.º nº 1 e 634.º, todos do C.C.

Posto isto e volvendo ao caso em apreço, conforme exposto supra, pretendem os Embargantes – fiadores do mutuário / co-executado CC nos contratos de mútuo id. nos autos – serem desonerados da obrigação por eles assumida, argumentando que por força da renúncia das hipotecas por parte do Embargado, impediu os Embargantes de virem a ficar sub-rogados no direito que competia àquele credor, concluindo pela sua desoneração dos fiadores da obrigação que contraíram e respectiva extinção de responsabilidade, ou seja, na perspectiva dos Embargantes, o credor adoptou comportamentos que os impedem de ficar sub-rogados nos direitos do credor(…)  

No caso sob escrutínio, insurgem-se os Embargantes, sinteticamente, contra o banco Embargado pelo facto de este ter renunciado às hipotecas que garantiam os contratos de mútuo afiançados, e com o cancelamento de tais hipotecas, impediu-os de virem a ficar sub-rogados nesse direito, deixando de poder vir a dispor daquelas garantias, como no presente caso em que foram chamados a pagar o crédito ainda em dívida.

Sucede que, e se é certo que o regime consagrado no artigo 653.º do Código Civil, nos termos sobejamente expostos supra, tem aplicação nos casos de perda de garantias associadas ao crédito, como as hipotecas que, por culpa do credor, se extinguem (v.g. por falta de registo, por renúncia ou por prescrição), no caso em apreço, resulta que subjacente ao cancelamento das referidas hipotecas está um contrato de dação em cumprimento, no âmbito do qual o mutuário / co-executado CC e o banco exequente fixaram o montante total em dívida, à data de 31.10.2014, em 92.584,57€ e procederam ao pagamento parcial dessa dívida, no montante de 62.250,00€, entregando para o efeito o mutuário / co-executado CC ao banco exequente o imóvel sobre o qual estavam constituídas as duas hipotecas como garantia do pagamento dos montantes mutuados.

E seguindo de perto o entendimento sufragado em sede do Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 13.10.2020, proc. 24370/15.T8PRT-A.P2, relatora Anabela Dias da Silva, acessível in www.dgsi.pt, no âmbito do qual retrata caso semelhante aos dos pressentes autos, na realidade, do supra exposto, decorre que as hipotecas se extinguiram, não por renúncia do credor, mas pela extinção parcial da obrigação a que serviam de garantia - cfr. al. a) do art.º 730.º do C.C.

Conforme resultou provado nos autos, o mutuário / co-executado CC propôs ao Banco exequente a dação em cumprimento, com o imóvel hipotecado, por dificuldades financeiras [facto provado 14)].

A dação em cumprimento é uma forma de extinção da obrigação, preceituada nos artigos 837 ss. do C.C., verificando-se quando o credor e o devedor acordam na prestação de uma coisa diversa da que é devida, como forma de extinguir a obrigação.

O cumprimento da obrigação pode ser total ou parcial, sendo que, em regra, de acordo com o disposto no artigo 763.º do C.Civil a prestação deve ser realizada integralmente, a menos que as partes convencionem outra coisa, ou que tal seja imposto pela lei ou pelos costumes.

No caso sub judice, os factos apurados revelam-nos que, através do documento que constitui a escritura de dação em cumprimento e renúncia de hipoteca, junto aos autos, que o mutuário CC e o Banco mutuante acordaram na entrega do imóvel como forma de pagamento de uma parte da dívida resultantes dos contratos de mútuo – factos provados 22), 23) e 24) – que ascendia, à data de 31.10.2014, ao montante de 92.584,57€, procedendo-se ao pagamento de parte da dívida, no montante de 62.250,00€ através da dação em cumprimento parcial da fracção autónoma dada de hipoteca ao Banco exequente, continuando o mutuário CC devedor do remanescente, no montante de 30.334,57€, “mantendo-se, quanto a este, em seu inteiro e pleno vigor todas as cláusulas e condições constantes do contrato de empréstimo número zero, dois, dois, oito, zero, zero, um, três, três, oito.” – cfr. facto provado 23).

Do ante exposto, resulta claro que em face deste acordo, as partes – mutuário / co-executado CC e Banco exequente – não quiseram extinguir a obrigação anterior na sua totalidade, mantendo-se a obrigação inicial, no que concerne ao contrato supra identificado, excepto no seu valor, que as partes consideram liquidado parcialmente, remanescendo o valor de 30.334,57€, tendo o outro contrato sido liquidado integralmente.

Pelo que, neste segmento falece a tese apresentada pela Embargante BB ao alegar que na sequência da escritura de dação em cumprimento, o contrato de mútuo que constitui a obrigação principal se extinguiu, pois que apenas se extinguiu parcialmente e não na sua totalidade.

Em suma, a garantia da hipoteca foi accionada pelo banco credor / exequente, com a concordância do mutuário / co-executado CC, para obter a satisfação do seu crédito sem que tenha recorrido à garantia pessoal da fiança.

É certo que os fiadores / embargantes deixaram de dispor das garantias das hipotecas, caso venham a ficar sub-rogados no direito principal do credor, contudo, tal decorre, não porque o credor a essas garantias tenha renunciado, mas sim porque o bem imóvel sobre o qual as mesmas incidiam foi dado em cumprimento ao credor para extinção parcial do crédito afiançado – cfr. sup. cit. aresto do T.R.P. de 13.10.2020.

Concluindo o citado aresto: “Ou seja, a referida dação em cumprimento efectuou o seu propósito legal, isto é, através da prestação de coisa diversa operou a extinção, embora parcial, do crédito em apreço, sem que tenha havido recurso à garantia pessoal decorrente da fiança do embargante.”

Assim sendo, dúvidas não subsistem que o crédito afiançado ficou, ele próprio reduzido, na medida da extinção parcial da dívida inicial operada por via da dação em cumprimento.

Aqui chegados mais não resta do que concluir que, em face do estipulado no art.º 653.º do C.C., não se encontram preenchidos os requisitos, no caso em apreço, susceptível de operar uma situação de (total) liberação do fiador por impossibilidade de sub-rogação.

E como se escreve no citado aresto do T.R.P. de 13.10.2020: “(…) O que sucede é apenas uma impossibilidade de sub-rogação parcial ao embargante/fiador (é impossível a sub-rogação relativa às garantias acessórias do crédito consistentes nas ditas hipotecas) mas quanto aos demais direitos essa sub-rogação mantêm-se possível. E por outro lado, não se pode olvidar que a própria obrigação afiançada se mostra reduzida em montante importante.”

Concluindo-se que, “a solução justa, adequada e proporcional é a redução proporcional da obrigação do fiador/embargante ao montante residual da dívida dos devedores após a realização da dação em cumprimento.”

Pelos motivos ante expostos, mais se acrescenta e não podemos deixar de referir que não se sufraga o entendimento explanado em sede da decisão proferida na providência cautelar sob o 4267/17.7T8LSB-A, junta aos autos pela Embargante (v. Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 22.06.2017, acessível in www.dgsi.pt), pois que, com o devido respeito, porque abordada a questão de uma forma singela, abstraindo-se do busílis da contenda, sendo que como bem se refere no supra citado acórdão do T.R.P. de 13.10.2020, “como quase tudo nesta vida, a situação não é assim tão simples ou linear”.

Por outro lado, já quanto à questão dos Embargantes não terem intervindo no negócio da dação em cumprimento, nem comunicadas as respectivas condições, nem lhes foi comunicado o valor fixado ao imóvel objecto do dito negócio, dir-se-á como se escreve no Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 13.11.2012, proc. 1626/11.2TBMGR-A.C1, relatora Maria Inês Moura, disponível in www.dgsi.pt, que se debruça sobre caso também análogo ao dos presentes autos:

“(…) Em face do exposto, resulta, por um lado, que os fiadores não tinham que ser chamados a participar do acordo que se reporta à dação em cumprimento do imóvel, não podendo aliás obstar à sua realização (na medida em que traduz um acordo de vontade de ambas as partes- credor e devedores- nomeadamente quanto à avaliação do imóvel) e por outro lado, atento o âmbito da fiança prestada e considerando que renunciaram ao benefício de excussão prévia e se assumiram como principais pagadores, nunca poderiam estar “estribados” na existência da hipoteca sobre o imóvel, por dela não se poderem fazer valer, tendo afastado o principio da subsidiariedade da fiança.”

Assim sendo, dúvidas não subsistem ao Tribunal que os Embargantes fiadores não viram afectada a sua obrigação de forma prejudicial pelo acordo entre mutuário / co-executado e Banco exequente em discussão – subjacente à dação em cumprimento - vendo frustradas as expectativas que tinham quando da realização do contrato.

Na verdade, com a dação em cumprimento do imóvel, extinguiu-se parte da dívida, e num valor substancial de 62.250,00€, pelo que os Embargantes fiadores vêm assim no âmbito da fiança que prestaram, e consequentemente a sua obrigação reduzida em face do valor inicial que afiançaram e que poderiam sempre ter sido chamados a pagar na totalidade – cfr. neste sentido citado aresto do T.R.C. de 13.11.2012.

Por outro lado, quanto ao valor atribuído ao imóvel em discussão e avaliação feita ao mesmo em 62.250,00€, nenhuma factualidade foi demonstrada no sentido de esse valor não ser o ajustado ou quiçá de valor até superior, não se apurando qualquer deficiência no exercício do direito hipotecário.

E cogitando a mera hipótese no sentido de que o valor apurado até poderia ter sido superior e em consequência teria beneficiado o banco Exequente e teria prejudicado os fiadores que veriam o crédito afiançado não ser totalmente satisfeito através do accionamento da hipoteca, como se se elucida em sede de Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 30.01.2017, proc. 3388/12.7TBMTS.P1, relator Cura Mariano, acessível in www.dgsi.pt, estaríamos perante uma situação que apenas poderia ser equacionada, à luz das regras da boa fé, se a Ré vier a exigir dos fiadores o pagamento da parte do crédito que ainda não se encontra satisfeita, mas não é motivo para que se declare extinta a fiança, nos termos do artigo 653.º do Código Civil. O que de todo o modo, não é o caso demostrado nos autos.

Por último, quanto ao invocado pela Embargante BB não serem conhecidos outros bens ao mutuário – o que não resultou demonstrado – não vislumbrando aquela outra forma de obter reembolso daquilo que viesse a ter de pagar a não ser através das hipotecas constituídas e que o Exequente renunciou – suposta renúncia essa que não se verificou conforme já exposto nos termos supra – impõe-se dizer e como refere Januário Gomes in obra sup. cit. “(…) o credor não tem um dever para com o fiador de zelar pela solvabilidade do devedor, tendo em vista a futura recuperação do crédito por parte do fiador quando sub-rogado.” E repita-se: “Centrando-nos no âmbito de aplicação do art.º 653.º, é irrelevante que o credor “feche os olhos” à gestão patrimonial do devedor ou mesmo à alienação de bens norteada, tal qual objectivamente interpretável, pelo propósito de inutilizar a chamada garantia real. (…) Pressuposto base de aplicação do regime plasmado no art.º 653.º é que o fiador não possa ficar sub-rogado nos direitos do credor. Ora, nenhuma impotência patrimonial superveniente do devedor, impede que o fiador, cumprindo, fique sub-rogado na posição de credor – no direito de crédito (…)”.

Em face de tudo o exposto, improcede a pretensão dos Embargantes por não se verificarem preenchidos os requisitos para que se opere a completa liberação da obrigação por si assumida, enquanto fiadores, nos termos do artigo 653.º do C.C., mas apenas a sua redução nos termos sobejamente expostos supra”.

Avançando.

Esmiuçando o direito/dever de informação das cláusulas contratuais bem como das condições da dação em cumprimento e renúncia de hipoteca.

O que dizem os apelantes:

“Acresce que, as partes têm plena faculdade de celebrar contratos como lhes aprouver, desde que sempre harmonizados com o princípio fundamental da boa-fé, para salientar a confiança entre as partes contratantes.

Ao Banco/Embargado impunha-se a obrigação de informar com clareza os recorrentes/embargantes das cláusulas contratuais bem como das condições da dação em cumprimento e renúncia de hipoteca, para que estes decidissem o que queriam fazer. O que não aconteceu”.

Avaliando.

Apesar de estas matérias poderem ser afastadas pela vontade das partes, as cláusulas em que o fiador renuncia a estas prerrogativas - os meios de defesa estipulados na lei, incluindo a renúncia ao benefício de excussão prévia -, devem ser comunicadas e esclarecidas pelo predisponente ao aderente, dada a sua natureza particularmente gravosa para os fiadores.

Como se escreve no Acórdão do STJ de 6.6.2019, pesquisável em www.dgsi.pt,  “Emerge do art. 1.º, n.os 1 e 2, da LCCG (DL n.º 446/85, de 25-10, na redacção dos DL n.º 220/95, de 31-08, DL n.º 249/99, de 07-07 e DL n.º 322/2001, de 17-12) que o regime aí contemplado se aplica às “cláusulas contratuais gerais elaboradas sem prévia negociação individual, que proponentes ou destinatários indeterminados se limitem, respectivamente, a subscrever ou aceitar”, bem como “às cláusulas inseridas em contratos individualizados, mas cujo conteúdo previamente elaborado o destinatário não pode influenciar”.As cláusulas contratuais gerais podem ser definidas como "proposições ou enunciados destinados à inserção numa multiplicidade de contratos, na totalidade dos quais se prevê a participação como contraente da entidade que, para esse efeito, as pré-elaborou ou adoptou".

Tais cláusulas tanto podem integrar contratos de adesão como ser inseridas em contratos individualizados que não se destinam a uma utilização geral, mas em que não há possibilidade de negociação.Ao garante, parte acessória ou secundária de um outro contrato, nomeadamente ao fiador de um contrato de mútuo celebrado com um terceiro é aplicável o regime das cláusulas contratuais gerais.

O dever de informação deve ser prestado «de acordo com as circunstâncias» e se nestas se constata que o aderente prescinde de todo e qualquer esclarecimento, não se poderá dizer que tenha havido o incumprimento daquela específica obrigação de comunicação e explicitação.

Se os embargantes/fiadores, estando em posição de pedir os esclarecimentos de que careciam, antes da outorga da escritura, o não fizeram e até deles prescindiram no acto da escritura, ao declarar que conheciam perfeitamente o conteúdo do documento complementar respeitante à fiança, não se pode dizer que foi violado o dever de informação.

Não se poderá «obrigar» nestas circunstâncias específicas que o predisponente, mesmo ao arrepio de uma vontade expressa dos aderentes, explique uma por uma as cláusulas insertas num contrato de adesão”.

Ora, essa informação foi dada. É o que resulta da matéria de facto – Pontos 6 e 11 -; Pontos 8 e 13/ Ver, ainda, as alíneas A) a C) dos factos não provados.

Alegam, ainda, os Apelantes que não intervieram na referida dação em cumprimento do imóvel hipotecado e consequente extinção da dita hipoteca, nem dela tiveram conhecimento, e por força da renúncia das hipotecas por parte do Embargado, impediu os Embargantes de virem a ficar sub-rogados no direito que competia àquele credor, concluindo pela desoneração dos fiadores da obrigação que contraíram e respectiva extinção de responsabilidade.

Ora, se é certo que, como já se escreveu, no regime da fiança, há a possibilidade dos fiadores, de acordo com o artigo 639.º nº 1, exigirem a execução prévia das coisas sobre as quais recai garantia real, se esta for contemporânea da fiança ou anterior a ela e que, como regra, o fiador pode também recusar o cumprimento enquanto o credor não tiver excutido todos os bens do devedor, de acordo com o disposto no artigo 638.º nº 1, no caso dos autos, nem uma coisa, nem outra os Apelantes estavam legitimados a fazer, uma vez que renunciaram ao benefício de excussão e assumiram a obrigação de principais pagadores, sendo por isso excluído o benefício referido, tendo em conta o estabelecido na alínea a) do artigo 640.º, afastando com isso a subsidiariedade da fiança.

Por isso, os fiadores não tinham que ser chamados a participar do acordo que se reporta à dação em cumprimento do imóvel, não podendo aliás obstar à sua realização  - na medida em que traduz um acordo de vontade de ambas as partes - credor e devedor - e por outro lado, atento o âmbito da fiança prestada e considerando que renunciaram ao benefício de excussão prévia e se assumiram como principais pagadores, nunca poderiam estar “aconchegados” na existência da hipoteca sobre o imóvel, por dela não se poder fazer valer, tendo afastado o principio da subsidiariedade da fiança- ao fiador não lhe é permitido intervir na definição da obrigação principal que garante, reportando-se esta ao relacionamento entre o credor e o devedor/ com a extinção parcial da obrigação originada pela escritura de dação, não ocorreu qualquer extinção da fiança, mas antes a redução da mesma ao montante remanescente ainda em dívida após a entrega do imóvel sub judice em dação.

Nestes termos, improcedem as apelações, mantendo-se a decisão proferida pelo Juízo Local Cível de Castelo Branco, que aqui reproduzimos.

Sumário:

(…).


3.Decisão
Assim, na improcedência dos recursos, mantemos a decisão proferida pelo Juízo Local Cível de Castelo Branco - Juiz 3.

As custas ficam a cargo dos apelantes.

Coimbra, 9 de Novembro de 2022

(José Avelino Gonçalves - Relator)

(Arlindo Oliveira - 1.º adjunto)

(Emidio Santos– 2.º adjunto)