Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
180/08.7TBIDN-B.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: MARIA INÊS MOURA
Descritores: EXECUÇÃO
OPOSIÇÃO À EXECUÇÃO
PENHORA
RESPONSABILIDADE DO EXEQUENTE
LITIGÂNCIA DE MÁ FÉ
ABUSO DE DIREITO
Data do Acordão: 05/13/2014
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: IDANHA-A-NOVA
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA EM PARTE
Legislação Nacional: ARTS.456, 457, 819 CPC, 562, 570 CC
Sumário: 1. A questão da culpa do lesado em contribuir para o agravamento dos danos, com a pretendida exclusão ou redução da indemnização, é uma questão nova, não suscitada anteriormente pela parte e que, por não ter sido invocada, não foi apreciada e decidida na 1ª instância. Uma vez que os Recorrentes enquadram tal situação no instituto do abuso do direito previsto no artº 334 do C.Civil, que é de conhecimento oficioso, referindo agora que há por parte da Exequente um exercício abusivo do direito a haver os juros de mora, impõe-se uma tomada de posição sobre tal assunto, nos termos do disposto no artº 608 nº 2 do C.P.C.

2. Não é qualquer conduta que é susceptível de integrar o conceito de abuso de direito. O artº 334 do C.Civil impõe que o titular do direito exceda manifestamente os limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico desse direito.

3. O artº 819 do C.P.C., na redacção que lhe foi dada pelo Decreto-Lei 38/2003 de 8 de Março, sob a epígrafe “responsabilidade do exequente”, ao determinar que o exequente responde pelos danos causados culposamente, remete-nos para o regime da obrigação de indemnizar previsto nos artº 562 ss. do C.Civil. Cabe assim ao lesado, ao pretender fazer valer o seu direito indemnizatório, a alegação e prova dos factos constitutivos do seu direito que possam levar o tribunal a concluir pela existência do dever de indemnizar, nos termos do disposto no artº 342 nº 1 do C.Civil, um desses elementos é precisamente a existência de danos.

4. Não há que dar cumprimento ao disposto no artº 457 nº 2 do C.P.C. (actual artº 543 nº 3 do C.P.C.), quando não é peticionada pela parte a condenação da parte contrária no pagamento de indemnização por litigância de má fé, que determine a aplicação e tal regime.

5. Para que o exequente possa ser condenado no pagamento da multa prevista no artº 819 do C.P.C., é necessário que se verifique o pressuposto da procedência da oposição, que determina a extinção da execução, não sendo para tal suficiente a mera procedência parcial da oposição apresentada.

6. A quantia paga pelos executados no âmbito de uma primeira execução que correu termos, com base em sentença não transitada em julgado, por força do efeito devolutivo atribuído ao recurso, destinou-se ao pagamento do capital e juros ali reclamados pelo exequente.

7. É essa a imputação que tem de ser feita no crédito do exequente, que foi considerado ser superior em sentença definitiva posterior, ficando afastada a presunção do artº 785 nº 1 do C.Civil e integrando a previsão do nº 2 do mesmo artigo, no entendimento que o credor não pode ter deixado de concordar com a imputação daquele valor, pago na altura, no capital, tanto assim que foi ele que o pediu nesses termos quando instaurou a execução e ao qual se dirigiu o pagamento. Só essa interpretação vai ao encontro de uma conduta de lealdade e de boa fé que se impõe às partes na execução do contrato, nos termos do disposto no artº 762 nº 2 do Civil.

8. Traduzindo-se a penhora num “acto de agressão” ao património do devedor, o legislador tem a preocupação de procurar assegurar que a mesma é limitada apenas àquilo que é necessário para garantir a satisfação do direito do Exequente e custas do processo. Impõe-se por isso um juízo de adequação, de necessidade e de proporcionalidade.

9. É um direito da parte o de deduzir oposição a execução contra si intentada, bem como a interpor recurso de decisão que lhe seja desfavorável, ainda que tais direito não possam ser usados de forma arbitrária, antes o seu exercício tem de revelar-se conforme à lei, de forma a que a pretensão deduzida encontre um mínimo de possibilidade de acolhimento no nosso ordenamento jurídico. A litigância de má fé não se confunde com a manifesta improcedência da pretensão formulada pela parte, para isso antes se exige que a conduta processual da parte seja dolosa, ou pelo menos gravemente negligente.

Decisão Texto Integral: Acordam na 2ª secção do Tribunal da Relação de Coimbra


I. Relatório
V (…) e M (…) vêm deduzir oposição à execução e à penhora por apenso à execução contra si intentada pela S (…), Ldª, pedindo o levantamento da penhora e a extinção da execução ou, caso assim não se entenda, a redução da penhora ou ainda a sua substituição por caução a prestar. Requerem ainda que se declare que a exequente incorre na responsabilidade prevista no artº 819 do C.P.C. a ser cumprida em medida a liquidar em oportuno incidente.
Alegam para o efeito, em síntese, que por apenso aos mesmos autos a que a execução está apensa já correu uma outra execução extinta pelo pagamento. Nesta referida execução já extinta, a exequente executou uma sentença ainda não transitada em julgado. Após o respectivo trânsito em julgado e condenação em montante superior ao primeiramente decidido e executado veio a exequente intentar nova execução com base na nova sentença omitindo o valor que já anteriormente havia recebido. Mais referiram que esta sentença padece de lapso no montante da condenação (11.205.63$00) e alegam que o diferencial que têm a pagar entre a sentença não transitada e a transitada é de €7.531,50 de capital, a que acrescem os juros no valor de €8.152,27 contados desde a data de interpelação aludida na sentença até 30.11.2011. Referem que em face do erro na liquidação da obrigação foram penhorados em excesso bens do património dos executados.
Recebida a oposição, foi o exequente notificado e veio contestar a mesma, solicitando a correcção do erro material ou de cálculo e reduzindo o pedido executivo para o valor de € 38.015,61 de capital, acrescido dos juros de mora vencidos e vincendos até efectivo pagamento, pugnando no mais pela rejeição dos pedidos efectuados pelos Oponentes.
Alega, em síntese, que de facto a sentença já transitada em julgado padece de lapso no montante da condenação (11.205.63$00) devendo antes ser o montante de 11.205.631$00 a converter em euros no valor de €55.893,95 sobre o qual se venceram os juros desde 23.4.2001. Mais refere que, como os executados pagaram o montante de €49.618,64 nos anteriores autos de execução, importa imputar esse valor pago ao montante global de juros, sendo que ainda fica sujeita à presente execução a quantia de €38.015,61 a partir de 24.1.2006.
Foi proferido despacho para efeitos de correcção da sentença proferida na acção a que a execução se encontra apensa.
Foi realizada audiência preliminar, com vista à conciliação das partes, o que não se mostrou possível.
Em sede de despacho saneado foi afirmada a regularidade da lide e por se entender que os autos reuniam os elementos necessários a uma decisão de mérito, foi proferida decisão que julgou:
- parcialmente procedente a oposição à execução e, em consequência, determinou a redução da quantia exequenda para o montante de € 33.858,85 (trinta e três mil oitocentos e cinquenta e oito euros e oitenta e cinco cêntimos) contabilizados nos seguintes termos: o valor do capital a 4.1.2006 é de € 7.082,53; o valor resultante de simples cálculo aritmético equivalente aos juros
comerciais vencidos entre 4.1.2006 e a data da propositura da execução a 25.9.2008 é de € 2.019,71; o valor resultante do montante de juros vencidos entre 23.4.2001 e 3.1.2006 e não pagos até 3.1.2006 é de € 24.756,61;
-  procedente o pedido de condenação da exequente no pagamento da multa processual do art.º 819.º do Código de Processo Civil tendo por referência para contabilização do montante de multa devido o valor de €67.345.39 (sessenta e sete mil trezentos e quarenta e cinco euros e trinta e nove cêntimos);
- parcialmente procedente a oposição à penhora e, em consequência, determinou o levantamento da penhora das verbas n.ºs 1 e 3 a 6 constantes do auto de penhora do processo de execução a que estes autos estão apensos;
- improcedente o demais peticionado.
É com esta decisão que os Oponentes não se conformam e dela vem interpor recurso de apelação, pedindo a substituição da mesma por outra que exclua da contagem dos juros moratórios o período a partir da instauração da execução por excessiva e abusiva e condene a Exequente no pagamento de indemnização a favor dos Executados, apresentando, para o efeito, as seguintes conclusões:
(…)
II. Questões a decidir
Tendo em conta o objecto dos recursos, principal e subordinado, delimitado pelos Recorrentes nas suas conclusões- artº 635 nº 3 e 4 e artº 639 nº 1 a 3 do C.P.C.- salvo questões de conhecimento oficioso- artº 608 nº 2 in fine:
Do recurso dos Oponentes/Executados
- de não serem devidos juros moratórios a partir da sentença condenatória que padecia de lapso, ou pelo menos a partir da instauração da execução por esta ser excessiva e abusiva;
- da condenação da Exequente no pagamento de indemnização a favor dos Executados, em virtude da litigância de má fé;
Do recurso da Exequente
- da errada condenação da Exequente no pagamento duma penalização nos termos do artº 819 do C.P.C.;
- do valor da quantia exequenda dever ser calculado com a imputação da quantia recebida, em primeiro lugar nos juros e só depois no capital, tendo em conta que só a sentença exequenda é definitiva.
- do valor em dívida pelos Executados/Oponentes não justificar a redução da penhora nos termos em que o foi;
- da litigância de má fé dos Oponentes/Recorrentes.
III. Fundamentos de Facto
Por não ter sido impugnada, nem haver qualquer alteração a efectuar à matéria de facto, tendo em conta o disposto no artº 663 nº 6 do C.P.C., remete-se para a decisão da 1ª instância que considerou provados os seguintes os factos:
1. Os presentes autos estão apensos à acção de processo executivo n.º 180/08.7TBIDN, intentada a 25.9.2008, em que S (…) & Silvicultura, Lda., designado como Exequente, reclama a entrega por (…) designados como Executados, o valor de € 55.893,45 de capital acrescido de € 45.310,79 de juros de mora contabilizados desde 23.4.2001 até 20.09.2008, tendo por base uma sentença transitada em julgado proferida a 12.5.2008 no processo n.º 241/2001 que correu termos neste Tribunal Judicial de Idanha-a-Nova.
2. Na referida sentença proferida a 12.5.2008 no processo n.º 241/2001 que correu termos neste Tribunal Judicial de Idanha-a-Nova, transitada em julgado em 29.05.2008, foram os executados condenados a pagar à exequente a quantia de “11.205.63$00” desde 23.4.2001 até integral pagamento acrescida de juros comerciais.
3. Por despacho proferido a 2.7.2012, já transitado foi determinada a correcção da sentença referida em 2. aí passando a constar a que o valor da condenação dos ora executados é de “11.205.631$00”.
4. Correu termos por apenso ao processo n.º 241/2001 que correu termos neste Tribunal Judicial de Idanha-a-Nova a acção de processo executivo n.º 241-A/2001, intentada a 18.5.2005, em que S (…)Lda., designado como Exequente, reclama a entrega por (…) designados como Executados, o valor de € 49.618,64 de capital acrescido de € 807,72 de juros de mora contabilizados desde 7.12.2004 até 7.5.2005, tendo por base uma sentença não transitada em julgado proferida nos autos principais.
5. Na referida sentença proferida a 7.12.2004 no processo n.º 241/2001 que correu termos neste Tribunal Judicial de Idanha-a-Nova, não transitada em julgado, foram os executados condenados a pagar à exequente a quantia de “9.785.701$00” desde 7.12.2004 até efectivo pagamento acrescida de juros comerciais.
6. A acção de processo executivo n.º 241-A/2001 foi extinta em 5.6.2006 pelo pagamento dos executados a 03.01.2006 do montante global de € 53.534,10 sendo € 48.810,92 o montante do capital e € 4.723,18 o montante de juros vencidos entre 7.12.2004 e 03.01.2006.
7. Nos autos de execução n.º 180/08.7TBIDN, para pagamento da quantia exequenda de € 101.204,24, acrescida de despesas prováveis de € 5.060,21, e por auto de penhora datado de 25.11.2011, foram penhorados as seguintes verbas:
Verba n.º 1: Prédio urbano, sito em (...), freguesia de Torres Vedras (....), inscrito sob o artº 1002, descrito na CRPredial de Torres Vedras, sob o nº (...)/20110701, com o valor de € 300,00;
Verba n.º 2: Imóvel Prédio urbano, sito na (...), freguesia de (...), inscrito sob o artº 3447, descrito na CRPredial de Lisboa sob o nº (...)/20090724, com o valor de € 100.000,00;
Verba n.º 3: Imóvel 1/3 do prédio rústico, sito em (...), freguesia de (...), inscrito sob o artº 625, descrito na CRPredial da Covilhã sob o nº (...)/20111019, no valor de € 300,00.
Verba n.º 4: Imóvel 1/3 do prédio rústico, sito em C (...), freguesia de (...), inscrito sob o artº 619, descrito na CRPredial da Covilhã sob o nº 1179/20111019, no valor de € 1.000,00.
Verba n.º 5: Salário 1/3 da pensão que o executado, (...), recebe do Instituto da Segurança Social, I.P., no valor de € 795,76.
Verba n.º 6: Salário 1/3 da pensão que a executada, (...) recebe da Caixa Geral de Aposentações, no valor de € 631,56.
8. Os executados nos autos de execução n.º 180/08.7TBIDN foram citados para se opor à execução e à penhora após o referido em 7.
9. As verbas n.ºs 1 a 4 referidas em 7. não têm registadas antes do registo da penhora qualquer hipoteca.
IV. Razões de Direito
Do recurso dos Oponentes/Executados
- de não serem devidos juros moratórios a partir da sentença condenatória que padecia de lapso, ou pelo menos a partir da instauração da execução por esta ser excessiva e abusiva.
Alegam os Recorrentes, a respeito dos juros da dívida exequenda, que a Exequente agravou a mora, por um lado, por não ter solicitado a correcção do lapso da sentença condenatória que serve de base à execução, impedindo assim o seu pagamento por parte dos Executados e por outro lado, por ter indicado na execução um valor em dívida, sem ter considerado o pagamento que anteriormente havia sido feito, o que impôs que os executados tivessem que deduzir oposição com a consequente demora no processo. Conclui que a exequente agravou o dano da mora, agindo por isso com abuso de direito quando exerce o direito de reclamar os juros, que por isso não são devidos.
O que se oferece dizer, em primeiro lugar, é que esta é uma questão totalmente nova que não foi suscitada pelos Recorrentes quando vieram deduzir oposição. Só agora em sede de recurso vêm os mesmos solicitar a apreciação do alegado agravamento da mora por parte da Exequente, invocando o disposto no artº 570 do C.Civil, embora tenham referido, no seu requerimento de oposição a situação do lapso de escrita da sentença e o facto da Exequente não ter considerado o valor que já lhe havia sido pago, com vista à extinção da execução e ao apuramento da responsabilidade da Executada, nos termos do artº 819 do C.Civil.
A controvérsia das partes nestes autos, após ter sido aceite pela Exequente que quando intentou a execução não considerou, apenas por alegado lapso, o valor anteriormente pagou, sempre se centrou apenas na questão da imputação do valor pago no capital e nos juros de mora e na invocada responsabilidade da Exequente ao abrigo do artº 819 do C.P.C.
A questão da denominada pela Recorrente “natureza jurídica da obrigação de juros” e do agravamento da mora por parte da Exequente é questão completamente nova, nunca anteriormente suscitada nos autos e por isso também não apreciada, naturalmente, na sentença de que se recorre.
Como é pacífico, o recurso destina-se ao reexame das questões já submetidas à apreciação do tribunal de 1ª instância e não à apreciação e decisão de novas questões não suscitadas anteriormente pelas partes, já que o recurso é um meio de impugnar a decisão, de acordo com o que dispõe o artº 627 nº 1 do C.P.C.
Tal como nos diz o Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 22/10/2013, in. www.dgsi.pt : “No direito português, os recursos ordinários, como é o caso, são de reponderação; visam a reapreciação da decisão proferida dentro dos mesmos condicionalismos em que se encontrava o tribunal recorrido no momento do seu proferimento; o que significa que o tribunal de recurso não pode ser chamado a pronunciar-se sobre matéria que não foi alegada pelas partes na instância recorrida ou sobre pedidos que nela não foram formulados. Daí o dizer-se que os recursos são meios de impugnação de decisões judiciais e não meios de julgamentos de questões novas.”
A questão em causa, da culpa do lesado em contribuir para o agravamento dos danos, com a pretendida exclusão ou redução da indemnização é uma questão nova, não suscitada anteriormente pela parte e que, naturalmente, por não ter sido invocada, não foi apreciada e decidida na 1ª instância.
De qualquer modo, uma vez que os Recorrentes enquadram tal situação no instituto do abuso do direito previsto no artº 334 do C.Civil, que é de conhecimento oficioso, referindo agora os Recorrentes que há por parte da Exequente um exercício abusivo do direito a haver os juros de mora, impõe-se ao tribunal uma tomada de posição sobre tal assunto, nos termos do disposto no artº 608 nº 2 do C.P.C.
O instituto do abuso de direito tem a sua previsão no artº 334 do C.Civil que estabelece que é ilegítimo o exercício de um direito, quando o titular exceda manifestamente os limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico do direito.
Está aqui em causa o exercício anormal do direito em termos reprovados pela lei, ou seja, respeitando a estrutura formal do direito, mas violando a sua afectação substancial, funcional ou teleológica.
Razões de lealdade e confiança são inerentes ao princípio da boa fé, que se impõe quer na negociação dos contratos, quer na sua execução, conforme dispõem, respectivamente o artº 227 e 762 nº 2 do C.Civil.
Não podemos, no entanto, esquecer que não é qualquer conduta que é susceptível de integrar o conceito de abuso de direito. O artº 334 do C.Civil impõe que o titular do direito exceda manifestamente os limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico desse direito. Dizem-nos a este propósito, com grande propriedade, Pires de Lima e Antunes Varela, in. Código Civil anotado, pág. 217, em anotação a este artº 334, o seguinte: “Exige-se, no entanto, que o excesso cometido seja manifesto. Os tribunais só podem pois fiscalizar a moralidade dos actos praticados no exercício de direitos ou a sua conformidade com as razões sociais ou económicas que os legitimam, se houver manifesto abuso. É esta a lição de todos os autores e de todas as legislações. Manuel de Andrade refere-se aos direitos “exercidos em termos clamorosamente ofensivos da justiça (Teoria Geral das Obrigações, pág. 63). O Prof. Vaz Serra refere-se, igualmente, à “clamorosa ofensa do sentimento jurídico socialmente dominante” (Abuso do direito, no BMJ n.º 85, pág. 253).”
O Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 15/12/2002, in. www.dgsi.pt refere a este propósito que: “ a teoria do abuso de direito serve, como se sabe, de válvula de segurança para casos de pressão violenta da nossa consciência jurídica contra a rígida estruturação, geral e abstracta, de normas legais, obstando a injustiças clamorosas que o próprio legislador não hesitaria em repudiar se as tivesse vislumbrado.”
Ora, em face destas exigências, a nosso ver, não pode de forma alguma concluir-se por qualquer exercício ilegítimo do direito da Exequente ao pretender haver os juros de mora sobre o valor do capital em dívida.
Desde logo, não pode dizer-se, contrariamente ao que os Recorrentes defendem, que pelo facto de ter havido um lapso de escrita na sentença proferida, tal foi impeditivo dos mesmos liquidarem a dívida, sem que a Exequente providenciasse pela sua correcção.
É verdade que a segunda sentença concluiu pela condenação dos executados no pagamento da quantia de “11.205.63$00”, sem ter escrito tal número por extenso. Contudo, por um lado, não pode dizer-se que tal número fosse de compreensão impossível para as partes, já que para o seu entendimento bastaria recorrer ao corpo da sentença, de onde resultaria o esclarecimento cabal do valor em dívida, designadamente atentando ao que consta de fls. 11 da mesma (fls. 244 dos autos) com o seguinte teor: “o remanescente do preço a pagar é o de 11.205.631$00”; por outro lado, já se vê que, querendo os Executados pagar a dívida, de forma a obstar ao prolongamento da mora, poderiam sempre eles próprios requerer ao tribunal a rectificação de tal lapso, sem que recaia qualquer ónus específico sobre a Exequente de ser ela a fazê-lo.
Finalmente, também não pode dizer-se que a Exequente excede manifestamente os limites da boa fá, necessário para a previsão do abuso de direito do artº 334 do C.P.C., quando, inicialmente, não considerou o pagamento que havia sido feito. É que, se é certo que pode ponderar-se que tal circunstância revela da sua parte uma manifesta falta de cuidado ou diligência, já o mesmo não revela, sem mais, um comportamento doloso da Exequente. Pelo contrário, verifica-se que tal omissão foi por ela corrigida assim que tal foi suscitado.   
Os elementos constantes dos autos, não nos permitem assim, de forma alguma, concluir que a Exequente excedeu os limites impostos pela boa fé, ao pretender reivindicar dos Executados o pagamento dos juros de mora, não podendo dizer-se como pretendem os Recorrentes, que a Exequente está a agir em abuso de direito com tal comportamento.
- da condenação da Exequente no pagamento de indemnização a favor dos Executados em virtude da litigância de má fé.
Alegam os Recorrentes que foi considerada preenchida a previsão do artº 819 do C.P.C. e a Exequente condenada na multa cominada, mas que, indevidamente, a sentença se absteve de condenar a mesma no pagamento de indemnização aos executados. Concluem que a constatação de que a parte litigou de má fé determina a obrigação da mesma indemnizar a lesada parte contrária e que a falta de elementos para a fixação da indemnização deve ser suprida nos termos do artº 458 nº 2 do C.P.C.
Os Recorrentes fazem alguma confusão entre o instituto da litigância de má fé e o mecanismo de responsabilização do Exequente previsto no anterior artº 819 do C.P.C. Senão vejamos.
Importa, em primeiro lugar, ter em conta o pedido que é feito pelos Oponentes a este respeito, e que é o seguinte: “Em qualquer dos casos, deve declarar-se que a exequente incorre na responsabilidade prevista no artº 819 do Código de Processo Civil, a ser cumprida em medida a liquidar em oportuno incidente.”
Em segundo lugar, verifica-se que a decisão proferida não condenou a Exequente como litigante de má fé, nem constatou que a mesma litigou de má fé, contrariamente ao que alegam os Recorrentes, já que ali apenas foi dito que a conduta da exequente “ consubstanciou, no mínimo uma atitude leviana e incauta a tanger os limites da má fé, que levou à procedência, pelo menos parcial da oposição à execução…”
A respeito da responsabilidade do Exequente prevista no artº 819 do C.P.C. e que o tribunal a quo apreciou e decidiu foi que os Executados: “não alegaram que esta privação ou aquela penhora lhes tenha trazido uma qualquer consequência consubstanciada num prejuízo concreto para a sua vida pessoal.”
O artº 819 do C.P.C., na redacção que lhe foi dada pelo Decreto-Lei 38/2003 de 8 de Março, sob a epígrafe “responsabilidade do exequente” estabelece que: “Procedendo a oposição à execução sem que tenha tido lugar a citação prévia do executado, o exequente responde pelos danos a este culposamente causados e incorre em multa correspondente em 10% do valor da execução, ou da parte dela que tenha sido objecto de oposição, mas não inferior a 10 UC nem superior ao dobro do máximo da taxa de justiça, quando não tenha agido com a prudência normal, sem prejuízo da responsabilidade criminal em que possa também incorrer.”
Ao determinar que o Exequente responde pelos danos causados culposamente, esta norma remete-nos para o regime da obrigação de indemnizar previsto nos artº 562 ss. do C.Civil. Cabe assim ao lesado, ao pretender fazer valer o seu direito indemnizatório, a alegação e prova dos factos constitutivos do seu direito que possam levar o tribunal a concluir pela existência do dever de indemnizar, nos termos do disposto no artº 342 nº 1 do C.Civil. Um desses elementos é precisamente a existência de danos, já que é a sua reparação que é visada com a indemnização, de acordo com o artº 562 do C.Civil.
A existência de danos não se presume e no caso, os Executados não alegam qualquer facto concreto que revele que a penhora dos bens realizada representou um prejuízo para si, pelo simples facto de não terem podido dispor dos bens penhorados. Importa ainda considerar que o tribunal a quo não determinou o levantamento da penhora sobre todos os bens, mas apenas sobre parte deles.
Os Recorrentes confundem o instituto da litigância de má fé, previsto nos artº 456 ss. do C.P.C. com o regime da responsabilidade do Exequente por eles invocado, especificamente regulado no ex-artº 819 do C.P.C., sobre o qual o tribunal “a quo” se debruçou.
Diz-nos J. M. Gonçalves Sampaio, in. A Acção Executiva e a Problemática das Execuções Injustas, pág. 202 que: “Importará realçar, entretanto, que a actuação geradora da responsabilidade do exequente tida com dolo ou culpa, ainda que leve, não se confunde com a sua actuação como litigante de má fé, prevista no normativo do artigo 456º: nesta, o âmbito da ilicitude é mais largo; naquela, o âmbito da culpa é mais largo.”
Ao contrário do que acontece com a litigância de má fé prevista no artigo 456º do CPC, a responsabilidade do exequente a que se refere o artigo 819º não exige o dolo nem a negligência grave, contentando-se com a culpa correspondente à actuação não conforme com a prudência normal.
A indemnização a que a litigância de má fé pode dar lugar, como se referiu, só pode verificar-se se a parte a pedir, conforme dispõe o artº 456 nº 1 do C.P.C., sendo que o artº 457 do C.P.C. refere-se expressamente ao conteúdo da indemnização, acrescentando o nº 2 de tal artigo que, se não houver elementos logo na sentença para se fixar a importância da indemnização, são ouvidas as partes e fixa-se depois.
Ora, no caso em presença, constata-se, por um lado, que os Oponentes não vêm pedir a condenação da Exequente a pagar-lhes uma indemnização por litigância de má fé, ao abrigo das normas mencionadas, sendo certo que a fixação de uma indemnização pelo tribunal depende de tal pedido expresso, conforme dispõe a parte final do artº 456 nº 1 do C.P.C.; por outro lado, a decisão da 1ª instância também não condenou a Exequente como litigante de má fé, ainda que tenha considerado a sua responsabilidade nos termos do artº 819 do C.P.C., não atribuindo indemnização aos Oponentes por falta de prova quanto à existência de prejuízos.
Assim a sentença recorrida não merece censura por não ter dado cumprimento ao artº 457 nº 2 do C.P.C. (actual artº 543 nº 3 do C.P.C.), uma vez que não foi peticionada pelos Oponentes qualquer indemnização por litigância de má fé que determine a aplicação e tal regime.
Do recurso da Exequente
- da errada condenação da Exequente no pagamento duma penalização nos termos do artº 819 do C.P.C.
Alega a Recorrente que não estão verificados os pressupostos que permitem a sua responsabilização, nos termos do artº 819 do C.P.C.
Refere que os Oponentes peticionaram, em primeira linha a extinção da execução e o levantamento da penhora, no seu todo, o que não teve lugar, já que a decisão considerou que a oposição era parcialmente improcedente, porque existia uma parte da dívida exequenda e manteve a penhora, embora reduzida, não tendo os Executados formulado pedido subsidiário para ser considerada a quantia exequenda de valor inferior. Conclui por isso a Recorrente que não se verifica nem a procedência da oposição à execução (que só procedeu em parte) nem tão pouco a penhora indevida de bens que são pressupostos do preenchimento de tal norma, já que uma parte da mesma foi mantida.
A propósito da razão de ser do artº 819 do C.P.C. que se reporta à responsabilidade do Exequente, diz-nos o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 08/11/2012, in. www.dgsi.pt : “O fundamento da responsabilização do exequente por danos, culposamente causados ao executado, a que reporta o citado normativo, assenta na circunstância de terem sido praticados actos de agressão sobre bens do executado, sem que este disso haja sido avisado, já que a citação do executado foi, neste caso, diferida para um momento posterior ao da realização da penhora. Com efeito, não tendo sido dada ao executado a oportunidade de se defender em momento anterior à penhora dos seus bens, estará o mesmo mais exposto a lesões patrimoniais.”
Talvez em face das alterações introduzidas, não só na tramitação do processo executivo, mas também no elenco dos títulos executivos, esta norma não tem agora equivalente no Novo Código de Processo Civil aprovado pela Lei 41/2013 de 26 de Junho.
Para que possa ser imputada responsabilidade ao Exequente, nos termos do artº 819 do C.P.C. torna-se necessária a verificação de três requisitos que são os seguintes:
- que a penhora tenha sido efectuada sem que tenha havido lugar à citação prévia do executado;
- que o executado tenha deduzido oposição à execução, que venha a proceder;
- que o Exequente não tenha agido com a prudência normal que lhe seria exigível (não se exigindo o dolo ou a negligência grave como acontece na litigância de má fé- artº 542 nº 2 do C.P.C.).
No caso, considerou a decisão sob recurso, para fundamentar a aplicação do regime do artº 819 do C.P.C. que a Exequente quando instaurou a execução não descontou na quantia exequenda os valores que já havia recebido, embora tenha vindo a fazê-lo, quando alertada para o efeito, corrigindo tal valor no articulado em que deduz oposição, alegando um lapso.  
Ora, se temos por preenchidos dois dos requisitos mencionados- ter sido efectuada a penhora, sem citação prévia e não ter a Exequente agido com a prudência normal que lhe seria exigível, ao não considerar na execução intentada o valor que já havia recebido na sequência da anterior execução- já o terceiro requisito não se verifica, na medida em que a oposição à execução não veio a proceder na totalidade, mas apenas em parte.
Também no sentido de não considerar a aplicação da norma em causa, no âmbito de uma oposição à execução que apenas procedeu em parte, decidiu o Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 09/11/2010, in. www.dgsi.pt
No caso, o tribunal a quo não acolheu na íntegra os fundamentos da oposição apresentada, mas tão só numa parte, na sequência do que nem a execução foi declarada extinta, nem foi levantada a penhora sobre a totalidade dos bens. Assim sendo, considera-se que não está verificado o pressuposto da procedência da oposição previsto na norma em questão, que pode determinar a condenação do Exequente em multa.
Em face do que fica exposto, revoga-se a decisão recorrida na parte em que condena a Exequente no pagamento da multa a que alude o artº 819 do C.P.C.
- do valor da quantia exequenda dever ser calculado com a imputação da quantia recebida, em primeiro lugar nos juros e só depois no capital, tendo em conta que só a sentença exequenda é definitiva.
A divergência central das partes prende-se com a questão de saber como deve ser imputado o pagamento da quantia de € 49.618,64 que foi feito pelos Oponentes, no âmbito da execução que correu termos, quando estava pendente o recurso da primeira decisão, que tinha efeito devolutivo, na medida em que a sentença definitiva veio a condenar os Oponentes no pagamento de quantia superior.
Pretende a Recorrente que tem o direito a imputar o valor pago nos juros vencidos e só o remanescente no valor do capital, pondo por isso em causa a bondade da sentença recorrida, quando assim não o considerou. Alega que o caso julgado sobre a definição do montante do capital em dívida só ocorre com a segunda sentença e que, por isso, só aí o credor está em condições de saber o valor definitivo do capital e a correcta e completa contagem dos juros.
Vejamos os factos provados, com relevância para a apreciação desta questão:
- foi proferida uma primeira sentença a 7.12.2004 que condenou os executados a pagar à exequente a quantia de “9.785.701$00” até efectivo pagamento acrescida de juros vincendos;
- de tal sentença foi interpostos recurso, com efeito devolutivo;
- em face do efeito devolutivo atribuído ao recurso, os exequentes intentaram a 18/05/2005 processo executivo, reclamando dos executados o valor de € 49.618,64 de capital acrescido de € 807,72 de juros de mora contabilizados desde 7.12.2004 até 7.5.2005;
- tal processo executivo foi extinto em 5.6.2006 pelo pagamento dos executados a 03.01.2006 do montante global de € 53.534,10 sendo € 48.810,92 o montante do capital e € 4.723,18 o montante de juros vencidos entre 7.12.2004 e 03.01.2006;
- revogada aquela primeira sentença, veio a ser proferida nova sentença no mesmo processo a 12.5.2008, transitada em julgado em 29.05.2008, onde foram os executados condenados a pagar à exequente a quantia de “11.205.63$00” acrescida de juros comerciais desde 23.04.2001 até integral pagamento, cuja correcção foi feita por despacho de 2.7.2012, aí passando a constar a que o valor da condenação dos ora executados é de “11.205.631$00”.
A questão que se põe é então a de saber como deve ser imputado neste crédito agora considerado, o valor pago pelos executados no âmbito da 1ª execução que correu termos.
O artº 785 do C.Civil dispõe, no seu nº 1 que: “Quando além do capital, o devedor estiver obrigado a pagar despesas ou juros ou a indemnizar o credor em consequência da mora, a prestação que não chegue para cobrir tudo o que é devido presume-se feita por conta, sucessivamente, das despesas, da indemnização, dos juros e do capital.” Acrescenta o nº 2 que: “A imputação no capital só pode fazer-se em último lugar, salvo se o credor concordar em que se faça antes.”
Não pode deixar de entender-se, em face do que revelam os factos referidos, que a quantia que foi paga pelos executados na primeira execução que correu termos, ainda a primeira sentença não havia transitado em julgado, no total de € 53.534,10 se dirigiu ao pedido então formulado pela Exequente no processo executivo e que foi o pagamento de € 49.618,64 a título de capital e o remanescente de juros de mora. Aliás, a execução foi declarada extinta por ter sido efectuado o pagamento reclamado.
Nesta medida, dirigindo-se o pagamento efectuado ao pedido formulado na execução, que por sua vez se fundamentava no determinado na sentença enquanto título executivo, não pode deixar de entender-se que houve aqui um acordo das partes, no sentido de considerar precisamente pago o valor do capital e juros peticionados.
Tal sentido afasta a presunção do artº 785 nº 1 do C.Civil, integrando a previsão do nº 2 do mesmo artigo- o credor não pode ter deixado de concordar com a imputação daquele valor no capital, tanto assim que foi ele que o pediu nesses termos quando instaurou a execução e ao qual se dirigiu o pagamento. Só essa interpretação vai ao encontro de uma conduta de lealdade e de boa fé que se impõe às partes na execução do contrato, nos termos do disposto no artº 762 nº 2 do Civil.
E não se diga, como faz a Recorrente que a primeira decisão era provisória e que só a segunda é que fez caso julgado. É certo que assim é, mas isso não obsta ao referido. Aliás foi a Recorrente/Exequente que optou, desde logo, por instaurar a execução, sendo certo que podia ter esperado pelo trânsito em julgado da mesma para o fazer. Quando intentou a execução, fez um pedido concreto de pagamento de capital e juros que os Executados pagaram, precisamente naquela medida, não pode assim vir agora pretender que isso não teve qualquer relevância “porque se tratava de uma decisão não definitiva” sob pena de violar os princípios mais básicos da confiança e da boa fé, conforme referiu a sentença recorrida.
Assim, considera-se que a decisão recorrida avaliou bem a questão quando concluiu que não pode agora a Exequente vir fazer a imputação no pagamento da quantia recebida de forma diferente, havendo que respeitar o valor pago a título de capital na execução que correu termos e de sua iniciativa.
Finalmente, importa ainda referir a respeito desta questão, que não é certo, como alega a Recorrente, que o facto dos Executados nada terem dito sobre as contas apresentadas na resposta à oposição à execução, significa que assentiram nas mesmas e por isso na imputação da quantia recebida primeiro nos juros e só o remanescente no capital.  
É que, por um lado, não há lugar ao terceiro articulado de resposta à resposta à oposição, conforme decorre do artº 817 nº 2 do C.P.C. e por outro lado, embora a Exequente corrija o valor da quantia exequenda, reduzindo-a em função do montante anteriormente recebido, as contas que faz depois, a propósito da sua imputação na dívida, encontram-se em oposição com a posição expressamente manifestada pelos Oponentes no seu requerimento de oposição, nunca podendo haver lugar à aplicação da cominação da confissão da dívida do valor apresentado, embora corrigido.
Não há assim qualquer censura a fazer à sentença recorrida nos moldes em que fixa o valor da dívida executiva.
- do valor que falta ser pago pelos Executados não justificar a redução da penhora nos termos em que o foi.
A decisão recorrida reduziu a penhora dos bens dos executados em função do menor valor da quantia exequenda. Alega a Exequente que não se justifica a redução da penhora nos termos em que o foi, embora só pretenda a penhora do que seja necessário para garantir o pagamento.
Sobre esta questão, a Exequente não invoca qualquer discordância em concreto, limitando-se a dizer que não se justifica a redução da penhora nos termos em que o foi, atento o valor da dívida dos Executados.
A este respeito decidiu a sentença recorrida levantar a penhora sobre as verbas nº 1 e 3 a 6 constantes do auto de penhora do processo de execução a que estes autos são apenso, por entender que a penhora sobre o bem imóvel identificado na verba nº 2, que mantém, é suficiente para garantir o pagamento da quantia exequenda e despesas da execução.
Para avaliar a medida necessária da penhora dos bens, importa considerar o disposto no artº 821 nº 3 do C.P.C., norma que tem agora correspondência no artº 735 nº 3 do C.P.C., que nos diz: “A penhora limita-se aos bens necessários ao pagamento da dívida exequenda e das despesas previsíveis da execução, as quais se presumem, para o efeito de realização da penhora e sem prejuízo de ulterior liquidação, no valor de 20%, 10% e 5% do valor da execução, consoante, respectivamente, este caiba na alçada do tribunal da comarca, a exceda, sem exceder o valor de quatro vezes a alçada do tribunal da relação, ou seja superior a este último valor”.
Traduzindo-se a penhora num “acto de agressão” ao património do devedor, o legislador tem a preocupação de procurar assegurar que a mesma é limitada apenas àquilo que é necessário para garantir a satisfação do direito do Exequente e custas do processo.
Diz-nos com toda a propriedade o Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 16/04/2013, in. www.dgsi.pt que: “A penhora pressupõe uma adequação entre meios e fins, o que significa que não devem ser penhorados mais bens do que os necessários para a satisfação da pretensão exequenda. A agressão do património do executado só é permitida numa medida que seja adequada e necessária para a satisfação da pretensão do exequente, o que impõe a indispensável ponderação dos interesses do exequente na realização da prestação e do executado na salvaguarda do seu património.”
Para se avaliar da bondade da decisão em reduzir a penhora, impõe-se por isso um juízo de adequação, de necessidade e de proporcionalidade.
O valor da quantia exequenda fixado pelo tribunal a quo, na sequência da parcial procedência da oposição apresentada, foi o de € 33.858,85.
O bem penhorado sob a verba nº 2, ao qual foi entendido reduzir a penhora, corresponde a um imóvel da propriedade dos executados, identificado da seguinte forma: prédio urbano, sito na (...), freguesia de (...), inscrito sob o artº 3447, descrito na C.R. Predial de Lisboa sob o nº (...)/20090724, com o valor de € 100.000,00 sendo certo que sobre tal imóvel não incidem quaisquer ónus ou encargos, susceptível de limitar o seu valor.
   Ora, em face de tais circunstâncias já se vê que a redução da penhora determinada na decisão recorrida não só é compreensível, como se impõe, à luz do que estabelece o artº 821 nº 3 do C.P.C. e de um critério de adequação e proporcionalidade, na medida em que é forçoso considerar que o bem imóvel que se manteve penhorado é suficiente para assegurar o direito de crédito da Exequente, não se justificando por isso que os Executados continuem a ver onerado através de penhora, outro património.
É preciso não esquecer que a quantia exequenda era inicialmente de mais de € 100.000,00 sendo certo que os bens que foram penhorados, cujo valor total se aproximava de tal quantia e que visavam assegurar o seu pagamento, não podem deixar de considerar-se agora como manifestamente excessivos, em face do valor da quantia exequenda que agora é fixada e que se aproxima apenas de 1/3 daquele valor inicial.
Não estando em causa a opção pela manutenção daquele bem penhorado e não de outro, conclui-se que nenhuma censura merece a decisão recorrida quando determina a redução da penhora nos termos em que o fez, reduzindo a penhora para garantia do pagamento da quantia exequenda de € 33.858,85 e custas do processo a um imóvel cujo valor consta do CRPredial como sendo o de € 100.000,00 não incidindo sobre o mesmo quaisquer ónus ou encargos.
- da litigância de má fé dos Oponentes/Recorrentes
Vem a Exequente, em sede de recurso, requerer a condenação dos executados como litigantes de má fé, no pagamento de multa e da indemnização que vier a ser fixada em execução de sentença.
A Exequente/Recorrente invoca de forma genérica a necessidade de condenação dos Oponentes como litigantes de má fé, sem referir e integrar factos concretos em qualquer uma das alíneas do artº 542 do C.P.C., não especificando em qual delas se integra a conduta daqueles.
O artº 542 do C.P.C., com equivalência no ex-artº 456, diz-nos no seu nº 1 que: “Tendo litigado de má fé, a parte será condenada em multa e numa indemnização à parte contrária, se esta a pedir”; acrescenta o nº 2 que: “Diz-se litigante de má fé quem, com dolo ou negligência grave:
a) Tiver deduzido pretensão ou oposição cuja falta de fundamento não devia ignorar;
b) Tiver alterado a verdade dos factos ou omitido factos relevantes para a decisão da causa;
c) Tiver praticado omissão grave do dever de cooperação;
d) Tiver feito do processo ou dos meios processuais um uso manifestamente reprovável, com o fim de conseguir um objectivo ilegal, impedir a descoberta da verdade, entorpecer a acção da justiça ou protelar, sem fundamento sério, o trânsito em julgado da decisão.”
Importa considerar que o acesso ao direito é constitucionalmente protegido e vem consagrado no artº 20º da Constituição da República Portuguesa.
Por seu turno o artº 2º do C.P.C., vem fazer eco de tal princípio, com a epígrafe “garantia de acesso aos tribunais”, estabelecendo, no seu nº 1: “A protecção jurídica através dos tribunais implica o direito a obter, em prazo razoável, uma decisão judicial que aprecie com a força de caso julgado, a pretensão regularmente deduzida em juízo”; acrescenta o nº 2 que: “A todo o direito, excepto quando a lei determine o contrário, corresponde a acção adequada a fazê-lo reconhecer em juízo, a prevenir ou reparar a violação dele e a realizá-la coercivamente, bem como os procedimentos necessários para acautelar o efeito útil da acção”.
Contudo, o exercício destes direitos tem como corolário a existência de deveres de conduta para as partes que exercem o direito a propor uma acção ou o direito de defesa. Pode falar-se de abuso de direito quando a parte deduz pretensão ou oposição cuja falta de fundamento não devia ignorar.
Diz-nos Rodrigues Bastos, in. Notas ao Código de Processo Civil, Vol. II, pág. 352, em anotação ao artº 456, que a parte tem o dever de conscientemente, não formular pedidos ilegais, referindo que viola os chamados deveres de verdade e probidade, aquele que usa da acção nos casos em que sabe não lhe assistir tal direito ou usando dela com um fim diverso daquele para que os meios processuais foram consentidos.
O instituto da litigância de má fé pretende levar as partes a cumprirem tais deveres, sancionando quem não o faça, na prossecução do que não pode deixar de considerar-se “uma boa administração da justiça”.
O Decreto Lei 329-A/95 de 12 de Dezembro veio introduzir alterações ao Código de Processo Civil, com relevância ao nível deste instituto, impondo uma colaboração mais estreita aos intervenientes processuais, nomeadamente com a nova redacção do artº 266 relativo ao princípio da cooperação e introdução do artº 266-A respeitante ao dever de boa fé processual, mas ainda na alteração ao então artº 456 ao passar a sancionar a litigância de má fé não só quando a mesma é dolosa, mas também quando revela negligência grave.
Naturalmente que a litigância de má fé não se confunde com a manifesta improcedência da pretensão formulada pela parte, para isso antes se exige que a conduta processual da parte seja dolosa, ou pelo menos gravemente negligente.
Transpondo estes princípios para o caso concreto, constatando-se que, é um direito da parte o de deduzir oposição a execução contra si intentada, bem como a interpor recurso de decisão que lhe seja desfavorável, já se vê que tais direito não podem ser usados de forma arbitrária, antes o seu exercício tem de revelar-se conforme à lei, de forma a que a pretensão deduzida encontre um mínimo de possibilidade de acolhimento no nosso ordenamento jurídico. Tem de haver ponderação, diligência e prudência no recurso aos tribunais, sob pena de desrespeito da função jurisdicional.
Na situação em presença é desadequado qualificar-se a conduta dos Oponentes/Recorrentes como litigância de má fé, como pretende a Exequente. É verdade que o recurso por eles interposto vem a improceder, no entanto, através do mesmo, os Recorrentes pretendem fazer valer a sua interpretação das normas jurídicas, dele não decorrendo que os mesmos agem com dolo ou negligência grave, no sentido de saberem ou terem obrigação de saber que o mesmo não tinha qualquer fundamento; é manifestamente excessivo dizer-se que ao deduzirem oposição ou ao interporem recurso da decisão, os Oponentes/Recorrentes fazem um uso manifestamente reprovável do processo, até porque a oposição veio a ser julgada parcialmente procedente. Por outro lado, não pode também dizer-se que no exercício destes direitos processuais há um intuito dilatório da sua parte, com vista ao protelamento do processo, na medida em que se encontram penhorados bens na execução e o decurso da mesma até determina o aumento da quantia exequenda com o vencimento de juros de mora, o que lhe é desfavorável.
Não pode por isso concluir-se que a conduta dos Oponentes/Recorrentes é contrária à boa fé, ou que os mesmos litigam de forma censurável, nem os factos demonstram que existe uma actuação dolosa ou gravemente culposa da sua parte, deduzindo pretensão cuja falta de fundamento não podiam ignorar, alterando a verdade dos factos, omitindo gravemente o dever de cooperação ou fazendo do processo um uso manifestamente reprovável. Não está por isso preenchida qualquer uma das previsões das diversas alíneas do artº 542 nº 2 do C.P.C. que permita dizer que os Oponentes/Recorrentes litigam de má fé.
V. Sumário:
1. A questão da culpa do lesado em contribuir para o agravamento dos danos, com a pretendida exclusão ou redução da indemnização, é uma questão nova, não suscitada anteriormente pela parte e que, por não ter sido invocada, não foi apreciada e decidida na 1ª instância. Uma vez que os Recorrentes enquadram tal situação no instituto do abuso do direito previsto no artº 334 do C.Civil, que é de conhecimento oficioso, referindo agora que há por parte da Exequente um exercício abusivo do direito a haver os juros de mora, impõe-se uma tomada de posição sobre tal assunto, nos termos do disposto no artº 608 nº 2 do C.P.C.
            2. Não é qualquer conduta que é susceptível de integrar o conceito de abuso de direito. O artº 334 do C.Civil impõe que o titular do direito exceda manifestamente os limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico desse direito.
3. O artº 819 do C.P.C., na redacção que lhe foi dada pelo Decreto-Lei 38/2003 de 8 de Março, sob a epígrafe “responsabilidade do exequente”, ao determinar que o exequente responde pelos danos causados culposamente, remete-nos para o regime da obrigação de indemnizar previsto nos artº 562 ss. do C.Civil. Cabe assim ao lesado, ao pretender fazer valer o seu direito indemnizatório, a alegação e prova dos factos constitutivos do seu direito que possam levar o tribunal a concluir pela existência do dever de indemnizar, nos termos do disposto no artº 342 nº 1 do C.Civil, um desses elementos é precisamente a existência de danos.
4. Não há que dar cumprimento ao disposto no artº 457 nº 2 do C.P.C. (actual artº 543 nº 3 do C.P.C.), quando não é peticionada pela parte a condenação da parte contrária no pagamento de indemnização por litigância de má fé, que determine a aplicação e tal regime.
5. Para que o exequente possa ser condenado no pagamento da multa prevista no artº 819 do C.P.C., é necessário que se verifique o pressuposto da procedência da oposição, que determina a extinção da execução, não sendo para tal suficiente a mera procedência parcial da oposição apresentada.
6. A quantia paga pelos executados no âmbito de uma primeira execução que correu termos, com base em sentença não transitada em julgado, por força do efeito devolutivo atribuído ao recurso, destinou-se ao pagamento do capital e juros ali reclamados pelo exequente.
7. É essa a imputação que tem de ser feita no crédito do exequente, que foi considerado ser superior em sentença definitiva posterior, ficando afastada a presunção do artº 785 nº 1 do C.Civil e integrando a previsão do nº 2 do mesmo artigo, no entendimento que o credor não pode ter deixado de concordar com a imputação daquele valor, pago na altura, no capital, tanto assim que foi ele que o pediu nesses termos quando instaurou a execução e ao qual se dirigiu o pagamento. Só essa interpretação vai ao encontro de uma conduta de lealdade e de boa fé que se impõe às partes na execução do contrato, nos termos do disposto no artº 762 nº 2 do Civil.
8. Traduzindo-se a penhora num “acto de agressão” ao património do devedor, o legislador tem a preocupação de procurar assegurar que a mesma é limitada apenas àquilo que é necessário para garantir a satisfação do direito do Exequente e custas do processo. Impõe-se por isso um juízo de adequação, de necessidade e de proporcionalidade.
9. É um direito da parte o de deduzir oposição a execução contra si intentada, bem como a interpor recurso de decisão que lhe seja desfavorável, ainda que tais direito não possam ser usados de forma arbitrária, antes o seu exercício tem de revelar-se conforme à lei, de forma a que a pretensão deduzida encontre um mínimo de possibilidade de acolhimento no nosso ordenamento jurídico. A litigância de má fé não se confunde com a manifesta improcedência da pretensão formulada pela parte, para isso antes se exige que a conduta processual da parte seja dolosa, ou pelo menos gravemente negligente.
VI. Decisão:
Em face do exposto, julga-se improcedente o recurso intentado pelos Oponentes e parcialmente procedente o recurso intentado pela Exequente, revogando-se a decisão recorrida, apenas na parte em que condenou a mesma no pagamento da multa a que alude o artº 819 do C.P.C., mantendo-se em tudo o mais o decidido.
Custas pelos Recorrentes, entendendo-se unicamente para efeito de custas que, no recurso, a Exequente decaiu em 75%.
Notifique.
                                                           *
                                               Coimbra, 13 de Maio de 2014


                                               Maria Inês Moura (relatora)
                                               Fernando Monteiro (1º adjunto)
                                               Luís Cravo (2º adjunto)