Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
1279/08.5TBCBR.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: MOREIRA DO CARMO
Descritores: RESPONSABILIDADE PRÉ-CONTRATUAL
DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA
NULIDADE DA SENTENÇA
Data do Acordão: 02/10/2015
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: VARA DE COMPETÊNCIA MISTA E JUÍZOS CRIMINAIS DE COIMBRA ( EXTINTO ) - VARA COMPETÊNCIA MISTA-2ª SECÇÃO
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTS.227, 483 CC, 4 CSC, 615 CPC
Sumário: 1.- Não deve confundir-se a nulidade da sentença, por oposição entre os fundamentos e a decisão, com erro de julgamento;

2.- Inexistindo impugnação da matéria de facto pelo recorrente, não pode o mesmo acusar o julgador de facto de ter violado o art. 607º, nº 4, 1ª parte, in fine, e 2ª parte, e 5, do NCPC;

3.- Inexiste responsabilidade pré-contratual, na modalidade de ruptura infundamentada das negociações preparatórias, para compra e venda de acções de uma empresa se apenas se prova uma primeira reunião informal em Janeiro e um segundo encontro em Abril, com visita às instalações fabris de tal empresa, e o potencial comprador nem sequer chega a apresentar proposta de compra;

4.- Provando-se que uma sociedade comercial, que nunca realizou qualquer negócio, foi adquirida por terceiros para servir de veículo a estes para aquisição de acções de uma outra sociedade comercial, assim servindo de “testa de ferro”, deve ser desconsiderada a sua personalidade jurídica para efeito de apuramento de eventual responsabilidade civil pelos tais 3ºs compradores.

Decisão Texto Integral:

I – Relatório

 

1. E (…), residente em, Lisboa, intentou contra E (…) & I (…), Limited, sociedade de direito irlandês, registada em Dublin, R (…) SA, com sede em Oliveira do Bairro, G (…), SA, com sede em Oliveira do Bairro, D (…) SA, com sede no Estoril, P (…), SA, com sede em Coimbra, A (…) e mulher, M (…), residentes em Sangalhos, L (…), residente no Estoril, e J (…) residente em Cascais, acção declarativa de condenação, pedindo que os RR sejam condenados solidariamente a pagar-lhe: a quantia de 1.500.000 €, com juros vencidos desde a citação, a título de indemnização por danos não patrimoniais; por danos patrimoniais, em consequência de incumprimento contratual ou, subsidiariamente, por enriquecimento sem justa causa, a quantia de 20.636.251 €, com juros desde a data do trânsito da sentença que decretou a falência da L (...) (22.2.96); 1.209.630 €, a título de lucros cessantes, com juros de mora desde a citação; mais a quantia anual de 100.000 €, por cada ano que decorra desde a citação, correspondente ao rendimento anual mínimo que o A. continuaria a auferir, e juros respectivos.

Para tanto alegou, em síntese, que foi titular da totalidade das acções da sociedade anónima L (…)sociedade que dispunha de um óptimo conjunto de factores que lhe permitiam vantagens relativamente às empresa concorrentes no sector do fabrico de ladrilhos cerâmicos, apresentando, contudo, resultados líquidos negativos desde 1992, mas sendo possível a sua recuperação financeira. Em virtude disso, responsabilizou-se pessoalmente por dívidas da empresa, cedeu a exploração da fábrica a terceira empresa, manteve negociações com os bancos e procurou investidores que aumentassem os capitais próprios daquela. Para tanto, encetou negociações com o R. A (…), na qualidade de representante da sociedade R (…), expondo o A. que venderia as suas acções se o negócio contemplasse o passivo da empresa, uma vez que era responsável pessoal por dívidas da mesma. Tendo o R. A (…) visitado as instalações da L (…), foi-lhe disponibilizada a informação económico-financeira considerada por si indispensável, tendo após, e sem justificação, informado não estar disposto a avançar com o negócio. Entretanto, o A. foi contactado pela Ré D (…) representada pelos RR L (…) e J (…), actuando em representação de uma empresa estrangeira interessada na compra da L (…), a quem o A. transmitiu estar interessado em encontrar investidores que facilitassem a recuperação financeira da empresa, assumindo-se o R. N (…) como “garante” do negócio. O A. forneceu a documentação financeira e contabilística da empresa, mormente uma relação do passivo e das garantias pessoais envolvidas, tendo a D (…) entrado em contacto com credores da L (…), nomeamente com a V (…) empresa que, entretanto, pedira a falência da L (…), optando depois por um pedido de suspensão da instância, atentas as negociações em curso para venda da L (…). Todavia, antes de concretizado o negócio, no âmbito de um processo de execução fiscal instaurado contra a L (…)r, pela quantia de pouco mais de 9.000 contos, foi anunciada a venda em hasta pública da totalidade do imobilizado da L (...) , situação que o A. ficou a conhecer através do R. N (…). Aquela quantia estava incluída num passivo à administração fiscal de valor muito superior (177.000 contos), cabendo à cliente da D (…)(compradora das acções) pagá-la, pelo que o anúncio da praça não comprometeria a operação, desde que o valor exequendo fosse pago, o que seria possível, desde logo porque a cessionária da L (…), até à data da praça, pagaria valor suficiente para amortizar aquela quantia. Assim, a 19.7.95, o A. vendeu as suas acções da L (…)à primeira R., obrigando-se esta a pagar o respectivo passivo. Foi ainda celebrado um contrato de depósito de 150.000 acções, ficando o R. N (…) depositário das mesmas, e um contrato de promessa de cessão da posição contratual a favor da R. P (…). Foi fixado para preço de venda das acções o valor de 427.000 contos, dos quais a compradora pagaria 20.000 contos, à data da fixação do passivo no processo de recuperação, 30.000 contos, à data do trânsito em julgado da sentença fixando o processo de recuperação, uma percentagem dos créditos da L (…) sobre o BNA (230.426.442$00), sendo de 3.856.650.000$00 o limite assumido do passivo da L (...) (correspondente à variação de 5% sobre o passivo indicado). A primeira R. obrigou-se, ainda, a instruir a administração da L (…) para, aquando da celebração de acordos com credores, exigir a devolução dos cheques pré-datados assinados pelo A. que se encontrassem na posse daqueles e, ainda, na medida do possível, ir substituindo e libertando os avales dados pelo A. a letras e livranças da empresa, obrigando-se ainda a desenvolver a gestão da empresa de forma a garantir o relançamento desta e a satisfação dos legítimos interesses dos credores, trabalhadores, fornecedores, mercado e Estado. A primeira R. foi, porém, utilizada como instrumento ao serviço dos interesses das restantes sociedades RR e do R. A (…), o que o A. ignorava, mas com o conhecimento e conivência da D (…) e RR seus representantes que, logo após o negócio, nomearam administrador da L (…) o presidente do administração da cessionária P (…). De modo que, no dia marcado para a venda em hasta pública, 4.9.95, a quantia exequenda não foi liquidada e, nesse acto, interveio, a mando do R. A (…), representando a sociedade R (…)r, a empresa V (…) (atual G (…)) que arrematou, por valores irrisórios, a quase totalidade dos activos da L (…), despojando a empresa e impedindo o cumprimento do contrato celebrado com o A., sendo que a estas sociedades interessava a arrematação por dominarem a empresa (P(…)) que detinha a exploração da fábrica da L (…). Assim, desde que foram vendidas as acções, em 19.7.95, e até à data do trânsito da sentença que declarou a falência da L (...) (22.2.96), nenhuma dívida desta última foi paga, sequer tendo sido formulada oposição ao pedido de falência, tendo o A. vindo a ser pressionado e hostilizado pelos credores da L (…). Mais, além de nada mais ter recebido em execução do contrato, foi demandado civil e criminalmente pelos credores, o que o obrigou a ausentar-se para o estrangeiro durante três anos, apenas regressando ao país quando ocorreu a descriminalização do cheque pré-datado. Viu ainda ser-lhe decretada a sua falência pessoal, processo que só terminou em 2007 com acordo extraordinário de credores. Face às limitações daí decorrentes para o exercício da profissão, não pôde o A. aceitar propostas de trabalho que lhe teriam garantido rendimentos que deixou de auferir e cujo pagamento peticiona a título de lucros cessantes.

Contestando, disseram os RR D (…), N (…) e J (…), além do mais, que a sua intervenção no negócio dos autos, em representação da contraente sociedade de direito estrangeiro, ocorreu entre 2.3.95 (data em que foi remetida carta ao A. para efeitos de abertura do processo negocial) e 19.7.95 (data da outorga dos contratos). Acrescentaram que, antes da sua intervenção, já o A. cedera a exploração dos ativos da L (…) à M (…)e desta à T (…) sociedades dominadas de facto pelo A. (tendo sido o próprio A. quem recebeu o valor pago à TT (…) aquando da cessão de exploração à P (…)). Mais referem que o A., desde o início, manifestou interesse em vender a sua participação na L (…) e não em encontrar investidores que recuperassem financeiramente a empresa e, tendo fornecido documentação relativa ao passivo da empresa, omitiu diversas informações de importância para a uma análise rigorosa de toda a situação daquela. Quanto à dívida às Finanças, o montante em causa não era apenas o reclamado no processo no âmbito do qual foi levada a efeito a venda em hasta pública, mas muito superior. Como resulta da relação do passivo fornecida pelo A., no local correspondente à dívida total às Finanças, aquele escreveu que a mesma estava ser paga em prestações de 1.100 contos/mês o que se verificou não corresponder à realidade, pelo que nada fazia crer que estivesse eminente a venda em hasta pública. De resto, era ao A., Presidente do Conselho de Administração da L (…) que cabia conhecer o estado em que se encontravam os processos de execução fiscal, situação que omitiu durante as negociações, dando a entender que estava sendo cumprido um plano de pagamento em prestações o que não era verdade. Aliás, ele próprio podia proceder ao pagamento em causa visto que, desde Abril de 1994, vigorava a cessão de exploração a terceira empresa e, se a L (...) , de facto recebeu disso qualquer contrapartida, proveio daí, e desde então, a quantia de 180 mil contos. Ademais, não cabia aos RR contestantes o pagamento do que quer que fosse para efeito de sustação da venda, não se incluindo tal obrigação entre as que para o R. N (…) emergiam do contrato de depósito de ações. Por outro lado, o contrato de depósito das ações celebrado com o R. N (…) não tinha na sua base a pressuposição da recuperação financeira da empresa, pelo menos por parte do depositário, sendo que o beneficiário do depósito sequer era o A., mas a empresa que ficou sendo titular das ações. Para além disso, o contrato celebrado com a primeira R. não contempla qualquer obrigação de pagamento do passivo da L (...) , mas apenas de boa gestão da empresa, obrigação essa que já recaía sobre o A. na qualidade de anterior Presidente do Conselho de Administração da empresa. A intervenção dos RR N (…) e J (…)na assembleia-geral da L (…) decorreu da incumbência de representação da adquirente das acções, tendo a intervenção de ambos cabido no âmbito da representação da R. D (…) não tendo qualquer dos RR celebrado negócio com o A., perante o qual não assumiram qualquer obrigação. Realçaram, também, que no caso do contrato de depósito inexistia qualquer obrigação a cargo do R. N (…) de advertência do A. quanto à realização da praça, nem integrando tal circunstância a previsão do art. 1187º b), do CC.

Os RR R (…), G (…), P (…) A (…) e mulher, contestaram, e, para o que ora interessa, salientaram as dificuldades de gestão associadas à L (…), mercê da sua situação patrimonial, existindo imóveis, mormente os barreiros, cuja propriedade pela empresa não era certa, pois estes foram reclamados por A. e mulher em ação judicial, pelo que mesmo relativamente a alguns dos imóveis adquiridos em hasta pública como pertença da L (…), foram propostas acções em que se debate a respetiva propriedade, tudo isto consequência do esquema anterior que o A. já montara para obstar à cobrança das dívidas pelos credores, servindo-se de terceiras empresas como a A (…), T (…) e M (…). Acrescentam que a situação de falência da L (…) foi fixada no processo respetivo desde 30.5.95, momento desde o qual, conforme indicação do liquidatário judicial, ocorreu a cessação de pagamentos aos credores por parte da sociedade. Mais referem não ter sido assumido o compromisso de recuperação económica da L (…), nem de viabilidade da empresa, sabendo o A. que vendeu uma empresa cujo passivo era enorme e com a totalidade do património onerada.

O A. replicou, reforçando a sua convicção na viabilidade e possibilidade de recuperação da L (…) referindo que, se assim não fosse, as instituições bancárias financiadoras (mencionando o C (...) e a U (...) ) não teriam celebrado acordos com a empresa ou aceite como garantia ações da L (…) se as mesmas nada valessem. Mais refere que o contratado relativamente à recuperação financeira da L (…) e pagamento do respetivo passivo envolvia uma obrigação de resultados e não apenas de meios.  

*

A final foi proferida sentença que julgou improcedente a acção, indo todos os RR absolvidos.

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2. O A. interpôs recurso (per saltum para o STJ, onde juntou parecer de professor Catedrático de Direito, alto tribunal este que, todavia, ordenou a ida do mesmo para a Relação) tendo formulado as seguintes conclusões:

(…)

3. OS RR G (…), R (…), A (..:)  e Mulher e N (…), contra-alegaram e requereram a ampliação do objecto do recurso, tendo apresentado as seguintes conclusões:

(…)

3. O A. respondeu à ampliação do objecto do recurso, concluindo como segue:

(…)

II – Factos Provados

1 - Por escritura pública de 30 de Março de 1994, junta a fls. 55 a 62, cujo teor aqui se dá por reproduzido, o A., na qualidade de Presidente do Conselho de Administração da L (…), S.A., declarou ceder à M (…), Lda., pelo prazo de 5 anos, a exploração da unidade técnico-industrial aí referida (al. a) dos factos assentes)1.

1 Pela referida cessão, a cessionária (M (…)) pagaria à cedente (L (…)): “a) – A importância mensal de um milhão de escudos; b) – Através de pagamentos (antecipados) e mensais, setenta por cento do seu resultado líquido previsível, salvaguardando sempre as deliberações de aumento de capital, constituição de reservas ou outras que se mostrem necessárias à realização do escopo social. As importâncias referidas nas alíneas a) e b), enquanto se demonstrar a existência de dívidas da sociedade “L (…), Sociedade Anónima”, nomeadamente em relação ao Sector Público Estatal – Finanças e Centro Regional de Segurança Social e Instituições Bancárias e demais credores, serão consignados ao pagamentos destas dívidas e entregues directamente pela cessionária às Entidades Credoras, para satisfação dos acordos de pagamento que se encontram ou venham a ser estabelecidos pela cessionária, com aquelas entidades”. (fls. 59 e 60).

2 -Por escritura pública de 22 de Março de 1995, junta a fls. 63 a 68, cujo teor aqui se dá por reproduzido, M (…), Lda., através do seu sócio-gerente A (…) autorizada pelo A., na qualidade de Presidente do Conselho de Administração da L (…), S.A., declarou ceder à T (…) e revestimentos cerâmicos, S.A., a sua posição no acordo referido em a) – al. b)2.

2 Contrato que ficou a reger-se pelas disposições do mencionado em 1 (cfr. fls. 67).

3 - Correu os seus termos pelo Tribunal de Instrução Criminal de Coimbra, autos de Instrução, registados sob o n.º 77/2000, em que o A. figurava como assistente e L (…), J (…) e A (…) [como arguidos] (al. c)3.

3 Os autos foram arquivados pelo MP, após inquérito e, requerida a instrução pelo assistente, foram os arguidos pronunciados pela prática de um crime de burla agravada, à data p.p. pelo art. 314.º, als. b) e c) do Código Penal.

4 - Proferido despacho de pronúncia contra os arguidos foi interposta decisão dessa decisão, recurso em que foi proferido pelo Tribunal da Relação de Coimbra o acórdão junto a fls. 311 a 333, cujo teor aqui se dá por reproduzido, revogando-se o despacho recorrido e decidindo-se pela não pronúncia dos arguidos por falta de indícios suficientes da prática do crime e, consequentemente, ordenou o arquivamento dos autos (al. d)4.

4 Neste acórdão lê-se, entre o mais, o seguinte:

Lidos os autos, retira-se a conclusão que a pronúncia dos arguidos não tem suficiente suporte nos elementos de prova (documentais e testemunhais) recolhidos.

Se é certo que através da "D (…)" os arguidos L (…) e J (…)  negociaram a compra das acções da "L (…)", servindo-se, para ocultar os verdadeiros interessados, da sociedade E (…), Limited" como compradora (no que o assistente parece não ver artificio fraudulento ••• ), não há nos autos elementos que suportem a afirmação de que estes arguidos estivessem conluiados entre si e com o arguido (…) ou mesmo com este e outros para, obtido que fosse o controlo da "L(…)", a deixarem cair na praça através da venda dos seus bens em hasta pública.

As negociações feitas através da "D (…)" no interesse do grupo económico do arguido A (…) iniciaram-se em Março de 1995 e só a 12/7/95, quando já tudo estava acordado entre aqueles arguidos e o assistente, é que surgiu o inesperado conhecimento para aqueles negociadores que se encontrava marcada uma praça para venda dos bens da L (...) em hasta pública, por dívidas ao Fisco.

Este conhecimento constituiu uma surpresa para os negociadores da "D (…)" e determinou até a suspensão, por iniciativa destes, da iminente assinatura do contrato negociado e a interpelação do assistente sobre esta inesperada situação, tanto mais que dos elementos que lhes fornecera constava que as dívidas ao Fisco (num total de 177 mil contos) estavam a ser pagas na base de um acordo, efectuado entre este e o assistente, em prestações de 1.100 contos por mês (…).

Após conversações entre o arguido N (…) e o queixoso os propósitos de compra e venda das acções mantiveram-se de parte a parte e o contrato acabou por ser assinado sete dias depois, ou seja, no dia 19/7/95.

Da prova recolhida apenas se retira que os arguidos L (…) e J (…) foram, através da "D (…)", intermediários nas negociações havidas e conducentes à compra das acções da "L (…)", sendo de aceitar que a sua presença nos corpos sociais desta fosse transitória visando apenas evitar um "vazio de poder" nos seus corpos sociais face à venda que o assistente fez das suas acções (…).

Note-se que da própria resenha que o assistente faz do "plano" que imputa aos arguidos quer no requerimento para a instrução quer na resposta que dá aos recursos não se descortina com clareza a presença de todos os elementos típicos do crime de burla:

Refere o assistente que «o plano desenvolve-se então em três fases: na primeira, que decorre até 29 de Abril de 1995, o 3.º arguido projecta controlar directamente o total do capital social da L (...) e viabilizá-la ou não consoante viesse a revelar-se possível. Porém, e a par disso, faz intervir a E (…), através dos 1º e 2° arguidos, e sai da cena naquela data. É que feito o negócio via E (…), então se a L (…)falisse, tal facto ocorreria com a empresa na titularidade de uma sociedade estrangeira, sediada off-shore e com os testas de ferro do costume.

Mas em 12 de Julho de 1995 o quadro muda: Agora já não vale a pena fazer o que quer que seja pela viabilização da L (…) e cumprir o que ia ser convencionado com o assistente - bastava procurar adquirir em praça o grosso do património imobiliário e mobiliário da empresa, livre de qualquer passivo e ao preço vil, próprio das praças públicas. Se o 3.º arguido conseguisse tal aquisição, o sucesso seria total e o negócio passaria a girar em nome da recém-criada P (…), também controlada pelo (…); se não conseguisse, os bens iriam para terceiros, a L (…) ficava inviabilizada e desaparecia como concorrente do 3º arguido e da sua R (…)».

Se na própria óptica do assistente o intuito claro de não viabilizar a empresa só surge a 12.7.95 com o conhecimento da marcação da praça, só então tendo os reais interessados na sua aquisição decidido que «já não valia a pena fazer o que quer que fosse pela viabilização da L (…) e cumprir o que iria ser convencionado com o assistente» e estando este já decidido à acordada venda então não foi a mudança para a nova estratégia (que reputa de criminosa) que determinou o assistente a esta. Ou seja, não foi a referida mudança para nova estratégia que determinou o denunciante a praticar os actos que lhe terão causado os alegados prejuízos patrimoniais.

Como acima se disse sobre o enunciado do crime em apreço, não se mostra suficiente para que ocorra o crime de burla a simples verificação dum estado de erro do sujeito passivo. Requer-se, ainda, que nesse engano resida a causa da prática pelo burlado dos actos de que decorre o (seu) prejuízo patrimonial. Mas na própria óptica do assistente ele já estava determinado à venda das acções nos termos efectuados mesmo antes da mudança da estratégia dos seus interlocutores, a saber, mesmo antes de estes se decidirem pela "liquidação" da L (…)-, o que só por si parece afastar a possibilidade da presença do crime de burla. Como refere no seu parecer o Ex.mo Procurador- Geral Adjunto " não se descortina onde esteja o artifício fraudulento utilizado pelos arguidos e que teria determinado o assistente a vender-lhes as acções da L (…), tendo em conta que o crime de burla se consuma quando a coisa (as acções) sai da esfera patrimonial do defraudado e entra no círculo das disponibilidades do agente da infracção (…).

Nem se compreende, por total falta de elementos nesse sentido constantes dos autos, como é que os arguidos L (…) e J (…), meros intermediários nas negociações, intervêm em tal plano de "liquidação" ou a ele aderem e determinam com base nele o assistente à celebração do negócio, quando é certo que o assistente já estava em momento anterior a 12/7/95 determinado à celebração do mesmo.

Particularmente quanto ao arguido (…), sendo certo que a construção da pronúncia constitui quanto a ele uma actuação possível da sua parte, a mesma não tem na prova recolhida uma resposta calara nesse sentido. Ou seja, não é transparente que na fase negocial que conduziu à venda das acções da “L (…)r” tenha estado sempre presente na mente deste arguido o propósito de não cumprir o negociado, incumprimento que, de resto, o assistente não acautelou devidamente no contrato, v.g., através de cláusulas referentes à não veiculação da venda dos bens da “L (...) ” na praça marcada para o dia 4.9.95, e outras de natureza penal relativas a eventual incumprimento.

O assistente centra a actividade criminosa dos arguidos numa pré-disposição em não cumprirem com o contrato, nomeadamente em não darem cumprimento à obrigação de "desenvolver a gestão da L (…) com a máxima diligência a fim de ser garantido o relançamento da empresa. .. "(cláusula 9ª), e deste modo poder também obter-se a recuperação quer dos cheques pré-datados ou sem cobertura, por si assinados, quer das garantias pessoais que dera ao pagamento de algumas das dívidas da sociedade através da prestação de avales em letras e livranças (cláusula 8ª).

O arguido nega-o, afirmando que tinha como objectivo recuperar a empresa (…). E no processo há depoimentos que, embora não sendo concludentes para o apuramento das reais intenções do arguido, vão no sentido por si asseverado (…).

No mesmo sentido, embora lido com bastantes reservas', o "fax" de fls161/163.

E mesmo aqueles depoimentos que se podem invocar em contrário não são suficientemente explícitos , limitando-se a meras insinuações (…).

E se é certo que este arguido, tal como os outros, sabia do pedido de falência apresentado a 28.4.95 pela "V (…)r" com base no seu crédito de 400 mil contos (na cláusula 41 do contrato é referida uma "falência em curso" e pressupõe-se a sua conversão em "processo de recuperação"; e na carta de 28.6.95, com cópia a fls. 801, endereçada pelo arguido Caldas ao queixoso refere aquele ter-se confirmado "o pedido de falência proposto pela V (…)"), novo processo de falência foi apresentado a 14/7/95 pela "(…), S.A." com base num crédito de 92 mil contos', pedido este que não seria conhecido; sendo de admitir a possibilidade de também não ser conhecido o requerimento apresentado no mesmo dia (14.7.95) pela "V (…)r" naquela falência e onde pedia que se desse por finda a suspensão da respectiva instância (por si pedida a 25.5.95) "por já não ver em tal suspensão qualquer utilidade”.

Assim, sem que se aceite sem reservas o depoimento de (…)", é de admitir como possível que este advogado, consultor jurídico do arguido, por alguma ou algumas razões tidas por ponderosas, tenha, então, ou seja, em data posterior a 19.7.95, demovido o arguido do processo de recuperação e o tenha aconselhado a não pagar a dívida à Fazenda Nacional, deixando ir á praça os bens da “L (…)”.

Concluindo, dir-se-á que embora sendo uma actuação possível, não é claro que ao negociar a aquisição da “L (…)” através da “D (…)” fosse propósito firmado deste arguido não vir a cumprir com o negócio em nome da “E (…)”.

5 - Interposto recurso para o STJ dessa decisão, por acórdão de 20 de Fevereiro de 2002, esse tribunal decidiu não ser admissível o recurso, pelo que dele não tomou conhecimento (al. e).

Das respostas à Base Instrutória

6 – Em 19/07/1995, o Autor era titular de 500.000 acções ao portador, no valor nominal de 1.000$00 da L (…)r (resposta ao 1º da BI).

7 - A L (…) encontrava-se tecnologicamente equipada com vista à produção cerâmica e tinha acesso a “barreiros” que se encontravam em terrenos adjacentes à fábrica (resposta ao 2º da BI).

8 - O facto de utilizar argilas disponíveis em terrenos adjacentes à instalação fabril representava uma vantagem em termos de custos de aquisição de matéria-prima e permitia economias energéticas no processo de transformação fabril (resposta ao 3º da BI).

9 - A L (…) tinha um valor de imobilizado – compreendendo, pelo menos, uma unidade fabril instalada em vários prédios (cfr. verba nº1 penhorada pelas Finanças – doc. de fls. 1087 e ss. que aqui se dá por reproduzido), respetivo equipamento fabril e barreiros adjacentes – que ascendia, em 1995, a vários milhões de euros, encontrando-se o mesmo onerado, mormente por meio de penhoras e hipotecas (resposta ao 4º da BI).

10 - A L (…) vinha consolidando um sistema organizativo “just in time” dos sectores produtivo e comercial, tendo em vista conseguir que os produtos já estivessem vendidos - e de preferência com pagamento assegurado – ainda antes de serem produzidos, reduzindo-se custos e “stocks” intermédios e optimizando o processo operacional da empresa (resposta ao 5º da BI).

11 - A empresa L (…), no início dos anos 90, recorreu e emitiu empréstimos obrigacionistas, sendo o primeiro de 80.000 contos e o segundo de 250.000 contos (resposta ao 6º da BI).

12 - Na sequência dos “Acordos de Paz de Bicesse” de 01/05/1991, a L (…)exportou, em Abril de 1992, produtos para Angola ao abrigo de dois Créditos Documentários Irrevogáveis emitidos pelo Banco N (...) , no valor global de, pelo menos, USD 3.057.805, cujo pagamento Angola deixou de satisfazer em Novembro de 1992 (resposta ao 7º da BI).

13 - As diligências de cobrança encetadas pelo Autor (desde finais de 1992 e até 19/07/1995), obtiveram promessas de eminente resolução e ou liquidação por parte do Ministérios das Finanças e dos Negócios Estrangeiros Portugueses e do Banco N (...) e de outras autoridades Angolanas (resposta ao 8º da BI).

14 - Tendo no “Acordo Base para a Regularização da Divida” celebrado em 10/06/1994, entre as Repúblicas Portuguesa e Angolana, sido contemplado o caso da L (...) (resposta ao 9º da BI).

15 - Em 1991, a L (…) teve um resultado operacional de 217.231 contos e um resultado líquido positivo de 181.680 contos, tendo apresentado, em 1992, um resultado operacional de 301.129 contos e um resultado líquido negativo de 28.226 contos, em virtude de ter suportado 327.129 contos de encargos financeiros (resposta ao 10º da BI).

16 - A recuperação financeira da L (…) seria possível se o seu passivo fosse pago (resposta ao 11º da BI).

17 - O A., com o objetivo de minorar os efeitos do desequilíbrio de tesouraria, recorreu a empréstimos pessoais, ao deferimento de pagamentos e à subscrição de livranças e letras (resposta ao 12º da BI).

18 - (…) posteriormente, acreditando na viabilidade da empresa, prestou mais avales e fianças e procedeu à emissão de cheques pós-datados (resposta ao 13º da BI).

19 - A L (…) realizou o acordo referido em 1 (resposta ao 14º da BI).

20 - Complementarmente, a L (…) mantinha negociações com a Banca no sentido de conseguir acordos de consolidação a longo prazo do seu passivo (resposta ao 15º da BI).

21 - Em 29/12/1994, celebrou acordo com o C (…), pelo qual, para garantia de uma dívida da L (…) de 72.730.948$70, foi constituído um penhor de 66.000 acções (resposta ao 16º da BI).

22 - Em 31/01/1995, a L (…) celebrou acordo designado de “Contrato de regularização de responsabilidades“ com a União B (...) (actual M (...) ), no montante de 402.525 contos (resposta ao 17º da BI).

23 - O Autor, na qualidade de Presidente do Conselho de Administração e/ou principal accionista, continuou a diligenciar, junto de investidores nacionais e estrangeiros, no sentido de aumentar os capitais próprios da empresa (resposta ao 18º da BI).

24 - Em Janeiro de 1995, um diretor da “M (…)” promoveu um encontro entre o A. e o R. A (…), administrador da Ré R (…), tendo em vista a possível venda da L (…) (resposta aos 19º e 20º da BI).

25 - Na sequência do demonstrado em 24, realizou-se, em Janeiro de 1995, uma primeira reunião onde, além do A. e do citado diretor da “M (…)l”, estiveram presentes os RR. (…), então advogado da Ré R (…) (resposta ao 22º da BI).

26 - O Réu (…) além de accionista e Presidente do Conselho de Administração da Ré R (…), era também sócio-gerente da (…), Lda, a actual Ré G (…)S.A, onde, à época, era detentor de uma quota de 90 % do capital social (resposta ao 23º da BI).

27 - O Dr. (…), além de advogado da Ré R (…), era Presidente da Mesa da sua Assembleia-geral (resposta ao 24º da BI) .

28 – (…) na qualidade de advogado da R (…) contactou o A. procurando saber se o mesmo estava disponível para vender a sua posição acionista na L (…)(resposta ao 28º da BI).

29 - No desenvolvimento da negociação, em abril de 1995, o R. A (…) visitou as instalações fabris da L (…) e os barreiros adjacentes (resposta ao 31º da BI).

30 - (…) acompanhado pelo seu único sócio e também gerente da Ré G (…) Sr. (…) (resposta ao 32º da BI).

31 - O R. A (…) ficou bem impressionado com a performance da fábrica, a qual era concorrente da R (…), não dispondo esta última de reservas de argila em barreiros adjacentes, como disponha a L (…), tendo-lhe nessa altura sido disponibilizada pelo A. alguma informação de caráter económico e financeiro relativa à L (…) (resposta ao 33º).

32 - Após a visita referida em 29, o R. A (…) disse ao A. que em breve lhe apresentaria uma proposta (resposta ao 35º da BI).

33 - A R (…) e G (…) estavam interessadas na aquisição da L (…) posto que a mesma, além de ser concorrente, dispunha de barreiros adjacentes às instalações fabris (resposta ao 37º da BI).

34 - O R. (…), por si e representando a R (…) e G (…), contratou a Ré D (…)para efetuar a negociação com o A. (resposta ao 38º da BI).

35 - A administração das Rés R (…) e G (…) deu instruções ao Presidente da Ré D (…), o Réu (…), para que este, tirando partido da credibilidade e prestigio que tinha na época, se “afirmasse” perante o Autor como representante de uma empresa poderosa, multinacional, com sede na Irlanda e escritórios na Suíça (resposta ao 39º da BI).

36 - O Autor recebeu, com data de 02/03/1995, a carta subscrita pelo Réu, (…)junta a fls. 73 (resposta ao 40º da BI).

37 - Esta carta negocial não foi considerada surpreendente pelo Autor, uma vez que escritórios (de advogados/economistas) de Lisboa tinham já representado investidores estrangeiros em negócios de aquisição de várias empresas do sector cerâmico (resposta ao 41º da BI).

38 - A confiança do Autor foi reforçada pelo facto de o Réu (…)ser à época Grão-Mestre da Maçonaria, ex-governante, Deputado e professor universitário (resposta ao 42º da BI).

39 - (…) uma personalidade prestigiada até internacionalmente, pertencendo inclusive às relações do recém-eleito presidente (…) (resposta ao 43º).

40 - Em Março de 1995, realizou-se uma reunião entre o A. e os representantes da D (…) (resposta ao 44º da BI).

41 - O Réu (…) informou, porque tal lhe tinha sido expressamente solicitado, que não podia identificar a empresa estrangeira que representava, a não ser quando e se as negociações tivessem êxito (resposta ao 45º da BI).

42 - Na reunião referida em 40, foi dito ao A. que a empresa mencionada em 41 era uma sociedade com capacidade financeira interessada em adquirir unidades industriais, como a L (…), para recuperação (resposta ao 46º da BI).

43 - O R. (…) informou o A. de que a sua cliente apenas estaria interessada na compra integral da L (…) (resposta ao 48º da BI).

44 - Para poderem proceder a uma análise introdutória da sociedade, o Autor prestou informação, tendo entregue, além de vários elementos contabilísticos, outros considerados relevantes para a análise da situação jurídica, económica, financeira e técnica da L (…) (resposta ao 49º da BI).

45 - (…) de entre eles a discriminação do passivo da L (…), cuja cópia figura a fls. 74 a 775 (resposta ao 50º da BI).

5 Relação na qual se verifica, entre o mais, que, no que concerne à dívida da L (…) às Finanças, no montante de 177.000 contos, é feita referência ao facto de estarem a ser pagos 1.100 contos/mês (fls. 77).

46 - (…) bem como, em 09/05/1995, a relação junta a fls. 78 das garantias pessoais envolvidas, com uma listagem de seis credores que tinham parte da dívida titulada por cheques pós-datados dados de garantia, cujo montante ascendia na altura a 124.450 contos (resposta ao 51º da BI).

47 - A fim de verificar a sua disponibilidade para acordos de pagamento a prazo, os RR. (…) entraram em contacto com os credores da L (…), (…) (resposta ao 52º da BI).

48 – Foi efetuada uma reunião entre o R. (…) e a administração do Grupo (…) (resposta ao 53º da BI).

49 - A V (…)r, a 28.4.95, requereu a falência da L (…) nos termos de fls. 334 que aqui se dão por reproduzidos6 (resposta ao 54º da BI).

6 Invocando, entre o mais, ser credora da L (…) em 474.433.172$00, e afirmando ser o passivo da requerida superior a 2.500.000.000$00, quantia que excedia o valor do ativo. Mais referiu que, para subtrair aos credores uma boa parte dos resultados da sua laboração e frustrar qualquer projecto de penhora ao seu estabelecimento industrial, em 30 de Março de 1994, cedeu a exploração do seu estabelecimento comercial a empresa criada para esse efeito.

7 Uma com data de 28.6.95, onde se lê, entre o mais: “1. Atendendo a que, de acordo com os últimos elementos coligidos, se verifica haver, quanto a débitos garantidos por hipoteca ou penhora, um aumento de cerca de 580.000 contos (360.000 da F (...) e 220.000 do Estado). 2. E que para além disso se confirmou o pedido de falência proposto pela (…) 3. Os nossos clientes só estão interessados no negócio, exclusivamente, nas seguintes condições base: 3.1. Preço: a) 50.000 contos pagos já (isto é, no momento da assinatura do contrato; b) 50.000 contos, à data da sentença provisória de recuperação, resultante da acção de falência proposta pela Vitricer; c) 25% do valor líquido de crédito de Angola, quando recuperado (cerca de 100.000 contos)”.

(…)

Outra, datada de 10.7.95, onde se lê, entre o mais: “1. Os meus clientes cada vez mais descrentes da viabilidade sem sobressalto da (…) endureceram de novo a posição e apenas estão dispostos a encarar a compra nas condições abaixo indicadas: 2. Objecto de Aquisição – A totalidade do capital social da (…), bem como a totalidade dos suprimentos de todos os accionistas e, ainda, a posição contratual da (…), no contrato de cessão de exploração da (…). 3. (…). Forma de Pagamento: a) Esc. 50.000.000$00, no momento da

50 - O R. (…) recebeu a administração da V (…) a pedido de (…) (resposta ao 56º da BI).

51 - Nessa reunião o Réu (…) confirmou a informação de que a V (…)estava receptiva e disponível para negociar o seu crédito (resposta ao 57º da BI).

52 - Em virtude disso, em 25/05/1995, a V (…) requereu a suspensão da instância no processo de falência, no que foi atendida (resposta ao 58º da BI).

53 - (…) dando conhecimento ao tribunal que uma empresa estrangeira estava não só na eminência de adquirir a L (…) como também se comprometia a pagar aos seus credores uma boa parte do seu passivo (resposta ao 59º da BI).

54 - A D (…) remeteu ao A. as cartas de fls. 1155 a 11587 cujo teor aqui se dá por reproduzido (resposta aos 61º a 63º da BI).

7 Uma com data de 28.6.95, onde se lê, entre o mais: “1. Atendendo a que, de acordo com os últimos elementos coligidos, se verifica haver, quanto a débitos garantidos por hipoteca ou penhora, um aumento de cerca de 580.000 contos (360.000 da F (...) e 220.000 do Estado). 2. E que para além disso se confirmou o pedido de falência proposto pela (…). 3. Os nossos clientes só estão interessados no negócio, exclusivamente, nas seguintes condições base: 3.1. Preço: a) 50.000 contos pagos já (isto é, no momento da assinatura do contrato; b) 50.000 contos, à data da sentença provisória de recuperação, resultante da acção de falência proposta pela (…); c) 25% do valor líquido de crédito de Angola, quando recuperado (cerca de 100.000 contos)”.

(…)

Outra, datada de 10.7.95, onde se lê, entre o mais: “1. Os meus clientes cada vez mais descrentes da viabilidade sem sobressalto da (…) endureceram de novo a posição e apenas estão dispostos a encarar a compra nas condições abaixo indicadas: 2. Objecto de Aquisição – A totalidade do capital social da (…), bem como a totalidade dos suprimentos de todos os accionistas e, ainda, a posição contratual da (…), no contrato de cessão de exploração da (…) 3. (…). Forma de Pagamento: a) Esc. 50.000.000$00, no momento da celebração do contrato; b) Esc. 20.000.000$00, à data da fixação do passivo no processo de recuperação, que é consequência lógica do pedido de falência em curso, b) Esc. 30.000.000$00, à data do trânsito em julgado da sentença que irá caber no processo de recuperação de falência, e desde que a mesma preveja a viabilidade da (…) detida pelos meus clientes e com uma moratória;

(…)

6. O endurecimento da posição dos meus clientes emerge de, por cada dia que passa, irem obtendo mais informações sobre o estado da empresa”.

(…)

55 - Em 12/07/1995 foi publicado no jornal (...) um anúncio de uma hasta pública fiscal marcada para as 11 horas do dia 04/09/1995 (resposta ao 64º da BI).

56 - (…) que, a realizar-se, permitiria a venda da totalidade do imobilizado da L (...) , nomeadamente a unidade fabril (Verba nº 1 do anúncio), terrenos, barreiros, instalações comerciais e equipamentos (resposta ao 65º da BI).

57 - (…) para pagamento de uma dívida de 9.118.778$00 à Fazenda Pública (resposta ao 66º da BI).

58 - Nesse dia 12.7.95, essa publicação foi reportada por telefone ao A. pelo R. (…) que dela teve conhecimento em Lisboa (resposta ao 67º da BI).

59 - O R. (…), nesse dia, remeteu ao A. o fax de fls. 79 e 808 (resposta ao 68º da BI).

8 Onde se lê: “Face ao anúncio inesperado da praça dos bens da L (...) para 4 de Setembro, conforme anúncio que certamente conhece mas que segue em anexo, os clientes ordenaram a suspensão do processo. Neste momento aguardo que um advogado de Coimbra me confirme o estado (imperceptível) da praça que pode ou não comprometer as perspectivas de conclusão da operação”

(…)

60 - Telefonicamente, o A. manifestou ao R. (…) a sua estranheza pela publicação do anúncio (resposta ao 69º da BI).

61 – Como era sabido desde o início da negociação, os ativos da L (…)r além de hipotecados à Banca estavam penhorados pela 1.ª Repartição de Finanças de Coimbra (resposta ao 70º da BI).

62 - O montante de cerca de 9.118 contos reclamado no anúncio pelo Fisco estava incluído no passivo fiscal que ascendia a 177.000 na rubrica “Outros credores” da Relação do Passivo, que fora apresentada (resposta ao 71º da BI).

63 - No contrato de venda das ações ficou consignado o que se lê nas cláusulas 8ª e 9ª de fls. 88 que aqui se dão por reproduzidas (resposta ao 72º da BI).

64 - Mercê do negócio referido em 2, ficou convencionado que a T (...) pagaria à (…)o valor mensal mencionado em a) e b) de fls. 66 e 67 (resposta ao 73º da BI).

65 - A celebrar-se o negócio, quem teria de pagar e antecipadamente à cedente (…)seria a cessionária de exploração que a cliente do Réu (…) iria indicar (resposta ao 74º da BI).

66 - Ambas as empresas (cedente e cessionária de exploração) passariam então a estar sob o seu controlo (resposta ao 75º da BI).

67 - Na sequência, em 19/07/1995 foi celebrado o acordo junto a fls. 81 a 899 (resposta ao 76º da BI).

9 Cujo teor é:

CONTRATO DE COMPRA E VENDA DE ACÇÕES

(…)

1ª)

1.O Primeiro Outorgante [(…)] é dono e legítimo possuidor de 500.000 (quinhentas mil acções), no valor nominal de Esc.: 1000$00 (mil escudos) cada uma, que constituem a totalidade do capital social da sociedade anónima de responsabilidade limitadam denominada L (…), SA, adiante apenas designada por L (…) com sede na Freguesia de Taveiro (…).

2ª)

1.A L (…), SA, é dona e legítima possuidora de um estabelecimento comercial, constituído por uma unidade técnico-fabril de fabrico de ladrilhos cerâmicos que tem girado (…) bem como no logradouro e terrenos anexos, inscritos na respectiva matriz rústica, sob os artigos nº917, 919,920,923,925,926,1038,3142,3143,3144,3145, se encontram hipotecados a favor da Banca e Estado. (Doc. n.º 4 a 15)

2. O referido estabelecimento é composto, essencialmente, por um conjunto operacional de maquinas, fornos, mecanismos e utensílios que constam de uma relação elaborada em duplicado, ficando um exemplar, devidamente assinado, em poder de cada um dos outorgantes, os quais se encontram penhorados pela Primeira Repartição de Finanças de Coimbra (Doc. 16).

3.(…)

4. O passivo da L (…) segundo o Primeiro Outorgante é calculado em Esc: 3.637.000.000$00 (três milhões, seiscentos e trinta e sete mil escudos), não devendo sofrer um desvio positivo ou negativo de mais de 5% (cinco por cento)(Doc n.º 18).

3a)

1. Pelo presente contrato o Primeiro Outorgante vende a totalidade das 500.000 acções indicadas na cláusula primeira à Segunda Outorgante, que as adquiriu, no montante de 87.000 acções penhoradas e ainda as remanescentes 413.000 acções, bem como todos os suprimentos e outros créditos e direitos que tenha na L (…) pelo preço de Esc: 50.000.000$00 (cinquenta milhões de escudos); e ainda, pelo contra valor em escudos, calculado à data da liquidação, das percentagens indicadas no ponto 4 da cláusula 6ª sobre os créditos que a L (…) detém sobre o Banco N (...) , expresso nominalmente em 3.057805 H.S. dólares, deduzidas que sejam no respectivo valaras despesas de cobrança judicial ou extrajudicial devidamente justificadas, além de encargos, ónus, taxas e demais emolumentos ou honorários inerentes.

2. (…)

3. O valor total dos créditos sobre o Banco N (...) referidos no número anterior e de acordo com o Primeiro Outorgante e aceites de boa fé pela Segunda Outorgante, corresponde a USD. 3.057.805 (três milhões e cinquenta sete mil, oitocentos e cinco dólares americanos) e são relativos a duas aberturas de crédito:

a) Uma, no valor de U.SD2.644.900 (dois milhões, e seiscentos e quarenta e quatro mil e novecentos dólares americanos), identificado no Banco E (...) coma referência 607.075/03 (Doc. nº 18 a 21).

b) Outro, no valor de U.SD 412.905 (quatrocentos e doze mil, novecentos e cinco dólares americanos), correspondente a 20% (vinte porcento) de um crédito de U.SD 2.012.905 (dois milhões e doze mil novecentos e cinco) emitido pelo Banco N (...) com a referência 6077213, sendo certo que os restantes oitenta por cento deste crédito já foram liquidados pela COSEC, e que se encontra penhorado na parte disponível dos referidos 20% à União B (...) , SA (Doc. n° 22 e 23).

4º)

1. O pagamento do preço fixado nos termos da cláusula 3ª, nº 1, será feito ao Primeiro Outorgante pela Segunda Outorgante da seguinte forma:

a) Esc: 20.000.000$00 (vinte milhões de escudos), à data da fixação do passivo no processo de recuperação, que é consequência lógica do pedido de falência em curso.

b) Esc; 30.000.000$00 (trinta milhões de escudos), à data, do trânsito em julgado da sentença que irá caber no processo atrás indicado, fixando o processo de recuperação.

c) O restante consoante a L (…)or recebendo ou descontando os valores correspondentes aos créditos que tem sobre o Banco N (...) e na proporção com as deduções mencionadas no n.º 1 da cláusula 3ª).

(…)

6. Acta da Assembleia Geral da L (…) realizada ao abrigo do art. 54.º do CSC em que se registe a aceitação das referidas renúncias no número anterior e em que sejam de imediato, eleitos para a Mesa da Assembleia Geral o Prof. Dr. (…)para Presidente e o Dr. (…)para secretário (…).

5ª)

1.A Assinatura do presente contrato fica também dependente da cessão da posição que a T (…) SA, detém, no Contrato de Cessão de Exploração celebrado inicialmente entre a M(…) (…) e a L (…) (…).

6ª)

1.Para garantia do cumprimento do pagamento, previsto na cláusula 4ª, que se concluirá, após cobrança dos créditos da L (…) indicados no ponto 3. da cláusula 3ª) deste contrato, a Segunda Outorgante, fará de acordo com o Primeiro Outorgante:

a) Um depósito inicial de 63.000 (…) acções da L (…) à guarda do escritório do Prof. (…) (…).

(…)

8ª)

1.Mais se compromete a Segunda Outorgante a instruir a administração da L (…) que não deve fazer acordos com os credores constantes da lista anexa (Doc. nº 18), sem que lhe seja devolvidos os cheques pré-datados ou sem cobertura assinados pelo Primeiro Outorgante, e se achem em poder desses mesmos credores.

2. A Segunda Outorgante compromete-se a instruir à administração da L (…) do interesse de, na medida do possível ir substituindo e libertando os avales dados pelo Primeiro Outorgante a letras e livranças aceites por aquela empresa, desde que as mesmas tenham resultado em benefício deste.

9ª)

1.A Segunda Outorgante compromete-se ainda a desenvolver a gestão da L (…) com a máxima diligência a fim de garantir o relançamento da empresa e a satisfação dos legítimos interesses dos credores, trabalhadores, e fornecedores em especial, e do mercado e do Estado em geral.

(…)

10 Contrato mediante o qual, o R. (…), fica depositário de ações (63.000) da L (…) qie lhe foram entregues pela Ré E (…) tendo-lhe ainda o aqui autor conferido o direito de exigir ao C (...) durante dois anos a partir da data do contrato (19.3.05), a entrega para depósito em nome do A. das restantes ações (87.000), desde que desonerado o penhor que sobre as mesmas impedia.

O segundo negócio respeita à promessa da cessão da posição contratual da T (...) à P (...) no contrato de cessão de exploração.

68 - (…) intervindo o Autor, na qualidade de Primeiro Outorgante titular das acções e como Presidente do Conselho de Administração da Terceira Outorgante L (…) (resposta ao 77º da BI)

69 - (…) e a Ré “E (…), Ltd”, representada pelo Réu (…) (resposta ao 78º da BI).

70 - (…) conjuntamente foram celebrados os acordos constantes de fls. 90 a 10310 (resposta ao 79º da BI).

10 Contrato mediante o qual, o R. (…) fica depositário de ações (63.000) da L (…) qie lhe foram entregues pela Ré E (…)tendo-lhe ainda o aqui autor conferido o direito de exigir ao C (...) durante dois anos a partir da data do contrato (19.3.05), a entrega para depósito em nome do A. das restantes ações (87.000), desde que desonerado o penhor que sobre as mesmas impedia.

O segundo negócio respeita à promessa da cessão da posição contratual da T (...) à P (...) no contrato de cessão de exploração.

71 - Nesse mesmo dia 19/07/1995 realizou-se uma Assembleia-geral extraordinária da L (…) onde o Autor conjuntamente com os ali accionistas (…) representavam a totalidade do capital social (resposta ao 81º da BI).

72 - Em face da aprovação por unanimidade da renúncia dos corpos sociais (do Autor) foi eleita por unanimidade a Mesa da Assembleia-geral constituída pelo Presidente, Sr. Dr. Prof. (…) e pelo secretário Dr. (…) (resposta ao 82º da BI).

73 - (…) com a expressa incumbência de, logo que contactados pelos futuros proprietários da totalidade do capital, convocarem nova Assembleia para o preenchimento urgente dos lugares vagos (resposta ao 83º da BI).

74 – (…), administrador da P (…), tomou conta das instalações fabris, comerciais e administrativas da L (…), poucos dias após o negócio de venda das ações da L (…), tendo substituído os porteiros da empresa por outros na sua dependência (resposta ao 85º da BI).

75 - Os RR. (…) sabiam que P (...) (…)era diretor de marketing da R (…)(resposta ao 86º da BI).

76 - A administração da P (…) era também integrada por (…) funcionário da R (…)(resposta ao 87º da BI).

77 - (…) o que foi ocultado ao Autor que, por isso, não se apercebeu da identidade dos verdadeiros proprietários do capital, dado que na altura da assinatura do acordo de fls. 96 e 97 a P (…) foi representada pelo Réu (…) (resposta ao 88º da BI).

78 - Posteriormente, o A. verificou que tudo e todos os intervenientes do negócio apareciam e estavam ligados à Ré R (…)(resposta ao 89º da BI).

79 - Interessava à L (…) o recebimento atempado dos rendimentos da exploração que, nos termos do acordo referido em 2, deviam ser pagos antecipadamente pela P (…) (resposta ao 90º da BI).

80 - Caso fosse paga a quantia exequenda reclamada no anúncio da praça fiscal marcada para 4.9.95, essa diligência seria sustada (resposta ao 91º da BI).

81 – (…), após negócio de venda das ações da L (…), em 21 de Julho de 1995, organizou uma reunião com os trabalhadores da unidade fabril, estando presentes clientes, e afirmou que a empresa era para continuar e as dívidas, nomeadamente com salários, eram para ser pagas (resposta ao 93º a) da BI).

82 – (…) conversou com credores e fornecedores da L (…) referindo que a empresa era para recuperar (resposta ao 91º c) da BI).

83 - No dia-a-dia, pelo menos as decisões relativas à P (…), eram tomadas, primacialmente, por (…), e também por (…), ambos em contacto direto com o R. (…) cujas ordens obedeciam (resposta aos 94º e 95º da BI).

84 - Verificavam-se frequentes deslocações de estafetas de transporte de documentos e valores entre as instalações da L (…) e as das Rés (…)e também de e para o escritório do Dr. (…) (resposta ao 96º da BI).

85 - (…) visitas de “funcionários” da Ré (…) e de Administradores das Rés (…)(resposta ao 97º da BI).

86 - Os novos membros do Conselho de Administração (presidido por (…)), sempre se mantiveram ausentes da empresa, nunca exercendo funções de gestão e representação da L (…) (resposta ao 100º da BI).

87 - Chegado o dia 04/09/1995 a quantia exequenda não foi liquidada, nem pela administração da L (…) nem por nenhum dos Réus (resposta ao 105.º da BI)

88 - Tendo a praça sido realizada (resposta ao 106.º da BI).

89 - Na praça, a Ré (…)(então (…), representada pelo seu sócio (…) arrematou a quase totalidade dos ativos da L (...) (resposta ao 107.º da BI).

90 - (…) assistido na operação pelo advogado e presidente da Assembleia-geral da Ré R (…) Dr. (…) (resposta ao 108.º da BI).

91 - Os RR. (…) e as sociedades Rés conheciam o conteúdo dos acordos celebrados (resposta ao 109.º da BI).

92 - Os bens foram adquiridos pelos valores referidos em 107 a 109, tendo, todavia, valor superior ao que resultou da venda executiva (resposta ao 111º da BI).

93 - Um pavilhão industrial com 24.150 m2 de área coberta foi arrematado pela Ré (…) por 25.482.170$00 tinha valor patrimonial tributário de 59.029.560$00 (resposta ao 112.º da BI).

94 - Como a exploração do complexo fabril e dos barreiros da L (…) pertencia à Ré (…), os potenciais licitantes e outros interessados sabiam que se arrematassem na praça de 04/09/1995, só, e na melhor das hipóteses, poderiam tomar conta da exploração a partir de 30/04/1999 (resposta ao 113º da BI).

95 - (…) o que era do conhecimento generalizado de credores e clientes por os produtos serem fabricados e vendidos com a marca da (…) (resposta ao 114.º da BI).

96 - (…) e bem assim das Rés (…) (resposta ao 115.º da BI).

97 - As Rés (…) eram as únicas entidades que estavam em condições de rentabilizar e de imediato o eventual investimento na praça (resposta ao 116.º da BI).

98 - As Rés (…), dominando a (…) sabiam que, por esta via, obteriam os activos da L (...) desonerados de hipotecas e penhoras (resposta ao 117.º da BI).

99 - (…) o que na perspectiva das mesmas era mais vantajosa do que ter que fazer face ao pagamento do passivo, que esses mesmos activos garantiam (resposta ao 118º da BI).

100 - A (…)até à arrematação estava inactiva (resposta ao 119.º da BI).

101 - O R. (…), em 1995, sócio maioritário e gerente da (…) destacou funcionários da (…)da sua confiança ((…)) para assegurar a gestão da (…) (resposta ao 120.º da BI).

102 - Depois de ocorrida a praça, membros da administração da (…), quando interpelados por credores sobre o passivo da (…) diziam nada ter esta empresa a ver com o mesmo que era da responsabilidade do A. (resposta aos 124.º a 126.º da BI).

103 - A Ré E (…) LTD. nunca antes dos acordos celebrados, referidos em 76 a 79, realizou qualquer negócio, não recebeu nenhuma receita e não incorreu em nenhuma despesa (resposta ao 127.º da BI).

104 - A Ré E (…) foi adquirida pelo R. A (…) e grupo R (…) apenas para aquisição das ações da L (…) (resposta aos 128º e 129º da BI).

105 - O reembolso das despesas e os honorários do R. (…) foram pagos pelo R. A (…) (resposta ao 130º da BI).

106 - (…) e não pela Ré E (…) (resposta ao 131.º da BI).

107 – (…) eram, aquando da sua nomeação de Presidente e Vogais do Conselho de Administração da P (…) respectivamente, em 15/07/1995, funcionários ou colaboradores da Ré R (…) (resposta ao 132º da BI).

108 - Para o Conselho Fiscal foram eleitos (…) familiares dos Réus (…), sendo que este era presidente da mesa da Assembleia-geral da empresa (resposta ao 133.º da BI).

109 - Em 03/08/1995 (…) renunciou à administração da P (…) tendo sido nomeado em sua substituição o Dr. (…)à época advogado estagiário do Dr. (…)(resposta ao 134º da BI).

110 - Em 29/05/1996 foi eleito para a administração (em substituição de (…)) (…), sendo então designado vogal do Conselho Fiscal o advogado da R (…) Dr. (…) que, em 30/09/1996, iria assumir formalmente a Administração da P (…) sociedade cuja sede já o seu escritório de advocacia abrigava desde 14/05/1996 (resposta ao 135.º da BI).

111 - A determinada altura, os ex-ativos da L (…), detidos pela P (…) desde a celebração dos acordos referidos em 76 a 79, foram entregues à Ré G (…)(resposta ao 136.º da BI).

112 - A Ré G (…) beneficiou ainda de uma depreciação em 50% das suas “existências” (resposta ao 137º da BI).

113 - Não obstante ter criado a provisão para depreciação de “existências” de 83.168 contos, a Ré P (…) com um capital social de apenas 5.000 contos e um investimento em manutenção produtiva de apenas 1.188 contos, declarou resultados operacionais de 104.484 contos e líquidos positivos de 21.889 contos, durante o período de 21/07/1995 a 32/12/1996 de exploração dos activos da L (...) (resposta ao 138.º da BI).

114 - A (…) Lda. tinha uma reduzida actividade (resposta ao 140.º da BI).

115 - Desde 19/07/1995 e 22/02/1996 nenhuma divida da L (…)r foi liquidada nem foi apresentado qualquer plano/proposta aos credores (resposta ao 142.º da BI).

116 - O Autor foi pressionado pela generalidade dos credores da L (…) e pelos detentores de cheques pós datados, os quais deduziram as respectivas queixas criminais por emissão de cheques sem provisão (resposta ao 146.º da BI).

117 - (…) tendo os referidos processos dado azo, à emissão de mandados de detenção (resposta ao 147º da BI).

118 - Em virtude disso, o Autor, embora contra vontade, ausentou-se para o estrangeiro, onde permaneceu durante cerca de três anos longe os seus familiares, designadamente das suas duas filhas então menores e em idade escolar (resposta ao 148.º).

119 - (…) o que lhe provocou profunda angustia e preocupação (resposta ao 149.º).

120 - O Autor regressou ao país em 1998, tendo, nos anos seguintes, enfrentado múltiplas audiências de instrução e julgamentos (resposta ao 151º da BI).

121 - 153. Foram instauradas acções judiciais contra o Autor em virtude dos avales e das fianças pelo mesmo prestadas (resposta ao 153.º da BI).

122 - Mercê dos factos supra descritos em 116º a 149º e 151º, o A. viu afetado o seu estado de saúde, o bom-nome, honra e reputação pessoal e profissional (resposta ao 154º da BI).

123 - (…) e sua credibilidade bancária e empresarial (resposta ao 155.º da BI).

124 - Relativamente aos acordos de fls. 81 e ss., foi entregue ao A. a quantia de 50.000 contos (resposta ao 156º da BI).

125 - Nos termos desses acordos, assistia ao A. direito a receber 20.000.000$00 (vinte milhões de escudos), à data da fixação do passivo no processo de recuperação (resposta ao 157.º da BI).

126 - (…) 30.000.000$00 (trinta milhões de escudos), à data do trânsito em julgado da sentença (resposta ao 158.º da BI)

127 - (…) 230.426.442$00, contravalor em 19/07/1997, correspondente às percentagens de 40% e 50% dos créditos sobre o B (...) de USD $2.644.900 e $412.905, respectivamente, a efectuar logo ou à medida que a (…)r recebesse estas quantias (resposta ao 159.º da BI).

128 - …………………………………………………………………………………………

129 - Mercê dos factos supra descritos em 116 a 118 e 121, o A foi declarado falido e impedido de desempenhar a função de gestor, nos termos de fls. 1167, que aqui se dão por reproduzidos (resposta ao 166.º da BI).

130 - (…) vendo-se, por isso, impedido de trabalhar no sector da comercialização (interna e externa) de materiais de construção, actividade que conhecia profundamente e há mais de vinte anos (resposta ao 167º da BI).

131 - (…) o que o deixou profundamente deprimido (resposta ao 168.º da BI).

132 - Se o A. não tivesse sido declarado falido, teria facilidade em encontrar trabalho, dada a sua experiência de gestor (resposta ao 169.º da BI).

133 - Dado que, além de liderar a (…)esde o seu inicio e durante 17 anos, tinha sido administrador de empresas de outros sectores de actividade económica e dirigente de associações empresariais (resposta ao 170.º da BI).

134 - O A. recebeu, pelo menos, uma proposta de trabalho para exercer funções de administração numa empresa, convite que supunha a participação no capital social da empresa (resposta aos 171.º e 172.º da BI).

135 - O Autor, por ter sido declarado falido, não pôde aceitar um convite para ser o principal administrador executivo de uma empresa, pertencente a um Grupo, hoje alargado e consolidado (resposta ao 174.º da BI).

136 - Essas funções tinham o início previsto para 02/01/2000, para um período mínimo inicial de 6 anos, mas que tudo faria prever se prolongassem (resposta ao 175.º da BI).

137 - Nesse trabalho o Autor iria auferir uma remuneração fixa de € 4.000 mensais, a que acresceriam, para além de outras regalias, um prémio de desempenho anual que poderia variar entre € 50.000 e € 70.000 (resposta ao 176.º da BI).

138 - O A. foi julgado falido por sentença transitada em julgado em 9.9.1999 e, por decisão de 20.10.06, transitada em 6.11.06, foram declarados cessados os efeitos relativos ao falido, decorrentes da declaração de falência, mantendo-se a privação do poder de disposição e administração dos seus bens presentes e futuros. O processo de falência terminou por decisão de 25.2.08, transitada em 13.3.08 (resposta ao 177.º da BI).

III - Do Direito

1. Uma vez que o âmbito objectivo dos recursos é delimitado pelas conclusões apresentadas pelos recorrentes (arts. 639º, nº 1, e 635º, nº 4, do NCPC), apreciaremos, apenas, as questões que ali foram enunciadas (foi proferido despacho a ordenar a sintetização e clarificação das conclusões, ao que o recorrente respondeu, a fls. 1593 e segs. Apesar disso as conclusões continuam a ser algo prolixas e não muito claras, pelo que as questões a conhecer, por nós abaixo seleccionadas, afiguram-se ser as enunciadas pelo recorrente).

Nesta conformidade, as questões a resolver são as seguintes.

- Nulidade da sentença.

- Alteração da matéria de facto.

- Responsabilidade dos RR.

2. Na sentença recorrida escreveu-se o seguinte (transcrição integral):

“O A. pretende obter a condenação dos RR. a pagarem-lhe indemnização, invocando incumprimento contratual e, ainda que veladamente, responsabilidade extra-contratual, esta por via de suposta burla, além de aludir a enriquecimento sem causa.

Refere-se o A. à aquisição da totalidade das ações correspondentes ao capital social da sociedade (…) das quais era proprietário, com o intuito (pela adquirente, ou pelos adquirentes) de, ao contrário do acordado com o vendedor, não ser intenção dos compradores (através da interposição de uma sociedade offshore como putativa compradora), ao contrário do assegurado, recuperar a empresa e proceder ao pagamento do passivo desta e, por essa via, dele não desonerar o A. que, na qualidade de administrador, havia assumido pessoalmente encargos perante credores da empresa que vendia.

O pedido do A. versa, por isso, indemnização centrada em duas vertentes distintas (além dos danos de natureza não patrimonial): o recebimento do valor relativo à venda das ações, posto que parte dele deveria ser pago apenas quando a empresa fosse recuperada (cfr. cláusula 4ª do negócio); o recebimento dos valores que correspondem a frustração de ganhos do A. que, tendo sido perseguido judicialmente pelos credores da L (…) relativamente aos quais assumira igualmente responsabilidade pessoal, viu-se “obrigado” a ausentar-se do país, sendo declarado falido, se assim impedido de angariar meios de sustento no exercício da sua atividade de administrador. Certo que o A. invoca a responsabilidade contratual dos RR., mas a verdade é que todo o seu esforço argumentativo – mesmo em sede de supostas alegações de direito – acaba por centrar o enfoque num esquema ardiloso que teria tido em vista burlá-lo.

Ora, quer seja da ótica da responsabilidade obrigacional, quer do ponto de vista da responsabilidade aquiliana, sabemos que a prática de um facto ilícito pelo lesante e a efetiva produção de um dano, entre outros requisitos, são pressupostos da obrigação de indemnizar.

Por isso, e como pedra de toque, no campo da ilicitude e da avaliação do comportamento da adquirente ou adquirentes das ações, são pertinentes as conclusões obtidas em sede de processo criminal, no acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Coimbra.

O que aí se disse e ora se relembra é o seguinte:

Se é certo que através da "D (…)" os arguidos (…) negociaram a compra das acções da "L (…)", servindo-se, para ocultar os verdadeiros interessados, da sociedade "E (…), Limited" como compradora (no que o assistente parece não ver artificio fraudulento ••• ), não há nos autos elementos que suportem a afirmação de que estes arguidos estivessem conluiados entre si e com o arguido (…)ou mesmo com este e outros para, obtido que fosse o controlo da "L (…)", a deixarem cair na praça através da venda dos seus bens em hasta pública.

As negociações feitas através da "D (…) no interesse do grupo económico do arguido (…) iniciaram-se em Março de 1995 e só a 12/7/95, quando já tudo estava acordado entre aqueles arguidos e o assistente, é que surgiu o inesperado conhecimento para aqueles negociadores que se encontrava marcada uma praça para venda dos bens da L (…)r em hasta pública, por dívidas ao Fisco.

Este conhecimento constituiu uma surpresa para os negociadores da "D (…)" e determinou até a suspensão, por iniciativa destes, da iminente assinatura do contrato negociado e a interpelação do assistente sobre esta inesperada situação, tanto mais que dos elementos que lhes fornecera constava que as dívidas ao Fisco (num total de 177 mil contos) estavam a ser pagas na base de um acordo, efectuado entre este e o assistente, em prestações de 1.100 contos por mês (…).

Após conversações entre o arguido (…) e o queixoso os propósitos de compra e venda das acções mantiveram-se de parte a parte e o contrato acabou por ser assinado sete dias depois. ou seja, no dia 19/7/95.

Da prova recolhida apenas se retira que os arguidos (…) foram, através da "(…)", intermediários nas negociações havidas e conducentes à compra das acções da "L(…)r", sendo de aceitar que a sua presença nos corpos sociais desta fosse transitória visando apenas evitar um "vazio de poder" nos seus corpos sociais face à venda que o assistente fez das suas acções (…).

Note-se que da própria resenha que o assistente faz do "plano" que imputa aos arguidos quer no requerimento para a instrução quer na resposta que dá aos recursos não se descortina com clareza a presença de todos os elementos típicos do crime de burla:

Refere o assistente que «o plano desenvolve-se então em três fases: na primeira, que decorre até 29 de Abril de 1995, o 3.º arguido projecta controlar directamente o total do capital social da L (...) e viabilizá-la ou não consoante viesse a revelar-se possível. Porém, e a par disso, faz intervir a (…), através dos 1º e 2° arguidos, e sai da cena naquela data. É que feito o negócio via (…), então se a (…)falisse, tal facto ocorreria com a empresa na titularidade de uma sociedade estrangeira, sediada off-shore e com os testas de ferro do costume.

Mas em 12 de Julho de 1995 o quadro muda: Agora já não vale a pena fazer o que quer que seja pela viabilização da L (…) e cumprir o que ia ser convencionado com o assistente - bastava procurar adquirir em praça o grosso do património imobiliário e mobiliário da empresa, livre de qualquer passivo e ao preço vil, próprio das praças públicas. Se o 3.º arguido conseguisse tal aquisição, o sucesso seria total e o negócio passaria a girar em nome da recém-criada P (…), também controlada pelo (…); se não conseguisse, os bens iriam para terceiros, a L (…) ficava inviabilizada e desaparecia como concorrente do 3º arguido e da sua (…)».

Se na própria óptica do assistente o intuito claro de não viabilizar a empresa só surge a 12.7.95 com o conhecimento da marcação da praça, só então tendo os reais interessados na sua aquisição decidido que «já não valia a pena fazer o que quer que fosse pela viabilização da (…) e cumprir o que iria ser convencionado com o assistente» e estando este já decidido à acordada venda então não foi a mudança para a nova estratégia (que reputa de criminosa) que determinou o assistente a esta. Ou seja, não foi a referida mudança para nova estratégia que determinou o denunciante a praticar os actos que lhe terão causado os alegados prejuízos patrimoniais.

Como acima se disse sobre o enunciado do crime em apreço, não se mostra suficiente para que ocorra o crime de burla a simples verificação dum estado de erro do sujeito passivo. Requer-se. ainda, que nesse engano resida a causa da prática pelo burlado dos actos de que decorre o (seu) prejuízo patrimonial. Mas na própria óptica do assistente ele já estava determinado à venda das acções nos termos efectuados mesmo antes da mudança da estratégia dos seus interlocutores. a saber, mesmo antes de estes se decidirem pela "liquidação" da (…)-, o que só por si parece afastar a possibilidade da presença do crime de burla. Como refere no seu parecer o Ex.mo Procurador- Geral Adjunto " não se descortina onde esteja o artifício fraudulento utilizado pelos arguidos e que teria determinado o assistente a vender-lhes as acções da (…), tendo em conta que o crime de burla se consuma quando a coisa (as acções) sai da esfera patrimonial do defraudado e entra no circulo das disponibilidades do agente da infracção (…).

Nem se compreende, por total falta de elementos nesse sentido constantes dos autos, como é que os arguidos (….), meros intermediários nas negociações. intervêm em tal plano de "liquidação" ou a ele aderem e determinam com base nele o assistente à celebração do negócio, quando é certo que o assistente já estava em momento anterior a 12/7/95 determinado à celebração do mesmo.

Particularmente quanto ao arguido (….), sendo certo que a construção da pronúncia constitui quanto a ele uma actuação possível da sua parte, a mesma não tem na prova recolhida uma resposta calara nesse sentido. Ou seja, não é transparente que na fase negocial que conduziu à venda das acções da “L(…)” tenha estado sempre presente na mente deste arguido o propósito de não cumprir o negociado, incumprimento que, de resto, o assistente não acautelou devidamente no contrato, v.g., através de cláusulas referentes à não veiculação da venda dos bens da “(…)” na praça marcada para o dia 4.9.95, e outras de natureza penal relativas a eventual incumprimento. O assistente centra a actividade criminosa dos arguidos numa pré-disposição em não cumprirem com o contrato, nomeadamente em não darem cumprimento à obrigação de "desenvolver a gestão da (…) com a máxima diligência a fim de ser garantido o relançamento da empresa. .. "(cláusula 9ª), e deste modo poder também obter-se a recuperação quer dos cheques pré-datados ou sem cobertura. por si assinados, quer das garantias pessoais que dera ao pagamento de algumas das dívidas da sociedade através da prestação de avales em letras e livranças (cláusula 8ª).

O arguido nega-o, afirmando que tinha como objectivo recuperar a empresa (…). E no processo há depoimentos que, embora não sendo concludentes para o apuramento das reais intenções do arguido, vão no sentido por si asseverado (…).

No mesmo sentido, embora lido com bastantes reservas', o "fax" de fls161/163.

E mesmo aqueles depoimentos que se podem invocar em contrário não são suficientemente explícitos , limitando-se a meras insinuações (…).

E se é certo que este arguido, tal como os outros, sabia do pedido de falência apresentado a 28.4.95 pela "(…) com base no seu crédito de 400 mil contos (na cláusula 41 do contrato é referida uma "falência em curso" e pressupõe-se a sua conversão em "processo de recuperação"; e na carta de 28.6.95, com cópia a fls. 801, endereçada pelo arguido (…)ao queixoso refere aquele ter-se confirmado "o pedido de falência proposto pela (…)"), novo processo de falência foi apresentado a 14/7/95 pela "(…), S.A." com base num crédito de 92 mil contos', pedido este que não seria conhecido; sendo de admitir a possibilidade de também não ser conhecido o requerimento apresentado no mesmo dia (14.7.95) pela "(….)" naquela falência e onde pedia que se desse por finda a suspensão da respectiva instância (por si pedida a 25.5.95) "por já não ver em tal suspensão qualquer utilidade”.

Assim, sem que se aceite sem reservas o depoimento (…)", é de admitir como possível que este advogado, consultor jurídico do arguido, por alguma ou algumas razões tidas por ponderosas, tenha, então, ou seja, em data posterior a 19.7.95, demovido o arguido do processo de recuperação e o tenha aconselhado a não pagar a dívida à Fazenda Nacional, deixando ir á praça os bens da (…)”.

Concluindo, dir-se-á que embora sendo uma actuação possível, não é claro que ao negociar a aquisição da “(…)r” através da “D (…)” fosse propósito firmado deste arguido não vir a cumprir com o negócio em nome da “E (…)”.

Especificando agora, vejamos os factos relevantes sob a perspetiva do invocado ilícito.

Não há dúvida que a empresa de direito estrangeiro, aqui primeira Ré, empresa que formalmente adquiriu as ações ao A. foi instrumentalizada ao interesse do R. (…), e das Rés (…) (também poderia envolver-se aqui a P (…)r, mas a intervenção desta surge, de facto, para perpetuar uma situação de cessão de exploração que foi criada pelo próprio A. quando ainda era administrador da L (…)).

Do cômputo dos factos – mormente dos descritos supra em 26 a 30, 32 a 35, 74 a 78 e 83 a 86) – resulta clara a intervenção da empresa estrangeira como veículo ao serviço dos interesses comerciais de outrem.

Com efeito, o R. (…)e, por sua via, as Rés (…), ambas dominadas por aquele R. (que foi quem contratou e pagou à intermediária do negócio, a Ré (…)), encetaram negociações com o A. com vista à aquisição das ações em apreço.

O A. não alega, nem foi apurado, que a estes RR. o A. não estivesse - fosse por que motivo fosse - interessado em vender as ações.

O certo é que, no decurso das negociações, o R. (…) entendeu dever fazer intervir como intermediário da negociação a Ré (…) que agiu primacialmente pelo seu representante (…)azendo agora a negociação para uma empresa de direito estrangeira que, como se vê da factualidade provada, converge em si os interesses comerciais do R. (…) e das suas sociedades que representa.

Nada neste procedimento indicia um conluio entre todos os intervenientes para burlar o A. ou incumprir o que quer que fosse do que com o mesmo foi negociado.

O recurso a empresas ditas off-shore ou sociedades veículo por meio das quais se atuam interesses de terceiros não interessados em surgir como parte nos negócios não é, em si, procedimento ilícito e, diga-se, surge até como habitual no domínio empresarial. De resto, como se disse e deixou frisado no acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, o A. encetou as negociações com o R. (…) que, com um sócio, chegou a visitar as instalações (…), nada se apurando, nem sendo alegado, quanto a obstáculos, por banda do A., à conclusão do negócio com tal R. ou com alguma das empresas suas representadas.

Porém, o que sucedeu in casu, não obstante ter sido informado durante as negociações que o património da (…) se encontrava totalmente onerado e que existiam processos pendentes (mormente pedido de falência apresentado por um credor), é que o primeiro facto do qual – na ótica do A. – resultará o desencadear de todo o iter ilegítimo por parte dos adquirentes (centralizados na pessoa do R. (…), que foi quem, na verdade, contratou a Ré (…) para intermediar no negócio de compra das ações), isto é, a marcação da praça no âmbito de uma execução fiscal que pendia contra a (…), não é da responsabilidade dos RR. nem foi pelos mesmos ocasionado.

Com efeito, não obstante saber-se, ab initio, que o património da (…) se encontrava totalmente onerado e que existiam execuções pendentes, a verdade é que, quanto às Finanças, o que resulta da relação do passivo apresentado pelo A. é que o valor total devido ao Fisco estaria sendo pago mensalmente, o que se revelou não ser verdade, pois se o fosse não sobreviria a praça de 5.9.95.

Recorde-se que o passivo fiscal era avultado e que, de acordo com os negócios celebrados entre a (…) e a (…)r e, depois, com a (…) - negócio este por via do qual todo o ativo da primeira passou a ser explorado pelas segundas, contra o pagamento de um determinado valor - a dívida fiscal estaria sendo saldada em prestações, pois a esse desiderato, segundo o negócio de cessão de exploração, era votado o valor recebido como contrapartida da cessão que o A., então administrador da (…), resolveu efetuar logo em 1994, pelo prazo de cinco anos (fls. 56 e ss.).

Por outra parte, antes de concretizada a venda das ações, a compradora ou os compradores, sempre representados pela (…), manifestaram ao A. surpresa por, afinal, o passivo, incluindo o fiscal, ser superior ao indicado inicialmente (cfr. ponto 54), expondo mesmo a sua intenção de suspender as negociações face ao anúncio da praça (ponto 59). Foi o próprio R. (…) quem alertou o A. para o facto de ter sido marcada a praça (o que se não compreende, acaso a mesma tivesse sido “forjada” com o intuito de burlar o autor, mediante a criação deste expediente de frustração do fim negocial). Inexplicavelmente, perante tal informação (que o A. deveria conhecer porque era ainda administrador da (…)r) a situação em apreço não foi acautelada pelo A. que não pagou uma dívida (a executiva) de valor que considera ser irrisório face aos interesses em causa, quando antes fez crer estar o valor integral sendo pago com a contrapartida da cessão de exploração, nem impondo à adquirente das ações a salvaguarda da situação em apreço.

Sendo o valor da dívida exequenda aí em causa – ainda na perspetiva do A. – irrisório para os interesses em apreço, nada o impedia, desde 12.7.2005 até Setembro, de proceder ao pagamento em apreço e, antes de alienar as ações, salvaguardar essa situação ou mesmo a ela fazer menção expressa no negócio, impondo à adquirente a obrigação expressa de proceder à sustação da praça eminente e estipulando cláusulas penais em caso de incumprimento.

Por outra parte, a situação passiva da (…)e do autor que, recorde-se, formula pedido com base em valores que resultam da assunção de dívidas da (…) num período muito anterior à intervenção dos RR., são factos estranhos aos demandados, quer estes se considerem, quer não, vinculados pelo negócio (não a (…) e os RR. que a representam, porque estes, seguramente, não se assumem como partes interessadas no negócio de venda das ações).

Ainda que se tenha por verificada a interposição fictícia de pessoas no que toca ao uso da empresa - veículo do R. (…) e demais sociedades que representa -, a verdade é que se impõe considerar que nem o contrato fixa para a adquirente qualquer obrigação de pagamento do passivo, nem, ainda que assim se considerasse, se tem por verificado um facto essencial: a recuperabilidade financeira da (….), facto que o A. retira de um conjunto de argumentos que, em si, em nada infirmam a conclusão de que, aquando da venda das ações, a (….) ser já uma empresa falida.

Veja-se o passivo substancial da empresa que era, de acordo com fls. 77, de quase 4 milhões de contos em abril de 95, sendo da responsabilidade do A., 124.450 contos (fls. 78), e o facto de, mesmo antes da venda das ações, um dos credores da empresa ter requerido a falência desta, dizendo irrecuperável e exatamente mencionando o esquema da cessão de exploração como um meio de evitar que o património da (…) respondesse pelas suas dívidas (cfr. ponto 49).

Perante este acervo factual, o que está em causa é, pois verificar se constitui evento ilícito o não pagamento pelos RR. (sem preocupação, por ora, de distinguir a diferente participação de cada um, o que, como veremos, se imporá adiante) do valor executivo que impediria a venda em hasta pública em setembro de 1995 e se, sendo-o, lhes cabe indemnizar o A. pelos danos que este invoca.

Dito de outro modo: caso tivesse a adquirente (ou adquirentes) das ações efetuado o pagamento da quantia exequenda e sustado a praça de 4.9.95, a (…) teria sido recuperada e, com isso, libertado o A. de todos os encargos pessoais que assumira anteriormente quando, sobre si, recaía já a obrigação de proceder de forma criteriosa e diligente na gestão da empresa, dever em que manifestamente claudicou?

Em primeira análise, verifica-se que a referência contratual às obrigações a cargo da compradora (que, como vimos, se repercutem na esfera do R. (…) e empresas a que está ligado, posto que, substancialmente, são estes os verdadeiros adquirentes das ações) surge de forma genérica e imprecisa (cfr. cláusulas 8.ª e 9.º), não resultando dali a assunção do passivo da (…) ou a desoneração do A. relativamente às obrigações por si assumidas.

É visível que o ali se consignou foi a obrigação da compradora instruir a administração da (….)a “desenvolver a gestão” desta “com a máxima diligência a fim de garantir o relançamento da empresa e a satisfação dos interesses dos credores (…)” - cláusula 9ª 1.

Acrescentou-se que a compradora se comprometeria a instruir a administração da (…) “do interesse de, na medida do possível, ir substituindo e libertando os avales dados” pelo A. (cláusula 8ª 2.).

Ora, a obrigação de diligência numa gestão criteriosa resulta, prima facie, dos princípios gerais de direito e não tem sequer de estar prevista contratualmente. Mas o mais importante é que essa obrigação de boa gestão – em ordem a impedir a falência da empresa – impendia já sobre o A., administrador da (…), e o certo é que o mesmo - como se vê do facto de, ainda antes da venda das ações ter sido pedida a falência da empresa – já tinha capitulado no seu cumprimento. Perante a sua atuação, como putativo lesado negocial, a atuação posterior da adquirente é contratualmente ilícita? Não teria cabido ao A. proceder, ele mesmo, ao pagamento de quantia que considera ser despicienda considerando os valores globais em apreço? Por que não ficou devidamente esclarecida a situação da praça e mesmo prevista a sua salvaguarda no acordo negocial efetuado já depois do conhecimento da mesma?

É que, recorde-se, a praça não era da responsabilidade dos compradores, mas o pagamento do seu valor já o seria se tal condição tivesse sido acordada ou, ainda, se daí resultasse requisito suficiente para cumprir o negócio integralmente, incluindo a recuperação financeira da empresa.

Mesmo a ser ilícita, por parte dos compradores, a omissão do pagamento dos cerca de 9.000 contos envolvidos na praça fiscal – situação que não foi pelos mesmos criada - seria essa atuação suficiente para evitar o dano posterior de que o A. se queixa, dano esse resultando, em última análise, de uma situação de falência criada quando o mesmo era ainda administrador da empresa?

Numa palavra: a (…) estava em condições de ser recuperada financeiramente e, com isso, libertado o A. das responsabilidades pessoais por si assumidas perante os credores daquela?

A prova deste facto essencial não foi efetuada nos autos.

Certo que a empresa dispunha de um conjunto considerável de bens, mormente os barreiros adjacentes (vejam-se os factos descritos em 6 a 9) e certo que hipoteticamente poderia vir a receber uns créditos mal parados que tinha em Angola (desconhece-se se tal sucedeu, embora se nos afigure muito remota essa possibilidade – cfr. 12 a 14), mas tudo isto já existia antes da venda das ações e não impediu que, desde 1992, a empresa apresentasse, como apresentou, um resultado líquido negativo (ponto 15).

Por outra parte, não pode concluir-se do facto de os Bancos serem complacentes com as empresas que se mostram financeiramente estranguladas, como terá sucedido aqui com o C (...) e com a U (...) (cfr. pontos 20 a 22), estarem as mesmas empresas em situação de recuperabilidade. Se assim fosse, mal se compreenderia que se graduassem créditos bancários astronómicos, muitas vezes incobráveis, em processos de insolvência de empresas como sucede frequentemente. As decisões comerciais bancárias têm a ver com inúmeras vicissitudes que não se prendem, necessariamente, com a solvabilidade das empresas que, em certo momento, beneficiam do seu beneplácito. Também é inócuo o que se deu por demonstrado em 16. O que aí ficou consignado é evidente: se uma empresa tem passivo e ativo onerado, será recuperável se o passivo for pago. Mas o certo é que o pagamento do passivo e a recuperabilidade da empresa, quando está em causa um endividamento de anos, ascendo a valores muito significativos, é tarefa que vai muito além do pagamento de 9.000 contos de uma praça eminente. E, porque o é, surge como incompreensível que se veja na omissão dos compradores toda a fonte dos males de que o A. veio a ser alvo, quando é certo que a situação foi por si criada e evitar a praça era algo que esteve sempre ao seu alcance.

Também a atuação posterior do A., perante a pressão dos credores – a fuga para o estrangeiro e o não exercício das funções de administrador (pelo menos até à sua declaração de falência) durante o tempo em que se encontrou ausente do país – é fruto de uma opção sua que não resulta, propriamente, da falência da (…)e de qualquer atuação dos RR.

Ou seja, e dito de outro modo, uma vez que o dano do A. resultou, direta ou indiretamente, das dívidas que assumiu pessoalmente, por via de avales ou da subscrição de cheques perante os credores da (…) qualquer direito a receber indemnização dos RR. adquirentes (e ultrapassando a interposição fictícia de pessoa que resulta da utilização da sociedade veículo), dependeria da prova do chamado dano da perda de chance. E, é nesta sede jurídica, que se joga todo o interesse da ação.

Os pressupostos da obrigação de indemnizar, quer no domínio contratual, quer no campo extra-contratual, reconduzem-se a:

- a violação ilícita de um direito ou interesse alheio;

- o nexo de imputação do facto ao agente;

- o dano;

- o nexo de causalidade entre o facto e o dano.

O termo dano tem um duplo significado: o primeiro, relativo ao interesse jurídico (dano injusto); o segundo, funda-se nas consequências que se devem reparar (prejuízo). Quando se fala do dano em relação com a obrigação de indemnização, a expressão assume o significado de prejuízo valorizável em termos económicos, e abrange tanto o dano emergente, como o lucro cessante, como os danos morais.

Dispõe o art. 562.º do Código Civil que “Quem estiver obrigado a reparar um dano deve reconstituir a situação que existiria, se não se tivesse verificado o evento que obriga à reparação”.

Por sua vez, nos termos do art. 563.º do mesmo Código, “A obrigação de indemnização só existe em relação aos danos que o lesado provavelmente não teria sofrido se não fosse a lesão”.

De harmonia com o art. 564.º: “1. O dever de indemnizar compreende não só o prejuízo causado, como os benefícios que o lesado deixou de obter em consequência da lesão. 2. Na fixação da indemnização pode o Tribunal atender aos danos futuros, desde que sejam previsíveis; se não forem determináveis, a fixação da indemnização correspondente será remetida para decisão ulterior”.

Ora, para que um dano seja reparável, tanto nos quadros do art. 483.º, como nos termos dos artºs 563.º e 798.º, todos do CC, é mister que exista ligação entre o facto e o dano.

Conforme refere Almeida Costa, “não há que ressarcir todos e quaisquer danos que sobrevenham ao facto ilícito, mas tão-só, os que ele tenha na realidade ocasionado, os que possam considerar-se pelo mesmo produzido (art. 563.º) – Direito das Obrigações, 6ª Ed., p. 507.

Este juízo de estabelecimento da relação entre o facto ilícito e o dano é, segundo Rute Teixeira Pedro (A responsabilidade civil do médico – Reflexões sobre a noção de perda de chance e a tutela do doente lesado, p. 148 e ss.), observável numa dupla vertente:

- num primeiro momento deve averiguar-se se o acto do agente foi, em concreto, uma condição sine qua non da produção do dano. Deve reconstruir-se o encadeamento de acontecimentos que precederam a ocorrência do dano e retirar desse iter factual o acto desvalioso praticado pelo agente. Se se concluir que, em tal caso, o lesado não teria sofrido o dano em apreço, então o acto constitui uma condição da sua verificação. É a regra chamada no Direito norte-americano de but for test, segundo a qual há causalidade quando se puder responder afirmativamente à seguinte pergunta: o dano verificar-se-ia caso a conduta do demandado faltasse? (would the plaintiff’s harm have occurred «but for» the defendant’s conduct?). O juízo de causalidade física é, assim, um exame hipotético e retrospetivo realizado após o facto, encaminhado para a verificação da condicionalidade necessária do facto ilícito na produção do dano. No caso das causalidades por omissão, a operação de determinar se se verifica ou não o nexo causal impõe que se configure o desenrolar dos acontecimentos que teria tido lugar caso não tivesse faltado a acção positiva omitida;

- não bastando uma ligação meramente natural entre os factos para que se considere um deles como a causa jurídica da verificação de um outro, é necessário corrigir as conclusões extraídas no primeiro momento acima aludido, adequando-as a critérios jurídicos.

A questão que neste momento se coloca é a de saber se, do ponto de vista jurídico, o acto do agente deve ser considerado causa do dano. Aqui, entram em jogo as doutrinas que visam restringir a aplicação da doutrina da conditio sine qua non, de onde se destacam a doutrina da causalidade adequada e a doutrina do fim tutelado pelo contrato ou pela norma legal infringida.

O problema da perda de oportunidade diz respeito, não à teoria da causalidade jurídica ou de imputação objectiva, mas à teoria da causalidade física.

Uma hipótese de perda de oportunidade pode colocar-se quando não se logra a prova de que um determinado facto foi causa física de um determinado dano. Esta apreciação é de ordem fáctica e chega-se a ela aplicando as regras e standards probatórios que impõem o Direito processual e o Direito de responsabilidade civil. A questão da presença ou ausência de causalidade transfere-se, assim, para a teoria geral do conhecimento judicial ou da valoração da prova.

Segundo tal perspectiva, uma hipótese de oportunidade perdida coloca-se apenas quando o julgador, depois de aplicar as regras e critérios positivos que orientam e limitam a sua capacidade de valoração, não encontra um grau suficiente de probabilidade para optar pela hipótese segundo a qual o agente causou o dano. A questão que, de imediato, se coloca é, então, a de determinar qual é esse grau suficiente de probabilidade e quais são as regras ou critérios a que se deve recorrer para o calcular, pois de tais respostas depende a consideração de que se está perante hipóteses de causalidade demonstrada ou perante hipóteses de causalidade não demonstrada – sendo estas últimas as que concernem à perda de chance e à doutrina da sua reparação.

A perda de chance coloca-se, primacialmente, nas chamadas obrigações de meios, quando o devedor, ao invés de garantir um resultado (in casu, a recuperação da empresa) está obrigado a envidar os esforços necessários para evitar o dano, sendo palco judiciário, as mais das vezes, nos casos de responsabilidade médica ou de responsabilidade por prestação de serviços jurídicos.

Quanto a estes últimos, pode ver-se, por ex., - Ac. STJ, de 14.3.2013, Proc. 78/09.1TVLSB.L1.S1, onde se escreve:

“Quanto ao pressuposto do nexo da causalidade, no âmbito da responsabilidade civil (contratual ou extracontratual), a lei portuguesa consagra a teoria da causalidade adequada, no artigo 563º do Código Civil. Significa isto que, para além de fáctica ou naturalisticamente se ter de apurar se uma determinada actuação (acção ou omissão) provocou o dano (…), cumpre ainda averiguar, tendo em conta as regras da experiência, se era ou não provável que da acção ou omissão (da não realização objectiva da prestação devida) resultasse o prejuízo sofrido, ou seja, se aquela não realização é causa adequada do prejuízo verificado. É necessário que, em concreto, a acção (ou omissão) tenha sido condição do dano; e que, em abstracto, dele seja causa adequada (…). Esta opção legal tem sido apontada como uma dificuldade à ressarcibilidade de danos relativamente aos quais se não consegue afirmar com suficiente segurança que não se teriam verificado se o incumprimento não tivesse ocorrido, como é manifestamente o caso presente (“O problema da perda ou diminuição de chances é caracterizado decisivamente pela interferência da incerteza relacionada com o futuro na questão da determinação da responsabilidade”, escreve Paulo Mota Pinto, Interesse Contratual Negativo e Interesse Contratual Positivo, vol.II, Coimbra, 2008, pág. 1103, nota 3013).

Já no Ac. RC, de 15.10.2013 (Proc. 166/10.1TBGRD.C1), lê-se:

“O facto de não se poder estabelecer um nexo de causalidade adequada entre a omissão ilícita e culposa do mandatário e os prejuízos que resultaram para os seus clientes da condenação constante da decisão transitada em julgado, não pode conduzir, necessariamente, à irresponsabilização do profissional que violou, nas circunstâncias apontadas, os seus deveres para com o cliente, sob pena de tal implicar, que muitas infracções contratuais permanecessem sem qualquer censura. A esta insuficiência tem os tribunais dado resposta através da tutela do dano apelidado de «perda de chance» ou de oportunidade, que ocorre quando uma situação omissiva faz perder a alguém a “chance” de alcançar uma vantagem ou de evitar um prejuízo. Apesar de se constatar alguma incerteza na doutrina e na jurisprudência quanto aos requisitos da responsabilidade civil por “perda de chance”, é inegável que é necessária a demonstração da perda de uma alea, sendo o valor desta um elemento importante na determinação da indemnização a arbitrar, a qual terá sempre que socorrer-se de juízos de equidade, atenta a natureza do dano a indemnizar. Em casos como o presente essa alea corresponde à probabilidade que os mandantes teriam de ver alterada a decisão que lhes foi desfavorável com a interposição de recurso para o tribunal superior. Tal probabilidade é um dado de facto que cumpre apurar segundo as regras processuais de fixação da matéria de facto e não uma questão de aplicação do direito aos factos apurados, não podendo a sua verificação ocorrer na sentença, na fase de aplicação do direito aos factos.

As incertezas jurisprudências devem ser iluminadas, parece-nos, com recurso ao apoio doutrinário e até de direito comparado.

Do ponto de vista doutrinário, a teoria da perda de chance tem sido igualmente debatida.

Assim, Luis Medina Alcoz (Hacia una Nueva Teoría General de la Causalidad en la Responsabilidad Civil Contractual (y Extracontractual): La Doctrina de la Pérdida de Oportunidades, Revista da Asociación Española de Abogados Especializados en Responsabilidad Civil y Seguro, n.º 30, Segundo Trimestre, 2009, pags. 32 e seguintes (disponível na internet em http://www.asociacionabogadosrcs.org//doctrina/Luis%20Medina.pdf?phpMyAdmin=9eb1fd7

fe71cf931d588191bc9123527) refere que, depois de ter sido criada nos sistemas jurídicos francês e inglês em casos de incumprimento contratual, a teoria da perda de oportunidade circulou:

- horizontalmente, penetrando outros ordenamentos nacionais, como o dos Estados Unidos, Canadá, Austrália, Holanda, Itália e Argentina;

- verticalmente, alcançando organizações europeias e internacionais de diversa natureza (nomeadamente Conselho e Tribunal de Justiça das Comunidades Europeias; Tribunal Europeu dos Direitos Humanos; e Instituto Internacional para a Unificação do Direito Privado – UNIDROIT) que, depois de a identificar através do método comparado, a recolheram e aplicaram em alguns dos seus instrumentos.

Foi esse o caso da Diretiva 92/13/CE que, no seu art. 2.7 dispõe o seguinte: “Quando uma pessoa introduza um pedido de indemnização por perdas e danos relativo aos custos incorridos com a preparação de uma proposta ou a participação num procedimento de celebração de um contrato, apenas terá de provar que houve violação do direito comunitário em matéria de celebração dos contratos ou das normas nacionais de transposição desse direito e que teria tido uma possibilidade real de lhe ser atribuído o contrato que foi prejudicada por essa violação”.

A doutrina da perda de chance também pode ser encontrada, por exemplo na decisão do caso Farrugia pelo Tribunal de Justiça das Comunidades Europeias (de 21.3.96, http://curia.europa.eu/juris/showPdf.jsf;jsessionid=9ea7d2dc30db1debcede0705422385c0d4755fca0ddf.e34KaxiLc3qMb40Rch0SaxuKaNr0?text&docid=103584&pageIndex=0&doclang=FR&mode=req&dir&occ=first&part=1&cid=838236), que aprecia uma situação em que é pedida uma indemnização por perda da possibilidade de obter uma bolsa de investigação, decorrente de um acto da Comissão. Apesar de negar a indemnização ao demandante, a Cour não rejeita a teoria em apreço, antes discute os seus pressupostos: “In the present case, concerning non-material damage flowing from the applicant's loss of his chance to pursue his studies and research in the United Kingdom the requirement that such damage be actual presupposes that the applicant must establish at least that his application satisfied the substantive conditions for being accepted, so that it was only the Commission' s unlawful refusal, in so far as it was based on erroneous grounds regarding his nationality, which deprived him of the chance of having his application taken into consideration for award of the fellowship requested”.

Também o art. 163.º, n.º 1, al. b) da Parte Geral do Código Europeu dos Contratos estabelece que o dano patrimonial ressarcível compreende nomeadamente o lucro cessante, do qual faz parte a perda de oportunidade de ganho que possa considerar-se – com certeza razoável – causada e que deve avaliar-se em função do momento do incumprimento ou da mora.

Já no art. 3.106 dos Princípios de Direito Europeu da Responsabilidade Civil se consagra o seguinte: “Causas incertas no âmbito da esfera do lesado: O lesado deverá suportar o prejuízo na medida correspondente à probabilidade de este ter sido causado por uma actividade, ocorrência ou qualquer outra circunstância que se situe no âmbito da sua própria esfera, incluindo eventos naturais” (em http://www.google.pt/url?sa=t&rct=j&q=&esrc=s&frm=1&source=web&cd=1&ved=0CCoQFjAA&url=http%3A%2F%2Fcivil.udg.edu%2Fphp%2Fbiblioteca%2Fitems%2F295%2FPETLPortuguese.doc&ei=6zoGU_HFPIHxhQfx-CwDA&usg=AFQjCNFqT6YnIs3Ho-JbYBzmMPpaRAa4mA&bvm=bv.61725948,d.bGQ).

Álvaro Dias, por sua vez, sustenta que a perda de chance é um dano tão digno de indemnização como qualquer outro, desde que se consiga fazer prova de todos os requisitos ou pressupostos da obrigação de indemnizar, mormente a certeza do dano e o nexo de causalidade adequada entre o facto e o dano. “Se configurarmos a perda de chance como uma lesão do direito à integridade ou incolumidade do património do respectivo titular, facilmente nos damos conta que a mesma se nos depara como um dano certo (salvo quanto ao seu montante) onde acaba por emergir a perda de uma possibilidade actual, e não de um resultado futuro. A possibilidade perdida configura-se assim como um bem patrimonial, uma entidade económica e juridicamente avaliável, cuja perda produz um dano actual e ressarcível” (Dano Corporal – Quadro Epistemológico e Aspectos Ressarcitórios, Almedina, 2004, fls. 250-255.)

Júlio Gomes (Em Torno do Dano da Perda de Chance – Algumas Reflexões, em Studia Iuridica, 91, Ars Iudicandi, Estudos em Homenagem ao Prof. Doutor António Castanheira Neves, Volume II: Direito Privado, Coimbra Editora, 2008) apresenta uma visão ainda crítica no que a esta teoria respeita.

Considera que a operação de “antecipação” do dano é algo artificial. Por outro lado, sendo certo que o reconhecimento do dano de perda de chance se insere numa “tendência para a ampliação gradual do dano ressarcível”, porém “coloca um sem número de problemas, quer ao nível conceptual, quer ao nível prático. Em primeiro lugar, não é claro se o dano de perda de chance deve ser concebido como uma modalidade de dano emergente ou de lucro cessante.

Em segundo lugar, mesmo para quem o considera autónomo na sua existência, o prejuízo da perda de chance não é completamente autónomo na sua avaliação, e isto porque o prejuízo da perda de chance se insere num processo dinâmico que iria, eventualmente, desembocar num outro prejuízo definitivo. Mas o problema conceptual mais grave consiste em saber até que ponto é que, por detrás desta fachada unitária, a chamada “perda de chance” não encobre, no fundo, questões distintas que se situam em dois planos, que importa separar, ainda que interfiram entre si: o plano do dano e o plano da causalidade. Ao nível prático, todos os sistemas que admitem o dano da perda de chance têm que colocar exigências quanto ao tipo de chance que estão dispostos a tutelar: como se verá, terá de tratar-se de uma chance séria ou de uma expectativa que não poderá ser meramente fáctica”.

Paulo Mota Pinto, a este respeito, refere que soluções que passem, por exemplo, pela inversão do ónus da prova, deparam-se com objeções baseadas nos princípios da igualdade e da proporcionalidade e na ideia de justiça individualizadora. “Com efeito, todas elas, por mais que facilitem a prova da causalidade, são obrigadas a admitir a existência de um “ponto de viragem” (“tipping point”) a partir de um limiar relevante, a partir do qual um pequeno acréscimo (ou diminuição) terá um efeito desproporcionadamente favorável (ou desfavorável). Têm, por isso, sido propostas soluções do tipo proporcional ou “gradualista”, desde logo, graduando o requisito da causalidade (a ideia de uma mera “causalidade possível”, com a correspondente responsabilidade proporcional, para que se inclina a doutrina austríaca e algumas propostas na doutrina holandesa e alemã, se necessário a partir de uma generalização do regime da incerteza em casos de “causalidade alternativa incerta” (…), mas reduzindo a indemnização proporcionalmente à probabilidade (…). Outra abordagem do tipo “gradualista”, mas que se apresenta sob o perfil do “bem” atingido, é justamente a da autonomização da protecção da chance como ressarcível. Segundo esta, em casos de causalidade probabilística (…) pode dizer-se que o evento lesivo privou o lesado de determinadas oportunidades (…), as quais devem ser ressarcidas. Para tanto, dever-se-ia condenar o lesante pelo prejuízo que se verificou, ou vai verificar, mas reduzindo o montante da indemnização na razão da probabilidade de que o dano se tivesse igualmente produzido se o lesante não tivesse destruído a chance ou a oportunidade”.

Porém, para este Autor, as teorias “gradualistas”, tendo a aparente vantagem de evitar uma passagem brusca da ausência do dever de indemnizar à responsabilidade total, porém pagam-na com a dispensa da própria consumação da lesão do bem, a indução de um excesso de responsabilização e insegurança e, sobretudo, com o efeito de transformar o lesante em garante da probabilidade de sucesso de cada titular da chance quando esta, por definição, não oferecia nada garantido. O problema fundamental reside em saber se o âmbito da protecção garantida pela norma violada ou pelo bem afectado inclui igualmente a mera elevação do risco de lesão, ou seja, se inclui a diminuição de chances de evitar o prejuízo.

Conclui que esta solução, a aceitar-se, só de jure condendo, e sempre exigindo um limiar mínimo de relevância da chance. Porém, entende que por ora não parece que exista base jurídico-positiva para sustentar a indemnização pela perda de chance (Interesse Contratual Negativo e Interesse Contratual Positivo, Volume II, Coimbra Editora,2008, p. 1103 e ss.). De regresso à situação dos autos, verificamos que a situação de falência da L (...) era já perspetivada aquando da venda das ações e, se é certo que, com a praça de setembro de 95, se cortou cerce a possibilidade de a recuperar, também é verdade não estar demonstrada – muito longe disso – a probabilidade séria ou sequer longínqua – de vir a ser sucedida uma gestão que, no final, libertasse o A. de todas as responsabilidades por si assumidas, impedindo, a final, a não declaração de falência do próprio, facto este que é, ao fim e ao cabo, a causa do pedido que formula de indemnização por lucros cessantes e danos não patrimoniais, sem esquecer que, em grande parte, sustentam o pedido nesta vertente, circunstâncias criadas por uma opção do A. que em nada tem a ver com os RR., a que respeita à sua fuga para o estrangeiro.

Ademais, a base da parte substancial do pedido radica na impossibilidade de o A., mercê da sua declaração de falência (que só ocorreu em 1999), ter ficado impedido de angariar meios de subsistência como administrador.

Ora, nos termos do art. 148.º, n.º2, do então CPEREF, ainda que a declaração de falência implicasse a inibição para o exercício do comércio, aí se incluindo a possibilidade de ocupar o cargo de titular de órgão de sociedade, a verdade é que, tratando-se de pessoa singular, o falido poderia exercer essas atividades se o requeresse e desde que tal autorização se justificasse pela necessidade de angariar os meios indispensáveis de subsistência e não prejudicasse a boa liquidação da massa.

De resto, nos termos do art. 218.º, n.º 1, do mesmo diploma, a cessação dos efeitos legais poderia ser levantada a pedido do interessado, sobretudo quando este alega ora, como poderia ter esgrimido então, que a falência não resultou de falta de diligência da sua parte, mas de culpa dos RR. Quer isto dizer que, mesmo a admitir-se a indemnização por dano da perda da chance de recuperação financeira da L (...) , a verdade é que tal recuperação não é uma possibilidade real que esteja assim retratada nos autos, nem sequer a grande maioria dos danos invocados resulta da falência da L (...) .

Assim, quer por via da responsabilidade contratual, quer por via da responsabilidade extra-contratual, é insubsistente a pretensão do A.

Também o é se considerarmos a alegação subsidiária de enriquecimento sem causa, não só porque tal via é subsidiária, mas também porque não está demonstrado que os RR. se tenham enriquecido à custa do A. Quando muito, terão beneficiado do património desonerado da L (...) , que adquiriram em hasta pública, como o fizeram outras pessoas que ali estiveram presentes e licitaram, mas isso não faz reunir os pressupostos do art. 473.º CC. Ou seja, o pedido de pagamento de indemnização que radica na atribuição do valor restante do preço das ações emerge de facto distinto do enriquecimento eventualmente obtido com a aquisição do património da (…) em hasta pública, por valores inferiores ao seu valor real. Uma coisa é o património do A. e outra o da (…) e não pode afirmar-se que, da venda em hasta pública do património desta última, o do primeiro tenha ficado empobrecido. De resto, o pedido que é feito, quanto a lucros cessantes, tem como causa situação distinta do invocado enriquecimento, porquanto se filia em factos anteriores ao mesmo, a saber as dívidas assumidas pelo A., e em factos posteriores, a reação que escolheu assumir perante os mesmos credores (a ausência para o estrangeiro) e perante a sua própria declaração de falência (não requerendo autorização para angariar os meios indispensáveis de subsistência).

Já quanto á Ré (…), a mesma atuou como intermediária do negócio e não está demonstrado qualquer ilícito da sua parte, uma vez que lhe não cabia a si, nem a algum dos seus representantes, zelar pelo cumprimento do negócio de aquisição das ações.

Ademais, no que tange ao contrato de depósito das ações, a posição do R. (…), como depositário, desenvolvia-se face à adquirente ou adquirentes das ações e não face ao A. E, ainda que se admita que existia da sua parte algum dever de informação relativamente ao A. – e, recorde-se, o R. (…) alertou o A., em tempo, quanto à marcação da venda em hasta pública – a verdade é que está por demonstrar que as ações tivessem, à data do negócio, o valor que pelas mesmas foi atribuído no negócio, sendo certo o A. conhecia o facto que, eventualmente, constituiria perigo, nos termos previstos no art. 1187.º b) CC” – fim de transcrição.

2.1. O recorrente vem arguir a nulidade da sentença, nos termos do art. 615º, nº 1, c), do NCPC, por a seu ver a mesma ser contraditória. Afirma que os factos provados estão em oposição com a fundamentação de direito e com a decisão tomada. Mas não tem razão.

É nula a sentença quando os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível (citado art. 615º, nº 1, c).

Quanto à 1ª parte do preceito, a lei quer significar que entre os fundamentos e a decisão não pode haver contradição lógica; se, na fundamentação da sentença, o julgador segue determinada linha de raciocínio, apontando para determinada conclusão jurídica, e, em vez de a tirar, decide noutro sentido, oposto ou divergente, a oposição é causa de nulidade da sentença. E assim sendo, também, mesmo que na referida conclusão final ela seja a juridicamente correcta (vide L. Freitas, A Acção Declarativa Comum, À Luz do CPC de 2013, 3ª Ed., pág. 333).

Ora, na sentença recorrida, na parte da fundamentação, justificou-se que perante a matéria apurada não se verificava qualquer causa jurídica para responsabilizar os RR, e assim se declarou, em perfeita coerência, na parte decisória, absolvendo-se os mesmos do que o A. tinha peticionado. Não há, por isso, qualquer contradição entre os fundamentos e a decisão.

Outra realidade diferente é o erro de julgamento, que é a ideia que aflorou o pensamento do A./recorrente quando afirma que há contradição entre o que consta na matéria provada e o que se consignou na fundamentação da sentença e respectiva decisão. Porém, este eventual erro na subsunção dos factos à norma jurídica não se confunde com a referida oposição entre os fundamentos e a decisão, muito menos com o erro na interpretação da norma jurídica: quando, embora mal, o juiz entende que dos factos apurados resulta determinada consequência jurídica e este seu entendimento é expresso na fundamentação, ou dela decorre, encontramo-nos perante um erro de julgamento, mas não perante oposição geradora de nulidade (vide L. Freitas, ibidem).

Se há erro de julgamento por o julgador ter subsumido mal os factos ao direito é situação que mais adiante se verá (no ponto 4. infra), na apreciação do bem fundado ou não da fundamentração de direito levada a cabo pela decisão recorrida.

Por conseguinte, a nulidade imputada à sentença recorrida não existe.  

2.2. Defende também o recorrente que a sentença é nula por excesso de pronúncia. Isso acontece quando o juiz conheça de questões de que não podia tomar conhecimento (art. 615º, nº 1, d), 2ª parte, do NCPC). Esta estatuição, está intimamente ligada com o disposto no art. 608º, nº 2, 2ª parte, que determina que o juiz não pode ocupar-se senão das questões suscitadas pelas partes (salvo as de conhecimento oficioso).

Isto é, o Juiz deve conhecer de todos os pedidos deduzidos e, de todas as causas de pedir e excepções invocadas, e por conseguinte não pode o juiz conhecer de pedidos não formulados, causas de pedir não invocadas, ou de excepções não deduzidas (na exclusiva disponibilidade das partes) - vide L. Freitas, ob. Cit. pág. 334/335).

Ora, no caso concreto não pode dizer-se que a sentença recorrida tomou conhecimento de questão que lhe não foi posta, bem pelo contrário, pois apreciou as causas de pedir invocadas e decidiu sobre os pedidos concomitantemente formulados pelo A.. Dando uma resposta negativa e consequentemente absolvendo os RR.

Situação bem diferente é o erro na subsunção dos factos à norma jurídica ou o erro na interpretação desta, como, mais atrás, sublinhámos. A sentença recorrida pode ter errado no julgamento, mas conhecer questão que não podia conhecer é que não ocorreu. E consequentemente não se verifica a acusada nulidade.

3.1. O recorrente dá por violados os arts. 607º, nº 4, e 5, do NCPC. Contudo, não se percebe como isso acontece.

Dispõe tal normativo, no seu nº 4, 1ª parte, que na fundamentação da sentença, o juiz declara quais os factos que julga provados e quais os não provados. Devendo, ainda, analisar criticamente as provas, indicar as ilações tiradas dos factos instrumentais, e especificar os fundamentos que foram decisivos para a sua convicção. Na 2ª parte, estatui que o juiz tomará, ainda, em consideração os factos admitidos por acordo, provados por documentos ou por confissão reduzida a escrito, compatibilizando toda a matéria de facto adquirida e extraindo dos factos apurados as inerentes presunções legais ou por regras de experiência.

Por sua vez, o nº 5, 1ª parte, estabelece que o juiz aprecia livremente as provas segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto, livre apreciação que, todavia, sofre as limitações apontadas na 2ª parte do preceito.

O recorrente não acusa a sentença de nula por não ter especificado os fundamentos de facto, nem diz que a mesma não declarou os factos que julgou provados e não provados, pelo que não se mostra violado o art. 615º, nº 1, b), ou desrespeitado o citado art. 607º, nº 4, início da 1ª parte.

O recorrente sabe, por outro lado, que foi proferido despacho de resposta à matéria de facto ao abrigo do art. 653º, nº 1, do anterior CPC. E a sua patrona esteve presente aquando da prolação desse despacho, pelo que se considerasse que as provas não tinham sido analisadas criticamente e que não foram especificados os fundamentos que foram decisivos para a convicção do julgador, tinha um bom remédio, era ter reclamado contra a falta de motivação, nos termos conjugados dos nº 2 e 4, 2ª parte, do indicado preceito. O que não fez. Ainda, assim, podia ter impugnado, ora em recurso, a decisão da matéria de facto, designadamente por falta ou indevida fundamentação, o que também não fez, pois não deduziu nenhuma impugnação da matéria de facto. Pelo que não se mostra desrespeitado o citado art. 607º, nº 4, 1ª parte, in fine.

Como se disse, inexiste impugnação da decisão da matéria de facto pelo recorrente. Como assim, não existe qualquer violação de tal preceito, quanto aos referidos nº 4, 2ª parte, e 5, que pressupõem exactamente tal impugnação.

3.2. Só os referidos recorridos, através de ampliação do âmbito do recurso, impugnaram a decisão da matéria de facto, concretamente a resposta dada ao quesito 160º.

Constam da base instrutória os seguintes artigos:

157.Nos termos desses acordos, assistia ao A. receber 20.000.000$00 (vinte milhões de escudos), à data da fixação do passivo no processo de recuperação?

158.(…) 30.000.000$00 (trinta milhões de escudos), à data do trânsito em julgado da sentença;

159.(…) 230.426.442$00, contravalor em 19/07/1997, correspondente às percentagens de 40% e 50% dos créditos sobre o B (...) de USD $2.644,900 e $412,905, respetivamente, a efectuar logo ou à medida que a L (...) recebesse estas quantias, o que deveria ocorrer no prazo máximo de dois anos?

160.(…) 3.856.650.000$00, limite contratual do passivo da (…) assumido perante o Autor pelos RR?

A estes pontos de facto o tribunal a quo respondeu da seguinte forma: 157º e 158º, Provados; 159º, Provado até “estas quantias”; ao 160º Provado até “(…)r” (vide fls. 1262 e v.).

Na decisão da matéria de facto a julgadora fundamentou a sua resposta a estes pontos de facto da seguinte forma: “157º a 160º: os factos em apreço resultam do negócio documentado a fls. 81 e ss” (cfr. fls. 1272 v.). Ou seja, apenas foi indicado tal meio de prova para fundamentar a sua resposta.

Compulsado tal documento, o contrato de compra e venda de acções (fls. 81/89), em nenhuma das cláusulas consta que o A. tinha direito a receber o valor do passivo da (…). Com efeito, da cláusula 3ª consta apenas o seguinte:

“1. Pelo presente contrato o Primeiro Outorgante vende a totalidade das 500.000 acções indicadas na cláusula primeira à Segunda Outorgante, que as adquiriu, no montante de 87.000 acções penhoradas e ainda as remanescentes 413.000 acções, bem como todos os suprimentos e outros créditos e direitos que tenha na (…) pelo preço de Esc. 50.000.000$00 (cinquenta milhões de escudos); e ainda pelo contravalor em escudos, calculado à data da liquidação, das percentagens indicadas no ponto 4 da cláusula 6ª) sobre os créditos que a (….) detém sobre o Banco N (...) , expresso nominalmente em 3.057805 U.S dólares, deduzidas que sejam no respectivo valor as despesas de cobrança judicial ou extrajudicial devidamente justificadas, além de encargos, ónus, taxas e demais emolumentos ou honorários inerentes.”

Não podia, pois, o julgador de facto dar como provado a facto constante do artigo 160º da base instrutória, pois não consta do contrato assinado entre o A. e a R. E (...) que aquele tivesse direito a receber o valor do passivo da L (...) .

Diga-se, adjuvantemente, que nos quesitos 29º, 72º, 161º a 164º se perguntava se para o A. era condição do preço do contrato de compra e venda de acções o pagamento do referido passivo da (…) aos credores, e que só assim abdicava o A. de receber a mencionada quantia, matéria pelo mesmo alegada, e todos esses quesitos receberam resposta negativa.

A resposta a dar a tal artigo 160º da b.i. só pode ser, pois, a de não provado. Em consequência elimina-se do elenco dos factos provados o correspondente facto 128. E para evitar contradições tem, ao mesmo tempo, de eliminar-se do facto provado 99. a frase “nos termos acordados”, intercalada entre “fazer face” e “ao pagamento do passivo”o que se faz oficiosamente ao abrigo do art. 662º, nº 2, c), do NCPC.

4. Sobre a responsabilidade dos RR, avançamos já que a sentença recorrida merece, na generalidade, a nossa concordância, entendendo-se que está apropriadamente fundamentada. De todo o modo, há que acrescentar mais alguma fundamentação, embora resumida, face aos argumentos esgrimidos pelo recorrente nas suas 55 alegações de recurso (como acima referimos, foi proferido despacho a ordenar a sintetização e clarificação das conclusões, ao que o recorrente respondeu. Apesar disso as conclusões continuam a ser algo prolixas e não muito claras, pelo que as sub-questões a conhecer agora, abaixo seleccionadas, afiguram-se ser as enunciadas pelo recorrente). E tendo em conta, é claro, a matéria factualmente apurada.

4.1. O recorrente parece ter abandonado a construção da responsabilidade extracontratual dos RR assente num suposto esquema de burla pelos mesmos desenvolvido, e que foi rejeitado, em recurso, pela secção crime desta Relação, e cuja conclusão foi reafirmada pela decisão recorrida.

Mas reafirma uma responsabilidade extracontratual dos RR, por via da eficácia externa das obrigações (conclusões 42. e 45.), mas igualmente pelo interesse contratual positivo dos contratos !? (conclusões 43. e 46.). A seu tempo há que analisar, então, estes dois últimos argumentos. 

4.2. Invoca também o A. uma responsabilidade pré-contratual por os RR A. (…) por si, e (…)  representadas pelo mesmo, terem desprezado a negociação directa com o A.

Preceitua o art. 227º do Código Civil que “quem negoceia com outrem para conclusão de um contrato deve, tanto nos preliminares como na formação dele, proceder segundo as regras da boa fé, sob pena de responder pelos danos que culposamente causar à outra parte”.

A doutrina e, no seu seguimento a jurisprudência, tem elaborado o funcionamento e aplicabilidade do instituto da responsabilidade in contrahendo no seguinte quadro: a) ruptura, infundamentada, das negociações preparatórias; b) não conclusão, injustificada, de um contrato cujas negociações se iniciaram; c) celebração de um contrato ferido de invalidade ou ineficácia; d) conclusão de um contrato válido e eficaz, em que surgiram das respectivas negociações danos a indemnizar, designadamente contratos “indesejados”, isto é, contrato não correspondente às legítimas expectativas, devido, por ex., ao fornecimento pela outra parte de informações erradas ou à omissão do devido esclarecimento; e) a responsabilidade por actos de terceiros (vide Antunes Varela, CC Anotado, Vol. I, 3ª Edição, nota 1. ao apontado artigo, pág. 215, Almeida Costa, Responsabilidade Civil pela Ruptura de Negociações, Rev. Leg. e Jurisp., Ano 116º, págs. 101 e segs. e D. Obrigações, 6ª Ed., pág. 248, Menezes Cordeiro, Tratado de D. Civil, Parte Geral, Vol. II, 4ª Ed., 2014, págs. 220/223, C. Ferreira de Almeida, Contratos – Conceito, Fontes, Formação, 5ª Ed., 2014, págs. 197/207, e o Ac. do STJ de 6.11.2012, Proc.4068/06.8TBCSC, em www.dgsi.pt).

Tendo em conta a alegação do A./recorrente só nos podemos deparar com a 1ª hipótese. Como é sabido a conclusão de um contrato é, até ao último momento, totalmente livre. Pode, pois, à partida, qualquer uma das partes, numa negociação, desistir do contrato sem dar justificações mesmo quando a contraparte esperasse pela sua conclusão. Diferentemente se passam as coisas se a parte desistente tiver, com a sua conduta, originado, na contraparte, uma confiança justificada de que, com segurança, se iria concluir um contrato. A interrupção injustificada das negociações conduz à culpa in contrahendo.

Ora, os factos apurados neste campo, os provados em 24. a 33., são escassos não permitindo concluir que a conduta de tais RR tivesse originado no A. uma situação de confiança sobre o prosseguimento das negociações. Repare-se que apenas está sinalizada uma reunião em Janeiro de 1995 e depois há um hiato até Abril desse ano, nem sequer, nessa sequência, tendo sido apresentada qualquer proposta ao A. As negociações não atingiram um ponto de desenvolvimento tal que permitisse, portanto, extrair a conclusão de que houve ruptura infundamentada das negociações.

Aliás, o que a matéria provada evidencia (factos 34. a 46.), é que tais RR contrataram, no mencionado ínterim temporal, a R(…) representada pelo cos-réus (…), para negociar a compra da posição accionista do A. na L (…). O que desloca a questão para outra realidade substantiva, bem diferente da responsabilidade pré-contratual, que no caso, efectivamente, não existe.

4.3. Pretende o A. responsabilizar os RR/ora apelados com base no art. 4º, nº 2, do CSC, que dispõe que “1. A sociedade que não tenha a sede efectiva em Portugal, mas deseje exercer aqui a sua actividade por mais de um ano deve instituir uma representação permanente e cumprir o disposto na lei portuguesa sobre registo comercial. 2. A sociedade que não cumpra o disposto no número anterior fica, apesar disso, obrigada pelos actos praticados em seu nome em Portugal e com ela respondem solidariamente as pessoas que os tenham praticado, bem como os gerentes ou administradores da sociedade”; com base na figura da eficácia externa das obrigações; e com base, também, no instituto da desconsideração da personalidade jurídica da R. E (…), outorgante no contrato.

Ora, o que a matéria provada evidencia (os referidos factos 34. a 46., e ainda os factos 54., 69., 91. e 103. a 106., sobretudo o 104.) é que a aludida outorgante E (...) subcapitalizada substancialmente, e sem nunca antes ter realizado qualquer tipo de negócio, foi usada com um único fito, o de mero véu para os RR (…) por si, (…) adquirirem a totalidade da posição accionista/capital social da L (…) e assim passarem, veladamente, a dominar e controlar a mesma L (…)

Estamos, por conseguinte, em pleno campo de aplicação do referido instituto da desconsideração da personalidade jurídica, pois a outorgante contratual apenas serviu como capa para o negócio, impondo-se levantar a sua personalidade jurídica e deixar à vista as pessoas que se encontram por detrás dela, passando elas a ser as verdadeiras responsáveis. E na dogmática da figura de entre a constelação de casos típicos - a confusão das esferas jurídicas; a subcapitalização; o atentado a terceiros e abuso da personalidade – justamente por via do abuso da personalidade colectiva da outorgante contratual E (…) Claro é, que tal instituto só operará efectivamente se descobrirmos prejuízos causados ao A. (vide neste sentido M. Cordeiro, Manual de Direito das Sociedades, Vol. I, 2ª Ed., 2007, págs. 375/381, 384/392 em especial, e 397/404, e A. Soveral Martins, em Estudos de Direito das Sociedades, 11ª Ed., 2013, págs. 93/97).      

Afastado fica, assim, até por desnecessidade, o recurso à responsabilidade solidária do citado art. 4º do CSC. Igualmente sendo de afastar o eventual funcionamento da figura da eficácia externa das obrigações.

4.4. Vejamos, então, se há responsabilidade contratual dos RR/apelados susceptível de gerar a indemnização contratual peticionada, a quantia total de 20.636.251 €.

4.4.1. Começe por reafirmar-se, como dito na decisão recorrida, que não divisamos ilícito contratual pelo não pagamento, pelos apelados, da quantia exequenda fiscal que terminou com venda na praça dos activos da L (…)r.

Como é obvio a praça fiscal não foi uma situação criada pelos compradores das acções do A., mas sim o resultado de uma execução fiscal relativo a passivo da L (…) criado enquanto o A. era o administrador da mesma. 

Inesperadamente uma semana antes da formalização do contrato, 19.7.1995, é anunciada, em 12.7.1995, tal venda fiscal (factos 55. a 58. e 67.). O A. ficou surpreso com tal anúncio de venda (factos 58. a 60.), mas apenas com o anúncio, naturalmente, pois conhecia a existência de execuções fiscais e respectivas penhoras (factos 61. e 62.). Estranhamente o A. outorga o contrato uma semana depois e não faz constar da negociação global nenhuma cláusula para o pagamento do valor executivo, nomeadamente, e se tal fosse possível, a de vinculação dos compradores das acções ao pagamento do mesmo, até para defesa dos seus interesses. Certo é que tal condição não foi acordada, pelo que não pode aos compradores ser assacada a obrigação de liquidarem o valor exequendo fiscal. Se o A. se queria fazer valer de tal obrigação, e da correspondente responsabilidade dos RR compradores, por incumprimento contratual, era a ele que competia provar tal facto, nos termos do art. 342º, nº 1, do CC, o que não fez.     

Desta maneira, os RR compradores não tinham nenhum dever de impedir a venda em hasta pública em Setembro de 1995, não podendo ser este o acto que determinou o ilícito contratual, como o A. defende, e os  danos que em consequência invoca.       

4.4.2. Daquele montante total pretende o A. receber uma parcela de 3.856.650$00 (correspondente a 19.236.889 €) relativo ao passivo da (…), o que resultará da ratio e iter do negócio, designadamente das cláusulas 8ª e 9ª do contrato de compra e venda das acções.

Ora, já sabemos que não se provou o quesito 160º onde tal matéria era directamente questionada, nem os adjuvantes quesitos 29º, 72º, 161º a 164º.

Não é possível, por isso, perante uma resposta de não provado a tal matéria extrair, depois, por reconstrução indirecta a resposta inversa. Pelo que tal quantia o A. não tem direito a recebê-la.

4.4.3. Daquele montante total pretende, também, o A. receber uma parcela de 1.149.362 €, relativa ao previsto na cláusulas 3ª, nº 1 e 3, e 4ª, nº 1, c), do contrato de compra e venda das acções, acima transcritas.

A este propósito está apenas provado o que consta do facto 127. Contudo, não está provado nos autos que alguma vez a (…) tenha recebido qualquer quantia do seu crédito sobre o B (...) .

Como assim, o A. não tem direito a receber a quantia reclamada.

4.4.4. Igualmente, daquele montante total pretende o A. receber as parcelas de 100.000 € e 150.000 € (total de 50.000.000$00), relativas ao previsto nas cláusulas 3ª, nº 1, e 4ª, nº 1, a) e b), do contrato de compra e venda das acções, acima transcritas (note-se que os 50.000 contos referidos no facto provado 124. nada têm a ver com o valor agora reclamado, mas sim com o facto 70, pois as partes elaboraram um aditamento ao contrato de compra e venda, em que adicionaram ao preço estabelecido mais 48.000 contos, sendo os remanescentes 2.000 contos referentes ao contrato de cessão de posição contratual da T (...) para a Progecer).

Aquela 1ª quantia era devida “à data da fixação do passivo no processo de recuperação, que é consequência lógica do pedido de falência em curso”, enquanto a 2ª era devida “à data, do trânsito em julgado da sentença que irá caber no processo atrás indicado, fixando o processo de recuperação”. Perante tal redacção, cremos não ser possível aceitar o argumento que o A./apelante apresenta de que os RR terão impedido a condição, nos termos dos arts. 270º e 275º, nº 2, 1ª parte, do CC, pelo que devem ser responsabilizados e pagar tais montantes.

Atente-se que a credora (…)requereu a falência da L (…)em 28.4.1995 (facto 49.). Na altura regulava o CPEREF, que tratava o processo como urgente. Não sabemos se a L (…) chegou a ser citada para deduzir oposição, apenas conhecemos a atitude de tal credora de, cerca de um mês depois, em 25.5.1995, ter requerido a suspensão da instância, após reunião com o R. (…) e disposição da mesma para negociar o seu crédito, no que foi atendida (facto 52.). Pelos vistos, tal disposição/negociação não redundou em nada, pois, apesar de se ter celebrado na mesma o contrato de compra e venda das acções em 19.7.1995, nenhuma divida da L (...) foi paga ou apresentado qualquer proposta aos seus credores, fosse por quem fosse (facto 115.) Todavia decorre do regime legal na altura existente que o processo de falência só podia ser convertido prosseguindo como processo de recuperação de empresa em duas situações: ou por oposição dos credores representando 75% do valor dos créditos conhecidos que aleguem a viabilidade da empresa (cfr. Art. 23º, nº 2, do CPEREF); ou por oposição conjunta do próprio devedor e de credores que representem, pelo menos, 30% do valor dos créditos conhecidos e se alegue e justifique a viabilidade da empresa (art. 25º, nº 3, do CPEREF). Em qualquer caso haveria, sempre, a indispensável avaliação positiva judicial. Acresce, que só depois do despacho de prosseguimento da acção como de recuperação da empresa se fixa a lista definitiva dos credores, isto é, se fixa o passivo, e se homologa judicialmente a deliberação da assembleia de credores de recuperação da empresa (cfr. Arts. 28º a 56º do CPEREF).

Ora, nos autos não se demonstra, em termos de factualidade apurada, e desde logo aquela posição proactiva dos credores, para conversão do processo de falência em processo de recuperação, muito menos essa possível validação judicial. E ainda menos a possível emissão de sentença fixando a recuperação da l (...) . Não pode, portanto, afirmar-se, como as partes contratantes o fizeram que o processo de recuperação é a consequência lógica do processo de falência. Não é, de modo nenhum. Muito menos se podendo afirmar, ademais, que iria caber uma sentença fixando a recuperação da empresa.

Ou seja, a condição não dependia só e apenas dos RR, mas também dos terceiros credores e da avaliação dos requisitos legais pelo juiz, quer para a conversão da falência em recuperação de empresa quer para a subsequente e eventual homologação judicial de deliberação de recuperação, pelo que não pode concluir-se que os RR impediram a enunciada condição.

Entendemos, por isso, que o A. não tem direito a receber as aludidas quantias.

4.5. Pretende o A. receber a aludida quantia total de 20.636.251 €, por via do pedido subsidiário, de enriquecimento sem causa, que formulou.

Dispõe o art. 473º, nº 1, do CC que “Aquele que, sem causa justificativa, enriquecer à custa de outrem é obrigado a restituir aquilo com que injustamente se locupletou”, tendo a obrigação de restituir de modo especial por objecto o que for indevidamente recebido, ou o que for recebido por virtude de uma causa que deixou de existir ou em vista de um efeito que não se verificou.

No nosso caso, não está demonstrado que os RR se tenham enriquecido à custa do A. Na verdade, é preciso não confundir patrimónios, pois uma coisa é o património do A. e outra o da (…), que foi vendido em hasta pública. Não pode, por isso, afirmar-se que em resultado da venda em hasta pública do património desta última, o património do A. tenha ficado empobrecido. Isto é, o valor mencionado que é reclamado pelo A., pagamento do valor restante do preço das acções emerge de facto distinto do eventual enriquecimento obtido pela arrematante G(…) com a aquisição do património da L (…), em hasta pública, por valor inferior ao seu valor real, como quase sempre acontece com as vendas em praças executivas. 

Não há, portanto lugar a qualquer empobrecimento do A., nem lugar à restituição da quantia total reclamada.

4.6. O A. pretendia ser indemnizado em 1.500.000 € a título de danos morais, por incumprimento contratual da compra e venda de acções.

Nesta sede provaram-se os factos 116. a 123. e 129. a 131. Porém, como já foi dito na sentença apelada e verificado neste acórdão não se alcança que tivesse ocorrido ilícito contratual, pelo que a referida factualidade não decorre da falência da L (…) e de actuação dos RR. Isto é, o dano invocado pelo A. decorre a montante das dívidas que assumiu pessoalmente, por via de avales ou da subscrição de cheques, perante os credores da L (…), e do resultado que depois, a jusante, ocorreu para ele.

Não tem, pois direito a receber dos RR a indemnização pretendida.

4.7.1. O mesmo acontece com o valor peticionado de 1.209.630 €, a título de lucros cessantes, que englobava 3 parcelas (153.630 € + 420.000 € + 636.000 €).

Nesta sede provaram-se os factos 132. a 137. Não se tendo provado o valor correspondente às duas primeiras parcelas, face à resposta restritiva aos arts. 171º e 172º da base instrutória e resposta negativa ao art. 173º da mesma b.i. Dado que, como dito na sentença apelada e considerado neste acórdão, não se divisa a ocorrência de ilícito contratual, não decorrendo a referida factualidade da falência da L (…) e de actuação dos RR, antes da falência do próprio A., não causada pelos RR, como se disse no ponto anterior (4.6.), então o A. não pode receber o mencionado montante.

4.7.2. Quanto à quantia reclamada de 100.000 €, a título de danos futuros, por privação de obtenção de rendimentos do A., como empresário, provou-se tão-só o que consta do facto 138. (emergente de uma resposta muito restritiva ao quesito 177º, não se tendo provado o quesito 178º atinente ao indicado valor). Tem semelhante solução á apontada nos antecedentes pontos (4.6. e 4.7.1.), pelo que o A. não tem direito a receber tal montante.

4.8. Quanto ao contrato de depósito de acções celebrado entre o A. e a E (…) tendo como depositário o R. (…) não se divisa qual a relevância para o caso concreto atento a causa de pedir e o pedidos formulados. Repare-se que na economia da acção, vista toda a p.i., tal contrato acaba por não interferir com as quantias peticionadas e com o título a que são invocadas. Como decorre dessa p.i., 1.500.000 € são reclamados a título de danos morais, por incumprimento contratual da compra e venda de acções. O mesmo acontece com o valor peticionado, de 1.209.630 €, a título de lucros cessantes, e semelhantemente acontece com a pretendida quantia de 20.636.251 €, pelo preço das acções. Sendo que a restante quantia reclamada de 100.000 € seria devida a título de danos futuros, por virtude de incumprimento contratual.   

5. Sumariando (art. 663º, nº 7, do NCPC):

i) Não deve confundir-se a nulidade da sentença, por oposição entre os fundamentos e a decisão, com erro de julgamento;

ii) Inexistindo impugnação da matéria de facto pelo recorrente, não pode o mesmo acusar o julgador de facto de ter violado o art. 607º, nº 4, 1ª parte, in fine, e 2ª parte, e 5, do NCPC; 

ii) Inexiste responsabilidade pré-contratual, na modalidade de ruptura infundamentada das negociações preparatórias, para compra e venda de acções de uma empresa se apenas se prova uma primeira reunião informal em Janeiro e um segundo encontro em Abril, com visita às instalações fabris de tal empresa, e o potencial comprador nem sequer chega a apresentar proposta de compra;

iii) Provando-se que uma sociedade comercial, que nunca realizou qualquer negócio, foi adquirida por terceiros para servir de veículo a estes para aquisição de acções de uma outra sociedade comercial, assim servindo de “testa de ferro”, deve ser desconsiderada a sua personalidade jurídica para efeito de apuramento de eventual responsabilidade civil pelos tais 3ºs compradores.   

IV – Decisão

 

Pelo exposto, julga-se o recurso do A. improcedente, confirmando-se a decisão recorrida.

*

Custas pelo A.

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   Coimbra, 10.2.2015

João Moreira do Carmo ( Relator )

Fonte Ramos

Maria João Areias

1.-  Não deve confundir-se a nulidade da sentença, por oposição entre os fundamentos e a decisão, com erro de julgamento;

2.-  Inexistindo impugnação da matéria de facto pelo recorrente, não pode o mesmo acusar o julgador de facto de ter violado o art. 607º, nº 4, 1ª parte, in fine, e 2ª parte, e 5, do NCPC; 

3.-  Inexiste responsabilidade pré-contratual, na modalidade de ruptura infundamentada das negociações preparatórias, para compra e venda de acções de uma empresa se apenas se prova uma primeira reunião informal em Janeiro e um segundo encontro em Abril, com visita às instalações fabris de tal empresa, e o potencial comprador nem sequer chega a apresentar proposta de compra;

4.-  Provando-se que uma sociedade comercial, que nunca realizou qualquer negócio, foi adquirida por terceiros para servir de veículo a estes para aquisição de acções de uma outra sociedade comercial, assim servindo de “testa de ferro”, deve ser desconsiderada a sua personalidade jurídica para efeito de apuramento de eventual responsabilidade civil pelos tais 3ºs compradores.