Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JTRC | ||
Relator: | JORGE MANUEL LOUREIRO | ||
Descritores: | CONTRATAÇÃO SEM TERMO NA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA SUA ADMISSIBILIDADE. CONVALIDAÇÃO DE CONTRATO DE TRABALHO ORIGINARIAMENTE NULO | ||
Data do Acordão: | 04/12/2018 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Tribunal Recurso: | TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE COIMBRA – JUÍZO DO TRABALHO DE COIMBRA – J2 | ||
Texto Integral: | S | ||
Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | CONFIRMADA | ||
Legislação Nacional: | LEI Nº 23/2004, DE 22/06 | ||
Sumário: | I – No domínio da legislação vigente até à Lei 23/2004, de 22/06, não era admissível a contratação sem termo na Administração Pública, a qual passou a ser possível com a entrada em vigor dessa Lei, mas com obrigatoriedade de sujeição de contratação a um processo prévio de seleção, subordinado aos princípios da publicitação da oferta de trabalho, da igualdade de condições e oportunidades e fundamentação da decisão de contratação em critérios objectivos, sob pena de nulidade dos contratos de trabalho cuja outorga não tenha observado tais exigências. II – Tendo-se mantido a relação contratual e a sua execução sem declaração de nulidade por quem quer que seja, e se a mesma passou a ser válida como contrato de trabalho por tempo indeterminado, por consequência de novo regime jurídico que a consentia, o contrato nulo deve considerar-se convalidado desde o início da sua execução. III – Não há invalidades supervenientes de contratos originariamente válidos ou que foram objecto de convalidação ex tunc. | ||
Decisão Texto Integral: | Acordam na 6.ª secção social do Tribunal da Relação de Coimbra I – Relatório
A autora propôs contra os réus a presente acção declarativa sob a forma de processo comum e emergente de contrato de trabalho, formulando os pedidos seguidamente transcritos: “Deve a presente ação ser julgada procedente, por provada, e, em consequência: A) Serem os RR. condenados a reconhecer a existência de contrato de trabalho a tempo indeterminado cujo inicio remonta a 16 de Abril de 2004 e, consequentemente. B) Serem os RR. condenados a reconhecer que a cessação do contrato de trabalho ocorrida a 14 de Maio de 2015 consubstanciou um despedimento ilícito e, em consequência C) Condenar os RR. a reintegrar a A. ao seu serviço, sem prejuízo da categoria e antiguidade. D) Condenar os RR. a pagar à A. as retribuições que deixou de auferir desde o despedimento até ao trânsito em julgado da sentença que declare ilícito o despedimento, descontados os montantes mencionados no artº 390.º/2. E) Caso a A. opte pela indemnização em substituição da reintegração, condenar os RR. ao pagamento da mesma, no montante de 24.770,13€ acrescida das retribuições aqui peticionadas, bem como de juros à taxa legal, até efetivo e integral pagamento. F) Serem os RR. condenados a pagar à A. a compensação dos danos morais a que a 1ª R. deu causa, de montante nunca inferior a 1500,00€.”. Alegou, em resumo, que foi trabalhadora subordinada do D..., Instituto Público ( D.../IP), sendo que na posição jurídica de empregador do mesmo sucederam os réus; foi despedida ilicitamente pela B..., sendo que nas obrigações decorrentes desse despedimento sucedeu o Estado Português (Direcção Geral das C... - C...). Frustrou-se a audiência de partes na qual, cautelarmente, o Ministério Público invocou a nulidade do contrato de trabalho invocado pela autora. O Estado/ C... contestou, sendo que, em resumo: excepcionou a incompetência material do tribunal do trabalho; arguiu a nulidade do contrato de trabalho invocado pela autora; deduziu incidente de oposição à reintegração; negou a existência de indícios da subordinação jurídica invocada pela autora; deduziu pedido reconvencional condicional contra a autora, peticionando a condenação desta, em caso de procedência da acção, a devolver o montante recebido a título de compensação pela caducidade do contrato de trabalho a termo certo celebrado com o B.../F e que foi por este invocada O B.../F também contestou, sendo que, em resumo: excepcionou a incompetência material do tribunal do trabalho; excepcionou a sua ilegitimidade passiva para ser parte nos autos; arguiu a nulidade do contrato de trabalho invocado pela autora; deduziu incidente de oposição à reintegração; negou a existência dos indícios da subordinação jurídica que a autora invoca; deduziu pedido reconvencional condicional contra a autora, peticionando a condenação desta, em caso de procedência da acção, a devolver o montante recebido a título de compensação pela caducidade do contrato de trabalho a termo certo celebrado com o contestante e que foi por este invocada. A autora respondeu para, em resumo, pugnar pela improcedência das excepções invocadas nas contestações, reafirmar o alegado na petição e concluir como já aí tinha feito, e aceitar, na eventualidade da acção vir a ser julgada procedente, devolver o montante recebido a título de compensação pela caducidade do contrato de trabalho a termo certo celebrado com o B.../F. Assente a competência material do tribunal do trabalho, o processo prosseguiu os seus regulares termos, com opção pela autora da indemnização por antiguidade substitutiva da reintegração, acabando por ser proferida sentença da qual consta o dispositivo seguidamente transcrito: “Por todo o atrás exposto, julgo a ação parcialmente procedente, declarando ilícito o despedimento efetuado e totalmente procedente o pedido reconvencional, e em consequência: * 1. Condenamos o R. – “Estado Português – Direção Geral das C...” – a reconhecer a existência de um contrato de trabalho sem termo, entre as partes, com efeitos reportados a 16.04.2004; 2. Condenamos o R. – “Estado Português – Direção Geral das C...” – a pagar à autora – A... –, a título de salários intercalares/tramitação os que se vierem a liquidar em sede de execução de sentença, desde 30 dias antes da propositura da ação até ao trânsito em julgado da sentença, sem prejuízo da dedução do montante auferido a titulo de subsídio de desemprego (caso tenha sucedido), e das eventuais importâncias que venha a auferir com a cessação do contrato de trabalho após a data da prolação da sentença (a existirem) - (vide, o n.º 2 do art. 609.º do NCPC); 3. Condena-se o R. Estado a pagar à A. a quantia de 19.223,38 €, a título de indemnização pelo despedimento ilícito, a que acresce os respetivos juros de mora à taxa legal (4%), vencidos e vincendos, desde o dia 12.05.2016 (vide, o A/R de fls. 70.º do PP, e a ref.ª eletrónica 71276375.º do PE/Citius), até integral e efetivo pagamento; 4. Absolvemos da instância a R. – “Fundação para os Estudos e Formação Autárquica (F B...)” (extinta na pendência da presente ação); 5. Condenamos a A. – A... -, a devolver ao R. “Estado Português – Direção Geral das C...” -, a quantia de 4.743,34 €, acrescida dos respetivos juros de mora à taxa legal (4%), vencidos e vincendos, desde o dia 30 de junho de 2016 (data da notificação ao ilustre mandatário da A. da reconvenção formulada – vide, a Ref.ª eletrónica ....º do PE/citius), até integral e efetivo pagamento. 6. Custas a cargo do R. Estado, e da A. na proporção do respetivo decaimento.”. Não se conformando com o assim decidido, apelou o Estado/ C..., rematando as suas alegações com as conclusões seguidamente transcritas:
JUSTIÇA”. Contra-alegou a autora para, em resumo, pugnar pela improcedência da apelação. Colhidos os vistos legais, cumpre decidir. * II - Principais questões a decidir
Sendo pelas conclusões que se delimita o objecto do recurso, integrado também pelas que são de conhecimento oficioso e que ainda não tenham sido decididas com trânsito em julgado, são as seguintes as questões a decidir: 1ª) se a matéria de facto se encontra incorrectamente julgada, devendo ser alterada; 2ª) se a relação de trabalho entre a autora e o B.../F pode ser qualificada como sendo de trabalho a termo certo ou se, pelo contrário, deve ser qualificada como sendo sem termo; 3ª) se a relação de trabalho entre a autora e o B.../F se tornou supervenientemente nula por força da extinção do B.../F e consequente transição para o Estado, com afectação à C..., dos fins, atribuições, património, direitos e obrigações do B.../F, de tudo resultando, no que concerne àquela relação de trabalho, a admissão da autora como trabalhadora do Estado sem termo, sem observância de procedimento concursal de recrutamento e selecção constitucional e legalmente imposto, e sem obtenção de prévia autorização governamental também legalmente imposta. * III – Fundamentação
A) De facto
Factos provados
O tribunal recorrido deu como provados os factos seguidamente transcritos:
“1) A A. em 16 de abril de 2003 iniciou a execução de tarefas/funções pelo então D..., o qual veio a ser integrado na 1.ª R., exercendo funções relacionadas com a organização sistemática dos cursos de formação obrigatórios para os dirigentes autárquicos. 2) Couberam à A, nomeadamente, as seguintes funções: Avaliação da Formação/cursos da Divisão de Formação inicial; elaboração de diagnóstico de necessidades de formação para polícias municipais; coordenação e acompanhamento dos cursos de especialização sob a coordenação direta da Direção de Serviços de Formação; Promoção, planificação, coordenação técnico-pedagógica e avaliação das ações de formação (cursos e seminários) para dirigentes da administração local (realizados em Coimbra e em vários pontos do território nacional); acompanhamento técnico-pedagógico de várias ações a nível nacional do curso de pós-graduação “Gestores de formação para a Administração local” (em parceria com várias entidades); Coordenação e acompanhamento de outros cursos de especialização sob coordenação direta da Direção de Serviços de Formação. 3) A A. exerceu desde sempre essas funções na sede do B...e da 1a R., bem como em variados outros pontos do país, quando o trabalho a isso obrigava, auferindo remuneração mensal que na data em que cessou funções se cifrava em 1.373,12€, acrescida de 4,27€ de subsídio de alimentação diário. 4) De 2ª a 6ª feira, das 9h às 17h, com intervalo para almoço, estando obrigada a registar a sua assiduidade, exceto quando se encontrava em deslocações, no acompanhamento de cursos a decorrer. 5) Utilizando para o efeito, as instalações da B..., I.P, e posteriormente da 1ª R., bem como computadores, material de escritório e demais equipamentos fornecidos por esta, e, frequentemente, veículo e motorista a cargo da instituição para deslocações em representação desta. 6) Recebendo na execução de tais tarefas as diretrizes e orientações de serviço emanadas da Direção de Serviços de Formação, Presidente do Conselho Diretivo e Coordenador Geral, as quais tinha de prosseguir e acatar. 7) A A. gozava, em cada ano, um período de 25 dias úteis de férias remuneradas acrescidas de subsídios de férias e de natal, de montante igual à remuneração em vigor. 8) Concertava com o anterior B..., I.P e a 1.ª R. as datas para férias. 9) Havendo lugar ao pagamento dos supramencionados subsídios mesmo quando a relação assumia a veste de prestação de serviços (cuja remuneração mensal era feita por referência ao vencimento de técnico superior, multiplicado por 14, adicionando-se seguidamente um valor médio relativo ao subsídio de alimentação de doze meses, e dividindo-se o total por 12). 10) De fevereiro de 2003 a março de 2003 exerceu funções relativas à coordenação e ministração de formações, no âmbito de um estágio curricular de dois meses da Especialização em Gestão de Recursos Humanos, tendo, igualmente, iniciado um diagnóstico de necessidades de formação da Polícia Municipal. 11) Como esta última atividade implicava mais tempo para a sua conclusão e uma vez que se previa a promoção de novas ações de formação, a Direção dos Serviços de Formação (DSF) propôs a realização de novo estágio, desta vez profissional do IEFP, por o prazo de um ano, que vigorou entre 16 de abril de 2003 e 15 de abril de 2004. 12) Em abril de 2004, foi dada continuidade à atividade exercida pela A. através da contratação como prestadora de serviços, até ao dia 31 de dezembro de 2004, contra uma remuneração de 1.245,00 euros mensais. 13) Com o fundamento de que a DSF iria passar a ter de garantir, em moldes intensivos, a organização sistemática dos cursos de formação obrigatória para os dirigentes autárquicos. 14) Em janeiro de 2005, foi celebrado “contrato de avença” com a validade de um ano, com base na previsão de aumento muito significativo de trabalho para a DSF atendendo ao lançamento e realização de ações de formação para dirigentes da administração local na sede do B...e em regime descentralizado, nos mais variados pontos do país. 15) E que tinha como objeto “assegurar a prestação das funções de coordenação e acompanhamento da formação para o pessoal dirigente”. 16) Tendo sido renovado por iguais períodos até ao final de 2008. 17) Consistindo a prestação no exercício de funções de coordenação e acompanhamento de toda a formação para o pessoal dirigente (cursos de longa duração e seminários), realizados em Coimbra e em outros pontos do território nacional; acompanhamento técnico-pedagógico de várias ações de um curso de pós-graduação ministrada pelo B...em parceria com a Secretaria de Estado da Administração local e algumas universidades portuguesas; coordenação e acompanhamento de diversos cursos de especialização promovidos diretamente pela Direção de Serviços de Formação. 18) Contra as remunerações de 1.520,00€/mês em 2005, 1.578,33€/mês em 2006, 1.602,41€/mês em 2007 e 1.635,96€/mês em 2008, em conformidade com a atualização anual da tabela aplicável aos trabalhadores em funções públicas, por referência à remuneração base dos técnicos superiores de 2ª classe. 19) Na continuidade das funções de acompanhamento técnico-pedagógico dos diversos cursos e seminários, o B...I.P. procedeu a “ajuste direto” no valor de 1.684,17€ para o mês de janeiro de 2009. 20) “Considerando a experiência profissional que a (...) apresenta na realização das referidas tarefas (coordenação de cursos de formação para dirigentes), bem como o excelente serviço que tem vindo a prestar a esta instituição, propõe-se a sua contratação para a realização de tarefas no âmbito da coordenação dos cursos B...DAL (a ter lugar na região centro) e GEPAL (regiões Norte, Centro, Lisboa, Alentejo e Algarve). (...) com efeito trata-se de trabalho não subordinado, para o qual se revela inconveniente o recurso a qualquer modalidade de relação jurídica de emprego público.” Na verdade, verifica-se não se tratar de trabalho subordinado, uma vez que a prestadora de serviços possuirá autonomia na execução das tarefas que lhe serão atribuídas, não estando sujeita a horário de trabalho. Mais, atendendo à transitoriedade da necessidade que justifica a celebração do contrato de prestação de serviços, conclui-se pela inconveniência do recurso a qualquer modalidade de relação jurídica de emprego público. (....) no presente caso a prestação de serviços enquadra-se na situação descrita (...) na medida em que se trata da execução de tarefas que serão concluídas no prazo de 20 dias (...)”. 21) Em fevereiro de 2009 é celebrado contrato de trabalho temporário com a empresa RAIS por um período de 3 meses, contra remuneração de 1.373,12€/mês. 22) Este contrato foi apresentado à A. pelo B...I.P na sua sede, pronto a assinar, justificando a R. que de outra forma a A. não poderia continuar a exercer as funções que tem a cargo desde 2004. 23) De maio a julho de 2009 a A. mantém-se no exercício ininterrupto das suas funções habituais. 24) Não obstante apenas se encontrar vinculada a novo ajuste direto, no valor de 5.000,00€, a vigorar de 1 a 20 de junho. 25) Para continuar a exercer as suas habituais funções, que se prendem com o objeto e atribuições da 1ª R., desempenhando funções ligadas à coordenação dos curos de formação para dirigentes (GEPAL e B...DAL). 26) A 22 de junho de 2009 a A. é informada que, no seguimento do procedimento de extinção do B... I.P “na qualidade de trabalhadora, ser-lhe-á dirigido um convite à celebração de contrato de trabalho por tempo indeterminado com a Fundação, logo que o respetivo Conselho de Administração assuma funções”. 27) O que se seguiu (de agosto de 2009 a outubro de 2010) foram 7 contratos de trabalho a termo resolutivo certo com empresas de trabalho temporário, todos justificados com a necessidade de executar tarefas “precisamente definidas e não duradouras” relacionadas com a realização de cursos para dirigentes autárquicos, e todos com a mesma remuneração, 1.373,12 euros base ilíquidos por mês. 28) Todos estes contratos, à semelhança do anterior, foram apresentados à A. na sede do B...I.P. prontos a assinar, não havendo qualquer contato com a empresa de trabalho temporário, e desempenhando a utilizadora a veste de entidade empregadora. 29) O Contrato de trabalho temporário com a empresa S..., empresa de trabalho temporário, Lda. vigorou por 3 meses de 1 de agosto (até 31 de outubro). 30) O Contrato de trabalho temporário com a empresa U..., empresa de trabalho temporário Lda. vigorou por 4 meses (até fevereiro). 31) O Contrato de trabalho temporário com a empresa V..., empresa de trabalho temporário Lda. vigorou por 1 mês (março). 32) O Contrato de trabalho temporário com a empresa R..., empresa de trabalho temporário Lda. vigorou por 2 meses (até fim de maio). 33) O Contrato de trabalho temporário com a empresa P... empresa de trabalho temporário Lda. vigorou por 1 mês (junho). 34) O Contrato de trabalho temporário com a empresa T...empresa de trabalho temporário Lda. vigorou por 2 meses (até fim de agosto). 35) O Contrato de trabalho temporário com a empresa P..., empresa de trabalho temporário Lda. vigorou por 2 meses (até fim de outubro), ficando de fora (sem documento) o período de setembro. 36) Todos os contratos de trabalho temporário a termo resolutivo certo acabado de mencionar tiveram em comum a justificação alegada para a sua celebração, “execução de tarefas precisamente definidas e não duradouras”. 37) E, e as funções subjacentes “coordenação dos cursos de formação para dirigentes que decorrem nas regiões Norte, Centro, Lisboa, Alentejo e Algarve”. 38) Com a mudança de Estatuto da instituição, 1.ª R. e A. celebram, a 15 de novembro de 2010 (data do registo da Fundação na certidão permanente da Conservatória do Registo Comercial) e pela primeira vez entre si, um contrato de trabalho, com a aposição de termo resolutivo de 1 ano e para o exercício de funções correspondentes à categoria de técnico superior, contra remuneração base mensal ilíquida de 1.373, 12€. 39) O motivo aposto para a celebração de tal contrato a termo certo foi o referente a alínea a) do n.º 4 do art. 140.º do Código do Trabalho. 40) A 15 de novembro de 2011, opera a renovação automática do contrato, por igual período. 41) Em outubro de 2012 é feito o primeiro aditamento ao contrato mencionado supra a vigorar a partir de 15 de novembro de 2012 por um prazo de 12 meses. 42) O motivo aposto no (1º aditamento) “renovação excecional do contrato de trabalho a termo certo justifica- se pelo facto de ao motivo fundante decorrente do recente início de atividade da Fundação B...e ao seu novo enquadramento no âmbito da Lei-quadro das Fundações, aprovada pela Lei nº 24/2012 de 9 de julho, acresce um notório e excecional desenvolvimento da atividade formativa co-financiada e propinada, bem como do lançamento de novos serviços de assessoria e consultoria técnica a diversas Câmaras Municipais de implementação e duração incerta, mantendo-se, por conseguinte, inalterados os pressupostos transitórios e temporários que, por si, justificam a continuidade da relação jurídica já estabelecida que, deste modo, se mantém unitária.” 43) Em novembro de 2013 é feito o segundo aditamento ao contrato supramencionado, vigorando a partir de 15 de novembro por um prazo de 6 meses. 44) Em maio de 2014 é feito o terceiro aditamento ao contrato supramencionado, vigorando a partir de 15 de maio por um prazo de 7 meses. 45) Em dezembro de 2014 é feito o quarto aditamento ao mesmo contrato que o prolonga até 14 de maio de 2015. 46) O motivo aposto nos 2.º, 3º e 4º aditamentos: “A renovação excecional do contrato de trabalho a termo certo justifica-se pelo facto de ao motivo fundante decorrente do recente início de atividade da Fundação B...e ao seu novo enquadramento no âmbito da Lei-quadro das Fundações, aprovada pela Lei nº 24/2012 de 9 de julho, acresce um notório e excecional desenvolvimento da atividade formativa co-financiada e propinada, bem como do lançamento de novos serviços de assessoria e consultoria técnica a diversas Câmaras Municipais de implementação e duração incerta, o que, por sua vez, provoca/provocou um acréscimo excecional da atividade da Fundação B..., mantendo-se, por conseguinte, inalterados os pressupostos transitórios e temporários que, por si, justificam a continuidade da relação jurídica já estabelecida que, deste modo, se mantém unitária.” 47) Os excertos supratranscritos foram mobilizados também nos aditamentos dos contratos de trabalho a termo certo de H... como técnica de pedagogia e assessora jurídica, I... como funcionário bibliotecário, a A. como coordenadora e planificadora técnico-pedagógica das formações a ministrar a vários órgãos, e J... como técnico de informática, entre outros. 48) No último trimestre de 2012 e que se desenvolveu até final do primeiro trimestre de 2015 ocorreu um projeto inédito de formação/ação em 45 Câmaras Municipais, financiado pelos quadros comunitários, continuando, no entanto, a formação a ser o “core business” da atividade desenvolvida pela 1.ª R. 49) Em 14 de maio de 2015 cessa definitivamente o vínculo da A. à instituição, mediante a caducidade do contrato de trabalho a termo. 50) A título de compensação pela caducidade do contrato de trabalho a termo certo celebrado com a Fundação B..., a A. recebeu da R. a quantia de 4.743,34 €. 51) Durante estes 4 anos e 6 meses (contratada a termo) a A. manteve a responsabilidade de promover, planificar e realizar a coordenação técnico-pedagógica de todas as ações de formação para dirigentes autárquicos; organizar, promover e acompanhar seminários e conferências sobre temas de especial interesse para a administração local e representar a instituição em encontros e reuniões de trabalho com entidades parceiras. 52) Desde fevereiro de 2003 a maio de 2015 a A. exerceu ininterruptamente as funções supra descritas, sempre sob orientação de superiores hierárquicos (Diretora de serviços de formação, Presidente do Conselho Diretivo e Coordenador Geral), com deveres de assiduidade e pontualidade e com direito a gozo de férias. 53) Numa reunião ocorrida em 14 maio de 2014, foi apresentada uma declaração à A. para esta assinar “admitindo” que o antecessor B...I.P. nada lhe deve e que a relação que se iniciou com um contrato a termo “constitui uma relação jurídico-laboral nova e totalmente independente de qualquer relação jurídico-laboral e, ou contratual tida com o B...I.P., anterior à data de 15 de novembro de 2010”. 54) Recusando-se, no entanto, a A. em assinar tal declaração. 55) Nessa mesma reunião, ocorrida em 14 de maio de 2014, na qual participaram a A., alguns dos seus colegas na mesma situação (v.g H... e J..., entre outros), o Coordenador geral da Fundação B...e o Presidente do Conselho de Administração da mesma, por este último foi comunicado na sequência do conhecimento da decisão proferida pelo Venerando Tribunal da Relação de Coimbra quanto ao processo instaurado por uma ex-trabalhadora de nome M..., que toda a relação jurídica anterior estabelecida entre os trabalhadores presentes e o B..., I.P, era nula por falta de requisitos legais. 56) Toda a factualidade descrita causou grande transtorno à A. 57) A expetativa de celebração de um contrato de trabalho por tempo indeterminado que formalizasse e definisse a realidade dos factos relativamente à antiguidade da A. levaram-na a que insistentemente assinasse os diversos contratos que lhe foram apresentados. 58) A A. sempre pautou a sua maneira de estar na vida e na vertente profissional por zelo e dedicação. 59) Conforme AP/20170915 constante da certidão permanente foi lavrada no registo a extinção da Fundação B...(1.ª R).”. * B) De Direito
Primeira questão: se a matéria de facto se encontra incorrectamente julgada, devendo ser alterada. “20. Deve assim ser aditado à matéria fáctica provada que: “A 1.ª Ré ao iniciar as suas atribuições enquanto Fundação de Direito Privado, iniciou uma nova “actividade ou laboração, tal como é referido e permitido na alínea a) do n.º 4 do artigo 140.º do CT.” 21. Por outro lado, também deve ser dado como provada a seguinte factualidade que deve ser aditada à matéria fáctica provada, designadamente ao que ficou provado sob o número 48º: - “ Pelo menos a partir do ultimo trimestre de 2012 houve um acréscimo de atividade da FUNDAÇÃO B..., face ao notório e excecional desenvolvimento da atividade formativa cofinanciada e propinada, lançamento de novos serviços de assessoria e consultoria técnica a diversas Câmaras Municipais de implementação e duração incerta”. E que “As sucessivas renovações do contrato de trabalho a termo certo celebrado em 15/11/2010 foram fundamentadas, uma vez que houve, como é do conhecimento público, uma reforma profunda na administração local, que obrigou ao lançamento de um conjunto vastíssimo de ações de formação, seminários, workshops e ainda um projeto inédito de formação/ação em 45 Câmaras Municipais, o que provocou um acréscimo brutal e excecional de trabalho, que se iniciou no último trimestre de 2012 e se desenvolveu até final do primeiro semestre de 2015”. Dizer-se que “As sucessivas renovações do contrato de trabalho a termo certo celebrado em 15/11/2010 foram fundamentadas…”, não é mais do que solucionar por afirmações contidas na decisão fáctica uma das questões de direito que é objecto desta acção, o que, como visto, está processualmente vedado. Alegar-se que “…houve, como é do conhecimento público, uma reforma profunda na administração local, que obrigou ao lançamento de um conjunto vastíssimo de ações de formação, seminários, workshops e ainda um projeto inédito de formação/ação em 45 Câmaras Municipais…” representa a afirmação de um conjunto de conclusões a extrair de outros factos alegados e provados e relativos, por exemplo: i) ao tipo concreto de reforma que estava em causa e em que é que a mesma se traduziu no quotidiano da administração local (Por exemplo: Novas formas de distribuição interna de competências? Novas formas de gestão de recursos humanos e financeiros? Novos procedimentos preparatórios, informativos e decisórios? Novos organigramas funcionais? Novas formas de articulação entre as entidades do poder local, entre estas e a Administração Central e as instâncias comunitárias? Novas competências? Novas formas de acesso a recursos financeiros nacionais e comunitários para o desempenho das competências da administração local?); ii) o tipo concreto de acções de formação, seminários, workshops que passaram a desenvolver-se, por contraposição aos que até então tinham lugar; iii) o concreto programa de formação/acção que surgiu de forma inovatória e, pelo menos, algumas das Câmaras Municipais a que se destinava. Finalmente, reveste-se de carácter conclusivo a alegação de que se registou “… um acréscimo brutal e excepcional de trabalho, que se iniciou no último trimestre de 2012 e se desenvolveu até final do primeiro semestre de 2015”. Assim sendo e como supra justificado, tais conclusões não podem integrar a decisão sobre a matéria de facto. Tudo visto e reflectivo, responde-se negativamente à questão em equação, com a consequente improcedência da pretensão recursiva fáctica do apelante. * Segunda questão: se a relação de trabalho entre a autora e o B.../F pode ser qualificada como sendo de trabalho a termo certo ou se, pelo contrário, deve ser qualificada como sendo sem termo.
A propósito desta questão, este Tribunal da Relação teve oportunidade de se pronunciar, em processo com contornos semelhantes aos do presente, no acórdão de 30/1/2014, proferido no processo 1480/12.7TTCBR.C1, no qual foi adjunto o aqui relator, nos termos que aqui se deixam transcritos: “Importa começar por referir que a ré, Fundação B..., foi instituída através do Dec. Lei n.º 98/2009, de 28/04, que entrou em vigor 28/05/2009, o qual a constitui como pessoa colectiva de direito privado e utilidade pública, dotada de personalidade jurídica, conforme o art. 4.º daquele DL. E nos termos do seu art. 1.º foi extinto o D..., I.P. ( D..., I.P.), acrescentando os arts. 3.º e 6.º que a Fundação B...sucedia àquele Instituto Público no conjunto dos seus direitos e obrigações, bem como na prossecução dos seus fins e atribuições de serviço público e eram tranferidos para ela os direitos e obrigações, bem como a universalidade dos bens móveis e imóveis de que fosse titular o B..., I.P.. A 1.ª instância concluiu que a partir de 16/11/2010 a autora manteve um contrato individual de trabalho com o B..., I.P. por tempo indeterminado, embora nulo por violação de disposições imperativas de forma e relativas ao regime de recrutamento por concurso aplicáveis à Administração Pública. Mais concluiu que tendo a obrigações decorrentes de tal contrato nulo sido transmitidas à ré, Fundação B..., o contrato se convalidou desde a data do seu início, uma vez que cessara a causa de invalidade e que se relacionava com a natureza de instituto público do B..., I.P., na medida em que aquela Fundação tinha já a natureza de pessoa colectiva de direito privado, tudo ao abrigo do disposto no art. 125.º do Código do Trabalho de 2009 o qual estabelece que cessando a causa da invalidade durante a execução do contrato de trabalho (nulo), este considera-se convalidado desde o início da execução. A conclusão de que a relação contratual entre a autora e o B..., I.P., primeiro, e a Fundação B..., depois, se tratou de contrato de trabalho (não obstante as várias formas escritas adoptadas para o enquadrar, sob a capa de contratos de prestação de serviço e contratos de utilização de trabalho temporário) não está colocada em crise no recurso, pelo que deve entender-se que em relação a essa questão de formou caso julgado. A questão que deve ser tratada, por força do recurso, é a de saber qual o regime que se lhe deveria aplicar e se era possível extrair as consequências afirmadas na sentença recorrida. A apelante entende que a legislação aplicável era “a dos Decretos-Lei n.ºs 427/89 de 07 de Dezembro, Lei n.º 23/2004 de 22 de Junho e Lei n.º 59/2008, de 11 de Setembro”, discordando que a declaração e os efeitos de tal invalidade estejam fundamentados no Código do Trabalho. Vejamos: A relação contratual entre as partes teve o seu início em 16/11/2004. Por isso, teve o seu começo na vigência (entrado em vigor, em 1.12.2003) do Código do Trabalho de 2003, aprovado pela Lei n.º 98/2003, de 24 de Agosto. Assim, a questão da qualificação do contrato deve ser aferida à luz do regime jurídico-laboral que vigorava antes do CT/2009, uma vez que o n.º 1 do art.º 7.º Lei n.º 7/2009, estipula que ficam sujeitos ao regime do Código do Trabalho os contratos de trabalho celebrados antes da sua entrada em vigor, “salvo quanto às condições de validade e aos efeitos de factos ou situações totalmente passados anteriormente àquele momento”. Nessa medida, o contrato, sendo eventualmente de trabalho subordinado, convoca o regime do CT/2003 – v. a este propósito o Ac. do STJ de 10/11/2010 (in www.dgsi.pt, proc. 3074/07.0TTLSB.L1.S1). Tratando-se o B..., I.P. de um instituto público, integrado na Administração Pública era-lhe aplicável, em matéria da constituição, modificação e extinção da relação laboral, a Lei 23/2004, de 22.06, que entrou em vigor aos 22.07.04 (cfr. art. 31º) e que veio definir o regime jurídico do contrato de trabalho nas pessoas colectivas públicas, antes regulado sucessivamente pelos DL 184/89, de 2 de Junho, alterado pela Lei 25/98, de 26 de Maio, e pelo DL 427/89, de 7 de Dezembro, diploma este alterado pelo DL 218/98, de 17 de Junho. No domínio da legislação vigente até à Lei 23/2004, não era admissível a contratação sem termo na Administração Pública, como decorre dos arts. 9.º do DL 184/89, de 02.06, e 14.º e 43.º, n.º 1, do DL 427/89, de 07.12. A Lei 23/2004, de 22.06, passou a prever a possibilidade de contratação sem termo no seio da Administração Pública. O referido diploma estabelece no art. 1º, n.º 2 que “[p]odem celebrar contratos de trabalho o Estado e outras pessoas colectivas públicas nos termos da presente lei”. E no art. 2.º nº 1 que “[a]os contratos de trabalho celebrados por pessoas colectivas públicas é aplicável o regime do Código do Trabalho e respectiva legislação com as especificidades constantes da presente lei” (sublinhado nosso). No art. 5.º define-se a obrigatoriedade de sujeição da contratação por tempo indeterminado a um processo prévio de selecção subordinado aos princípios da publicitação da oferta de trabalho, da igualdade de condições e oportunidades e fundamentação da decisão de contratação em critérios objectivos e no art. 8.º sujeita-se a celebração dos contratos de trabalho a forma escrita. Assim, embora tendo o contrato de trabalho tido início na vigência desta lei, não obedeceu aos requisitos na mesma estabelecidos, e por isso tem de se considerar nulo, tal como se reconheceu na sentença da 1.ª instância. O mesmo sucederia se – tal como a ré invoca – caso de o contrato de pudesse dividir em vários e sucessivos contratos a termos, já que então não teriam sido observadas as normas que impunham a sua redução a escrito e precedência de procedimento concursório (art. 8.º e art. 9.º n.º 4 da Lei 23/2004). O quadro do regime consequencial da invalidade deveria ser aferido à luz Código do Trabalho de 2003, como dissemos, para o qual a Lei 23/2004 remete. A apelante invoca, todavia, a aplicabilidade da Lei n.º 59/2008, de 11 de Setembro (que aprovou o regime do contrato de trabalho em funções públicas - RCTFP). Essa Lei foi aprovada em desenvolvimento do art. 87.º da Lei 12-A/2008, de 27/2, e que estabeleceu os regimes de vinculação, de carreiras e de remunerações dos trabalhadores que exercem funções públicas. O artigo 88.º n.º 3 dessa Lei determina que os trabalhadores contratados por tempo indeterminado que exercem funções em condições diferentes das referidas no art. 10.º (ou seja, em regime de nomeação nos sectores do Estado ali referidos) mantêm o contrato com o conteúdo decorrente dessa mesma Lei – o seja, o do contrato de trabalho em funções públicas. Significa isto que, como o contrato de trabalho da autora era nulo, o seu contrato nunca se poderia manter como contrato de trabalho em funções públicas, sob pena de se encontrar uma convalidação extraordinária do contrato, pelo que não é possível aplicar o regime da Lei n.º 59/2008, de 11 de Setembro. Ainda assim, diga-se que na hipótese de ser de considerar aplicável o regime dessa Lei, a mesma contém norma quanto aos efeitos da invalidade do contrato e sua convalidação em tudo idênticas às consideradas pela 1.ª instância (v. arts. 83.º e 84.º). De outro modo, caso se considerasse que a autora estava nas condições referidas no n.º 3 do citado art. 88.º da Lei 12-A/2008, de 27/2, o art. 9.º n.º 1 do Dec. Lei n.º 98/2009, de 28/04, que instituiu a Fundação B..., dispõe que aos trabalhadores que reunissem essas condições era aplicável o regime contido no n.º 1 do art. 7.º do RCTFP que remete para o regime do art. 16.º da Lei n.º 23/2004, o qual por sua vez estabelece que os contratos de trabalho celebrados por pessoas colectivas públicas se transmitem para quem venha a prosseguir as respectivas atribuições, haja ou não extinção da pessoa colectiva pública, nos termos previstos no Código do Trabalho. Assim, por essa via, também o contrato individual da autora se transmitiria enquanto tal para a ré, subordinado ao regime do Código do Trabalho e não do RCTFP. Por outro lado, o disposto nos n.ºs 2 e 3 do art. 92º da Lei n.º 59/2008, invocados pela apelante, e que se referem à impossibilidade de conversão dos contratos a termo em contrato por tempo indeterminado, não teria aplicação de qualquer modo, já que no caso dos autos a situação não é a de referida conversão, no âmbito da relação iniciada e mantida pelo B..., I.P., mas antes a do regime da nulidade do contrato e dos seus efeitos enquanto em execução. A questão da convalidação que permitiria afirmar a sólida vigência do contrato para o futuro não se aplica já no confronto com o B..., I.P., mas antes no confronto com a ré que é uma pessoa colectiva de direito privado. Dito isto, temos que considerar que o contrato de trabalho nulo se transmitiu para a ré na posição de empregador, uma vez que se manteve em execução no quadro da actuação da mesma ré, sucedendo esta nas obrigações do B..., I.P., sendo certo que produziu efeitos como se fosse válido em relação ao tempo durante o qual esteve em execução, nos termos do art. 115.º n.º 1 do Código do Trabalho de 2003 (que tem redacção similar ao art. 122.º do Código do Trabalho de 2009). Mantendo-se a execução do contrato, como se manteve, substituindo-se a ré na posição do anterior empregador ope legis, importa reconhecer que o contrato se convalidou nos termos descritos na sentença da 1.ª instância. Na verdade, a causa da invalidade cessou já que decorria da natureza do B..., I.P. como pessoa colectiva pública. Mantendo o contrato em execução, para a celebração do contrato de trabalho não era já necessária a forma escrita para a sua validade, nem o procedimento concursório. Quando manteve aquela relação contratual, e a sua execução, ela passou a ser válida, como contrato de trabalho por tempo indeterminado, já que este não depende de observância de forma. E, nos termos do disposto no art. 125.º n.º 1 do Código do Trabalho de 2009 (que se deve considerar o aplicável, já que a constituição da ré é um facto observado na sua vigência), o contrato nulo deve considerar-se convalidado desde o início da sua execução (em 16/11/2004). Nessa medida, a conclusão expressa na sentença está certa, a nosso ver.
2.2. a questão de saber se o termo resolutivo aposto no contrato celebrado em 15 de Novembro de 2010 é ou não válido: Importa começar por referir que, tendo a ré surgido em 28 de Maio de 2009, da conjugação dos factos 45. e 46. se pode retirar que a actividade exercida pela autora desde que a primeira foi constituída não se alterou, assim como não se alterou o local de trabalho, assim como não se alteraram os instrumentos de trabalho colocados ao seu dispor, a sua retribuição, e bem assim como não se alterou o respectivo horário de trabalho fixado até ao dia 15 de Novembro de 2010, data em que foi dado a assinar à autora o contrato de trabalho a termo certo junto a fls. 75-78. Por tudo o que se disse, foi declarada a aposição de um termo a um contrato que não tinha termo. Tendo em conta todas as vicissitudes que se verificaram no contrato de trabalho da autora, “maquilhado” indevidamente como contratos de prestação de serviço e contratos de utilização de trabalho temporário, parece-nos ressaltar que o que foi “dado” a assinar à autora se prendia com mais um expediente de gestão para adiar o reconhecimento do vínculo por tempo indeterminado. Impressiona nesse sentido, a carta que foi endereçada à ré em 22/6/2009 (facto 32.), assinada pelo presidente do conselho directivo do B..., responsável pelo processo de extinção do instituto público, e de acordo com a qual lhe comunicava que logo que o novo conselho de administração da ré assumisse funções lhe seria dirigido um convite para a celebração de contrato de trabalho por tempo indeterminado, em conformidade com despacho do Secretário de Estado Adjunto e da Administração Local e, não obstante, desde a constituição da ré ainda tenha sido mantida a relação laboral sob a capa de um contrato de prestação de serviço e nove contratos de trabalho temporário (v. factos 29. a 44.). A aposição de termo no contrato que já era de tempo indeterminado afigura-se-nos neste contexto desde logo nula por nos parecer evidente que se destinava a iludir as disposições que regulam o contrato sem termo (art. 147.º n.º 1 al. a) do Código do Trabalho de 2009). Mas também é nula, como referiu a sentença da 1.ª instância, por falta de adequada justificação. A estipulação de termo foi assim justificada (facto 51.) na respectiva cláusula 5ª do documento que a titula, sob a epígrafe de “duração do contrato” que “ao presente contrato, celebrado ao abrigo da alínea a) do n.º 4 do art.º 140.º do C.T., é aposto um termo resolutivo de um ano”. Em consequência, a 1.ª instância considerou a justificação insuficiente, considerando o contrato sem termo, nos termos do disposto no art. 147.º n.º 1 al. c) do Código do Trabalho de 2009. A apelante entende que “passou a ser uma Fundação de Direito Privado, em contraposição à sua anterior índole de Instituto Público” e, por consequência, é «perfeitamente admissível e verosímil que a Ré considere que, ao iniciar as suas atribuições enquanto Fundação de Direito Privado, tenha iniciado uma nova “actividade ou laboração”, tal como é referido e permitido na a) do n.º 4 do art. 140.º do Código do Trabalho», defendendo que “seria de um atroz positivismo e de uma deveras desproporcional exigência exegética do elemento literal que se considerasse o termo aposto ao contrato nulo apenas pela falta da redacção da expressão literal, quando a situação que conduziu objectivamente e na realidade à contratação a termo se verificou e é facilmente comprovável”. Vejamos: O regime aplicável ao contrato a termo parte, sem dúvida, de uma regra central: a contratação por tempo determinado só deve ser admitida para satisfazer necessidades de trabalho objectivamente temporárias, de duração incerta ou de política de emprego. Na formulação do artigo 140.° n.º 1 do Código do Trabalho de 2009 (que estabelece que o “contrato a termo resolutivo só pode ser celebrado para a satisfação de necessidades temporárias da empresa e pelo período estritamente necessário à satisfação dessas necessidades”), está presente a admissibilidade do contrato a termo para satisfazer as necessidades de trabalho objectivamente temporárias. Porém, no n.º 4 do referido art. 140.º estão presentes outros interesses atendíveis: a satisfação de necessidades de trabalho de duração incerta ou de política de emprego. Nesta medida, a justificação fundada em início de laboração de empresa ou estabelecimento deve ser suficiente quando se invoque em concreto o início de laboração dessa empresa ou estabelecimento pertencente ao empregador, na medida em que estão em causa os interesses de diminuição do risco empresarial e de criação de emprego, já não a satisfação de necessidades temporárias ou transitórias do empregador. Naquele n.º 4 al. a) vem dito que pode ser celebrado contrato de trabalho a termo certo para “[l]ançamento de uma nova actividade de duração incerta, bem como início de laboração de empresa ou de estabelecimento pertencente a uma empresa com menos de 750 trabalhadores”. Das três distintas situações elencadas, a mera referência da ré à norma em causa não permite identificar a qual delas se refere. Por muito simples e objectivo que possa ser o motivo e a sua percepção, não há identificação factual que permita perceber da leitura do documento escrito quais os reais e concretos motivos da aposição de termo. Não pode assim considerar-se cumprida a obrigação formal de “menção expressa dos factos” que integram o motivo, imposta pelo n.º 3 do art. 142.º do Código do Trabalho. E, ainda que a ré mencionasse expressamente o motivo que alega – início de “atribuições enquanto Fundação de Direito Privado” -, a verdade é que ele não seria compatível com a lei na situação factual descrita. A ré sucedeu na gestão de uma organização com actividade há muito iniciada, ou seja de uma empresa já em laboração. O motivo nunca poderia ser acolhido como integrante da norma invocada. Nessa medida, a estipulação do termo sempre seria nula, como se reconheceu na 1.ª instância, ao abrigo da al. c) do n.º 1 do art. 147.º do Código do Trabalho. A consequência, nos termos dos n.ºs 1 e 3 desse mesmo artigo, o contrato considera-se sem termo, ou seja mantém-se sem termo já que fora iniciado como tal antes daquela estipulação, contando-se a antiguidade da autora desde o início da prestação do trabalho. E, por isso, é adequado o juízo expresso na sentença recorrida de acordo com a qual a declaração de caducidade equivaleu a um despedimento ilícito, com as consequências que assinalou.”. Não se vislumbra razão para divergir do que assim se entendeu, sendo que a semelhança das situações em causa naquele e neste processo justificam a aplicação adaptada daquele entendimento à situação em apreço, daí resultando algumas conclusões que relevam para a situação dos autos, a saber: 1ª) a relação de trabalho entre o B.../F e a autora deve ser qualificada como sendo de trabalho sem termo; 2ª) essa relação de trabalho deve considerar-se como tendo o seu início na data da admissão da autora pelo B.../IP, ou seja, 16/4/2004, sendo a contar desta data que deve ser contada a antiguidade da autora; 3ª) a declaração de invalidade da relação de trabalho entre a autora e o B.../IP a que se alude no ponto 55º) dos factos provados é absolutamente ineficaz porque contraria a convalidação contratual ex tunc a que se alude no acórdão supra transcrito e que é legalmente imposta pelo art. 125º/1 do CT/09 Soçobram, pois, as pretensões do apelante que contrariem as duas antecedentes conclusões, em especial a que tem por objecto a contagem de antiguidade da autora com termo inicial em 15/11/2010. * Terceira questão: se a relação de trabalho entre a autora e o B.../F se tornou supervenientemente nula por força da extinção do B.../F e consequente transição para o Estado, com afectação à C..., dos fins, atribuições, património, direitos e obrigações do B.../F, de tudo resultando, no que concerne àquela relação de trabalho, a admissão da autora como trabalhadora do Estado sem termo, sem observância de procedimento concursal de recrutamento e selecção constitucional e legalmente imposto, e sem obtenção de prévia autorização governamental também legalmente imposta.
Já supra se enunciou que a relação de trabalho entre o B.../F e a autora se deve ter por convalidada desde a data da admissão da autora pelo B.../IP, ou seja, 16/4/2004. Por outro lado, tal convalidação operou com a contratação da autora pelo B.../F em 15/11/2010 em termos que, como supra sustentado, deram origem a uma relação de trabalho subordinado sem termo. A significar que em 15/11/2010, mas com efeitos reportados a 16/4/2004, tonou-se válida a relação de trabalho entre a autora e o B.../F que, nessa relação de trabalho, sucedeu ao B.../IP, sendo que a nulidade da relação em momento anterior a 15/11/2010 jamais foi declarada por quem quer que fosse, tudo se passando como se fosse válida em relação ao tempo em que esteve em execução (arts. 115º/1 do CT/03 e 122º/1 do CT/09) e que corresponde a todo o período que mediou entre 16/4/2004 (data da admissão no B.../IP) e 15/11/2010 (data da admissão pelo B.../F e da convalidação ex tunc da relação de trabalho). Ora, a única circunstância factual invocada na apelação e que seria passível de perturbar a validade dessa relação de trabalho, invalidando-a em termos impeditivos da sua convalidação, radicaria na extinção do B.../F operada pelo DL 193/2015, de 14/09, com efeitos reportados ao dia 16/9/2015, com a consequente e legalmente determinada passagem para o Estado, com afectação à C..., dos fins, atribuições, património, direitos e obrigações do B.../F, entre as quais se incluíam as inerentes à relação de trabalho entre a autora e o B.../F, no lugar do qual passaria a estar o Estado Português/ C..., de quem a autora passaria a ser trabalhadora sem termo: i) com violação da proibição imperativa imposta pelos DL 184/89 e 427/89, do estabelecimento de relações laborais entre o Estado e o trabalhador mediante a celebração de contrato de trabalho por tempo indeterminado; ii) sem sujeição a procedimento público de recrutamento e selecção imperativamente imposto pelo art. 47º/1 da CRP, pelos DL 184/89 e 427/89, pela Lei 23/2004 e 35/20146; iii) sem a autorização governamental imperativamente exigida pelas Leis 66-B/2012, 83-C/2013, 82-B/2014, 7-A/2016 e 42/2016. Estaria em causa, pois, uma situação de invalidade superveniente da relação de trabalho que temos vindo a considerar, posto que alegadamente originada por circunstâncias cronologicamente posteriores (16/9/2015) à convalidação ex tunc daquela mesma relação operada em 15/11/2010 e com efeitos reportados a 16/4/2004. Ora, tal como sucede no caso dos contratos originariamente válidos, relativamente aos quais jamais se podem sustentar invalidades supervenientes dos mesmos[4], também em relação aos contratos que se convalidaram com eficácia ex tunc, tudo se passando como se os mesmos fossem originariamente válidos, não pode sustentar-se a sua invalidade por circunstâncias, mesmo legais, posteriores à data da referenciada convalidação. Tais contratos podem deixar de produzir os seus efeitos e mesmo extinguir-se por numerosas outras causas (v.g. resolução, caducidade, extinção por mútuo consenso…), mas nunca por via da sua invalidação superveniente. Como assim, não se regista a invalidade superveniente pela qual se pugna na apelação, razão pela qual: i) é absolutamente inócua, por não se registar juridicamente o que nela se afirmou, a declaração de invalidade protagonizada pelo Ministério Público, em representação do Estado, na audiência de partes que nestes autos teve lugar no dia 31/5/2016; ii) não podem acolher-se os efeitos temporalmente restritivos, em matéria de retribuições intercalares e de indemnização por antiguidade substitutiva da reintegração, que na apelação pretendem derivar-se daquela declaração de invalidade. * IV- DECISÃO
Acordam os juízes que integram esta sexta secção social do Tribunal da Relação de Coimbra no sentido de julgar a apelação improcedente, confirmando-se a sentença apelada. Custas pelo apelante. Coimbra, 12/4/2018 ..................................... (Jorge Manuel Loureiro)
........................................ (Paula Maria Roberto)
.................................. (Ramalho Pinto)
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