Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
450/12.0TBSCD-A.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: MOREIRA DO CARMO
Descritores: PERÍCIA MÉDICO - LEGAL
PERÍCIA COLEGIAL
Data do Acordão: 03/03/2015
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COMARCA DE VISEU - VISEU - INST. CENTRAL - SECÇÃO CÍVEL - J3
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTS. 467, 468 CPC, LEI Nº45/2004 DE 19/8
Sumário: As perícias médico-legais colegiais apenas têm lugar quando o juiz, na falta de alternativa, o determine de forma fundamentada, em conformidade com o disposto no art. 21º, nº 4, da Lei 45/2004, de 19.8, e são efectuadas por peritos designados nos termos previstos nessa lei, não tendo aplicação o disposto no art. 468º do NCPC.
Decisão Texto Integral:

I – Relatório

1. P (…) intentou contra Companhia de Seguros (…) SA, acção declarativa emergente de acidente de viação.

Seleccionada a matéria de facto a R. requereu exame pericial colegial ao A., para avaliação médico-legal do dano corporal, tendo indicado perito.

Foi deferida tal perícia, mas singularmente a realizar no IML.

Foi realizada tal perícia, tendo a R. requerido a realização de 2ª perícia, pelos motivos que apresentou, a realizar colegialmente, um nomeado pelo IML e outros dois pelas partes.

*

Foi proferido despacho que deferiu a realização de uma 2ª perícia médico-legal, e determinou que a mesma será realizada pelo INML, por um único perito.

*

2. A Requerente Tranquilidade interpôs recurso, tendo apresentado as seguintes conclusões:

I- A perícia colegial requerida nos presentes autos, apesar de se médica, não é de clínica médico-legal e forense;

II- Não há, no caso, qualquer interesse de ordem pública (ou até de saúde pública, como é o caso das autópsias) que imponha a intervenção exclusiva do INML na realização do exame pericial pedido pelas partes num processo em que se discutem direitos disponíveis;

III- Assim, considera a Ré não é aplicável ao exame solicitado o disposto na Lei 45/2004.

IV- O nº 3 do artigo 21º da Lei 45/2004 prevê a inaplicabilidade do nº 1 desse mesmo preceito “aos exames em que outros normativos legais determinem disposição diferente”.;

V- O artigo 468º n.º 1 alínea b) do NCPC estabelece que “A perícia é realizada por mais de um perito, até ao número de três, funcionando em moldes colegiais ou interdisciplinares:..b) quando alguma das partes, nos requerimentos previstos no artigo 475º e no nº 1 do artigo 476.º requerer a realização de perícia colegial ”, cabendo, nesse caso, ao tribunal iniciar um perito e a cada uma das partes outro (cfr artigo 468º n.º 2 do mesmo diploma);

VI- As normas da alínea b) do n.º 1 e do nº 2 do artigo 468º do Código de Processo Civil, constituem um dos “normativos legais” a que alude o n.º 3 do artigo 21º da Lei 45/2004 e que determinam disposição diferente ao princípio geral da intervenção nas perícias de apenas um só perito.

VII- É, precisamente, por força dessa ressalva que que a perícia médica a realização no âmbito de um acidente de trabalho, prevista no artigo 138º do CPT, continua a ser realizada em moldes colegiais, com dois peritos indicados pelas partes e um outro pelo tribunal (cfr 139º n.º 5); de facto, existe uma norma que prevê regime distinto ao da Lei 45/2004 - a do artigo 138º do CPT -, como ocorre nas perícias em direito civil por força dos artigos 468º n.º 1 alínea b) e nº 2.

VIII- Será, pois, no disposto no artigo 21º n.º 3 da Lei 45/2004, de 19 de Agosto, conjugado com as normas dos artigos 468º n.º 1 alínea b) e nº 2 do NCPC, que se encontrará fundamento para a admissão da perícia em moldes colegais, sendo um dos peritos indicados pelo tribunal (ou GML) e os dois restantes por cada uma das partes.

IX- Para que não seja totalmente desprovida de sentido a regra do n.º 3 do artigo 21º da Lei 45/2004, o disposto no n.º 4 desse artigo deverá ter a sua aplicação restringida às situações em que o Tribunal, oficiosamente, ordene oficiosamente a realização da perícia em moldes colegiais (sem que as partes o tenham requerido).

X- A realização da perícia em moldes colegais mostra-se, no caso, imprescindível, pelas vantagens que acarreta na descoberta da verdade material;

XI- A unanimidade dos três peritos (um deles indicado pelo GML) quanto a uma determinada conclusão desse relatório pericial, ressalvando, claro, as situações de erro técnico (muito menos provável de ocorrer com a intervenção de três peritos), constituiria uma absoluta certeza por parte do Tribunal de que a situação médica a examinar foi bem avaliada e não oferece qualquer dúvida, nem mesmo para a parte quem, eventualmente, pudesse ser menos favorecida com tal conclusão.

XII- Mesmo nas situações em que essa unanimidade não se verificasse, a intervenção de três peritos seria útil para que o Juiz, na qualidade de perito dos peritos, se pudesse aperceber das diferentes perspectivas que a mesma situação médica pode merecer, podendo formar a sua convicção de uma forma mais sustentada ou até aprofundar as matérias em que se verificasse essa divergência, de forma a apreciar a eventual justificação para a ausência de unanimidade nas respostas.

XIII- A eventual discordância de um perito quanto às conclusões obtidas pelos demais, se fundada em razões sólidas, seria decisiva para que o Tribunal pudesse evitar uma decisão baseada em pressupostos inexactos.

XIV- Do mesmo passo, a presença e discussão entre os peritos, no decurso do próprio exame, dessas eventuais diferenças de perspectiva poderia ser suficiente para evitar conclusões erradas e ser conducente à pretendida unanimidade.

XV- De um perícia singular levada a efeito no IML não pode resultar qualquer divergência, nem o Tribunal poderá aperceber-se das diferentes perspectivas para a mesma realidade, com o inerente prejuízo para a boa decisão da causa e para as partes, a quem é imposta uma determinada conclusão, muitas vezes subjectiva, do perito, sem que surja qualquer voz dissonante que alertem para o seu eventual desacerto.

XVI- Sejam quais forem as regras processuais em vigor em cada momento, nunca será propósito do legislador impor ao Tribunal o julgamento dos factos com base numa perspectiva forçadamente limitada ou insuficiente da realidade relevante.

XVII- Bem pelo contrário, o objectivo último do legislador é o de garantir uma solução justa para o litígio, mediante o apuramento, o tanto mais detalhado quanto possível, dos factos em análise.

XVIII- Estando ao alcance do Tribunal ordenar uma diligência que garantirá essa maior amplitude na análise e, portanto, propiciará uma mais acertada constatação e avaliação dos factos médicos carecidos de prova, não vemos como possível que se possa rejeitar a sua realização nos moldes propostos.

XIX- Atendendo ao relevante contributo que a discussão da questão médica a apurar por três peritos poderia trazer ao processo, será se convocar ainda a regra do artigo 547º do NCPC, como forma de admitir a perícia em moldes colegais, com intervenção de peritos das partes, o que expressamente se requer.

XX- A douta decisão sob censura violou as regras dos artigos 468º n.º 1 alínea b e nº 2 do NCPC e 21º n.º 3 da Lei 45/2004, de 19 de Agosto e fez uma interpretação que não respeita o direito consagrado no n.º 4 do artigo 20º da Constituição da república Portuguesa, das regras dos artigos 467º n.º 3 do NCPC e artigo 21º n.º1, 3 e 4 da Lei 45/2004, de 19 de Agosto.

Termos em que deve ser dado provimento ao recurso, revogando-se a douta decisão sob censura e decidindo-se antes nos moldes apontados, ordenando-se, assim, a realização de perícia médica na pessoa do A em moldes colegiais, com três peritos, um deles indicado pelo Tribunal e dois outros pelas partes, como é de inteira e liminar JUSTIÇA

3. Inexistem contra-alegações.

II – Factos Provados

Os factos provados são os que dimanam do relatório supra.

III – Do Direito

1. Uma vez que o âmbito objectivo dos recursos é delimitado pelas conclusões apresentadas pelos recorrentes (arts. 639º, nº 1, e 635º, nº 4, do NCPC), apreciaremos, apenas, as questões que ali foram enunciadas.

Nesta conformidade, a única questão a resolver é a seguinte.

- 2ª perícia médico-legal colegial.

2. No despacho recorrido optou-se por uma das duas correntes que são abraçadas pela jurisprudência acerca da singularidade ou colegialidade das perícias médico-legais, dando-se preferência à perícia singular, que é a corrente largamente maioritária. Enquanto a recorrente segue a corrente minoritária (citando, aliás 2 acórdãos da Rel. Porto de 14.2.2013, Proc.53/07.0TBVFL.C e de 10.7.2013, Proc.1554/07.6TBOVR-A, mas que não se mostram disponíveis no sítio do ITIJ).   

De todo o modo defendemos que a corrente largamente maioritária é a que se afigura de seguir.

Dispõe o art. 467º do NCPC, no que ora interessa considerar, o seguinte:

1 - A perícia …é requisitada pelo tribunal a estabelecimento, laboratório ou serviço oficial apropriado ou, quando tal não seja possível ou conveniente, realizada por um único perito, nomeado pelo juiz de entre pessoas de reconhecida idoneidade e competência na matéria em causa, sem prejuízo do disposto no artigo seguinte.

2 - (…)

3 - As perícias médico-legais são realizadas pelos serviços médico-legais ou pelos peritos médicos contratados, nos termos previstos no diploma que as regulamenta.

4 - As restantes perícias podem ser realizadas por entidade contratada pelo estabelecimento, laboratório ou serviço oficial, desde que não tenha qualquer interesse em relação ao objecto da causa nem ligação com as partes.

Estabelece, por seu turno, o art. 468º:

1 - A perícia é realizada por mais de um perito, até ao número de três, funcionando em moldes colegiais ou interdisciplinares:

a) Quando o juiz oficiosamente o determine, por entender que a perícia reveste especial complexidade ou exige conhecimento de matérias distintas;

b) Quando alguma das partes, nos requerimentos previstos no artigo 475º e nº 1 do artigo 476º, requerer a realização de perícia colegial.

2 - No caso previsto na alínea b) do número anterior, se as partes acordarem logo na nomeação dos peritos, é aplicável o disposto na segunda parte do nº 2 do artigo anterior; não havendo acordo, cada parte escolhe um dos peritos e o juiz nomeia o terceiro.
3 – (…)

4 – (…).

Perante o teor das citadas normas, impõe-se concluir que, em conformidade com o disposto no art. 467º, nº 1, a perícia deverá ser, em princípio e sempre que possível, requisitada pelo tribunal a estabelecimento, laboratório ou serviço oficial apropriado.

Quando isso não seja possível ou conveniente, a perícia será efectuada por um perito nomeado pelo juiz ou, nas situações mencionadas no art. 468º, nº 1, por três peritos. Com efeito, a expressão “…sem prejuízo do disposto no artigo seguinte” que consta na parte final do nº 1 do art. 467º, não se reporta a tudo o que está disposto no nº 1, mas apenas à 2ª parte - aquela onde se refere que a perícia é efectuada por um único perito nomeado pelo juiz, dada a impossibilidade ou inconveniência em recorrer aos serviços oficiais.

Ou seja, a perícia colegial a que alude o art. 468º apenas é possível nos casos em que a perícia não deva ser requisitada a estabelecimento, laboratório ou serviço oficial, já que, sendo este o caso, o tribunal limita-se a requisitar a sua realização sem qualquer interferência no que diz respeito aos concretos peritos que a vão realizar e que, naturalmente, serão designados de acordo com as regras legais ou regulamentares do estabelecimento, laboratório ou serviço a quem a perícia foi requisitada.

Assim, temos como certo que, sendo a perícia requisitada a estabelecimento, laboratório ou serviço oficial, o juiz e as partes não têm a possibilidade de indicar peritos para a sua realização e, por conseguinte, não tem aplicação o disposto no citado art.468º.

Uma vez requisitada a estabelecimento, laboratório ou serviço oficial, a perícia é feita por peritos do próprio estabelecimento ou serviço ou é feita por entidades que, para o efeito, sejam contratadas pelo estabelecimento ou serviço a quem a perícia foi requisitada (art. 467º, nº 4), sem que o juiz ou as partes tenham a faculdade de indicar os peritos concretos que a deverão realizar.

Conclui-se, deste modo, que o disposto no art. 468º não é aplicável às perícias que devam ser requisitadas a estabelecimento, laboratório ou serviço oficial, ficando a sua aplicação reservada para as perícias que, não devendo ser requisitadas naqueles termos, são efectuadas por um perito nomeado pelo juiz - regra estabelecida na 2ª parte do nº 1 do art. 467º, ou em moldes colegiais, nos termos previstos no mencionado art. 468º).

Como se disse, a perícia, salvo impossibilidade ou inconveniência, deverá ser requisitada a estabelecimento, laboratório ou serviço oficial apropriado. Tratando-se de uma perícia médico-legal, como é o caso dos autos, é evidente que é possível e conveniente a sua requisição ao serviço oficial apropriado, dispondo expressamente o nº 3 do aludido art. 467º, que tais perícias são realizadas pelos serviços médico-legais ou pelos peritos médicos contratados, nos termos previstos no diploma que as regulamenta.

Esse diploma, que regulamenta as perícias médico-legais, é a Lei 45/2004 de 19.8.

Este diploma estabelece o regime jurídico da realização das perícias médico-legais e forenses (art. 1º) que podem ter lugar em processo civil, pois não se prevendo a sua aplicação exclusiva ao processo criminal resulta, com absoluta evidência, do respectivo art. 21º, nº 4, que o diploma em causa é aplicável às perícias médico-legais no âmbito desse mesmo processo civil.

De acordo com o disposto no art. 21º, nº 1, as perícias são, em princípio, singulares, sendo que (nº 4, do mesmo preceito) as perícias colegiais previstas no Código de Processo Civil ficam reservadas para os casos em que o juiz, na falta de alternativa, o determine de forma fundamentada.

Cabe, agora, referir que, mesmo quando admissíveis, as perícias colegiais, no âmbito da clínica médico-legal e forense, nunca serão efectuadas por peritos indicados ou nomeados, nos termos do apontado art. 468º, já que tais perícias são efectuadas por médicos do quadro do Instituto ou contratados nos termos da referida lei (art. 27º, nº 1) ou, eventualmente, por docentes ou investigadores do ensino superior no âmbito de protocolos para o efeito celebrados pelo Instituto com instituições de ensino públicas ou privadas (nº 2 do mesmo artigo).

Assim, e ao contrário do que pretende a apelante, no âmbito das perícias médico-legais para que a perícia seja efectuada em moldes colegiais não basta que uma das partes requeira a sua realização nesses termos, na medida em que, nos termos do indicado art. 21º, nº 4, as perícias colegiais apenas têm lugar quando o juiz, na falta de alternativa, o determine de forma fundamentada.

E, mesmo quando admissíveis, nos termos da citada disposição legal, tais perícias colegiais não são efectuadas nos moldes pretendidos pela apelante e com a intervenção de peritos designados pelas partes e pelo tribunal, nos termos do mencionado art. 468º, mas sim com a intervenção de peritos designados nos termos previstos na citada Lei 45/2004, em conformidade com o disposto no apontado art. 467º, nº 3, do NCPC.

Em face do exposto, a realização da perícia médica em causa nos autos, deve ser realizada, não como requerido pela apelante, mas antes como ordenada no despacho recorrido (neste sentido se pronunciaram os acórdãos desta Relação de 10.7.2007, Proc.423/03.3TBCNT-A, e de 15.11.2011, Proc.194/09.0TBAVZ-A, da Rel. Porto de 9.6.2009, Proc.13492/05.2TBMAI-B, de 4.2.2010, Proc.201/06.8TBMCD, e de 13.12.2012, Proc.1518/11.5TBVLR-A, e da Rel. Guimarães, de 28.2.2013, Proc.1312/08.0TBFAF-A, e de 18.4.2013, Proc.1053/10.9TBVVD-A, todos disponíveis em www.dgsi.pt).

Ainda, assim, importa rebater 3 objecções avançadas pela recorrente.

Em 1º lugar, defende a mesma, que a perícia colegial requerida nos autos apesar de ser médica, não é certo que seja de clínica médico-legal e forense, já que o legislador não oferece uma definição do que seja tal tipo de perícia, considerando, pois, que não é aplicável ao exame solicitado o disposto na Lei 45/2004 (vide conclusões I a III).

Não é argumento credível. Desde logo porque é reversível. Se o legislador não oferece uma definição do que seja tal tipo de perícia também é verdade que não ilustra ou define o que não é uma perícia médico-legal. Com tal argumentação ficamos na mesma.

No nosso caso trata-se de efectuar uma perícia para avaliar o dano corporal do A, no âmbito de um processo judicial que envolve conhecimentos especializados médicos. A lei prevê este tipo de perícias denominando-as como perícias médico-legais e forenses no citado art. 467º, nº 3, do NCPC e no art. 1º da Lei 45/2004. São, por isso, perícias realizadas por médicos, reguladas por lei processual ou avulsa, e eventualmente sujeitas a critérios legais previamente fixados (v.g a Tabela Nacional para Avaliação de Incapacidades Permanentes em Direito Civil), e realizadas no âmbito de processos judiciais (podendo abarcar as relativas a avaliação do dano corporal, de tanatologia, genética, biologia, toxicologia, psiquiatria e psicologia, conforme previsto nas diversas secções do capítulo II de tal Lei). Não vemos, pois, como não se aplique a referida Lei ao caso dos autos.

Em 2º lugar entende que a dita 2ª perícia, mesmo médico-legal, deve ser colegial, com a intervenção de peritos das partes (cfr. conclusões IV a IX).

Já acima vimos que assim não era, face ao que está disposto no mencionado art. 21º, nº 1 e 4, visto que as perícias são, em princípio, singulares, sendo que as perícias colegiais previstas no código de processo civil ficam reservadas para os casos em que o juiz, na falta de alternativa, o determine de forma fundamentada. E mesmo quando admissíveis, as perícias colegiais, no âmbito da clínica médico-legal e forense, nunca serão efectuadas por peritos indicados pelas partes ou nomeados pelo tribunal.

Esgrime a recorrente com o art. 21º, nº 3, da referida Lei 45/2004 onde se dispõe que o disposto no nº 1 não se aplica aos exames em que outros normativos legais determinem disposição diferente, pretendendo com tal invocação demonstrar que a lei nesse nº 3, na expressão “outros normativos legais” pretendeu respeitar o disposto no art. 468º, nomeadamente realização de perícia colegial com indicação de peritos pelas partes.   

Salvo o devido respeito, afigura-se-nos que a recorrente está a ver a remissão legal ao contrário. A remissão dá-se justamente do corpo de leis do processo civil para a Lei que regula as perícias médico-legais, dito de outro modo, o apontado art. 467º, nº 3, do NCPC é que, estabelecendo a regra, remete para o art. 1º da Lei 45/2004 e não o inverso, o diploma regulador a inverter a regra.

De modo que a excepção prevista no dito nº 3 só será de aplicação a outros normativos legais porventura existentes que não o código de processo civil.

Em 3º lugar defende que a falada 2ª perícia deve ser colegial, com peritos indicados pelas partes, por ser necessária e conveniente (cfr. conclusões X a XIX).  

Como já atrás verificámos no âmbito das perícias médico-legais para que a perícia seja efectuada em moldes colegiais não basta que uma das partes requeira a sua realização nesses termos, na medida em que, nos termos do indicado art. 21º, nº 4, as perícias colegiais apenas têm lugar quando o juiz, na falta de alternativa, o determine de forma fundamentada.

Não descortinamos essa falta de alternativa no nosso caso.

Como é consabido, tem sido salientada a especial competência técnica, a idoneidade e imparcialidade dos peritos a quem cabe a realização das perícias médico-legais. Essa especial aptidão é mesmo expressamente afirmada no citado art. 21º, nº 4, onde se salienta o grau de especialização dos médicos peritos e se propugna a primazia dos exames singulares.       

Por outro lado, as perícias médico-legais postulam a ponderação de critérios objectivos, pelo que se afigura menos adequado afirmar, como o faz a recorrente, que nesta matéria, existe uma “perspectiva” do IML para a mesma realidade, e que a tal “perspectiva” poderá divergir da de qualquer perito médico indicado pela parte. Se sobre este assunto podemos afiançar algo, é exactamente o oposto, isto é, a experiência dos tribunais e a leitura dos processos diz-nos que, na generalidade dos casos, o perito das partes defende justamente e menos objectivamente a “perspectiva” da parte que o indicou.

Ademais, como se disse no despacho recorrido, “ponderada a matéria que se encontra controvertida, afigura-se que a realização da perícia na forma singular será suficiente para esclarecer os factos que demandam conhecimentos científicos ou técnicos especiais”, não carecendo, portanto, a 2ª perícia de ser colegial.

3. Sumariando (art. 663º, nº 7, do NCPC):

i) As perícias médico-legais colegiais apenas têm lugar quando o juiz, na falta de alternativa, o determine de forma fundamentada, em conformidade com o disposto no art. 21º, nº 4, da Lei 45/2004, de 19.8, e são efectuadas por peritos designados nos termos previstos nessa lei, não tendo aplicação o disposto no art. 468º do NCPC.

IV – Decisão

Pelo exposto, julga-se o recurso improcedente, confirmando-se a decisão recorrida.

*

Custas pela recorrente.

*

Coimbra, 3.3.2015

Moreira do Carmo ( Relator )

  Fonte Ramos

  Maria João Areias