Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
617/19.0T8CNT.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: ALBERTO RUÇO
Descritores: REGISTO PREDIAL
ÓNUS DE EVENTUAL REDUÇÃO DE DOAÇÕES SUJEITAS A COLAÇÃO
PEDIDOS NÃO REGISTÁVEIS
Data do Acordão: 09/07/2021
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE COIMBRA – J. L. CÍVEL DE CANTANHEDE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTº 2º, Nº 1, AL. R) DO C. REGISTO PREDIAL.
Sumário: Estando registado um «ónus de eventual redução das doações sujeitas a colação» – nos termos previstos na al. r) do n.º 1 do artigo 2.º do Código do Registo Predial (DL n.º 224/84, de 06 de julho) –, não são registáveis, em relação a certo prédio, os pedidos formulados por um interessado em processo de inventário, sendo eles um (i) requerimento para redução de liberalidades; um (ii) requerimento para relacionação oficiosa de doações e um (iii) requerimento para colação.
Decisão Texto Integral:




I. Relatório

a) Corre termos no Cartório Notarial de ..., a cargo da Sra. notária ..., um processo de inventário, com o n.º ..., no qual a Recorrente é interessada na qualidade de herdeira das heranças que aí se partilham por óbitos dos seus pais.

Neste inventário a Recorrente apresentou um requerimento com estas pretensões:

1 - «colação para consequente redução por inoficiosidade de todas as doações feitas em vida às suas duas irmãs, A... e P...»;

2 -  Redução da doação do prédio misto descrito na Conservatória do Registo Predial de ... sob o nº ..., da freguesia de ...

Este prédio misto descrito na Conservatória do Registo Predial de ... sob o n.º ..., da freguesia de ..., tem registado, sob a Ap. 32, de 1994/06/29, um «ónus de eventual redução de doação».

Na sequência da dedução destas pretensões, a Recorrente pediu, através das «Ap. 6049 e AP 6050», à Conservatória do Registo Predial de ..., «o registo dos seus legítimos direitos propugnados por um Ónus de Colação para Redução de Doação lavrado sob registo oficioso sobre o prédio n.º ... da freguesia e Concelho de ..., através da AP. 32, já invocados no âmbito do processo de inventário n.º ... a correr termos no Cartório Notarial de ...».

[Este texto entre aspas é da autoria da Recorrente e identifica o pedido feito na Conservatória. Foi extraído do ponto n.º 8 do requerimento que a Recorrente dirigiu ao Tribunal da Comarca de Cantanhede, onde deu entrada em 9 de setembro de 2019, o qual deu origem à presente impugnação da decisão proferida pela mencionada Conservatória – cfr. fls. 5 dos presentes autos de recurso.

Como não se vislumbra nestes autos de recurso o pedido concretamente feito pela Recorrente na Conservatória do Registo Predial de ..., exarou-se aqui esta afirmação da própria Recorrente sobre o conteúdo desse pedido]

O pedido de registo foi recusado pela Sra. Conservadora por duas razões, que se sintetizam assim:

Por um lado, porque o pedido formulado não continha factos sujeitos a registo predial;

Por outro, porque as pretensões formuladas no inventário não podiam ser consideradas como «ações» para efeitos do disposto no artigo 3.º do Código de Registo Predial, norma esta que versa sobre «ações, decisões, procedimentos e providências sujeitos a registo».

A Recorrente interpôs recurso hierárquico o qual manteve a recusa de registo e impugnou tal recusa no Tribunal da Comarca de Cantanhede.

O Tribunal da Comarca de Cantanhede proferiu a decisão que deu origem ao presente recurso, ou seja:

«Em conclusão, não sendo comprovada a instauração ou pendência de ação sujeita a registo, nem titulando os documentos apresentados com o pedido de registo quaisquer factos registáveis, designadamente ao abrigo das alíneas a) e v) do nº 1 do art. 2º do CRPredial, outro não poderia ser o sentido da decisão da Srs. Conservadora senão o da recusa decretada.

Pelo exposto, julgo improcedente a presente impugnação judicial e, por consequência, mantenho as decisões tomadas pela Senhora Conservadora da Conservatória do Registo Predial de ...»

b) Como se acabou de dizer, o presente recurso vem interposto desta decisão.

 As respetivas conclusões são as seguintes:

«A- Vem o presente Recurso interposto da Sentença proferida pelo Juiz do Juízo Local de Cantanhede – Juiz 1, Proc. Nº ... que veio em apreciação da Impugnação Judicial interposta pela Recorrente, julgar a mesma “Pelo exposto, julgo improcedente a presente impugnação judicial e, por consequência, mantenho as decisões tomadas pela Senhora Conservadora da Conservatória do Registo Predial de ...”

B- A decisão ora recorrida, veio mostrar-se ferida do vício da nulidade prevista nos termos do art.º 615, n º 1, alínea d) do CPC, em vários segmentos, como a seguir se identificam:

SOBRE A DETERMINAÇÃO DO OBJETO DOS PEDIDOS DE REGISTO PRECONIZADA PELO TRIBUNAL A QUO

C- Verifica a Recorrente primeiramente, que o objeto determinado pelo Tribunal a quo confunde conceitos de Redução em toda a sua amplitude, pois nem a Redução operada no âmbito sucessório por excesso de quota disponível, atinge o bem erga omnes, como foi expressamente considerado na decisão, nem o exercício potestativo do direito juridicamente tutelado aos herdeiros legitimários de requerer a Redução e o seu registo tendo por fundamento o Ónus Real oficiosamente decretado em 29-06-1994 conforme comprovou pela Certidão do imóvel que juntou, pode ser desqualificado na sede onde pode e deve ser requerido – a do Processo de Inventário -.

D- Resultando que efetivamente só por este meio a Legítima do herdeiro Requerente fica totalmente protegida em cado de alienação a terceiros, os quais só nesta circunstância respondem com o bem ou mesmo com o valor do mesmo.

E- E, na verdade, a Recorrente veio requerer o registo de um direito potestativo que exerceu em sede de Inventário e se fundamentou no Ónus de Eventual Redução de doação celebrada por conta da legítima, oficiosamente decretado desde 29-06-1994.

F- O Tribunal a quo ao atribuir a este Ónus qualidades erga omnes, que operariam automaticamente no âmbito do Inventário, mesmo que o Herdeiro legitimário não exercesse os seus direitos potestativos pelos quais poderia requerer a tutela jurídica do Ónus oficiosamente decretado em 29-06-1994, nos termos do art.º 2169º. do CC, quando o bem é alienado, permitindo as mesmas segundo decidiu que os herdeiros legitimários exigissem de terceiro o pagamento da sua legítima, caso a pretendessem receber em espécie, ou o seu valor, no caso nem a Herança ou o património das donatárias apresentar bens suficientes para o pagamento das tornas encontradas em sede de Inventário, desviou-se da apreciação da amplitude jurídica permitida pelo Ónus registado, pois este muito embora seja um Ónus Real, só atinge terceiros se for invocado através de Requerimento( pelos herdeiros legitimários) ou Ação judicial (por quaisquer outros terceiros), constituindo quer os Requerimentos com valor de Ação Judicial ou as Ações judiciais propriamente ditas fundamento válido e eficaz para que os pedidos de registos apresentados sejam deferidos.

G- Por outro lado, constata-se que o Tribunal a quo ao considerar que não se tinham cumprido os pressupostos dos registos pois a Recorrente tinha apresentado um Requerimento e não tinha intentado uma Ação Judicial, proferiu uma decisão nula nos termos do art.º 615, nº. 1 alínea d) do CPC, pois que efetivamente não apreciou questões que deveria ter apreciado quanto à equiparação dos Requerimentos submetidos em sede de Inventário com as Ações civis.

H- Nesta medida, o Tribunal a quo desvirtuando o alcance dos valores axiológico-normativos impostos pelo Lei nº 23/2013, de 5 de março, desconsiderou a tutela jurídica exercida pela Recorrente no âmbito dos seus preditos direitos potestativos e, ao fazê-lo, impediu consentaneamente o registo da suspensão da prescrição dos direitos invocados pela Recorrente, no âmbito dos Requerimentos submetidos.

I- O Tribunal a quo formulou ainda de forma incorreta o objeto do registo peticionado pela Recorrente – Registo dos requerimentos submetidos em sede de Inventário para Redução Eventual de doação – o qual não se espelha na seguinte redação: “2) Nesse processo a ora impugnante apresentou requerimento autónomo de “colação para consequente redução por inoficiosidade de todas as doações feitas em vida às suas duas irmãs, A... e P...” e onde requereu a redução da doação do prédio misto descrito na Conservatória do Registo Predial de ... sob o nº ..., da freguesia de... ”

J- Na verdade, a Recorrente veio apresentar a Registo os seguintes três Requerimentos deduzidos: 

a) REQUERIMENTO DE REDUÇÃO DE LIBERALIDADES

b) REQUERIMENTO PARA RELACIONAÇÃO OFICIOSA DE DOAÇÕES

c) REQUERIMENTO COLAÇÃO

K- Tendo a Recorrente apresentado com os mesmos a seguinte inventariação de documentos:

A) Certidão de óbito de J...

B) Certidão de óbito de M...

C) Habilitação de herdeiros de J...

D) Habilitação de herdeiros de M...

E) Escritura de Doação celebrada em 17-3-1994

F) Certidão permanente do Imóvel sobre o qual recaiu o registo do Ónus de Eventual Redução

G) Requerimento de Abertura de Inventário nº ...

H) Requerimento de Identificação de Herdeiros

I) Requerimento de Cumulação de Inventários

J) Requerimento aditamento retificação Relação de Bens

K) Imposto Sucessório pago sobre o imóvel em crise

L) Requerimento adicional imposto selo ...

M) Requerimento adicional imposto sucessório J...

N) Requerimento Autoridade Tributária Abertura de Inquérito

O) Requerimento Autoridade Tributária sobre Adicional à Relação de Bens

P) Requerimento Autoridade Tributária sobre a Cessão do Quinhão hereditário promovida por uma das donatárias

Q) Requerimento Autoridade tributária sobre o imóvel em crise

R) Auto de declarações Cabeça de Casal

S) Cartão de Cidadão – frente

T) Cartão de Cidadão – verso

L- Resultando, assim, inequívoco, que o Tribunal a quo ao reconduzir os Requerimentos apresentados pela Recorrente, a um único Requerimento transmutou a natureza e o fim de cada um dos mesmos.

M- Do exposto mais se assacando que o Tribunal a quo registou uma apreciação sobre matéria controvertida inexistente nos autos, construindo sobre a mesma uma incorreta construção do silogismo judiciário que assentou na falta de leitura e concretização da carga probatória relacionada ao exercício dos seus direitos potestativos no âmbito do Ónus de Eventual Redução já registado.

N- Por todas estas razão encontra-se a decisão ferida da nulidade prevista na al. d) do art. 615º, nº 1 do CPC, pois não apreciou devidamente as questões que deveria ter apreciado, afrontando clamorosamente o disposto nos art. 2º, nº 1, a) e v) e 3º, nº1, a) do Código do registo Predial, e art.º. 8º-A, nº 1, a) 1ª parte do CRP, urgindo em consequência seja a mesma revogada e substituída por outra que imponha a efetivação dos pedidos de registo apresentados pela Recorrente, como de seguida mais detalhadamente se comprova:

DA NULIDADE DECISÓRIA QUANTO À FALTA DA OBRIGATÓRIA EQUIPARAÇÃO ENTRE OS REQUERIMENTOS SUBMETIDOS EM SEDE DE INVENTÁRIO COM AQUELES QUE INSTRUEM AS AÇÕES JUDICIAIS.

O- Veio o Tribunal a quo fundamentar a improcedência dos pedidos de registo apresentados pela Recorrente, com base na consideração de que os Requerimentos que esta apresentou para registo não constituem verdadeiras Ações registáveis, conforme se reproduz: “A apresentação dos referidos requerimentos no processo de inventário, incorporando a manifestação de vontade de operar a redução de liberalidades, não representa em si mesmo qualquer facto jurídico que determinem a constituição, o reconhecimento, a aquisição ou a modificação dos direitos de propriedade.

Em conclusão, não sendo comprovada a instauração ou pendência de acção sujeita a registo, nem titulando os documentos apresentados com o pedido de registo quaisquer factos registáveis, designadamente ao abrigo das alíneas a) e v) do nº 1 do art. 2º do CRPredial, outro não poderia ser o sentido da decisão da Srs. Conservadora senão o da recusa decretada.”

P- A Recorrente constatando que o Juiz a quo não alcançou a verdadeira projeção jurídico-processual adjacente à tramitação do regime jurídico dos Processos de Inventário, instituída pela lei vigente à data dos factos aqui em apreciação - a Lei nº 23/2013, de 5 de março, vem invocar a nulidade desta decisão, nos termos do art.º 615, n º. 1 alínea d) do CPC, pois o Tribunal a quo desconsiderou que os Requerimentos suscitados pela Recorrente nos autos de processo nº ... têm o mesmo valor de “Ações” conforme estão previstas no Código Civil, sendo a tutela jurídica dos direitos hereditários exercida em Processo especial de Inventário, conforme já decidido nos seguintes Acórdãos do Tribunal da Relação de Guimarães e do Porto, que se citam a titulo de exemplo:

Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, de 14-12-2010, Proc. nº 140/10.8TCGMR.G1, in www.dgsi.pt: “ 2. O processo próprio para o cálculo da quota disponível e da legítima de cada um dos herdeiros (filhos e cônjuge), com vista à redução por inoficiosidade de liberalidade feita pelo testador, é o processo (especial) de inventário.”

E o Ac. Do Tribunal da Relação do Porto, de 08-10-2018, Proc. 2670/11.5TBPNF.P1, disponível em www.dgsi.pt “ II- O processo de inventário é o meio processualmente adequado para discutir a redução por inoficiosidade de liberalidades, entre vivos ou por morte, efectuadas pelo auto da sucessão, que ofendam a legítima dos seus herdeiros legitimários.”

Q- E, porque todos os Requerimentos dão origem a decisões recorríveis, as mesmas transitam em julgado quanto a cada uma das matérias decididas, independentemente da sentença homologatória da Partilha.

R- In casu, o próprio exercício dos direitos potestativos expresso por requerimento é de per si suficiente para aportar uma modificação limitativa do direito de propriedade, pois só pela mesmo, efetivamente, os direitos de terceiros ficam restringidos, ao contrário do decidido, passando a responder em espécie caso a Recorrente escolha esse tipo de pagamento das tornas, ou em valor, caso nem a Herança Indivisa ou as Donatárias disponham de bens compensatórios aceites pela Recorrente no âmbito da intangibilidade da legitima, que sejam suficientes.

S- Excluindo-se in totum, que os herdeiros legitimários tivessem a obrigação de exercer a tutela jurídica concedia pelo Ónus de Eventual redução, fora da amplitude do Processo de Inventário.

T- Razão pela qual a decisão proferida pelo Juiz a quo merece censura, devendo a nulidade da mesma ora invocada, ser decidida nos termos do art.º 615, n º. 1 alínea d) do CPC, onde se constata ainda violação da Lei nº 23/2013, de 5 de março, relativa à tramitação dos processos de inventário, o que afronta, clamorosamente, a solução jurídica enviesada pelo Tribunal a quo quanto à inaplicabilidade do disposto nos art.º 2º, nº 1, a) e v) e 3º, nº1, a) do Código do Registo Predial, e art.º 8º-A, nº 1, a) 1ª parte do CRP, urgindo em consequência seja a mesma revogada e substituída por outra que imponha a efetivação dos pedidos de registos dos requerimentos apresentados pela Recorrente.

DA NULIDADE DECISÓRIA QUANTO À PRECONIZADA DESNECESSIDADE DE QUALQUER ATUACÃO POR PARTE DOS HERDEIROS LEGITIMÁRIOS PARA A REDUÇÃO DA DOAÇÃO DO BEM ALIENADO A TERCEIROS

U- Veio o Tribunal a quo ainda decidir que o pagamento das inoficiosidades apuradas em sede de Inventário, permitia a redução oficiosa do bem doado mesmo que este tivesse sido alienado a terceiros, pois a tutela determinada pelo Ónus de Eventual Redução da Doação, já supria de per si a necessidade de qualquer atuação do herdeiro legitimário que viesse a deparar-se com a ofensa da sua legítima em sede de Inventário, conforme se reproduz: “Em caso de alienação a terceiros do bem doado, tal inscrição no registo, permite aos herdeiros do doador que tenham direito a preencher o seu quinhão legitimário à custa desses bens, executar o bem doado no património de terceiro adquirente para pagamento da importância devida pelo donatário ou pelos seus sucessores. Por via do registo vigente, está salvaguardada a eventual necessidade do quinhão legitimário ter de ser preenchido à custa desse imóvel ainda que seja transmitido a terceiros, não se alcançando sequer a utilidade de um qualquer novo registo. ”

V- Ora, segundo é entendimento da Recorrente, o Tribunal a quo proferiu também quanto a este extrato uma decisão ferida de nulidade nos termos dos art.º 615º n º. 1, alínea d) do CPC, porquanto apreciou questões que não poderia ter conhecido, por serem inexistentes no ordenamento jurídico.

W- Com efeito, ao contrário do expressamente decidido, a eficácia do Ónus de Eventual Redução da Doação, não opera nem verticalmente face aos herdeiros legitimários, se estes não requerem a Redução expressamente no seio do Inventário, nem opera transversalmente face a terceiros de boa-fé, se os requerimentos pelos quais foi requerida a tutela jurídica concedida pelo art.º 2169º do CC. no seio do Inventário, não forem registados, nos termos dos art. 2º, nº 1, a) e v); art. 3º, nº1, a); art. 8º-A, nº 1, a) 1ª parte, todos do CRP.

X- Não podendo ser confundida como logo primariamente explicitado neste Recurso a Redução por excesso de quota disponível, decidida nos termos das regras das sucessões, com a Redução resultante do exercício dos direitos potestativos tutelado juridicamente.

Y- Na verdade, só através do registo efetivado a favor da Recorrente é que fica garantido e publicitado o exercício preconizado em sede de Inventário do direito de natureza imobiliária que o próprio bem tutela, alcançando-se assim a plenitude dos direitos da Recorrente, tanto, no seio no seio do Inventário em curso, pela defesa que o registo de tais requerimentos lhe aporta para recebimento das tornas que lhe são devidas de acordo com o Princípio da Integralidade da legítima, como Erga omnes, pela defesa que tais registos lhe trazem contra direitos de terceiros de boa-fé.

Z- Por esse motivo, ao contrário do decidido, o registo é devido – nos termos art.º art. 2º, nº 1, a) e v) e 3º, nº1, a) do Código do registo Predial, e obrigatório, nos termos do art.º. 8º-A, nº 1, a) 1ª parte do CRP,

AA - Donde urge declarar a nulidade da decisão proferida ao abrigo do disposto no art. 615º, nº 1 alínea d) do CPC, e ainda declarar que a solução jurídica enviesada pelo Tribunal a quo afronta clamorosamente o disposto nos art. 2º, nº 1, a) e v) e 3º, nº1, a) do Código do registo Predial, e art.º. 8º-A, nº 1, a) 1ª parte do CRP, devendo em consonância ser a mesma revogada e substituída por outra que imponha a efetivação dos pedidos de registos dos Requerimentos sobre o bem imóvel em crise apresentados pela Recorrente.

DA NULIDADE DECISÓRIA QUANTO À EQUIPARAÇÃO DA REDUÇÃO OPERADA NO ÂMBITO SUCESSÓRIO E A REDUÇÃO DECORRENTE DO REGISTO OFICOSO EM 29-06-1994 DO ÓNUS DE EVENTUAL REDUÇÃO DA DOAÇÃO

BB- Também quanto a esta matéria, o Tribunal a quo proferiu uma decisão ferida de nulidade nos termos dos art.º 615º, n º. 1, alínea d) do CPC, porquanto apreciou questões que não poderia ter apreciado, por serem igualmente inexistentes no ordenamento jurídico.

CC- Na verdade, o direito de Redução originado e avalizado pela inoficiosidade apurada em sede de Inventário por excesso de quota disponível, não alcança a proteção do direito à redução gerado pela apresentação/interposição de requerimento para Redução da Doação fundamentado no Ónus decretado oficiosamente em 29-06-1994 sobre a Doação Inoficiosa, celebrada por conta da legítima,

DD- Pois, enquanto na redução da inoficiosidade em termos sucessórios só respondem os bens doados que se encontram ainda na esfera jurídico patrimonial dos donatários, já na Redução requerida no âmbito do Ónus de Eventual Redução oficiosamente decretado pela Conservatória do registo predial em 29-06-1994, o bem responde independentemente da titularidade de quem o detém.

EE- Constando-se que o registo jurídico das reduções, para além de encontrar fundamento em regras distintas, gera efeitos com alcance substancialmente distintos, também.

FF- Na verdade, enquanto a redução da inoficiosidade em termos sucessórios opera automaticamente uma vez apurada e pode não chegar a cumprir o seu objetivo, a redução do bem requerida por inoficiosidade nos termos do Ónus Real decretado oficiosamente em 29-06-1994, alcança o bem, pois persegue-o para além da titularidade de quem o detém, e só produz efeitos, se os herdeiros legitimários a requerem especificamente e a registarem.

GG- Revelando-se que a compensação da legítima ofendida só se salvaguarda inteiramente, caso os detentores dos direitos creditícios sob a Herança Indivisa e bens das donatárias, venham a requerer judicialmente a Redução da Doação Inoficiosa, invocando o próprio Ónus registado.

HH- O que foi feito pela Recorrente.

II- Assim, a idealização do Tribunal a quo pela qual a Redução por inoficiosidade afeta o património de terceiros de boa-fé por inerência direta do registo do próprio Ónus decretado sobre o Bem imóvel não procede, já que esse direito está sempre dependente de um Requerimento em sede de Inventário apresentado pelos herdeiros legitimários.

JJ- Talqualmente a Recorrente os apresentou, pelos meios jurídicos ao seu dispor, no seio do Inventário.

KK- Razão pela qual, a Recorrente entende que a decisão proferida por se estribar em fundamentos que não encontram assento jurídico enquadrado no âmbito sucessório, é nula, nos termos do disposto na al. d) do nº 1 do art. 615º do CPC, pois efetivamente o Tribunal a quo tomou conhecimento de regras inexistentes no ordenamento jurídico.

LL- E nesse seguimento afronta clamorosamente o disposto nos art. 2º, nº 1, a) e v) e 3º, nº1, a) do Código do registo Predial, e art.º. 8º- A, nº 1, a) 1ª parte do CRP, urgindo que seja a mesma revogada e substituída por outra que imponha a efetivação do pedido de registo apresentado pela Recorrente.

DA NULIDADE DECISÓRIA QUANTO À DETERMINAÇÃO QUE OS REQUERIMENTOS APRESENTADOS NÃO CONTITUEM FACTOS NOVOS SUSCEPTÍVEIS DE ALTERAR O DIREITO DE PROPRIEDADE EXISTENTE

MM- Veio ainda o Tribunal a quo fundamentar a sua decisão pela qual improcedeu o pedido de registo dos Requerimentos apresentados pela Recorrente, decidindo que: “A apresentação dos referidos requerimentos no processo de inventário, incorporando a manifestação de vontade de operar a redução de liberalidades, não representa em si mesmo qualquer facto jurídico que determinem a constituição, o reconhecimento, a aquisição ou a modificação dos direitos de propriedade”

NN- Em face do exposto a Recorrente vem requer o decretamento da nulidade decisória promanada, nos termos do art. 615, nº 1, alínea d), do CPC, uma vez que o Juiz deixou de se pronunciar sobre questões que deveria ter tomado conhecimento, já que na verdade, os Requerimentos que apresentou a registo constituem o único meio nos termos da Lei, pelo qual foi lhe foi concedido requerer a Redução nos termos do art.º 2169º. do CC.

OO- Direito de Redução este, que só se estende erga omnes apenas através do registo requerido, limitando indelevelmente os direitos de propriedade de quem a adquira, que ficará constrangido ao pagamento das tornas devidas no âmbito compensatório da legítima da Recorrente apurada em sede de Inventário.

PP- Na verdade, só através do registo do direito exercido pelos Requerimentos submetidos em sede de Inventário, qualquer terceiro que adquira o bem responderá com o mesmo ou pelo seu valor considerado à data do óbito de cada doador, consoante o herdeiro legitimário o escolha, já que é eu apanágio a escolha dos bens que evem integrar a compensação da sua legítima ofendida.

QQ- Razão pela qual este extrato decisório advém nulo, nos termos do art.º 615, n º. 1 alínea d), pois o Tribunal a quo não apreciou questões que deveria ter apreciado, mormente a limitação exercida aos direitos de propriedade de quem quer que a titule, a qual, porém, só produz efeitos contra terceiros de boa-fé uma vez registados os Requerimentos pela qual foi requerida a Redução do Bem por inoficiosidade.

RR- De salientar ainda que a solução jurídica enviesada pelo Tribunal a quo afronta clamorosamente o disposto nos art. 2º, nº 1, a) e v) e 3º, nº1, a) do Código do Registo Predial, e art.º. 8º-A, nº 1, a) 1ª parte do CRP

SS- Urgindo em consonância seja a mesma revogada e substituída por outra que imponha a efetivação do pedido de registo apresentado pela Recorrente.

DA NULIDADE DECISÓRIA SOBRE A NATUREZA LIMITATIVA DO DIREITO DE PROPRIEDADE IMPOSTA PELA SUSPENSÃO DA PRESCRIÇÃO COMPROVADA PELO EXERCÍCIO DOS DIREITOS POTESTATIVOS PELOS QUAIS FOI REQUERIDA A REDUÇÃO DO BEM DOADO

TT- Veio por fim o Tribunal a quo ainda desconsiderar um outro efeito limitador do direito de propriedade, subsumido à suspensão da prescrição do direito ao pedido de redução.

UU- A decisão proferida encontra-se, assim, ferida de nulidade, porquanto o Tribunal a quo, deixou de apreciar a questão referente aos efeitos registais do direito exercido pela Recorrente, pelo qual esta suspendeu a prescrição/caducidade.

VV- Com efeito, prescrevendo a tutela jurídica concedida por Lei aos direitos dos herdeiros legitimários findos 20 anos, mal decidiu o Tribunal a quo com a decisão promanada desconsiderado o incomensurável prejuízo pelo qual veio impedir a Recorrente de suspender o prazo de prescrição dentro do qual pode exercer os seus direitos potestativos, através do registo dos Requerimentos apresentados.

WW- Assim, e porque o prazo só se suspende pelo registo dos Requerimentos apresentados, encontra-se a decisão que veio considerar que “a manifestação de vontade de operar a redução de liberalidades, não representa em si mesmo qualquer facto jurídico que determinem a constituição, o reconhecimento, a aquisição ou a modificação dos direitos de propriedade”, ferida de nulidade nos termos do art.º 615, n º 1 alínea d) do CPC, pois a vontade foi manifestada através de Requerimentos com o valor jurídico de Ações às quais se equiparam, não podendo por esse motivo ser relevada a vontade legalmente manifestada.

XX- A suspensão da prescrição estende no tempo os direitos da Recorrente sobre o bem imóvel tutelado pelo Ónus de Redução, mantendo assim todas as limitações ao direito de propriedade de quem quer que titule o bem enquanto a Recorrente não for compensada pela sua legítima ofendida.

YY- No seguimento, mostra-se manifesto que a solução jurídica  enviesada pelo Tribunal a quo afronta clamorosamente o disposto nos art. 2º, nº 1, a) e v) e 3º, nº1, a) do Código do Registo Predial, e art.º. 8º-A, nº 1, a) 1ª parte do CRP, urgindo consequentemente seja a mesma revogada e substituída por outra que imponha a efetivação do pedido de registo apresentado pela Recorrente.

Termos em que e nos melhores em direito que os senhores juízes desembargadores mui proficientemente suprirão, deve o presente recurso ser recebido e ser considerado procedente, por provado, in totum, assim se fazendo a costumada Justiça!»

c) Não há contra-alegações.

II. Objeto do recurso.

O âmbito objetivo dos recursos é balizado pelas conclusões apresentadas pelos recorrentes (artigos 639.º, n.º 1, e 635.º, n.º 4, ambos do Código de Processo Civil), sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso.

De acordo com a sequência lógica das matérias, cumpre começar pelas questões processuais, se as houver, prosseguindo depois com as questões relativas à matéria de facto e eventual repercussão destas na análise de exceções processuais e, por fim, com as atinentes ao mérito da causa.

As questões que este recurso coloca são as seguintes:

1 – Em primeiro lugar, as diversas nulidades de sentença.

2 – Em segundo lugar, coloca-se a questão de saber se são registáveis as pretensões que a Recorrente dirigiu ao processo de inventário.

III. Fundamentação

1 – Nulidades de sentença

Antes de prosseguir, cumpre referir que as nulidades de sentença, como é próprio das nulidades, resultam de vícios de natureza processual e estes respeitam à observação das formalidades dos atos processuais ou, então, à sequência ou encadeamento processual dos atos.

Nos termos do n.º 1 do artigo 615.º do CPC, «É nula a sentença quando:

a) Não contenha a assinatura do juiz;

b) Não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão;

c) Os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível;

d) O juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento;

e) O juiz condene em quantidade superior ou em objeto diverso do pedido».

A nulidade da sentença, estando ligada à infração de normas relativas ao formalismo processual, consiste num vício processual que deverá conduzir à inutilização, retrocesso e repetição do ato nulo, no todo ou em parte.

Raramente uma sentença padecerá de nulidade, salvo no que respeita à nulidade por omissão de pronúncia, pois não raro ocorre que, por razões diversas, o tribunal profere a decisão, mas omitiu a análise de um pedido ou de uma exceção ou então porque excedeu o pedido.

As nulidades processuais não têm conexão com a matéria substantiva de que trata o processo, isto é, com a questão ou questões de mérito.

Por isso, se se invocam questões relativas ao direito substantivo, ao mérito da própria causa, isso será sinal de que não estamos perante uma nulidade de sentença.

As questões de direito substantivo aplicável ao caso não originam a nulidade da decisão.

Por conseguinte, se for possível resolver a questão colocada como nulidade através do recurso de mérito, então isso mostra que a natureza da questão não é processual, não existindo uma nulidade processual.

Vejamos então.

(I) – A Recorrente diz que o tribunal proferiu uma decisão nula nos termos do art.º 615, nº. 1 alínea d) do CPC, porque não apreciou questões que deveria ter apreciado quanto à equiparação dos Requerimentos submetidos em sede de Inventário com as Ações civis – conclusão «C».

Não assiste razão à recorrente.

O tribunal apreciou a questão substantiva que lhe foi colocada e julgou-a improcedente.

O que a Recorrente afirma para fundamentar esta nulidade da sentença é um argumento invocável para mostrar o fundamento do pedido que fez, mas não é a questão que foi colocada ao tribunal.

Tal argumento é invocável sim, mas fora do âmbito das nulidades de sentença.

Improcede esta nulidade.

(II) – A decisão está ferida da nulidade prevista na al. d) do art. 615.º, n.º 1 do CPC, pois não apreciou devidamente as questões que deveria ter apreciado porquanto diz «2) Nesse processo a ora impugnante apresentou requerimento autónomo de “colação para consequente redução por inoficiosidade de todas as doações feitas em vida às suas duas irmãs, A... e P...” e onde requereu a redução da doação do prédio misto descrito na Conservatória do Registo Predial de ... sob o nº ..., da freguesia de ...», quando, na verdade, a Recorrente apresentou a registo os seguintes requerimentos apresentados no inventário:  (i) Requerimento de redução de liberalidades; (ii) Requerimento para relacionação oficiosa de doações; (iii) Requerimento colação.

Improcede a arguição desta nulidade pelas mesmas razões.

Uma coisa são as questões colocadas ao tribunal, outras os argumentos invocados a respeito dessas questões.

O juiz não deixou de se pronunciar sobre as questões que devia apreciar, tendo julgado improcedente a pretensão da Recorrente.

Improcede a arguição desta nulidade.

(III) – Nulidade resultante da falta da obrigatória equiparação entre os requerimentos submetidos em sede de inventário com aqueles que instruem as ações judiciais (Conclusão da al. «O»).

A Recorrente subsume esta matéria á nulidade prevista no art.º 615, n º. 1 alínea d) do CPC, pois o Tribunal a quo desconsiderou que os Requerimentos suscitados pela Recorrente nos autos de processo nº ... têm o mesmo valor de “Ações” conforme estão previstas no Código Civil, sendo a tutela jurídica dos direitos hereditários exercida em Processo especial de Inventário.

Esta argumentação é de direito material, substantivo, não tem capacidade para gerar uma nulidade de sentença.

Improcede a arguição desta nulidade.

(IV) – Nulidade resultante da preconizada desnecessidade de qualquer atuação por parte dos herdeiros legitimários para a redução da doação do bem alienado a terceiros

A recorrente diz que esta decisão está ferida de nulidade nos termos dos art.º 615º, n º 1, alínea d) do CPC, porquanto apreciou questões que não poderia ter conhecido, por serem inexistentes no ordenamento jurídico.

Esta argumentação é de direito material, substantivo, não tem capacidade para gerar uma nulidade de sentença.

Improcede a arguição desta nulidade.

(V) – Nulidade resultante da equiparação da redução operada no âmbito sucessório e a redução decorrente do registo oficioso em 29-06-1994 do ónus de eventual redução da doação.

A decisão é nula, nos termos dos art.º 615º, n º. 1, alínea d) do CPC, porquanto apreciou questões que não poderia ter apreciado, por serem igualmente inexistentes no ordenamento jurídico.

Porquanto a «…compensação da legítima ofendida só se salvaguarda inteiramente, caso os detentores dos direitos creditícios sob a Herança Indivisa e bens das donatárias, venham a requerer judicialmente a Redução da Doação Inoficiosa, invocando o próprio Ónus registado» e daí que tal pedido tenha de ser registado para ser eficaz.

Esta argumentação é de direito material, substantivo, não tem capacidade para gerar uma nulidade de sentença.

Improcede a arguição desta nulidade.

(VI) – Nulidade resultante da consideração de que os requerimentos apresentados não constituem factos novos suscetíveis de alterar o direito de propriedade existente, porquanto, nos termos do art. 615, nº 1, alínea d), do CPC, o tribunal deixou de se pronunciar sobre questões que deveria ter tomado conhecimento, já que na verdade, os Requerimentos que apresentou a registo constituem o único meio nos termos da lei, para ter eficácia erga omnes.

Só através do registo do direito exercido pelos Requerimentos submetidos em sede de Inventário, qualquer terceiro que adquira o bem responderá com o mesmo ou pelo seu valor considerado à data do óbito de cada doador.

Esta argumentação é de direito material, substantivo, não tem capacidade para gerar uma nulidade de sentença.

Improcede a arguição desta nulidade.

2 – Matéria de facto – Factos provados

...

3 – Apreciação da restante questão objeto do recurso

Antes de iniciar a análise cumpre deixar uma nota:

A questão inicialmente colocada pela Recorrente não se mostrava complexa, não se querendo com isto dizer que revestisse simplicidade, mas sim que se enunciava em poucas palavras, mas à medida que o processo progrediu os requerimentos cresceram «exponencialmente» em extensão e isso deve ser evitado porque dificulta a apreensão e compreensão da matéria em litígio.


*

A questão colocada, como se disse, consiste em saber se os requerimentos feitos pela Recorrente no inventário e levados ao registo na Conservatória do Registo Predial de ..., através das «Ap. 6049 e AP 6050», são registáveis.

Já se referiu que não se encontrou nestes autos de recurso o pedido concretamente feito pela Recorrente na Conservatória do Registo Predial de ....

Mas a Recorrente diz nos autos que a pretensão consistiu no pedido de registo dos direitos resultantes do (i) Requerimento de redução de liberalidades; do (ii) Requerimento para relacionação oficiosa de doações e do (iii) Requerimento colação.

Esta pretensão foi formulada no inventário, segundo a Recorrente, em termos gerais, isto é, todas as «liberalidades», todas as «doações» e respetiva colação.

Mas o que está em causa no recurso são apenas os pedidos feitos através das «Ap. 6049 e AP 6050» e estas respeitam especificamente ao prédio da ficha n.º ... da freguesia e Concelho de ...

Cumpre, por isso, averiguar se resulta registável algum direito derivado do (i) Requerimento de redução de liberalidades; do (ii) Requerimento para relacionação oficiosa de doações e do (iii) Requerimento colação.

A resposta é negativa, pelas seguintes razões:

1 – Como é sabido, mas cumpre fazer-lhe referência, «O registo predial destina-se essencialmente a dar publicidade à situação jurídica dos prédios, tendo em vista a segurança do comércio jurídico imobiliário» - artigo 1.º do Código do Registo Predial (aprovado pelo DL n.º 224/84, de 06 de julho).

Por conseguinte, os direitos registados valem perante os terceiros a quem forem oponíveis, não podendo os terceiros alegar desconhecimento.

E gozam ainda da presunção estabelecida no artigo 7.º do mesmo Código, onde se dispõe que «O registo definitivo constitui presunção de que o direito existe e pertence ao titular inscrito, nos precisos termos em que o registo o define».

Sendo estas as vantagens do registo, vejamos que vantagens pretendia a Recorrente retirar do registo que promoveu.

Segundo as suas próprias declarações, produzidas perante a Sra. conservadora, (na resposta ao email «…remetido à signatária no dia 28-12-2018») o registo pedido  «Constituirá o único meio capaz de conferir proteção contra terceiro de boa fé que venha a suceder eventualmente na propriedade daquele bem, pois, só com o registo constituído das ações pedidas em registo é publicitado que a herdeira legitimária S…requereu através das competentes ações a redução da inoficiosidade por colação e redução da própria liberalidade inoficiosa, garantindo, assim, por esta via pública, o ónus da Inoficiosidade que nelas reclamou».

Por conseguinte, segundo as próprias declarações, a Requerente pretendia e pretende proteger-se contra terceiros aos quais o prédio possa vir a ser transmitido.

2 – Estando registado em relação ao prédio em causa, desde 1994, um «ónus de eventual redução de doação», cumpre verificar que vantagem traria à Recorrente o registo destas pretensões, que não estivesse já assegurada com o registo do mencionado ónus em relação ao prédio em causa.

Ou seja, o que é que poderia ser feito no registo predial além do que já estava feito?

O que poderia ser registado seriam as mencionadas pretensões deduzidas pela recorrente, como se de ações judiciais se tratasse, mas não factos registáveis, porquanto os documentos não continham quaisquer factos registáveis.

Com efeito, o que se regista, além das ações, estas como vem previsto no artigo 3.º do Código do Registo Predial (DL n.º 224/84, de 06 de julho), são os «factos» e «situações» jurídicas mencionadas no artigo 2.º deste Código, onde se prevê justamente o registo do «ónus de eventual redução das doações sujeitas a colação» - al. r), do n.º 1, do artigo 2.º.

Esta previsão do artigo 2.º do Código do Registo Predial, como resulta do seu texto é taxativa [Neste sentido, Mouteira Guerreiro. Noções de Direito Registral (Predial e Comercial). Coimbra Editora 1993, pág. 44].

Afigura-se que nada mais poderia ser feito, ou seja, mesmo que fossem registadas as pretensões da Recorrente, como se do registo de uma ação judicial se tratasse, isso nada acrescentaria à proteção já conferida pelo registo do «ónus de eventual redução de doação».

Com efeito, como referiu F. M. Pereira Coelho, «O artigo 2118.º considera “ónus real” a eventual redução das doações sujeitas a colação, não podendo fazer-se registo de doação de bens imóveis sujeita a colação sem se efectuar simultaneamente o registo do ónus. Os bens doados ficam pois onerados e, se forem alienados e tiver sido efetuado o registo do ónus, o adquirente recebe-os com esse encargo, podendo os bens ser sacrificados em quanto seja necessário para o preenchimento das legítimas» - Direito das Sucessões (Lições ao Curso de 1973-1974, actualizadas…), Coimbra, 1992, pág. 296/297.

O mesmo disse Manuel Henrique Mesquita:

«Pelo que respeita ao terceiro adquirente dos bens doados, ele não está seguramente adstrito a qualquer obrigação, mas apenas sujeito, quando seja aplicável o regime da colação e por força do disposto no artigo 2118.º, a que esses bens possam ser executados para pagamento da importância devida pelo donatário ou pelos seus sucessores, nos termos já referidos. O que nos surge aqui, pois, é uma garantia criada directamente pela lei sobre os bens doados, em benefício dos herdeiros do doador que tenham direito a preencher o seu quinhão legitimário à custa desses bens» - Obrigações Reais e Ónus Reais. Coimbra: Almedina, 1990, pág. 462.

No mesmo sentido, João António Lopes Cardoso:

«O donatário não está impedido de alienar os bens doados.

Pela doação operou-se a transferência da propriedade, e o donatário, como seu verdadeiro senhor, pode transmiti-los a terceiros, gratuita ou onerosamente, já que tal alienação fica permitida pelo art. 954.º, a) do Cód. Civil, salva a reserva que o seu art. 959.º estabelece (…).

«Daí que a inoficiosidade importe redução na medida necessária para assegurar o seu preenchimento (art. 2169.º) e daí também que a alienação dos bens doados implique para o donatário ou seus sucessores a responsabilidade por esse preenchimento em dinheiro, até ao valor dos bens alienados (art. 2175-º), este determinado com referência à data da abertura da sucessão (art. 2109.º - 2).

É ainda para respeito de tais princípios que o art. 2118.º mantém o ónus real da colação e determina que não pode fazer-se registo da doação de bens imóveis sem se efetuar, simultaneamente, o registo desse ónus.

E, assim, pela publicidade que é característica do registo, dá-se conhecimento aos terceiros adquirentes de que vão comprar bens doados que estão sujeitos ao encargo da conferência legal, o que equivale a avisá-los de que poderão ser chamados a responder pelo excesso em que foi preenchido o donatário, garantindo-se desta forma o decaimento de fortuna por parte deste, e igualação da partilha a que o art. 2104.º-1 do Cód. Civil força o herdeiro conferente (…).

É, assim, chamado ao inventário para, nesse processo, representar o donatário e assumir a sua posição. Como aquirente dos bens de bens sujeitos ao encargo da colação transmite-se-lhe a obrigação de conferir, pois o registo faz com que o encargo acompanhe os prédios que adquiriu e outorga-lhe a inerente responsabilidade» - Partilhas Judiciais, Vol. II, 4.ª Edição. Coimbra: Almedina, 1990, pág. 272-273.

Afigura-se, pois, que o registo das concretas pretensões formuladas no inventário nada acrescentaria à proteção que o registo do mencionado ónus já confere.

Como referiu a Sra. Conservadora, no seu despacho de qualificação, «É no processo de inventário instaurado que as questões referentes ao valor da legítima e à inoficiosidade ou não das doações deverão ser resolvidas, pretendendo-se alcançar uma partilha definitiva, com base na qual deverão ser registados os direitos reais por ela adquiridos».

De facto, o valor da legítima da Recorrente é assegurado no processo de inventário e se alguém adquirir o prédio em causa responderá com ele pela integridade da legítima, nos termos previstos no artigo 2175.º do Código Civil, onde se determina que «Se os bens doados tiverem perecido por qualquer causa ou tiverem sido alienados ou onerados, o donatário ou os seus sucessores são responsáveis pelo preenchimento da legítima em dinheiro, até ao valor desses bens».

E como disse Lopes Cardoso, atrás citado, o adquirente é chamado ao inventário para assumir a posição do donatário, porque se transferiu para ele o encargo da colação e a obrigação de conferir, podendo, em última instância, proceder-se à venda do bem para satisfazer o direito do herdeiro à sua legítima.

Aliás, se o bem for transmitido na pendência do inventário, esta transmissão incide sobre um bem objeto de um litígio, um bem litigioso, pelo que a decisão proferida no inventário que o afete, produz efeitos em relação ao adquirente, nos termos do n.º 3 do artigo 263.º do Código de Processo Civil (anterior artigo 271.º).

3 – Concluindo.

Estando registado um «ónus de eventual redução das doações sujeitas a colação» – nos termos previstos na al. r) do n.º 1 do artigo 2.º do Código do Registo Predial (DL n.º 224/84, de 06 de julho) – não são registáveis, em relação a certo prédio, os pedidos formulados em inventário pela interessada constantes de um (i) requerimento de redução de liberalidades; de um (ii) requerimento para relacionação oficiosa de doações e de um (iii) requerimento para colação.

IV. Decisão

Considerando o exposto, julga-se o recurso improcedente e mantém-se a decisão recorrida.

Custas pela Recorrente


Coimbra, 7 de setembro de 2021