Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
602/07.4TBVIS.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: MARIA DOMINGAS SIMÕES
Descritores: SUB-ROGAÇÃO
PRESTAÇÕES VINCENDAS
PRESTAÇÕES FUTURAS
Data do Acordão: 06/03/2014
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: 1.º JUÍZO CÍVEL DO TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE VISEU
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA
Legislação Nacional: ART. 593º Nº 1 DO CC
Sumário: I. Face ao disposto no n.º 1 do art.º 593.º do CC, apenas pela satisfação do crédito da lesada mediante o pagamento das prestações vincendas se radicará na esfera da interveniente Seguradora laboral, pela via da sub-rogação que a lei lhe reconhece, o direito da credora, pelo que só a partir de então poderá exercitá-lo.

II. Mantém-se portanto plenamente válida a doutrina fixada no assento do STJ de 9/11/1997, publicado no DR, I-Série de 22 de Março de 1978, hoje com valor de acórdão uniformizador de jurisprudência, nos termos do qual “A sub-rogação não se verifica em relação a prestações futuras”.

Decisão Texto Integral: I. Relatório
No 1.º juízo cível do Tribunal Judicial da comarca de Viseu,

A...e marido, B..., residentes em ..., Viseu, intentaram a presente acção declarativa de condenação, a seguir a forma ordinária do processo comum, tendo em vista efectivar a responsabilidade civil emergente de acidente de viação, contra C...SA, D... Companhia de Seguros, SA, e Companhia de Seguros E... SA, todas com sede em Lisboa, pedindo a final a condenação das demandadas no pagamento da quantia de € 122 545,37 (cento e vinte e dois mil, quinhentos e quarenta e cinco euros e trinta e sete cêntimos), acrescida de juros à taxa legal, contados da citação até integral pagamento, pedido posteriormente ampliado em € 10 205,69, ampliação admitida mas apenas quanto ao montante de € 415,69.

Em fundamento alegaram, em síntese, que no dia 25 de Fevereiro de 2004, quando circulavam pela EN 337, na localidade de Tondelinha, comarca de Viseu, seguindo no veículo de marca Opel, modelo Corsa, com a matrícula PH ..., sua pertença, na ocasião conduzido pelo autor marido, foram atingidos pelas peças soltas do veículo ligeiro da marca Opel, modelo Zafira, com a matrícula ...RE, que seguia atrás e que, por sua vez, fora embatido pela viatura da marca Citroen, modelo ...LH, que circulava na retaguarda do veículo onde seguiam os demandantes. Ao ser colidido pelo LH o veículo RE foi projectado para fora da faixa de rodagem, tendo entrado em despiste, seguindo-se a projecção de peças soltas que atingiram a viatura dos AA, após o que também o próprio veículo acabou por embater no PH. Em consequência deste último embate a autora mulher foi projectada, tendo sofrido graves lesões.

Tendo sofrido, em consequência do descrito sinistro, danos de natureza patrimonial e não patrimonial graves, têm os AA direito a ser indemnizados, o que com a presente acção pretendem fazer valer.

Mediante dedução de intervenção espontânea, interveio nos autos a título principal a Companhia de Seguros G... SA, também sediada em Lisboa, pedindo a condenação da responsável no pagamento da quantia global de € 132.247,00, repartida pelo pedido inicial, no valor de € 61.923,21, e por quatro ampliações, nos montantes de € 22.601,88, € 39.756,21, € 4.766,74 e € 3.198,96, deduzidas à medida que pagamentos periódicos iam sendo realizados em benefício da aqui autora, ampliações todas elas admitidas, mais tendo reclamado os valores que, no futuro, viesse a satisfazer em consequência do acidente dos autos.

Justificou a interveniente a sua intervenção e pedido formulado no facto de ter efectuado pagamentos diversos à aqui autora enquanto sua sinistrada em acidente de trabalho, já que a mesma regressava à sua residência após o horário laboral que cumprira, e em cujo âmbito foi a interveniente condenada, em processo próprio, nos pagamentos que realizou e continuará a realizar.

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Citadas as RR, contestou a D..., SA, para a qual o proprietário do veículo RE havia transferido a responsabilidade civil emergente dos acidentes de aviação em que aquele interviesse, alegando que o respectivo condutor iniciou correctamente manobra de ultrapassagem aos veículos que seguiam mais lentamente na sua dianteira, quando, já passado o primeiro, iniciada a passagem pelo segundo e preparando-se para ultrapassar também, finalmente, o veículo dos autores, foi súbita e surpreendentemente embatido pelo Citroën, que circulava imediatamente atrás daqueles, e cujo condutor resolveu efectuar manobra de ultrapassagem, a qual iniciou sem se certificar de que o podia fazer em segurança. Dado o modo como ocorreu o acidente, a culpa pela sua ocorrência cabe, em exclusivo, ao condutor da viatura Citroen com a matrícula LH, donde impor-se, conclui, a sua absolvição dos pedidos formulados.

  Na qualidade de companhia seguradora do veículo pertencente aos AA, sustentou a E..., SA, na contestação que apresentou, que o acidente ocorreu tal como descrito na petição, donde nenhuma culpa poder ser assacada ao condutor da viatura PH. Não obstante concluir que não lhe cabe indemnizar a autora pelos danos sofridos, impugna alguns dos danos por esta alegados, reputando de excessivos os valores reclamados a título de reparação dos demais.

Também a C... SA apresentou contestação, aqui dando do acidente uma versão que permite imputar a culpa pela sua ocorrência ao condutor do veículo da marca Opel, modelo Zafira, segurado na D..., uma vez que, estando já a ultrapassar a fila de trânsito, não se apercebeu o seu condutor de que, à sua frente, o Citroën iniciou, sinalizando-a correctamente, a manobra de ultrapassagem ao veículo dos autores. Por não ter atentado nesta manobra, optou por passar por todos eles, passando a circular fora da faixa de rodagem, até que embateu numa rocha e se despistou, atingindo o veículo dos autores com as peças que se soltaram.

Com tais fundamentos de facto, conclui pela sua absolvição dos pedidos formulados.

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Foi proferido despacho saneador, agendada e realizada audiência de julgamento, finda a qual foi proferida sentença que, decretando a absolvição das demandadas D..., SA e E..., SA, condenou a C... SA, como segue:

a) no pagamento a ambos os autores, A... e marido, B..., da quantia de cinco mil euros.

b) no pagamento à autora, A..., da quantia de quarenta mil euros.

c) no pagamento ao autor, B..., da quantia de cinco mil euros.

d) no pagamento à interveniente a título principal, Companhia de Seguros G... SA, da quantia de cento e trinta e dois mil duzentos e dezassete euros e setenta cêntimos, bem como das quantias que pela mesma interveniente venham, a esse título, no futuro, a ser prestadas à aqui autora ou a terceiros por via do mesmo acidente.

e) no pagamento de juros, à taxa legal, desde a data desta decisão e até integral pagamento, sobre as quantias já apuradas.

Inconformadas com o decidido, apelaram da decisão a condenada C... Seguros D... e também a interveniente Companhia de Seguro G... e, tendo ambas apresentado alegações, remataram-nas com as seguintes pertinentes conclusões:

A apelante C...:

1.ª- A recorrente não se pode conformar com a douta sentença apenas na parte em que condenou a recorrente a pagar à recorrida C.ª de Seguros G..., SA as quantias que venham a ser prestadas, no futuro, à autora ou a terceiros por via do mesmo acidente;

2.ª- De notar que a recorrente já liquidou a todos os AA e intervenientes as quantias em que foi condenada;

3.ª- A interveniente e aqui recorrida C.ª de Seguros G..., SA intervém no presente processo na qualidade de sub-rogada nos direitos do seu cliente, seu segurado;

4.ª- Acontece que a sub-rogação tem como condição essencial o prévio pagamento dos créditos sub-rogados;

5.ª- Ora, não se sabe se e até quando irá a recorrida C.ª de Seguros G..., SA continuar a pagar à sinistrada as pensões a que esta eventualmente terá direito. Repare-se que o disposto no art.º 592.º, n.º 1 do CC preceitua “fora dos casos previstos nos artigos anteriores ou noutras disposições da lei, o terceiro que cumpre a obrigação só fica sub-rogado nos direitos do credor quando tiver garantido o cumprimento ou quando, por outra causa, estiver directamente interessado na satisfação do crédito”.

6.ª- Resulta daqui que a sub-rogação pressupõe o cumprimento da obrigação, pelo que a mesma não pode ter lugar em relação a prestações futuras.

7.ª- Tal resulta do Assento do STJ de 9/11/1977, segundo o qual “a sub-rogação não se verifica em relação a prestações futuras”, e abrangendo apenas as prestações vencidas e efectivamente pagas.

8.ª- Assim, não pode a sentença proferida nos autos condenar a recorrente a pagar à recorrida C.ª de Seguros G..., SA com base no instituto da sub-rogação legal, as prestações futuras a que está obrigada no âmbito do processo de acidentes de trabalho.

9.ª- Requer-se a revogação da sentença ora recorrida, que condenou a apelante a pagar à apelada C.ª de Seguros G... as quantias que esta vier a pagar à autora e terceiros no âmbito do processo de acidentes de trabalho.

10.ª A douta sentença violou, entre outros, o disposto nos artigos 592.º e seguintes do Código Civil”.

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A apelante G..., SA:

“1.ª- Tal como resulta, quer do pedido inicial formulado, quer dos sucessivos requerimentos de ampliação do pedido, sempre a interveniente peticionou a contagem de juros a partir da citação, no caso do pedido inicial, e a partir das notificações dos requerimentos de ampliação do pedido que foi apresentando.

2.ª- Nunca a demandada C... pôs em causa, nas contestações que apresentou, o início da contagem dos juros;

3.ª- Em face do que peticionou, do que sempre peticionou, a douta sentença em recurso deveria ter fixado a contagem de juros desde a citação e notificação dos requerimentos de ampliação do pedido;

4.ª- Cremos tratar-se de mero lapso, pois na fundamentação da douta sentença não há qualquer referência ao início da contagem de juros, nomeadamente para justificar o seu início da data da douta sentença;

5.ª- Acresce que os pedidos formulados pela interveniente têm todos por fundamento gastos, dispêndios e indemnizações que suportou com o acidente de trabalho; isto é, são todas quantias efectivamente pagas, não havendo nenhuma quantia ou indemnização que tenha sido fixada por recurso à equidade, isto é, que tenha sido fixada em critérios actualistas;

6.ª- Assim sendo, a contagem dos juros de mora deve ser fixada, tal como peticionado pela interveniente, ou seja, desde a citação e notificações dos sucessivos requerimentos de ampliação do pedido”.

A douta sentença recorrida violou assim o art.º 659.º do CPC.

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Assente que pelas conclusões se fixa e delimita o objecto do recurso, são duas as questões submetidas à apreciação deste Tribunal, a saber:

i. indagar se a sub-rogação abrange apenas as prestações efectivamente pagas, excluindo as prestações futuras;

ii. determinar o momento a partir de qual são devidos os juros de mora sobre os montantes arbitrados à apelante G..., SA.

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II. Fundamentação

De facto

Não tendo havido impugnação da matéria de facto e inexistindo motivo para proceder à sua modificação oficiosa, são os seguintes os factos a considerar, tal como nos chegam da 1.ª instância:

1. No dia 25 de Fevereiro de 2004, pelas 20h30, o veículo ligeiro passageiros da marca Citroën, matrícula ...LH, propriedade de J... , circulava na EN 337, localidade de Tondelinha, arredores da cidade de Viseu, no sentido Viseu–Tondelinha, sendo então conduzido por I.....

2. À sua frente, e no mesmo sentido de marcha, circulava o veículo ligeiro de passageiros Opel Corsa com a matrícula PH ..., conduzido pelo autor B..., que transportava a autora A....

3. No mesmo sentido circulava ainda o veículo ligeiro de passageiros de marca Opel, modelo Safira, matrícula ...RE, conduzido por H....

4. A EN 337-1 tem uma via de trânsito em cada sentido e os veículos supra descritos circulavam numa recta com boa visibilidade, com cerca de 400 m de extensão.

5. No início da recta, atento o sentido de marcha dos referidos veículos, existia e existe um sinal de fim de proibição de ultrapassar, e outro de fim da limitação de velocidade de 50 Km/hora.

6. A via supra referida tinha uma largura de 6,85 metros, tendo cada uma das suas hemi-faixas cerca de 3,42m metros, as quais se mostravam e mostram separadas por uma linha descontínua.

7. Nas circunstâncias de tempo, modo e lugar referidas de 1. a 4., o ocorreu um embate.

8. Na altura do sinistro era já de noite, e no local havia iluminação pública, a qual, no momento do sinistro, se encontrava a funcionar.

9. Nas circunstâncias de modo, tempo e lugar definidas de 1. a 4, H... iniciou com o veículo ligeiro de passageiros de marca Opel Safira, matrícula ...RE, manobra de ultrapassagem ao veículo Citroën, matrícula ...LH.

10. Para o efeito ocupou a hemi-faixa da esquerda da EN 337-1, atento o sentido em que ambos seguiam.

11. Entretanto, o I..., condutor do veículo de marca Citroën, matrícula ...LH, iniciou ele mesmo uma manobra de ultrapassagem ao veículo ligeiro de passageiros de marca Opel Corsa, matrícula PH ..., conduzido por B..., que seguia à sua frente e no mesmo sentido de marcha.

12. Fez tal manobra sem se ter apercebido, pelos espelhos, da presença do Opel Zafira.

13. Para iniciar a ultrapassagem, alterou a trajectória do veículo que conduzia, no sentido de vir a ocupar a metade esquerda da estrada.

14. Quando o Citroën tentou ultrapassar o Corsa, já o Zafira estava na faixa esquerda, a ultrapassar ambos.

15. Ao desviar a sua trajectória no sentido de vir a ocupar a metade esquerda da estrada, com o fim de ultrapassar o Opel Corsa, o Citroën tocou, com a sua esquerda, na direita do Opel Zafira.

16. Fez o Opel Zafira entrar em despiste e embater na barreira do lado esquerdo da estrada.

17. Com o embate, soltou-se do Opel Zafira um rodado, que foi embater na barreira do lado direito da estrada e ricocheteou, indo embater na lateral direita do Opel Corsa.

18. Em consequência do embate soltou-se também do RE um amortecedor que, tendo ido embater na barreira do lado direito da estrada, fez ricochete.

19. A peça referida em 18. foi atingir a parte frontal direita do veículo onde circulavam os autores (o Opel Corsa PH).

20. Na sequência do embate na barreira do lado esquerdo da estrada, o Opel Zafira ...RE rodopiou e, já desgovernado, colidiu de seguida com o lado esquerdo da viatura PH.

21. Após o embate, os veículos imobilizaram-se.

22. Na sequência do embate, a autora foi projectada para fora do Opel Corsa, onde seguia.

23. Sofreu traumatismo do membro superior direito e torácico com fractura do úmero, lesão do nervo radial e fractura de costelas.

24. O que exigiu tratamento hospitalar, tendo a autora sido assistida pelas 21h06 do dia 25/02/2004, no hospital de S. Teotónio, em Viseu.

25. Foi submetida a uma cirurgia ao membro superior direito.

26. Esteve internada naquele hospital até 24 de Março de 2004, data em que teve alta.

27. Passou a ser seguida no Hospital da Arrábida, no Porto.

28. No processo especial por acidente de trabalho que correu termos sob o nr. 199/05.0TTVIS, foi reconhecida à autora, por sentença, uma incapacidade permanente de 84,9366%, com incapacidade permanente absoluta para a sua profissão habitual.

29. Como sequela permanente da factualidade descrita de 23. a 25. a autora ficou com lesão do nervo radial direito, com “mão pendente”.

30. Pontualmente, a autora pode carecer de auxílio de terceira pessoa para algumas das actividades da vida diária, mormente para vestir certas peças de roupa.

31. Com o embate, ficaram estragados um casaco, uma cinta, um par de sapatos, uma blusa, uma camisola interior, um soutien, um par de meias e um par de calças de ganga da autora, cujos valores não foi possível fixar com rigor.

32. Com o embate, extraviou-se uma pulseira em ouro da autora, cujo valor não foi possível fixar com rigor.

33. Com o embate, extraviou-se um relógio de pulso da autora, cujo valor não foi possível fixar com rigor.

34. O veículo automóvel de matrícula PH ficou incapaz de circular e teve de ser rebocado.

35. Segundo as regras fixadas pelos representantes do comércio automóvel e pelas seguradoras, foi atribuído ao veículo o valor de € 950,00.

36. Nas suas deslocações para o Hospital da Arrábida, a autora recorreu a outros meios de transporte.

37. A autora submeteu-se a tratamentos de fisioterapia.

38. Por vezes, a autora continua a sofrer de dores, pelo menos no braço direito.

39. A autora tinha, antes do acidente, a saúde correspondente ao seu nível etário, e vivia com o seu marido e o filho de ambos.

40. O filho da autora padece de trissomia 21.

41. Tem dependência psicológica e física da autora.

42. Os autores, em consequência directa e necessária do embate e da paralisação do braço direito da autora, viram reduzida a prestação de carinhos e cuidados de saúde ao F....

43. A redução de cuidados que a autora pode prestar ao seu filho causa, àquela, tristeza e ansiedade.

44. Os autores sofreram e continuam a sofrer uma grande dor e desgosto com o estado de saúde e a incapacidade de que foi vítima a autora.

45. A autora efectuou uma tomografia axial computorizada, a qual orçou em € 18,30, que ela pagou, um electro-encefalograma, o qual orçou em € 18,30, que pagou, um exame de RX ao tórax.

46. Presentemente, a autora usa óculos, que adquiriu, pelos quais pagou quantia que não foi possível fixar.

47. Presentemente, a autora usa meias elásticas, cujo preço não foi possível fixar com precisão.

48. Os AA despenderam com a certidão da participação do acidente pela GNR € 14,24.

49. Por contrato de seguro titulado pela apólice nº 4100320102728/0 o proprietário do veículo ligeiro de passageiros de marca Citroen, matrícula ...LH, tinha transferido para a ré C... SA a sua responsabilidade por danos causados a terceiros e ocupantes emergentes da sua circulação.

50. Por contrato de seguro titulado pela apólice nº 008410111542 o proprietário do veículo ligeiro de passageiros de marca Opel Safira, matrícula ...RE, tinha transferido para a ré D...-Assicurazi D... a sua responsabilidade por danos causados a terceiros e ocupantes emergentes da sua circulação.

51. Por contrato de seguro titulado pela apólice nº 5070/1029623 o proprietário do veículo ligeiro de passageiros de marca Opel Corsa, matrícula PH ..., tinha transferido para a ré E... a sua responsabilidade por danos causados a terceiros e ocupantes emergentes da sua circulação.

52. Por sentença proferida nos autos de acção ordinária nº 2051/04 do 1º Juízo Cível deste Tribunal foi a 1ª ré condenada a indemnizar H... por danos emergentes do acidente de viação referido nos presentes, conforme consta de tal decisão junta aos autos e cujo teor se dá por reproduzido.

53. Por sentença proferida nos autos nº 630/04.1 TAVIS-A foi o condutor do LH, I..., condenado pela prática de um crime de ofensas à integridade física grave por negligência na pessoa da autora.

Em tal decisão foram considerados provados os seguintes factos:

i. No dia 25 de Fevereiro de 2004, cerca das 20h30m o arguido, I..., conduzia o veículo ligeiro de passageiros, de marca Citroen, matrícula ...LH, pela EN 337-1 na localidade de Tondelinha, no sentido Viseu- Tondelinha, área desta comarca;

ii. À sua frente e no mesmo sentido circulava o veículo ligeiro de passageiros de marca Opel Corsa, matrícula PH ..., conduzido por B..., o qual transportava a assistente, A..., sua esposa;

iii. Atrás do arguido, e também no mesmo sentido, circulava o veículo ligeiro de passageiros de marca Opel Zafira, matrícula ...RE, conduzido por H...;

iv. A EN 337 -1 tem uma via de trânsito em cada sentido e o arguido circulava então pela direita, numa recta com boa visibilidade;

v. Nessas circunstâncias de tempo e local, o H... iniciou, com o seu veículo ligeiro de passageiros ...RE, uma manobra de ultrapassagem do veículo Citroën, matrícula ...LH, ocupando assim a hemi-faixa da esquerda da EN 337-1, atento o sentido em que ambos seguiam;

vi. Entretanto o arguido, sem olhar previamente para o respectivo espelho retrovisor para ultrapassá-lo, iniciou ele mesmo uma manobra de ultrapassagem do Opel Corsa PH ... que circulava à sua frente, onde era transportada a assistente, guinando, para o efeito, o seu veículo para a esquerda;

vii. Nesse momento encontrava-se o veículo ...RE em plena manobra de ultrapassagem ao veículo do arguido, e praticamente a par deste;

viii. Acontece que no momento em que o arguido guinou o seu veículo para a esquerda, conforme descrito em vi., embateu com a parte lateral dianteira esquerda do seu veículo na parte lateral direita do veículo ...RE, fazendo com que este último entrasse em despiste e embatesse na barreira do lado esquerdo da estrada;

ix. O embate deu-se ao quilómetro 3,7 na localidade de Tondelinha;

x. Em virtude de tal embate na barreira do lado esquerdo da estrada, soltaram-se do Opel Zafira ...RE um amortecedor e um rodado, peças essas que, tendo ido embater na barreira do lado direito da estrada, fizeram ricochete e foram de seguida atingir a parte frontal direita do veículo da assistente, Opel Corsa PH ..., que circulava à frente do veículo conduzido pelo arguido;

xi. Por seu turno, o próprio Opel Zafira ...RE, já desgovernado, colidiu de seguida com o lado esquerdo da viatura do assistente, acabando por se imobilizar já virado para o sentido Tondelinha- Viseu, a uma distância de cerca de 3-4 metros do veículo em que circulava a ofendida;

xii. O embate do Opel Zafira na viatura Opel Corsa em que circulava a assistente provocou a abertura da porta do lado direito desta última viatura;

54. No dia 25 de Fevereiro de 2004 a autora era funcionária do Instituto L....

55. Na altura do embate a autora fazia o trajecto de regresso do local de trabalho para a sua residência.

56. Como doc. n.º 1 a interveniente juntou cópia das condições particulares da apólice nº 1200712748, referente a contrato de seguro para acidentes de trabalho na qual figura como tomador de seguro Instituto L...., Av. 25 de Abril, 140, em Viseu.

57. Correu seus termos no Tribunal de Trabalho de Viseu acção emergente de acidente de trabalho em que era autora A... e rés Companhia de Seguros G..., e Lar L....

58. Em tal processo foi proferida a seguinte decisão: “Assim, tendo em consideração os factos em que as partes acordaram no tentativa de conciliação - retribuição média anual da sinistrada de € 8 196,72, acidente em 25.02.2004, alta em 13.9.2005 e a responsabilidade emergente de acidentes de trabalho transferida para a seguradora …o Tribunal decidiu que a autora, por efeito do acidente dos autos, ficou afectada de uma incapacidade permanente de 84,9366 % com incapacidade permanente absoluta para a sua profissão habitual (necessitando ainda de terceira pessoa para se vestir e para a sua higiene pessoal completa) e, consequentemente condena a demandada a pagar-lhe:

a) – a pensão anual (e vitalícia) de € 5 490 76, com início em 14.9.2005, em 14 prestações mensais de igual montante cada, sendo as correspondentes ao subsídio de férias e de Natal em Maio e Novembro de cada ano;

b) – a importância de € 1 342,57 a título de indemnização pela ITA de que foi portadora e proporcional à diferença salarial entre € 585,48 e € 498,19;

c) – a quantia de € 15,00 (quinze euros) a título de despesas de transportes;

d) – a prestação suplementar prevista no art.º 19° da Lei n.º 100/99 no valor da remuneração mensal mínima garantida para os trabalhadores do serviço doméstico, no montante de € 374,70 (actualizada a partir de 01.01.2006 para o valor mensal de € 385.90);

e) - O montante de € 4 188,94 a título de subsídio de elevada incapacidade

59. No processo especial de acidente de trabalho 199/05.0TTVis, foi reconhecida à autora, por sentença, uma retribuição média anual, aquando do acidente, de € 8.196,72.

60. Como consequência directa do acidente e das incapacidades dele resultantes, a autora ficou com a pensão anual e vitalícia de € 5 490,76.

61. A Companhia de Seguros G... SA, desde a data do acidente e até ao momento presente, pagou o total de € 132.217,70, sendo que, desses, € 108.966,55 foram disponibilizados à própria autora, enquanto que € 23.251,15 o foram a terceiras pessoas e entidades.

62. A interveniente já pagou à autora os montantes descritos em 58.

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De Direito

i. indagar se a sub-rogação abrange apenas as prestações efectivamente pagas, excluindo as prestações futuras;

Não está em causa a caracterização do acidente nos autos simultaneamente como de viação e de trabalho, nem tão pouco que a lei confere à seguradora laboral o direito de sub-rogação nos direitos do lesado, insurgindo-se a apelante C... apenas contra o segmento da decisão que a condenou desde logo a pagar à interveniente G... as quantias que esta vier a suportar por via do sinistro em causa no âmbito do contrato de seguro que havia celebrado com a entidade patronal da autora mulher.

A este respeito consignou-se na decisão recorrida:

“Importa unicamente analisar os pedidos deduzidos pela seguradora interveniente. Provou-se, a esse respeito, que, a título de indemnização por acidente de trabalho, esta demandante satisfez, fosse directamente à autora, fosse a terceiros que lhe proporcionaram bens e serviços cuja necessidade adveio do mesmo sinistro evento, um total em menos de trinta cêntimos inferior ao pedido, a saber, o montante de € 132.217,70.

Mais se prova que a G..., enquanto seguradora da entidade patronal da autora – por via do contrato de seguro celebrado e em obediência à sentença a esse título proferida pelo Tribunal do Trabalho – continuará, de futuro, a pagar os quantitativos devidos.

Regulamentando o regime de reparação de acidentes de trabalho e de doenças profissionais, dispõe a Lei nº 98/2009 de 4 de Setembro, mormente no seu art.º 17.º, nºs 1 e 5, que “quando o acidente for causado por outro trabalhador ou por terceiro, o direito à reparação devida pelo empregador não prejudica o direito de acção contra aquele, nos termos gerais” e que “o empregador ou a sua seguradora que houver pago a indemnização pelo acidente pode subrogar-se no direito do lesado contra os responsáveis referidos no nº 1”. Assim, e sem mais, importa condenar a demandada C... também no pagamento, à interveniente, deste valor, bem como do que mais por aquela for, a esse título, no futuro, prestado à aqui autora”.

Antes de mais, cabe referir que, atenta a data da ocorrência do acidente -25 de Fevereiro de 2004- não é aplicável à situação o invocado DL 98/2009, mas antes a Lei n.º 100/97, de 13 de Setembro, lei vigente àquela data (cf. art.º 12.º, n.º 1, 1.ª parte, do Código Civil)[1]. Epigrafado de “acidente originado por outro trabalhador ou terceiros”, dispunha o art.º 31.º deste diploma, para o que aqui releva que “1. Quando o acidente for causado por outros trabalhadores ou terceiros, o direito à reparação não prejudica o direito de acção contra aqueles, nos termos da lei geral.

(…) 4. A entidade empregadora ou a seguradora que houver pago a indemnização pelo acidente tem o direito de regresso contra os responsáveis referidos no n.º 1, se o sinistrado não lhes houver exigido judicialmente a indemnização no prazo de um ano a contar da data do acidente.

5. A entidade empregadora e a seguradora também são titulares do direito de intervir como parte principal no processo em que o sinistrado exigir aos responsáveis a indemnização pelo acidente a que se refere este artigo.”

Encontra-se hoje pacificado o entendimento de que, a despeito da designação da lei, estamos perante um direito de sub-rogação legal, transmitindo-se para a entidade empregadora ou seguradora que satisfizeram a indemnização (obrigação que recaía, em primeira linha, sobre o responsável do acidente) o mesmo direito do credor -na medida da satisfação que lhe foi dada- (cfr. art.º 592.º, n.º 1 do Código Civil), não se tratando portanto de um direito nascido ex novo na esfera jurídica daquele que extinguiu a obrigação. Daí que o referido DL diploma 98/2009 que, tendo revogado o referido DL 100/97, contém o actual regime de reparação de acidentes de trabalho e de doenças profissionais, se refira já expressamente a sub-rogação.

Por efeito da sub-rogação, em conformidade com o preceituado no n.º 1 do art.º 593.º, “O sub-rogado adquire, na medida da satisfação dada ao direito do credor, os poderes que a este competiam”.

Face ao assim preceituado, e unificando divergentes entendimentos jurisprudenciais, o STJ, em assento de 9/11/1997, publicado no DR, I-Série de 22 de Março de 1978, hoje com valor de acórdão uniformizador de jurisprudência[2], fixou a seguinte doutrina “A sub-rogação não se verifica em relação a prestações futuras”. Com efeito, e conforme se pondera no aresto em questão “Não há sub-rogação sem satisfação efectiva da prestação; o pagamento, como pressuposto daquela, é a condição e medida dos direitos do sub-rogado. Daí que em princípio se tenha por indiscutível que a entidade patronal ou a seguradora só possam exigir do terceiro responsável pelo acidente o que houverem pago e não o que tenham a pagar no futuro.

(…) Inviável será, pois, por falta de efectiva satisfação da prestação, o exercício de um direito sub-rogatório relativamente a prestações futuras. Estas só podem pedir o que tiverem pago, visto que só pelo pagamento ficam sub-rogadas nos direitos do lesado contra o terceiro responsável.
Se, pois, só pelo pagamento se verifica a substituição do credor originário na titularidade do direito à prestação pelo terceiro que cumpre em lugar do devedor, apresentando-se assim o sub-rogado como que um sucessor do credor, dificilmente se justificaria a condenação do devedor a pagar àquele”.

Tal doutrina, da qual não vemos razões para dissentir, vem sendo serena e persistentemente reafirmada por esta Relação (vide acórdãos de 9/10/2007, processo n.º 285/2002-C1; de 17/3/2009, processo n.º 3625/07.0 TJCBR.C1; de 22/11/2011, processo n.º 356/10.7 T2AND-A.C1; e de 10/12/2013, processo n.º 1987/07.8 TBAGD.C1, todos acessíveis em www.dgsi.pt).

Revertendo ao caso dos autos, atento o que vem de se dizer, logo se vê que a decisão recorrida, no segmento em que condenou a apelante C..., SA no pagamento das prestações que a G..., SA, para quem a entidade patronal da lesada havia transferido a sua responsabilidade pelos danos sofridos pelos seus trabalhadores em virtude de acidentes de trabalho, viesse a suportar, reportando-se a prestações futuras, não pode subsistir. Com efeito, apenas pela satisfação do crédito da lesada mediante o pagamento das prestações vincendas se radicará na esfera da interveniente, pela via da sub-rogação que a lei lhe reconhece, o direito da credora, pelo que só a partir de então poderá exercitá-lo. Em reforço, dir-se-á que terá sido esse o entendimento perfilhado pela apelada, que formulou pedido inicial tendo apenas em consideração o dispêndio até então efectuado, pedido que ampliou sucessivamente, à medida que ia satisfazendo o crédito da sinistrada e na estrita medida da extinção operada.

Pelo exposto, procedendo os argumentos recursivos da ré C..., SA não pode subsistir a sentença apelada, no segmento impugnado.

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ii. Quanto aos juros

A G..., SA, admitindo embora que estejamos perante a presença de lapso, apelou da sentença proferida com fundamento no facto de serem devidos juros sobre as quantias que lhe foram atribuídas desde a data da notificação à condenada C..., SA, quer do pedido inicial, quer das sucessivas ampliações, o que esta demandada, aliás, nunca questionou.

Compulsados os autos, verifica-se que no pedido inicialmente formulado a interveniente G... peticionou a condenação da responsável no pagamento da quantia de € 61.923,21 (sessenta e um mil, novecentos e vinte e três euros e vinte e um cêntimos) que até aí despendera, e ainda nos juros que sobre ela se vencessem desde a citação da responsável e até efectivo pagamento.

Posteriormente, e nas ampliações que foi apresentando à medida que ia satisfazendo créditos dos lesados -ampliações todas elas admitidas nos seus precisos termos, conforme agora destacou- remeteu sempre para os termos do pedido inicial, o que não permite outra interpretação senão a de que, também em relação a estes montantes, foram reclamados juros moratórios desde a data da notificação da demandada.

A propósito dos juros peticionados, explanou-se na decisão apelada: “Por fim, em harmonia com o disposto nos art.ºs 805 n.º 2 alínea c) e 806 n.ºs 1 e 2 do Código Civil, importa decidir o pagamento de juros, com referência às quantias arbitradas, juros estes que se fixam desde a data da presente decisão, por a avaliação equitativa de todos os quantitativos ter sido actualizada”.

Ora, basta atentar no fundamento invocado para concluir que, efectivamente, o mesmo não se adequa ao pedido -incluindo as ampliações subsequentes- formulado pela apelante, uma vez que nenhuma das quantias reclamadas foi objecto de avaliação equitativa, tendo-se o Sr. juiz limitado a condenar a ré no pagamento das quantias que se apurou terem sido despendidas pela apelante.

Nos termos do disposto no art.º 804.º, a simples mora constitui o devedor na obrigação de reparar os danos causados ao credor (vide n.º 1 do preceito), estabelecendo o número 2 que o devedor se considera constituído em mora quando, por causa que lhe seja imputável, a prestação, ainda possível, não foi efectuada no tempo devido.

Epigrafado de “Momento da constituição em mora”, o preceito imediato estatui que o devedor só fica constituído em mora depois de ter sido judicial ou extrajudicialmente interpelado para cumprir (vide n.º 1), não interessando agora as excepções a este princípio consagradas no n.º 2, uma vez que a apelante apenas peticionou juros desde a data da interpelação da responsável. E a verdade é que, tendo sido notificada no âmbito deste processo para satisfazer as quantias reclamadas -interpelação judicial para cumprir- sem o ter feito, a requerida C..., SA constituiu-se em mora a partir de então, cumprindo-lhe indemnizar a interveniente G... pelos danos moratórios decorrentes, indemnização que a lei, no caso das obrigações pecuniárias, faz corresponder aos juros legais (n.ºs 1 e 2 do art.º 806.º).

Deste modo, sendo incontestável a razão que assiste à recorrente, também aqui importa revogar a sentença proferida, no segmento impugnado.

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III. Decisão

Em face a todo o exposto, acordam os juízes da 1.ª secção cível deste Tribunal da Relação de Coimbra em:

a) julgar procedente o recurso interposto pela ré C..., SA e, em consequência, revogar a sentença recorrida no segmento em que a condenou no pagamento das quantias que pela interveniente G..., SA venham, no futuro, a ser prestadas à aqui autora ou a terceiros por via do acidente dos autos;

b) julgar procedente o recurso interposto pela interveniente G..., SA, e condenar a apelada C... SA no pagamento dos juros de mora contados à taxa supletiva legal desde a data da notificação do pedido inicial e de cada uma das ampliações por aquela formuladas e até efectivo reembolso.

As custas da apelação interposta pela C... são suportadas pela interveniente G..., SA;

As custas da apelação interposta pela interveniente G..., SA são suportadas pela apelada C..., SA.

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Maria Domingas Simões (Relatora)

Nunes Ribeiro

Helder Almeida

[1] Diploma ao qual pertencerão as demais disposições que vierem a ser citadas sem menção da sua origem.

[2] Cf. o disposto no art.º 4.º, n.º 2 do Dec-Lei 329/95, de 12/12, que revogou o art.º 2.º do Código Civil, passando os assentos a ter o valor dos acórdãos proferidos nos termos dos art.ºs 732.º-A e 732.º-B do C.P.Civil, cf. art.º 17.º daquele diploma (hoje nos termos dos artigos 686.º e 687.º do NCPC).