Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
360/13.3TBSRE-A.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: MOREIRA DO CARMO
Descritores: INSOLVÊNCIA
ADMINISTRADOR
NOMEAÇÃO
Data do Acordão: 10/22/2013
Votação: DECISÃO SUMÁRIA
Tribunal Recurso: SOURE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTS. 32, 52 CIRE, LEI Nº 22/2013 DE 26/2, 668 CPC
Sumário: 1.A sentença é nula quando falte em absoluto a indicação dos fundamentos de direito da decisão.

2. Confrontado com a indicação do devedor/apresentante à insolvência de determinada pessoa para administrador da insolvência o tribunal não está obrigado a optar por ela, mas deverá fundamentar a escolha, designadamente quando se afaste da indicação recebida do devedor.

Decisão Texto Integral: I – Relatório

1. C (…), residente em Soure, requereu em 6.9.2013, a declaração da sua insolvência, requereu exoneração do passivo restante, bem como requereu que fosse nomeado administrador da insolvência o Dr. J (…), economista e TOC, inscrito na lista oficial de administradores de insolvência, com domicílio na Marinha Grande.

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Veio depois a ser proferida decisão que declarou a insolvência da requerente e que, além de várias determinações, nomeou como administrador judicial da insolvência o senhor A (…), com domicílio profissional nas Caldas da Rainha.

Justificou-se esta nomeação nos seguintes termos: “Com respeito à indicação e requerida nomeação de administrador judicial, considerando que a Requerente pediu que lhes seja concedida a exoneração do passivo restante, outrossim o disposto no n.º2 do artigo 239.º do C.I.R.E., o Tribunal não a atenderá”.

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2. A insolvente interpôs recurso, apenas na parte em que nomeou como administrador de insolvência pessoa diferente da por si indicada, tendo apresentado as seguintes conclusões:

a) Errou a sentença Recorre-se ao não nomear o Administrador de Insolvência indicado pelos Apelantes, inscrito nas Listas Oficiais de Administradores de Insolvência e melhor identificado na petição inicial, Indicação que os Apelantes alegaram e fundamentaram devidamente na petição inicial;

b) Indicação que teve por suporte o disposto no artigo 52.°, n.° 2 do CIRE (Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas), em conjugação com o consignado no artigo 2°, n.° 1, da Lei n.° 32/04, de 22-07-2007 (Estatuto do Administrador da Insolvência);

c) Pois não fez qualquer alusão à sugestão apresentada pelos Requerentes insolventes nem foi feita menção de qualquer motivo para o não acatamento da sugestão feita no requerimento inicial - deixando de se pronunciar sobre questão, suscitada e peticionada na p.i., não especificando os fundamentos de facto e de direito que justificaram tal decisão;

d) Nos termos do preceituado no art. 52°, n. ° 1, do CIRE, nomeação do Administrador da Insolvência é da competência do juiz no entanto, o legislador regulamenta os termos em que essa competência deve ser exercida permitindo ao devedor/credor requerente da Insolvência, indicar a pessoa nomear;

e) Estabelecendo que o juiz “pode” atender à pessoa indicada pelo próprio devedor ou pelo credor requerente da insolvência – art. 32º nº1 e art. 52º nº2 do CIRE;

f) Nos autos, inexiste outra indicação para o exercício do referido cargo além da dos requerentes/insolventes – Cf r. Certidão que se requer a final;

g) Resulta da 2º parte do nº 2 deste último preceito que o devedor pode, ele próprio, indicar a pessoa/entidade que deve exercer aquela função no processo. Tal indicação não está sujeita a qualquer formal idade nem a outra exigência que não seja a de que essa pessoa/entidade conste da referida lista oficial.

h) Assim, se só o devedor indicar a pessoa/entidade a nomear para tal cargo e esta constar das di tas listas oficiais (o que se verifica), o Juiz do processo deve, em princípio, acolher essa indicação, a não ser que tenha motivos que a desaconselhem – o que não se verificou;

i) Em qualquer dos casos, quando não acolher as indicações, - do devedor, do credor, da comissão de credores, ou de todos -, o Juiz/Tribunal deve fundamentar esse não acolhimento e as razões que o levaram a nomear uma terceira pessoa/entidade – esta exigência de fundamentação decorre do que estabelecem os arts. 158º nº 1 e 659º nº 3 do CPC;

j) A qual deverá sempre ser decidida por processo aleatório - art. º 2°, n.° 2 da Lei n.° 32/2004, 22/07 que não existem. Pelo que, enquanto tais aplicações informáticas não estiverem disponibilizadas e regulamentadas, o critério preferencial de nomeação recairá em primeiro lugar no administrador judicial provisório, se este existir - art. 52°, n.°2, e art.º 32° n.°1 do CIRE;

k) Nenhuma das normas mencionadas na sentença ou argumento excluiu, só por si, a possibilidade de que a nomeação para o cargo de administrador da insolvência, recaísse na pessoa indicada pelo Requerente;

l) O tribunal a quo não só deixou de se pronunciar sobre questão que lhe foi suscitada, como escolheu outro administrador sem qualquer fundamentação incorrendo, por isso, nas nulidades prevista na al. b) do n.º 1 do art. 668º do CPC;

m) Faltando, em absoluto, os fundamentos que levaram o Tribunal, por um lado, a não acolher a indicação da requerente, ora apelante, quanto à pessoa a nomear como administrador da insolvência e, por outro, a nomear outra para esse cargo – assim Alberto dos Reis, in “Código de Processo Civil Anotado” vol. V 1981, pgs. 139 a 141, Castro Mendes, in Direito Processual Civil” vol. III AAFDL-19B2, pg. 308, nota 1 e Lebre de Freitas e outros, in “Código de Processo Civil anotado”, vol. 2º, 2001, pg. 669].;

n) Importa pois, declarar nula a sentença recorrida, na parte atinente à nomeação do administrador da insolvência;

o) Em conformidade, e nos termos do nº 1 do art. 715 do CPC, cabe à Relação, Tribunal de 2º instância, “conhecer do objecto da apelação”, ou seja, substituir - se ao Tribunal recorrido e, “in casu”, proceder à nomeação do administrador da insolvência em função dos elementos fácticos que decorrem dos autos ;

p) Elementos que, de acordo com a fundamentação constante da petição inicial, são suficientes para desaconselhar a sua nomeação, ao esclarecer que a pessoa indicada para o cargo tem capacidade e conhecimentos para a profissão;

q) Tem idoneidade e não se vislumbra a verificação de qualquer circunstância susceptível de gerar situação de incompatibilidade, ou impedimento;

r) É administrador de insolvência (Já do Tempo do CPEREF) e especialmente habilitado a praticar actos de gestão nos termos da lei;

s) Sendo, Economista, Técnico Oficial de Contas e Perito Fiscal Independente da Direcção Geral de Impostos;

t) O entendimento e critérios que fundamentam o presente recurso foram confirmados pelo Venerando Tribunal da Relação do Porto, tendo como relator o Juiz Desembargador Dr. Pinto dos Santos, Ac. TRP, 2010/05/11, Proc. 175/10.TBESP-A P1, 3ª secção, cujo sumário se transcreve;

u) Em conformidade com o exposto, deve ser julgada procedente a apelação e anular parcialmente a decisão recorrida, na parte em que nomeou como administrador da insolvência, nomeando-se agora para exercer o cargo de administrador da insolvência, Nestes termos, indica-se como Administrador de Insolvência o DR. J (…), Economista e TOC: (…) inscrito na Lista Oficial dos Administradores da Insolvência, especialmente habilitado a praticar actos de gestão, nos distritos judiciais de Porto, Coimbra, Lisboa e Évora, constante das listagens publicadas pela Comissão de Apreciação e Controlo da Actividade dos Administradores da Insolvência, datadas de 02 de Junho de 2010, – artigo 52º, n.º 2 do CIRE, e disponíveis em: http://www.mj.gov.pt/sections/o -ministerio/organismos2182/direccao -geralda/ files/administradores-insolvencia/

Como é de inteira JUSTIÇA!

3. Inexistem contra-alegações.

II – Factos Provados

Os factos provados são os que dimanam do relatório supra.

III – Do Direito

1. Uma vez que o âmbito objectivo dos recursos é balizado pelas conclusões apresentadas pelos recorrentes, apreciaremos, apenas, as questões que ali foram enunciadas (arts. 685º-A, e 684º, nº 3, do CPC).

Nesta conformidade, as questões a resolver são as seguintes.

- A sentença no que respeita à nomeação do administrador de insolvência é nula, por falta de fundamentação.

- Atendimento da indicação da apelante de pessoa para administrador da insolvência.

2. Como é por demais sabido e tem sido reiterado jurisprudencialmente (vide Ac. STJ de 15.12.2011, Proc.2/08.9TTLMG, em www.dgsi.pt), a nulidade cominada no actual art. 615º, nº 1, b), do CPC – ex-art. 668º, nº 1, b) - só ocorre quando haja falta absoluta de fundamentação de facto ou de direito e já não a fundamentação deficiente ou errada. No mesmo sentido Lebre de Freitas, CPC Anotado, Vol. 2º, 2ª ed., nota 3., pág. 703.

Admitindo-se ainda o espectro da nulidade quando, existindo fundamentação, ela seja incompreensível, ou seja, de tal forma insuficiente que não permita ao destinatário conhecer das razões de facto e de direito (vide Acds. do STJ de 2.3.2011, Proc.161/05.2TBPRD, e da R. Coimbra de 6.11.2012, Proc.147-G/2002, disponíveis em www.dgsi.pt).

A nomeação do administrador da insolvência é da competência do juiz e a respectiva escolha recai em pessoa/entidade inscrita na lista oficial de administradores de insolvência – conferir arts. 52º, nº 1 e 2, e 32º, nº 1, do CIRE, e art. 13º, nº 1, da Lei 22/2013, de 26.2. (que estabelece o estatuto do administrador judicial).

A propósito do disposto no preceituado no referido artigo 52º, Carvalho Fernandes e João Labareda, in CIRE Anotado, 2ª Ed., 2008, nota 12., pág. 245, entendem que “confrontado com indicações contrárias do devedor e da comissão de credores, o tribunal não está obrigado a preferir nenhuma delas nem sequer é obrigado a optar por qualquer. Mas deverá, como é próprio das decisões, fundamentar a escolha, designadamente quando se afaste das indicações recebidas ou quando privilegie alguma delas.”

Concordamos com tal doutrina, que é acompanhada na jurisprudência, por ex., pelo Ac. da Rel. do Porto, de 11.5.2010, Proc.175/10.0TBESP, apontado pela apelante, e pelo Ac. Rel. Coimbra de 6.3.2012, Proc.1112/11.0TBTMR, disponíveis em www.dgsi.pt, afastando-nos do entendimento seguido por outros, de que se trata de um poder discricionário (art. 152º, nº 4, do CPC) que não carece de fundamentação, por não configurar questão controvertida ou duvidosa (art. 154º, nº 1, do CPC) - vide, por ex., Acds. da Rel. Lisboa de 15.12.2011, Proc.14364/11.7T2SNT, e de 6.3.2012, Proc.14232/11.2T2SNT, em www.dgsi.pt.

Deste modo, quando não acolher as indicações do devedor, da comissão de credores (ou de credor, quando seja este o requerente da insolvência) o Juiz/Tribunal deve fundamentar esse não acolhimento e as razões que o levaram a nomear uma terceira pessoa/entidade, como decorre da exigência legal geral de fundamentação das decisões, proclamada no art. 205º, nº 1, da Const. Repúbl. Portuguesa, e citado art. 154º, nº 1, do CPC, e em particular nas sentenças, como decorre do art. 607º, nº 3, do mesmo diploma.

No caso em apreço, o tribunal a quo não acolheu a indicação da devedora/requerente/insolvente, feita na petição inicial, e nomeou outra pessoa para o cargo de administrador da insolvência. Mas fundamentou, minimamente que fosse, a sua opção.

A sentença justificou de forma perceptível, de facto e de direito, as razões que levaram o tribunal a nomear, para administrador de insolvência, outra pessoa, que não a proposta: porque a requerente pediu que lhe seja concedida a exoneração do passivo restante; outrossim atento o disposto no nº 2 do art. 239º do CIRE.

Pode ser fundamentação deficiente ou errada, mas existe.

Desta sorte, é manifesto que não ocorre falta ou insuficiência de fundamentação, geradora da nulidade cominada no art. 617º, nº 1, b), do CPC, na acepção definida.

Neste contexto, não se verifica a imputada nulidade da decisão, improcedendo o recurso.

3. Com a questão acabada de ser objecto de pronúncia entronca a outra de saber se a indicação do administrador de insolvência a nomear, feita pela requerente no requerimento inicial, é vinculativa para o tribunal.

Ora, resulta, igualmente, da 2ª parte do nº 2 do referido art. 52º, que o devedor pode indicar a pessoa/entidade que deve exercer aquela função no processo. Tal indicação apenas deve respeitar a exigência de que essa pessoa/entidade conste da referida lista oficial.

Havendo essa indicação por parte do devedor, estabelece o mesmo normativo que o Juiz pode tê-la em conta, enquanto na sua redacção primitiva, dada pelo DL 53/2004, de 18.3 (que aprovou o CIRE), o nº 2 daquele art. 52º dispunha que o juiz devia atender às indicações que sejam feitas pelo próprio devedor, elementos gramaticais estes que inculcam claramente que a nova redacção veio alargar o poder decisório do juiz.

Por outro lado, o nº 2 do art. 13º da referida Lei 22/2013 dispõe que sem prejuízo do disposto no citado nº 2 do art. 52º do CIRE, a nomeação a efectuar pelo juiz processa-se por meio de sistema informático que assegure a aleatoriedade da escolha e a distribuição em idêntico número dos administradores da insolvência nos processos. O recurso a tal sistema informático não está ainda a ser utilizado nos tribunais, que saibamos, e no caso concreto dos autos, da consulta dos mesmos, verifica-se que não se recorreu ao mesmo para a nomeação de administrador pelo Sr. Juiz.

Assim, o Juiz não está vinculado a qualquer indicação, pois não está obrigado a preferir nenhuma delas nem sequer é obrigado a optar por qualquer uma delas (foi essa também a decisão colectiva proferida no Proc.1646/12.TBCBR-A, datada de 11.12.2012, relatada pelo actual decisor, podendo ver-se, também, o Ac. Rel. Lisboa, de 17.5.2011, Proc.23.548/10.4T2SNT).

Pelo que, caso opte por não designar o administrador indicado pelas partes, terá de ser o juiz a nomear o administrador, um de entre os constantes da lista oficial.

No caso concreto, o juiz explicitou os motivos pelos quais não nomeou o administrador proposto pela requerente, e indicou um administrador de entre os constantes da lista oficial.

Algum reparo se poderia fazer à decisão recorrida, atenta a invocação seca das duas razões de não nomeação do administrador indicado pela requerente e escolha de outra entidade para tal cargo. Parece, contudo, ser perceptível tal escolha. Conjugando o pedido de exoneração do passivo e, em caso de deferimento, a necessidade de ser nomeado um fiduciário, de entre as entidades inscritas na lista oficial de administradores judiciais (cfr. citado art. 239º, nº 2, do CIRE), inculca-se que o tribunal entende que deve ser a mesma pessoa para as duas funções.

Ponderando esta explicação e o não vinculismo decisório para o juiz da causa atender à indicação para administrador da insolvência feita pela requerente, é de manter a decisão recorrida, improcedendo o recurso interposto pelos requerentes.

4. Sumariando (art. 713º, nº 7, do CPC):

i) A sentença é nula quando falte em absoluto a indicação dos fundamentos de direito da decisão;

ii) Confrontado com a indicação do devedor/apresentante à insolvência de determinada pessoa para administrador da insolvência o tribunal não está obrigado a optar por ela, mas deverá fundamentar a escolha, designadamente quando se afaste da indicação recebida do devedor.

IV – Decisão

Pelo exposto, julga-se improcedente a apelação e confirma-se a decisão recorrida.  

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Custas pela massa insolvente (art. 304º do CIRE).

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  Coimbra, 22.10.2013

Moreira do Carmo ( Relator )