Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
508/13.8PBCTB-A.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: VASQUES OSÓRIO
Descritores: REVOGAÇÃO DA SUSPENSÃO EXECUÇÃO DA PENA
PENA DE PRISÃO
NOVO CRIME
Data do Acordão: 06/28/2017
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: CASTELO BRANCO (J L CRIMINAL – J2)
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO CRIMINAL
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ART. 56.º, N.º 1, AL. B), DO CP
Sumário: I – São dois os fundamentos da revogação da suspensão da execução da pena de prisão: o incumprimento grosseiro ou repetido dos deveres ou regras impostos ou do plano de reinserção social ou; o cometimento de crime e respectiva condenação.

II – Nos termos do disposto no art. 56.º, n.º 1, al. b), do CP, há lugar à revogação da suspensão da execução da pena de prisão sempre que, no decurso do período de suspensão, o condenado cometa crime pelo qual venha a ser condenado, e revele que as finalidades que estavam na base da suspensão não puderam, por meio dela, ser alcançadas.

III – Indispensável para a revogação da pena de suspensão, é a constatação de que o condenado, ao cometer o novo crime, invalidou definitivamente a prognose favorável que suportou a aplicação da pena de substituição ou seja, a expectativa de, através da suspensão, se manter afastado da delinquência.

Decisão Texto Integral:


Acordam, em conferência, na 4ª Secção do Tribunal da Relação de Coimbra

 

I. RELATÓRIO

Por sentença de 16 de Setembro de 2014, transitada em julgado em 16 de Outubro do mesmo ano, proferida no processo comum singular nº 508/13.8PBCTB do então Tribunal Judicial da comarca de Castelo Branco, foi o arguido A..., com os demais sinais nos autos, condenado pela prática de um crime de violência doméstica, p. e p. pelo art. 152º, nºs 1, a) e 2 do C. Penal, na pena de dois anos e dois meses de prisão, suspensa na respectiva execução pelo mesmo período, com regime de prova.

Por sentença de 14 de Junho de 2016, transitada em julgado em 21 de Julho de 2016, proferida no processo comum singular nº 683/14.4PBCTB da Comarca de Castelo Branco – Castelo Branco – Instância Local – Secção Criminal – J1, foi o arguido condenado, além do mais, pela prática de um crime de violência doméstica, p. e p. pelo art. 152º, nºs 1, 2, 4 e 5 do C. Penal, na pena de dois anos e seis meses de prisão, e na pena acessória de proibição de contactos com a vítima pelo período de dois anos e seis meses.

Em 25 de Outubro de 2016 foi ouvido o condenado na presença da técnica da DGRSP.

A requerimento do condenado, foram solicitadas informações ao Departamento de Saúde Mental do Hospital Amato Lusitano e ao Estabelecimento Prisional de Castelo Branco, que foram juntas.

O Digno Magistrado do Ministério Público promoveu a revogação da suspensão da execução da pena de prisão decretada na sentença proferida nos autos.     

O condenado pronunciou-se no sentido de ser prorrogado por um ano o período de suspensão da execução da pena de prisão, mantendo-se a sujeição a tratamento psiquiátrico e de alcoolismo.

Por despacho de 27 de Janeiro de 2017 foi revogada a suspensão da execução da pena de prisão e determinado o cumprimento desta.


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Inconformado com a decisão, recorreu o arguido, formulando no termo da motivação as seguintes conclusões:

I – O recorrente A... foi pela douta sentença proferida nestes autos a fls.165 e ss., transitada em julgado 16/04/2014 condenado na pena de 2 (dois) anos e 2 (dois) meses de prisão, suspensa na sua execução por igual período de tempo, acompanhada de regime de prova, assente no plano de reinserção social a elaborar pela DGRSP, pela prática de um crime violência doméstica contra cônjuge p.p. pelo art.º 152º, nº 1, al. a), do C. Penal, e viu revogada a suspensão da execução da pena de 2 (dois) anos e 2 (dois) meses de prisão e consequentemente condenado a cumprir a pena de prisão pelo douto despacho de 27/01/2017 do qual recorre.

II – O recorrente foi condenado na pena de 2 (dois) anos e 6 (seis) meses de prisão efectiva, por sentença proferida no processo 683/14.4PBCTB, da Comarca de Castelo Branco – Inst. Local – Secção Criminal – J1.

III – A desorientação emocional e psíquica que o recorrente tem vivido, acabaram por estar na base do incumprimento pelo mesmo do que resultara da sua condenação.

IV – O recorrente apresentava à data da sua última condenação um quadro clínico compatível com síndrome alcoólico, o qual tem evoluído para um processo de degradação quer ao nível das competências pessoais, relacionais e emocionais, interferindo com o seu quotidiano e bem-estar (Cfr. processo 683/14.4PBCTB, da Comarca de Castelo Branco – Inst. Local – Secção Criminal – J1).

V – O recorrente encontra-se a cumprir desde 10 de Agosto de 2016 no EP de Castelo Branco a pena de prisão em que foi condenado no processo 683/14.4PBCTB, da Comarca de Castelo Branco – Inst. Local – Secção Criminal – J1.

VI – O recorrente, no momento em que o Tribunal a quo apreciou a revogação da suspensão, já cumpriu cerca de sete meses da pena de prisão efectiva em que foi condenado.

VII – Acresce o facto de o recorrente ter 57 anos de idade padecer de problemas de saúde e não ter outros antecedentes criminais.

VIII – Consideramos, face à atual situação do recorrente que a simples censura do facto e a ameaça da pena realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição, pelo que deveria ser prorrogado o período de suspensão.

IX – Entendemos ainda, salvo o devido respeito, que dando-se-lhe assim uma derradeira oportunidade, para que possa reflectir em liberdade sobre o seu passado e procurar um novo processo de vida adequado à sua reinserção na sociedade, estarão asseguradas as necessidades de prevenção geral e especial e realizadas de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.

X – Neste sentido, entendemos existirem sérias razões para crer que da prorrogação da suspensão da execução da pena de prisão, resultam vantagens para a reinserção social do recorrente.

XI – Assim, é de pressupor que a manutenção da pena aplicada, irá propiciar o afastamento do crime e a sua aceitação pela sociedade.

XII – A pena de prisão deve ser a última ratio a ser aplicada, quando outras penas menos gravosas não sejam suficientes para acautelar as finalidades da punição, e sejam aplicáveis ao caso concreto.

XIII – O cumprimento posterior ao cumprimento da pena de 2 (dois) anos e 6 (seis) meses que o recorrente se encontra a cumprir, da pena de 2 (dois) anos e 2 (meses) de prisão, pela revogação da suspensão da sua execução pelo douto despacho sob recurso, representará para o recorrente um sacrifício da sua liberdade, que poderá agravar fortemente o seu quadro psicológico/psiquiátrico e comprometer sua futura reinserção social.

XIV – Não podiam deixar de ser tidas em conta, não apenas o facto do recorrente ter cometido novo crime, mas também as circunstâncias em que o mesmo o cometeu.

XV – Pelo exposto o despacho recorrido, salvo o devido respeito, procedeu a uma incorrecta interpretação e aplicação das normas contidas nos art.ºs 40.º, n.º 1; 52.º, n.º 3, 55.º e 56.º, todos do Código Penal.

XVI – Deverá assim ser dada uma última oportunidade ao recorrente, decidindo-se pela elaboração de novo plano de reinserção social, revogando-se o despacho que condenou o recorrente a cumprir pena efectiva de prisão de 2 (dois) anos e 2 (dois) meses de prisão, prorrogando-se o período de suspensão da execução da pena de prisão, por 1 (um) ano e 1 (mês).

Termos em que e nos melhores de Direito que Vossas Excelências melhor suprirão, deverá ser dado provimento ao presente Recurso e em consequência revogar-se a decisão recorrida, substituindo-a por outra que contemple as conclusões supra deduzidas.

Decidindo deste modo, Vossas Excelências farão a habitual e necessária JUSTIÇA.


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            Respondeu ao recurso a Digna Magistrada do Ministério Público, formulando no termo da contramotivação as seguintes conclusões:

            1. Nestes autos, o arguido foi condenado por sentença transitada em julgado em 16/10/2014 pela prática de um crime de violência doméstica na pena de 2 anos e 2 meses de prisão, suspensa na sua execução por igual período, sujeita a regime de prova assente no plano apresentado pela DGRSP e devidamente homologado.

2. O arguido manteve sempre uma postura de desvalorização e desresponsabilização da sua conduta, não cumprindo o plano estabelecido pela DGRSP, o que levou a que fosse solenemente advertido para a obrigatoriedade do cumprimento.

3. Ainda assim, o arguido manteve a mesma postura.

4. No âmbito do processo n.º 683/14.4PBCTB, o arguido foi novamente condenado pela prática de um crime de violência doméstica, praticado sobre a mesma vítima destes autos e no decurso do período de suspensão aqui aplicado, na pena de 2 anos e 6 meses de prisão efectiva, por sentença transitada em julgado em 21/07/2016.

5. A revogação da execução da suspensão da pena apenas poderá ocorrer quando se verifique que, clara e frontalmente, o raciocínio de prognose feito em sede de julgamento não encontrou reflexos na realidade dos actos do arguido e na sua capacidade de adesão aos valores societários dominantes.

6. A condenação posterior em prisão efectiva significa que já nesses autos não foi possível esse juízo de prognose favorável sobre a sua conduta, pelo que também aqui a conclusão apenas poderá ser a de que só o cumprimento efectivo da pena de prisão em que foi condenado satisfaz as exigências de prevenção geral e especial.

7. A postura do arguido, frontalmente ignorando o conteúdo da sentença e a função de advertência, por um lado e voto de confiança, por outro, que a suspensão da pena tem, conduz a que a revogação seja inevitável.

8. Não foram violadas quaisquer normas ou princípios pela decisão recorrida, não havendo reparos a fazer aquela.

Termos em que, se Vossas Excelências julgarem improcedente o recurso apresentado, mantendo a douta decisão recorrida farão a habitual JUSTIÇA!


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Na vista a que se refere o art. 416º, nº 1 do C. Processo Penal, o Exmo. Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer, aderindo aos fundamentos da resposta do Ministério Público e concluiu pela improcedência do recurso.

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            Foi cumprido o art. 417º, nº 2 do C. Processo Penal.

            Colhidos os vistos e realizada a conferência, cumpre decidir.


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            II. FUNDAMENTAÇÃO

Dispõe o art. 412º, nº 1 do C. Processo Penal que, a motivação enuncia especificamente os fundamentos do recurso e termina pela formulação de conclusões, deduzidas por artigos, em que o recorrente resume as razões do pedido. As conclusões constituem pois, o limite do objecto do recurso, delas se devendo extrair as questões a decidir em cada caso.

Assim, atentas as conclusões formuladas pelo recorrente, as questões a decidir, sem prejuízo das de conhecimento oficioso, são:

- A não verificação dos pressupostos da revogação da suspensão da execução da pena de prisão;

- A prorrogação do prazo de suspensão da execução da pena de prisão.


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            Para a resolução destas questões importa ter presente o teor do despacho recorrido, que é o seguinte:

            “ (…).

I. Por sentença proferida nestes autos a fls. 165 e ss., transitada em julgado em 16.10.2014, A... foi condenado pela prática de um crime de violência doméstica, na pena de 2 anos e 2 meses de prisão, suspensa na sua execução por igual período de tempo, acompanhada de regime de prova, assente no plano de reinserção social a elaborar pela Direcção Geral de Reinserção e Serviços Prisionais (DGRSP).

            Por despacho proferido a fls. 207 foi homologado o plano de reinserção social elaborado pela DGRSP junto a fls. 201 e ss..

            Por despacho proferido em 16.03.2016 foi o condenado advertido solenemente de que deveria cumprir escrupulosamente o regime de prova que lhe foi aplicado, seguindo as orientações do técnico da DGRSP, sob pena de eventual revogação da suspensão da execução da pena.

            A fls. 280 e ss. foi junta aos autos certidão dando conta da prática, pelo condenado, de um crime de violência doméstica, no decurso da suspensão da execução da pena destes autos e a fls. 293 e ss. a DGRSP apresentou novo relatório, dando conta da manutenção da postura de incumprimento, por parte do arguido.

            Procedeu à audição do condenado na presença da Sr.ª Técnica de Reinserção Social – fls. 328 e ss..

            Foram solicitadas informações ao Departamento de Saúde Mental do “Hospital Amato Lusitano” e ao Estabelecimento Prisional onde o arguido se encontra recluso – fls. 321, 333, 336 e ss. e 341 e ss.

            O Ministério Público promove que se decrete a revogação a suspensão da execução da pena imposta ao condenado, dada a repetição da conduta criminosa e o incumprimento pelo mesmo do regime de prova a que estava adstrito – fls. 340-A.

            O condenado pugna pela prorrogação do período de suspensão da execução pena, invocando que muito embora tenha voltado a cometer crime idêntico, não há razões para afastar a actualidade do juízo de prognose que justificou aquela suspensão – fls. 353 e ss.

            Cumpre decidir.


***

            II. Nos termos do disposto no artigo 56º, n.º 1, do Código Penal, a suspensão da execução da pena de prisão é revogada sempre que, no seu decurso, o condenado:

            a) infringir grosseira ou repetidamente os deveres, as regras de conduta ou o plano de reinserção;

            b) cometer crime pelo qual venha a ser condenado e revelar que as finalidades que estavam na base da suspensão não puderam, por meio dela, ser alcançadas.

            As finalidades da punição encontram-se consagradas no artigo 40º, n.º 1, do Código Penal, reconduzindo-se à protecção de bens jurídicos, no âmbito da prevenção geral positiva, e à reintegração do agente na sociedade, no âmbito da prevenção especial.

            A revogação da suspensão determina o cumprimento efectivo da pena aplicada na sentença condenatória – artigo 56º, n.º 2, do Código Penal.

            No caso em apreço, são os seguintes os elementos a considerar, reunidos nos autos:

i. A... foi condenado pela prática de um crime de violência doméstica, cometido na pessoa da sua esposa, B..., entre 10.08.1980 e 14.03.2014, na pena de 2 anos e 2 meses de prisão, suspensa na sua execução por igual período de tempo, acompanhada de regime de prova, assente no plano a elaborar pela DGRSP (fls. 165 e ss.);

ii. a sentença condenatória transitou em julgado em 16.10.2014, pelo que o período da suspensão decorreu até 16.10.2016 (fls. 193);

iii .no plano de reinserção social elaborado pela DGRSP (fls. 201 e ss), homologado por despacho proferido em 04.02.2015 (fls. 207) ficou estipulado, além do mais, que o condenado deveria: comparecer com assiduidade às entrevistas com os técnicos de reinserção social, colaborando nos conteúdos abordados, comparecer a consulta médica para despiste/tratamento de alcoologia e justificar quaisquer faltas, no prazo de cinco dias úteis;

iv. em 17.12.2015 a DGRSP informou os autos que: o condenado aparentemente não interiorizou a gravidade da sua conduta, desvalorizando e desresponsabilizando-se da mesma; compareceu na primeira consulta de alcoologia, não tendo dado seguimento ao agendado pelo CRI, nem justificado a sua ausência; o arguido não interiorizou a obrigatoriedade de comparecer às entrevistas agendadas, não comparecendo nas datas pré-definidas (fls. 231/232);

v. no dia 23.02.2016 procedeu-se à audição do condenado, na presença da Sr.ª Técnica de Reinserção Social, tendo aquele justificado os incumprimentos reportados com esquecimentos, declarando estar ciente de que se não cumprisse as obrigações do plano podia ver revogada a suspensão da execução da pena (fls. 248 a 250);

vi. por despacho proferido em 16.03.2016 (fls. 257 a 259), notificado ao condenado por contacto pessoal por OPC, em 24.03.2016 (fls. 270/271), foi o mesmo advertido solenemente de que deveria cumprir escrupulosamente o regime de prova que lhe foi aplicado, seguindo as orientações do técnico da DGRSP e de que o incumprimento das obrigações decorrentes do regime de prova aplicado poderia implicar a revogação da suspensão e determinar o cumprimento efectivo da pena de prisão (fls. 257 e ss.);

vii. no dia 16.08.2016 a DGRSP informou os autos que: o condenado não interiorizou a gravidade da sua conduta, desvalorizando e desresponsabilizando-se da mesma, compareceu na primeira consulta de alcoologia, não tendo dado seguimento ao agendado pelo CRI, nem justificado a sua ausência; numa fase inicial manteve-se estável, tendo depois reincidido no comportamento violento, o arguido continuou a não interiorizar a obrigatoriedade de comparecer às entrevistas agendadas, não comparecendo nas datas pré-definidas (fls. 231/232);

viii. na informação prestada em vii., a DGRSP concluiu que: a situação jurídico-penal do arguido foi sempre desvalorizada pelo mesmo, interferindo com o seu estado emocional e competências pessoais, causando-lhe instabilidade; o arguido não beneficia de apoio ou suporte familiar; quanto às entrevistas, não era assíduo e sempre que compareceu apresentou um discurso manipulador e de desresponsabilização, sendo que apresentava competências que lhe deveriam permitir um maior sentido de responsabilidade, sentido critica e capacidade de descentração; no entanto, sempre desvalorizou a sua conduta e a existência de vítimas;

ix. no decurso da suspensão da execução da pena destes autos, o condenado cometeu um crime de violência doméstica, na pessoa da sua esposa, emergente de factos praticados a partir de Setembro de 2014, nomeadamente, em 19.12.2014 e 05.04.2015, tendo sido sancionado com pena de 2 anos e 6 meses de prisão efectiva, por sentença proferida no processo 683/14.4PBCTB, que correu termos por este Juízo Local Criminal – Juiz 1, transitada em julgado em 21.07.2016 (fls. 280 e ss.);

x. os factos pelos quais foi condenado no processo identificado em ix. são em tudo semelhantes aos destes autos – cfr. pontos 6 a 14 dos factos provados da sentença do P. 683/14.4PBCTB e 1 a 21 dos factos provados da sentença destes autos;

xi. no processo referido em ix. deu-se como provado, além do mais, que: «O arguido vive sozinho desde maio de 2015, período em que a esposa abandona a casa morada de família, passando a residir em casa da progenitora. (…) Ao nível pessoal e de momento, regista grande instabilidade psicológica, que interfere com a percepção que faz da realidade, e condiciona os relacionamentos interpessoais. O arguido revela fraca capacidade de descentração, bem como desinteresse e desmotivação pela vida, pelo seu bem-estar. O arguido foi internado no Departamento de Saúde Mental do HAL, consequência do seu estado de saúde, no passado dia 27 de abril, tendo alta a 06 de maio, mantendo-se em hospital dia até ao momento. O arguido não revela consciência crítica face à sua conduta. Confrontado com o presente processo e respectivos factos, o arguido desvaloriza os mesmos, não reconhecendo a existência de danos ou vitimas. O arguido presentemente, apresenta um quadro clinico compatível com síndrome alcoólico, o qual tem evoluído para um processo de degradação quer ao nível das competências pessoais, relacionais e emocionais, interferindo com o seu quotidiano e bem-estar.»

xii. no dia 25.10.2016 procedeu-se à audição do condenado acerca do incumprimento do plano de reinserção social e da prática de novo crime, no decurso da suspensão, na presença da Sr.ª Técnica de Reinserção Social (fls. 328 a 330); nas declarações que prestou, o condenado revelou manter a postura de auto-desresponsabilização pelos factos que cometeu (referiu não se lembrar de ter feito nada, nem que tinha uma pena para cumprir e que o problema era a sua esposa tirar-lhe dinheiro) e justificou tais ocorrências com a circunstância de possuir problemas de memória, sem que conseguisse, porém, indicar qual a doença que possui que seja susceptível de provocar tais problemas; a Sr.ª Técnica da Reinserção Social reiterou o teor da informação descrita em vii. e viii., esclarecendo que a partir do internamento do arguido no Serviço de Psiquiatria, em Abril de 2016, este passou a apresentar um discurso pouco coerente e desorientado, mas que tal situação se verificou, essencialmente, no final do acompanhamento da suspensão da execução da pena; acrescentou que durante o acompanhamento da execução da suspensão da execução da pena, o condenado nunca referiu não se recordar dos factos que praticou, antes apresentando uma versão diversa dos mesmos e que o mesmo foi várias vezes para a possibilidade de ser preso, caso não cumprisse as obrigações impostas na sentença;

xiii. o condenado encontra-se a cumprir a pena de prisão identificada em ix., mantendo, no Estabelecimento Prisional, um comportamento ajustado às regras e normas institucionais (fls. 326), frequentando consultas de psiquiatra e psicologia, encontrando-se estável do ponto de vista clínico (fls. 333);

xiv. o arguido foi seguido no “Departamento de Psiquiatria da USL de Castelo Branco” a partir de 2009, por problemas de alcoolismo, com prognóstico reservado; esteve internado no “CRA” para desintoxicação alcoólica em Dezembro de 2007, com recaída em Junho; a sua esposa padece de esquizofrenia e tiveram um filho que se suicidou (fls. 337/338).

            Destes elementos decorre que no decurso do prazo de suspensão da execução da pena destes autos, o condenado cometeu novamente um crime de violência doméstica, na pessoa da sua esposa, reiterando a conduta criminosa que havia determinado a sua condenação neste processo.

            Além disso, mesmo após a prática desses factos, continuou a adoptar uma postura de vitimização e desresponsabilização do seu comportamento, não interiorizando o desvalor do mesmo.

            Nas diligências de audição de condenado, este não demonstrou, do mesmo modo, qualquer sentido crítico de censura ou arrependimento pelo seu comportamento, tendendo a desvalorizar o mesmo.

            Pese embora o seu estado de saúde se tenha, entretanto, agravado, por força do consumo excessivo de bebidas alcoólicas e depressão, verifica-se que tal sucedeu, apenas, na parte final do período de suspensão da execução da pena. O início do período da suspensão da execução da pena ocorreu há mais de dois anos atrás, sendo que o condenado sempre ofereceu resistência à intervenção e acompanhamento por parte da DGRSP, bem como ao cumprimento das obrigações impostas, descurando frequentemente as mesmas.

            De notar que manteve tal postura mesmo após ser ouvido perante o juiz, em 23.02.2016, e ser solenemente advertido de que deveria cumprir escrupulosamente o regime de prova fixado e as inerentes obrigações, sob pena de eventual revogação da suspensão da execução da pena, com o inerente cumprimento desta.

            Por último, decorre dos autos que apesar das condições de vida do condenado (descritos em xi. e xiv.), este reunia competências pessoais para adoptar um comportamento cumpridor das obrigações a que ficou subordinada a suspensão da execução da pena, bem como, naturalmente, para se abster da prática de novos factos, da mesma natureza (cfr. pontos viii., ix. e xii.)

            Temos, assim, que no decurso da suspensão da execução da pena destes autos o condenado incumpriu culposamente, de modo reiterado, o plano de reinserção social delineado e cometeu novamente o mesmo crime, contra a mesma vítima, continuando a não revelar sentido crítico acerca do desvalor da sua conduta e da necessidade de se conformar com o dever-ser jurídico-penal, que tutela bens jurídicos essenciais à convivência comunitária.

            Neste contexto, é manifesto que as finalidades subjacentes à suspensão da execução da pena de prisão destes autos, traduzidas na interiorização, pelo condenado, de que deve adoptar um comportamento fiel ao direito penal e abster-se da prática de novos crimes, não puderam, por via dela, ser alcançadas, bem como que o condenado infringiu, repetidamente, as condições a que ficou sujeita a suspensão da execução da pena de prisão.

            Em conformidade, não podemos senão revogar a suspensão da execução da pena de prisão imposta ao condenado nestes autos, com o inerente cumprimento efectivo da mesma.


***

            III. Pelo exposto, ao abrigo do disposto no artigo 56º, n.º 1, al. b) e n.º 2, do Código Penal, decide-se REVOGAR a suspensão da execução da pena de 2 (dois) anos e 2 (dois) meses de prisão imposta ao condenado A... nestes autos e, em conformidade, determina-se o cumprimento efectivo da mesma.

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            Notifique, sendo o condenado pessoalmente, no Estabelecimento Prisional onde se encontra recluso.

            (…)”.


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            Com relevo, colhem-se ainda dos autos os seguintes elementos:

            i) Homologado o Plano de Reinserção Social referente ao regime de prova fixado, no primeiro Relatório de execução, datado de Dezembro de 2015, dá-se nota da desvalorização que o condenado dava à situação jurídico-penal, à falta de assiduidade às entrevistas, a falta a consulta de alcoologia para seguimento do processo de tratamento, e a discurso manipulador e de desresponsabilização.

            ii)  O condenado foi ouvido, na presença da técnica da DGRSP, em 23 de Fevereiro de 2016, tendo justificado as suas ausências, a entrevistas e ao tratamento, com esquecimento dos seus compromissos, afirmando raramente ingerir bebidas alcoólicas, e em 16 de Março de 2016 foi proferido despacho advertindo solenemente o condenado do dever de cumprimento escrupuloso do regime de prova, incluindo a observância das orientações do técnico da DGRSP e de que, o incumprimento das obrigações decorrentes do regime de prova poderiam implicar a revogação da suspensão da execução da pena de prisão, despacho que foi notificado a 24 de Março de 2016.

            iii) No Relatório de execução datado de Agosto de 2016 dá-se conta da condenação em pena de prisão sofrida pelo condenado no processo nº 683/14.4PBCTB e da sua entrada no estabelecimento prisional em 10 de agosto de 2016.

            iv) Com data de 25 de Outubro de 2016, os Serviços Clínicos do Estabelecimento Prisional de Castelo Branco prestaram informação segundo a qual, o condenado se encontra clinicamente estável, com consulta regular de psiquiatria e psicologia, mantém comportamento adequado, sono e apetite conservados, redução de medicação e diabetes controlados.

            v) Com data de 4 de Novembro de 2016, o Departamento de Psiquiatria e Saúde Mental da ULS de Castelo Branco, EPE, envia a informação médica relativa ao condenado segundo a qual: este já foi seguido no serviço – alcoolismo – tendo estado internado, para desintoxicação, em Dezembro de 2007, teve uma recaída em Junho, e queixas de insónia inicial, humor deprimido, anedonia, consumindo bebidas alcoólicas em excesso; teve consulta ou observação em Outubro de 2014; teve consulta ou observação em Fevereiro/Março de 2012.

            vi) Nas declarações prestadas a 25 de Outubro de 2016 [cujo registo gravado a Relação ouviu] o condenado disse, na parte relevante, que andava bastantes esquecido, não se recorda de nada, sem sequer, de que tinha uma pena para cumprir, do segundo processo só recorda que o foram buscar a casa e foi para a prisão, até ficou admirado, tem confusão nos dias, acha que o relacionamento com a mulher era bom, ela passava a vida a pedir-lhe dinheiro, ela é que o tratava mal pelas marcas que lhe deixou no corpo, ela tem uma pensão há bastante tempo, recorda os maus tratos que a mulher lhe dava porque foi para o hospital, não se recorda das coisas porque há anos começou a perder a memória e ficou descontrolado, até foi despedido porque se esquecia dos nomes dos clientes, anda a ser seguido por vários médicos, é diabético, actualmente não bebe no estabelecimento prisional, é normal ter estados depressivos, a mulher passa a vida a ser internada, tem uma doença hereditária, 

            vii) Nas declarações prestadas a 25 de Outubro de 2016 [cujo registo C..., afirmou que o condenado foi colaborando mas teve dificuldades nessa colaboração, sendo preciso insistir para ir às entrevistas e teve resistência à ida à consulta de alcoologia até que ocorre o segundo processo; depois da primeira condenação, há um período em que o casal mantém a residência conjunta mas grande instabilidade; a ex-mulher tem um problema de saúde mental grave, o condenado começou a apresentar também uma grande instabilidade e dificuldade em lidar com a mulher, esta saiu de casa e regressou; o condenado foi chamado à atenção várias vezes e sempre pensou que controlaria a situação; a mulher saiu de casa, as coisas melhoraram; conseguiram que o condenado fosse à consulta de alcoologia, desvalorizou a problemática do alcoolismo, acentuaram-se os problemas mentais e de Abril a Maio de 2016 esteve internado na psiquiatria, nessa altura tinha um discurso incoerente, teve alta e fica em hospital dia; passou um período de grande solidão e sem cuidar dos diabetes; nesta fase a filha reaproximou-se dele, aconteceu o segundo julgamento e foi determinada a pena efectiva; o que aconteceu é que o comportamento de um condicionava o comportamento do outro e os membros do casal deixaram de se tolerar; no último período da suspensão, antes de ele ser preso, notava-se que a avaliação das coisas que ele fazia não era adequada; nunca o condenado, ao longo das entrevistas feitas, disse que não se recordava do que acontecia com a mulher, apenas dava uma outra versão dos factos mas com as datas é verdade que ele se esquecia dos compromissos, das coisas, isto na fase final; a ex-mulher sofre de esquizofrenia e tiveram um filho com a mesma doença que cometeu suicídio, a mulher tem vindo a piorar, o condenado encontrou estratégias para ultrapassar o trauma mas veio a ficar no desemprego e o quadro clínico familiar aumentou o consumo de álcool e aumentou a desorganização; o condenado foi avisado várias vezes de que poderia se preso e sempre desvalorizou, agora já percebeu não é assim e por isso sabe que tem que mudar de atitude; o processo de divórcio aconteceu depois da ocorrência dos factos do segundo processo; mesmo nesta situação de conflito, eles procuravam-se um ao outro; o condenado tinha condições para cumprir o plano e foi cumprindo, embora com bastante resistência.


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Da não verificação dos pressupostos da revogação da suspensão da execução da pena de prisão

1. A suspensão da execução da pena de prisão é uma pena de substituição – da pena de prisão – em sentido próprio, e como todas as penas de substituição, tem na sua origem a necessidade de obviar aos efeitos das penas curtas de prisão.

Assim, para que não seja facilmente frustrado este propósito político-criminal, a lei fixou limites apertados à revogação desta pena de substituição. Vejamos.

Dispõe o art. 56º do C. Penal:

1 – A suspensão da execução da pena de prisão é revogada sempre que, no seu decurso, o condenado:

a) Infringir grosseira ou repetidamente os deveres ou regras de conduta impostos ou o plano de reinserção social; ou

b) Cometer crime pelo qual venha a ser condenado, e revelar que as finalidades de que estavam na base da suspensão não puderam, por meio dela, ser alcançadas.

2 – A revogação determina o cumprimento da pena de prisão fixada na sentença, sem que o condenado possa exigir a restituição de prestações que haja efectuado.  

São, portanto, dois os fundamentos da revogação: o incumprimento grosseiro ou repetido dos deveres ou regras impostos ou do plano de reinserção social ou; o cometimento de crime e respectiva condenação. 

Apesar de no dispositivo do despacho recorrido se mencionar apenas a alínea b) do nº 1 do art. 56º do C. Penal, como norma fundamentadora da decretada revogação da pena de substituição, certo é que na respectiva fundamentação de direito se escreveu, além do mais, que «Temos, assim, que no decurso da suspensão da execução da pena destes autos o condenado incumpriu culposamente, de modo reiterado, o plano de reinserção social delineado (…)» o que aconselha a que atentemos em cada um dos fundamentos da revogação previstos na lei.

1.1. Como vimos, homologado judicialmente que foi o Plano de Reinserção Social referente ao regime de prova fixado na sentença proferida nos autos, cedo o condenado e ora recorrente revelou resistência à intervenção da DGRSP e ao cumprimento das obrigações impostas.

Porém, no despacho de 16 de Março de 2016 foi entendido que tais situações não constituíam ainda razão suficiente para determinar a revogação da suspensão da execução da pena de prisão, justificando apenas a advertência solene ao condenado para cumprir escrupulosamente o regime de prova sob pena de, não o fazendo, poder sobrevir a dita revogação.

A partir deste despacho não existe nos autos matéria de facto superveniente, demonstrativa de ter o condenado infringido grosseiramente ou repetidamente, os deveres impostos ou o plano de reinserção social. Tão-pouco no despacho recorrido se concretiza tal matéria, limitando-se à afirmação de que mesmo depois do despacho de 16 de Março de 2016, o condenado manteve uma postura de resistência ao acompanhamento da DGRSP e ao cumprimento das obrigações impostas.   

Aliás, basta atentar no depoimento da técnica da DGRSP, supra, sintetizado, para concluir que, não obstante as dificuldades de colaboração e a resistência oposta à consulta de alcoologia, que veio a ser ultrapassada, o condenado foi cumprindo o plano de reinserção social condicionante da suspensão da execução da pena de prisão. Por outro lado, a mesma técnica enfatizou a complexa situação familiar do condenado e o agravamento da sua saúde mental como condicionantes do seu comportamento e da avaliação da realidade por si feita, o que, por si só, seria susceptível de diminuir a intensidade da culpa no eventual incumprimento de obrigações integradas naquele plano, não lhes conferindo a qualificação de infracção grosseira.

Em suma, não se mostra preenchida a previsão da alínea a) do nº 1 do art. 56º do C. Penal.

1.2. A suspensão da execução da pena de prisão tem como fim de política criminal o afastamento do delinquente da prática de novos crimes, a prevenção da sua ‘reincidência’.

Compreende-se, portanto que, nos termos do disposto no citado art. 56º, nº 1, b) do C. Penal, haja lugar à sua revogação sempre que, no decurso do período de suspensão, o condenado cometa crime pelo qual venha a ser condenado, e revele que as finalidades que estavam na base da suspensão não puderam, por meio dela, ser alcançadas. Como nota Figueiredo Dias, o cometimento de um crime durante o período de suspensão é a circunstância que mais claramente pode pôr em causa o prognóstico favorável que a aplicação da pena de suspensão sempre supõe (Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime, 1993, Aequitas, Editorial Notícias, pág. 355).

Como a lei não distingue, o crime no decurso do período de suspensão por cuja prática veio o condenado a ser condenado, não tem que ter a natureza do crime punido com a pena de substituição, nem tem que ser crime doloso, sendo ainda irrelevante o tipo de pena àquele aplicada. Mas o que a lei não dispensa, para a revogação da pena de suspensão, é a constatação de que o condenado, ao cometer o novo crime, invalidou definitivamente a prognose favorável que suportou a aplicação da pena de substituição ou seja, a expectativa de, através da suspensão, se manter afastado da delinquência. 

Dito isto.

In casu, o recorrente foi condenado em 16 de Setembro de 2014, com trânsito em 16 de Outubro do mesmo ano, pela prática de um crime de violência doméstica, que teve por vítima o seu, então, cônjuge, na pena de 2 anos e 2 meses de prisão, suspensa na respectiva execução pelo mesmo período, com regime de prova. Em plena vigência do período de suspensão da execução da pena de prisão, veio a praticar factos – em Dezembro de 2014 e Abril de 2015 – que determinaram a sua condenação em 14 de Junho de 2016, com trânsito em 21 de Julho do mesmo ano, pela prática de um crime de violência doméstica, que teve por vítima o seu ex-cônjuge, na pena de 2 anos e 6 meses de prisão que cumpre actualmente. 

O recorrente não tinha, aquando da condenação proferida nestes autos, antecedentes criminais.

Na sentença de 16 de Setembro de 2014, proferida nestes autos, a substituição da pena de prisão decretada foi assim fundamentada:

“ (…).

Dispõe o artigo 50.º, n.º 1, do Código Penal, com a redacção dada pela Lei n.º 59/2007, de 4 de Setembro, que o Tribunal suspende a execução da pena de prisão aplicada em medida não superior a cinco anos se, atendendo à personalidade do agente, às condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste, concluir que a simples censura do facto e a ameaça de prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.

A suspensão da execução da pena de prisão pressupõe a aplicação de um pena de prisão em medida não superior a cinco anos, sendo este o requisito formal.

No entanto, é ainda necessária a existência de um juízo de prognose favorável ao arguido, atendendo à sua personalidade e conduta, sendo este o requisito material.

O mencionado "juízo de prognose social favorável ao arguido" não deve assentar numa "certeza", bastando uma "expectativa" fundada de que a simples ameaça da pena seja suficiente para realizar as finalidades da punição e, consequentemente, a ressocialização em liberdade.

Este juízo de prognose social favorável em que assenta o instituto da suspensão da execução da pena, ocorre quando se conclui que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição, devendo, para tal, atender-se à personalidade do agente, às condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste.

O Tribunal deverá correr um risco prudente, uma vez que a esperança não é seguramente certeza (neste sentido, vide ac. STJ de 24/10/2002, proc. n.º 3398, Simas Santos, disponível em www.dgsi.pt).

São os seguintes os elementos a atender nesse juízo de prognose: (i) a personalidade do arguido; (ii) as suas condições de vida; (iii) a conduta anterior e posterior ao facto punível; e (iv) as circunstâncias do facto punível (neste sentido, vide ac. STJ de 24/05/2001, proc. n.º 1092/01, disponível em www.dgsi.pt).

Assim, no caso concreto, não ignorando a particular ressonância que tende a provocar na comunidade a protagonização de agressões reconduzíveis a um quadro de violência doméstica, sobretudo em Comunidades como a desta comarca, onde se desvalorizam comportamentos como o do arguido (muito à semelhança do adágio: "entre homem e mulher ninguém mete a colher"), implicando um maior reforço da vigência das normas violadas; considera-se que os elementos apurados nos autos permitem (ainda) formular um juízo de prognose favorável ao arguido.

Quanto às suas condições de vida, o arguido, actualmente com 54 anos de idade, recebe rendas de imóveis e bolsa do I.E.F.P. no valor de € 100,00 (cem euros). Vive em casa própria com a ofendida, a qual está reformada. Tem, como habilitações literárias, o 12.º ano de escolaridade.

Não está averbada qualquer condenação no seu certificado de registo criminal.

Por todo o exposto, é de concluir, que a ameaça de prisão tenderá a servir de suficiente desincentivo à reiteração futura do comportamento que se sanciona.

Assim, suspende-se a execução da pena de prisão ora aplicada pelo período de 2 (dois) anos e 2 (dois) meses, em conformidade com o disposto no n.º 5 do artigo 50.º do Código Penal.

Por se entender por conveniente a promover a reintegração do condenado na sociedade, considerando especialmente que o arguido manifestou não ter ainda interiorizado a gravidade da sua conduta criminosa, a suspensão da execução da aludida pena será acompanhada de regime de prova, em harmonia com o disposto no n.º 1 do artigo 53.º do Código Penal.

O regime de prova assentará num plano de reinserção social, a elaborar, executar e fiscalizar durante o tempo da suspensão pelos serviços da DGRSP.

Pelo exposto, a suspensão da execução da pena de prisão terá, nos termos do artigo 50.º, n.º 5, do Código Penal, a duração de 2 (dois) anos e 2 (dois) meses, acompanhada de regime de prova, assente no plano de reinserção social a elaborar pela DGRSP.

(…)”.

Como se vê, a 1ª instância, depois de referir, cremos, exigências de prevenção geral [a referência ao sentimento comunitário de desvalorização da conduta], e as exigências, reduzidas, de prevenção especial [a referência à inexistência de antecedentes criminais], e de referir as condições pessoais do recorrente [idade, rendimentos, habilitações e agregado familiar], concluiu, apelando a uma fórmula vaga [os elementos colhidos nos autos], pela viabilidade de formulação de um juízo de prognose favorável.

O recorrente invoca o alcoolismo e a diabetes como condicionantes do seu modo de vida que não podem deixar de ser ponderadas na decisão de revogação da pena de substituição.

É uma evidência que o recorrente padece, há anos, de problemas de alcoolismo cuja existência, como demonstram as suas declarações e os Relatórios de execução, tem dificuldade em admitir. O alcoolismo é reconhecido como doença pela OMS e, como é do conhecimento geral, é frequentemente causador de alterações nas relações afectivas e sociais do alcoólico, bem como, causador de problemas médicos e psiquiátricos. Já a diabetes, que também afecta o recorrente, não tem tais efeitos.

Apesar disto, cumpre dizer que não consta sequer dos factos provados da sentença de16 de Setembro de 2014 que o recorrente, ao praticá-los, estivesse sob o efeito do álcool. Por outro lado, quer nestes autos, quer no processo nº 683/14.4PBCTB, o recorrente foi sempre considerado como capaz de avaliar a ilicitude do facto no momento da sua prática e de se determinar de acordo com essa avaliação, e não existem nos autos quaisquer elementos que levantem dúvidas sobre a capacidade de entendimento do recorrente sobre o sentido de uma condenação penal e sobre o significado da suspensão da execução da pena de prisão.

Naturalmente que a adição do recorrente contribuiu para a degradação das suas relações familiares e sociais, bem como modificou as suas capacidades cognitivas e emocionais, tudo determinando um menor grau de compreensão do desvalor das suas condutas. Sucede que tudo isto tem o seu campo de intervenção na operação da escolha e determinação da medida da pena, há muito ultrapassada.

Na verdade, do que cuidamos é de um cidadão que, padecendo embora de dependência alcoólica, não ficou, por causa dela, privado da capacidade de entender e de querer. Se depois da primeira condenação, através da qual, a comunidade, pela voz do tribunal, apostou na sua capacidade de regeneração em liberdade, e o recorrente entendeu – e dizemos «entendeu», quer porque resulta dos autos, designadamente, dos Relatórios de execução e das declarações da técnica da DGRSP, que manteve competências para agir de outro modo, quer porque o abuso de álcool é, em si mesmo, um acto livre, não podendo a incapacidade subjectiva da sua ultrapassagem servir de desculpa para comportamentos típicos – desbaratar essa oportunidade, cometendo de novo, o mesmo crime e com a mesma vítima, os traços de personalidade evidenciados pela demonstrada incapacidade de entender e aproveitar o significado da pena de substituição aplicada, e a consequente frustração do seu objectivo de política criminal, torna inarredável a conclusão de estar definitivamente afastado o juízo de prognose favorável pressuposto, face à malograda expectativa do afastamento do recorrente da criminalidade.

E estas considerações não são, cremos, afastáveis, seja com a convocação do divórcio [e admitimos que este, efectivamente, ocorreu] e consequente extinção da comunhão conjugal, uma vez que, como afirmou a técnica da DGRSP nas declarações prestadas, mesmo numa situação de conflito, os ex-cônjuges procuravam-se um ao outro, sendo a conduta de um condicionante da conduta do outro, o que significa que a necessidade de ‘procura do outro’ pode subsistir, seja com a convocação dos princípios da proporcionalidade e da adequação.

Em conclusão, estando verificado o circunstancialismo previsto no art. 56º, nº 1, b) do C. Penal, não merece censura o despacho recorrido ao decidir a revogação da suspensão da execução da pena de prisão decretada ao recorrente.


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Da prorrogação do prazo de suspensão da execução da pena de prisão

2. A, pelo recorrente pretendida, prorrogação do prazo de suspensão da execução da pena de prisão, por um ano e um mês tem como pressuposto que viesse a ser entendido não existir fundamento para a revogação da pena de substituição.

Como se viu, não é esse o entendimento da Relação, pelo que ficou necessariamente prejudicado o conhecimento desta questão.


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III. DECISÃO

Nos termos e pelos fundamentos expostos, acordam os juízes do Tribunal da Relação em negar provimento ao recurso e, em consequência, confirmam o despacho recorrido.

Custas pelo arguido, fixando-se a taxa de justiça em 3 UCs. (arts. 513º, nº 1 do C. Processo Penal e 8º, nº 9 e tabela III do R. das Custas Processuais).


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Coimbra, 28 de Junho de 2017

(Heitor Vasques Osório – relator)

(Helena Bolieiro – adjunta)