Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
2328/04.1TBVIS.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: FALCÃO DE MAGALHÃES
Descritores: NULIDADE DE SENTENÇA
CONTRATO-PROMESSA
SINAL
CLÁUSULA PENAL
EXCESSO
REDUÇÃO
Data do Acordão: 10/26/2010
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DE VISEU – 1º JUÍZO CÍVEL
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PARCIALMENTE REVOGADA
Legislação Nacional: ARTºS 660º, Nº 2, E 668º, Nº 1, AL. D), DO CPC; 442º, Nº 4, E 810º, Nº 1, DO C. CIVIL.
Sumário: I – A pronúncia sobre determinada questão suscitada pela parte, exigida pelo nº 2 do artº 660º do CPC, podendo ser implícita, há-de ser inequívoca, o que só sucede quando, através da fundamentação da sentença, seja possível reconstituir o pensamento do juiz sobre essa questão.

II – Quando assim não suceda verifica-se nulidade da sentença – artº 668º, nº 1, al. d) do CPC.

III – A cláusula penal verifica-se quando as partes fixam, por acordo, o montante de indemnização e pode ser estabelecida para o não cumprimento da obrigação (cláusula penal compensatória) ou ser estipulada para o caso de mora ou atraso no cumprimento (cláusula penal moratória) – artº 810º, nº 1, do CC.

IV – Sendo o objectivo do “sinal” delimitar o montante da indemnização decorrente do não cumprimento, a respectiva estipulação assume a natureza de cláusula penal – artº 810º, nº 1, do CC -, pelo que a restituição do sinal em dobro, no caso de o promitente-vendedor que recebeu o sinal deixar de cumprir a obrigação de contratar por causa que lhe seja imputável, pode ser pedida pelo promitente-comprador sem que este tenha de alegar e de provar os prejuízos sofridos com o incumprimento do contrato-promessa.

V – Não obstante a referida função do “sinal”, nada obsta a que a autonomia da vontade das partes – artº 405º, nº 1, do CC – lhes permita estipular, além dele, uma cláusula penal suplementar, que pode bem, no âmbito dessa autonomia, ser estabelecida apenas a favor de uma das partes no contrato, fixando outro montante, que não apenas o entregue a título de sinal, para o caso de incumprimento da outra parte – artº 442º, nº 4, CC.

VI – Atento o valor muito inferior, relativamente aos encargos assumidos pelo promitente-comprador, da indemnização correspondente ao dobro do sinal por este entregue aos promitentes vendedores – ou seja, não cobrindo a restituição do sinal, mesmo em dobro, o montante expectável que seria gasto pelo promitente-comprador para desonerar o prédio negociado dos ónus sobre o mesmo existentes -, afigura-se razoável a estipulação de um montante indemnizatório suplementar que, fixando, em complemento do resultante do sinal, a indemnização a pagar em caso de não se realizar o contrato prometido por culpa dos RR, tivesse, além disso, uma função dissuasora desse incumprimento.

VII – Em caso de litígio, a cláusula penal – a pena - pode ser, se reunidos os requisitos necessários para tal, reduzida equitativamente pelo tribunal.

VIII – O escopo da redução da pena compensatória não é circunscrevê-la ao dano real sofrido pelo credor em razão do incumprimento, mas tão-só corrigi-la, em função do seu manifesto exagero, ao que, em juízo de equidade, se entender como justo.

Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra:

I - A) - 1 - A...[1], residente em ..., instaurou, em 16/09/2004, no Tribunal Judicial da Comarca de Viseu, contra B... e C...[2], residentes em ..., acção declarativa, de condenação, como processo ordinário, pedindo a condenação solidária dos RR a pagarem-lhe € 88.808,00, respeitando, dessa quantia:

a) 4.988,00 €, a título de restituição de sinal recebido;

b) 26.940,00 €, a título de restituição ao autor dos pagamentos efectuados para liquidação de obrigações contraídas pelos réus;

c) 7.000,00 €, a título de indemnização pelas benfeitorias que efectuou no prédio em causa nos autos;

d) 49.880,00 €, a título de indemnização contratual pelo incumprimento do contrato da responsabilidade dos réus.

Alegou, em síntese, que:

 - Em 21/06/2001, os réus prometeram vender-lhe, a ele Autor, que lhes prometeu comprar, o prédio misto identificado no art.º 2.º da petição inicial, tendo sido convencionado que pagaria, para extinção das penhora e da hipoteca que oneravam tal prédio, as dívidas descritas nos artigos 2º a 4º da petição inicial e a quantia de 1.500 contos, a título e por conta do preço do imóvel;

- Entregou aos réus 1000 contos, a título de sinal e princípio de pagamento, acordando que faria o pagamento do remanescente do preço aquando da outorga da escritura do contrato prometido, e liquidou as dívidas dos RR contraídas perante D... e a Fazenda Nacional, tendo estabelecido um plano de pagamento com a Caixa de Crédito Agrícola de ...;

- Os réus comprometeram-se, também (§ único da cláusula 4ª), a assumir a responsabilidade pela extinção de quaisquer ónus ou encargos que viessem a ser registados após o dia 11 de Junho de 2001;

 - Após tais pagamentos teve conhecimento de que incidia sobre o prédio em causa uma outra penhora, de que os réus não lhe tinham dado conhecimento à data da celebração do contrato-promessa, penhora essa registada em 6 de Maio de 2002 a favor de “ M..., SA”, e destinada a garantir o pagamento de um crédito no valor de 18.506,39 €;

- A execução onde tal penhora foi efectuada veio a prosseguir a requerimento da referida “M...”, vindo aí a realizar-se a venda daquele prédio, circunstância esta que implicou a impossibilidade da realização do contrato prometido.

2 - Cada um dos RR - que contestaram separadamente -, pediu a respectiva absolvição do pedido, tendo a Ré, que excepcionou, também, a compensação de créditos, sustentado para o efeito e em síntese relevante para o presente recurso:

- Estar divorciada do Réu desde 12.06.01, pelo que à data da subscrição do contrato-promessa já se encontrava nesse estado civil;

- Pensar que a dívida à “ M..., SA” se encontrava resolvida, desconhecendo a penhora;

 - O réu não a interpelou para a formalização do contrato prometido, apenas a tendo interpelado em Outubro de 2002 para lhe atribuir poderes para celebrar, em relação ao prédio em causa, negócio consigo mesmo e que funcionou para a ré como realização do contrato definitivo, nem nessa data tendo sido interpelada pelo Autor para liquidar aquele crédito;

- O autor retirou do prédio benefício económico desde Julho de 2001, em valor mensal não inferior a 2.000,00 euros, devendo operar-se compensação;

- Inexiste solidariedade entre os RR, à excepção do que respeita à indemnização prevista na cláusula 5ª;

- Todavia, tal cláusula penal estabelecida no documento que formalizou o contrato, é manifestamente excessiva e desproporcional face aos interesses em jogo, pelo que, caso se entenda ser imputável a ré o incumprimento do contrato, deve ser reduzida de acordo com a equidade;

- A equacionar-se qualquer responsabilidade da Ré, a mesma ter-se-ia de limitar ao valor da quantia exigida pela “ M... S.A.” e apenas na proporção da sua quota-parte.

B) Realizada que foi a audiência de discussão e julgamento, com gravação da prova, veio a ser proferida sentença (em 02/12/2009), na qual, com procedência parcial da invocada compensação, julgando-se a acção parcialmente procedente, absolvendo-se os RR do demais peticionado, condenaram-se estes a pagarem ao Autor, solidariamente, a quantia global de 71.371,73 €.

II - Desta sentença apelou a Ré C..., que, a finalizar a sua alegação de recurso, apresentou as conclusões que se seguem:

[…]

Nas suas contra-alegações o Autor/Apelado defendeu que se negasse procedência ao recurso, mantendo-se a decisão impugnada.

Por despacho de 19/04/2010, o Mmo. Juiz do tribunal “a quo” decidiu que não se verificava a nulidade de sentença - omissão de pronúncia - reclamada nas alegações de recurso da Ré.

Corridos os “vistos” e nada a isso obstando, cumpre decidir.

III - Em face do disposto nos art.ºs 684, nº 3 e 4, 690, nº 1, ambos do Código de Processo Civil (CPC)[3], o objecto dos recursos delimita-se, em princípio, pelas conclusões dos recorrentes, sem prejuízo do conhecimento das questões que cumpra apreciar oficiosamente, por imperativo do art.º 660, n.º 2, “ex vi” do art.º 713, nº 2, do mesmo diploma legal.

Não haverá, contudo, que conhecer de questões cuja decisão se veja prejudicada pela solução que tiver sido dada a outra que antecedentemente se haja apreciado, salientando-se que, com as “questões” a resolver se não confundem os argumentos que as partes esgrimam nas respectivas alegações e que, podendo, para benefício da decisão a tomar, ser abordados pelo Tribunal, não constituem verdadeiras questões que a este cumpra solucionar (Cfr., entre outros, Ac. do STJ de 13/09/2007, proc. n.º 07B2113 e Ac. do STJ de 08/11/2007, proc. n.º 07B3586 [4]).

Assim, as questões a solucionar consistem em saber se se verifica a omissão de pronúncia apontada pela Apelante e se, em face dos factos que se encontram provados, é correcta a parcial procedência da acção nos termos decididos pela 1ª Instância.

IV - Nos termos do n.º 6 do art.º 713 do CPC, por não ter sido impugnada nem se impor qualquer alteração, remete-se para a matéria de facto dada como provada na sentença da 1.ª Instância, dela se transcrevendo, para facilitar a abordagem das questões a tratar, os seguintes pontos:

[…]

V - A) -  1 - Nulidade da sentença, em virtude de omissão de pronúncia.
Como é sabido a sanção prevista na alínea d) do n.º 1 do artigo 668.º do CPC, para a omissão de pronúncia, tem a ver com a inobservância do que se preceitua no n.º 2 do art. 660º, na parte que impõe ao juiz o dever de “...resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras...”.

Ora, diz a apelante/Ré - nisso vendo a apontada nulidade -, que a sentença recorrida não abordou a questão da redução da cláusula penal suscitada na sua contestação, pelo que enferma de omissão de pronúncia.

Adianta-se já que se reconhece razão à Apelante quanto à verificação da omissão que aponta.

A pronúncia sobre determinada questão suscitada pela parte, exigida pelo nº 2 do art. 660º do CPC, podendo ser implícita, há-de se inequívoca, o que só sucede quanto, através da fundamentação da sentença, seja possível reconstituir o pensamento do juiz sobre essa questão.

A fundamentação da sentença “sub judice”não contém qualquer referência de onde se possa inferir que a condenação da Ré no pedido de pagamento do montante acordado a título de cláusula penal (cláusula 5ª do contrato), passou pela ponderação e afastamento da invocada manifesta excessividade dessa cláusula.

Efectivamente, percorrendo a decisão recorrida, não se vê nela sinal de que o Tribunal “a quo”  haja feito qualquer apreciação sobre o carácter excessivo ou desproporcionado dessa cláusula penal, ou que tenha, na resolução de qualquer outra questão tomado posição de onde, tácita, mas inequivocamente, resultasse prejudicada a necessidade de tomar posição expressa quanto a tal arguição.

Se essa ponderação esteve no raciocínio do juiz, nada no texto da sentença o faz supor, sendo que a decisão tomada quanto à matéria dessa cláusula não tem como pressuposto necessário o afastamento pensado da invocada excessividade, podendo resultar apenas da inconsideração dessa matéria.

Ou seja, em face da argumentação expendida sobre a dita cláusula, a realidade aparente, não equívoca, é a de que a condenação da Ré a esse título foi tomada sem ponderação da questão, suscitada pela Ré, da manifesta excessividade do montante dessa pena convencionada, pelo que, não existindo elementos que nos levem a concluir ter essa questão sido objecto de apreciação expressa ou implícita, tem de se concluir pela omissão de pronúncia quanto a ela.

A consequência desta constatação é a de que este Tribunal terá de suprir a nulidade em causa, conhecendo da matéria respeitante à excessividade ou desproporção da cláusula 5ª e eventual redução da pena aí convencionada (art.º 715º, nº 1, do CPC), o que mais adiante se fará. 

2 - No contrato-promessa de compra e venda em causa, tendo o preço acordado sido de 1.500 000$00, estabeleceu-se o montante de 500.000$00 como sinal e princípio de pagamento, montante este que se disse no acto da outorga do contrato ter sido já recebido pelos RR e que corresponde à quantia que se veio a apurar ter sido entregue a esse título.

Saliente-se que o Autor, invocando a impossibilidade, imputável aos RR, da realização do contrato prometido, pediu - além do mais - a condenação destes a restituírem-lhe a quantia entregue a título de sinal (não a restituição do sinal em dobro, pois), embora indicando o valor de 4.988,00 €, pois que na petição e em desconformidade com o que constava do documento que formalizou o contrato e com o que posteriormente se veio a provar, alegou que a tal título tinha entregue aos RR 1000 contos.
A cláusula penal, verifica-se, segundo o art.º 810º n.º 1 do CC, quando as partes fixam por acordo o montante de indemnização e pode ser estabelecida para o não cumprimento - cláusula penal compensatória - ou ser estipulada para o caso de mora ou atraso no cumprimento (cfr. tb. art.º 811º, n.º 1, do CC) - cláusula penal moratória.

A cláusula penal, por definição, resulta do acordo das partes e o montante da pena, já se viu, é estabelecido por elas. Em caso de litígio, a cláusula penal - melhor se diria, a pena[5] - pode ser, se reunidos os requisitos necessários para tal, reduzida equitativamente pelo Tribunal.

Sendo o objectivo do sinal delimitar o montante da indemnização decorrente do não cumprimento, a respectiva estipulação assume a natureza de cláusula penal (art. 810.º, n.º 1, do CC), pelo que a restituição do sinal em dobro, no caso promitente-vendedor que recebeu o sinal deixar de cumprir a obrigação de contratar por causa que lhe seja imputável, pode ser pedida pelo promitente-comprador sem que este tenha de alegar e provar os prejuízos sofridos com o incumprimento do contrato-promessa.

No caso “sub judice”, tendo acordado no montante de 500 000$00 como sinal e princípio de pagamento, as partes estabeleceram, ainda, uma cláusula penal compensatória, consagrando no documento que formalizou o contrato (cláusula 5ª): «No caso de incumprimento do presente contrato ser imputável aos primeiros outorgantes, estes, obrigam-se solidariamente a pagar ao segundo a título de indemnização, a importância de Esc. 10 000 000$00 (dez milhões de escudos).».

Não obstante a referida função do sinal, nada se afigura obstar a que a autonomia da vontade das partes (cfr. art.º 405º, nº 1, do CC) lhes permita estipular, além dele, uma cláusula penal suplementar, que pode bem, no âmbito dessa autonomia, ser estabelecida apenas a favor de uma delas, fixando outro montante, que não apenas o entregue a título de sinal, para o caso de incumprimento da outra parte. Afigura-se-nos que essa cláusula penal suplementar caberá na previsão ressalvada no nº 4 do art.º 442º do CC.

Assim, para além do que respeita ao entregue a título de sinal e sujeição ao regime que, quanto a este, “ex lege”, para eles decorreria em resultado da não realização do contrato prometido lhes ser imputável - v.g. a restituição do sinal em dobro (mas que, no caso, se peticionou em singelo) - os RR obrigaram-se para com o Autor, ainda, neste caso, solidariamente, a pagar-lhe a título de indemnização, a importância de Esc. 10 000 000$00 (49880,00 €).

Ora, para se ponderar o papel desta cláusula penal na economia do contrato, necessário se torna analisar as prestações envolvidas na respectiva execução.

Assim, incidindo sobre o prédio em causa uma hipoteca constituída pelos RR a favor da Caixa Agrícola Mútuo de ..., bem como uma penhora a favor da Fazenda Nacional e uma penhora a favor de D..., o Autor também se obrigou a praticar os actos necessários, incluindo os pagamentos que tivesse de efectuar, para proceder à extinção de tais encargos que oneravam o prédio, na sequência do que atestou na petição ter liquidado:

- o valor de 830.000$00 (4140,02 €) respeitante à dívida dos RR na execução que contra estes instaurou D...;

- a quantia de 871 493$00, respeitante à dívida dos RR na execução movida pela Fazenda Nacional;

- a quantia de 3.500.000$00 (17.457,93 €) para a extinção e cancelamento do registo de hipoteca a favor da Caixa de Crédito Mútuo de ..., segundo um plano de pagamento que estabeleceu com esta instituição.

Para além disto - e do montante entregue a título de sinal - alegou o Autor (o que veio a provar-se - itens nºs 3, 25, 26, 27, 28 e 29 da matéria de facto dada como provada), que, com a concordância dos RR, gastou 1.000 € em acordo que logrou obter - mas que, por incumprimento dos RR veio a ficar sem efeito - para cancelamento da referida penhora registada em 06/05/2002.

Ora, não obstante o preço referido no contrato para a compra e venda ter sido de 1.500 000$00, o Autor além do sinal que entregou aos RR, que se veio a provar ter sido de 500.000$00 (2.493,99 €), obrigou-se a suportar encargos de valor global muito superior, para desonerar o prédio em causa das penhoras e hipoteca que sobre o mesmo pendiam, tendo nisso gasto, segundo se provou, o correspondente a 17.457,93 € na execução intentada pela Caixa de Crédito Agrícola de ...), 4.140,02 € na execução movida por D... a tudo isso acrescendo os referidos 1,000 €.

Face a isso, atento o valor muito inferior, relativamente aos encargos assumidos pelo promitente-comprador, da indemnização correspondente ao dobro do sinal por este entregue aos promitentes vendedores - ou seja, não cobrindo, manifestamente, a restituição do sinal (mesmo que em dobro) o montante expectável que seria gasto pelo Autor para desonerar o prédio das penhoras e da hipoteca que sobre o mesmo incidiam - afigura-se-nos perfeitamente razoável a estipulação de um montante indemnizatório suplementar que, fixando, em complemento do resultante do sinal, a indemnização a pagar em caso de não se realizar o contrato prometido por culpa dos RR, tivesse, além disso, uma função dissuasora desse incumprimento.

Tudo está em saber, pois, se a tal desiderato se molda o montante de 10 000 000$00  previsto na cláusula 5ª do contrato.

Passa isto por saber se a estipulação de uma tal cláusula penal permite que o Autor, com fundamentação estranha à previsão da mesma, peticione a condenação dos RR no pagamento daquilo que despendeu para desonerar o prédio dos encargos que consistiam as penhoras e a hipoteca que sobre o mesmo pendiam.

Note-se que em lado nenhum, no escrito em que foi formalizado o contrato, se refere a consequência que, no que concerne às quantias gastas pelo Autor no pagamento a terceiros para obter essa desoneração, o incumprimento do contrato imputável aos RR acarretaria.

Também não se pode entender que essas importâncias englobem o preço - ou seja, possam ser tidas como adiantamentos efectuados por conta deste -, atenta a circunstância de um tal entendimento, não ter no texto do documento que formalizou o contrato um mínimo de correspondência, ainda que imperfeitamente expresso (cfr, art. 238º, nº 1, do CC).

E assim, o único alcance útil e possível que se retira da interpretação do contrato “sub judice”, face à função que se referiu desempenhar a cláusula penal compensatória, é a de cobrir - em conjugação com a restituição do sinal (mesmo que em dobro) - todos os prejuízos que, em consequência da não realização do contrato por culpa dos RR, resultassem para o Autor, incluindo, pois, tudo aquilo que este gastaria com o pagamento a terceiros para desonerar o prédio em causa de tais das penhoras e hipoteca.

Assim, a consagração da dita cláusula penal, obstava a que se pudesse peticionar a condenação dos RR a pagar ao Autor as importâncias por este liquidadas a terceiros para desonerar o prédio das penhoras e da hipoteca que sobre o mesmo pendiam, tendo razão a Ré quando, embora com fundamento diverso, defende que não deveria ter sido condenada a esse título.

Relembra-se que a cláusula penal compensatória tem o intuito principal servir de liquidação “a forfait” dos prejuízos sofridos por aquele que dela beneficia, sendo o que, em princípio, o contraente incumpridor tem de pagar, independentemente de o valor dos prejuízos reais poder ser superior ou inferior a esse valor.

Por isso aquele que beneficia da estipulação da cláusula penal não tem que provar o valor desses prejuízos, nem, consequentemente, a correspondência do montante da pena convencionada com esse valor.

Não se poderá deixar de salientar, contudo, que, na fixação do montante da pena não é despicienda a função dissuasora ou preventiva que, com vista a desencorajar o incumprimento, também tem a cláusula penal, lembrando-se o referido a propósito por Calvão da Silva: “a função indemnizatória não é a única desempenhada pela cláusula penal. Ela funciona também, como poderoso meio de pressão de que o credor se serve para determinar o seu devedor a cumprir a obrigação, desde que o montante da pena seja fixado numa cifra elevada, relativamente ao dano efectivo. O carácter elevado da pena constrange indirectamente o devedor a cumprir as suas obrigações, visto desencorajá-lo ao não cumprimento, pois este implica para si uma prestação mais onerosa do que a realização, nos termos devidos.”[6].

Bem se compreende, pois, que o escopo da redução da pena compensatória, não seja circunscrevê-la ao dano real sofrido pelo credor em razão do incumprimento, mas tão-só corrigi-la, em função do seu manifesto exagero, ao que, em juízo de equidade, se entender como justo.[7] 

Têm-se presente que se provou que, tendo A e R feito a estimativa de que as dívidas, à data do negócio, ascenderiam a 23.000 mil contos, acordaram em atribuir ao negócio um valor de 25.000 mil contos para, em favor do autor, prever alguma margem para as negociações com os credores dos RR (pontos n.ºs 50 e 51 da matéria de facto).

Ora, se o montante da pena convencionada (a acrescer, como já se fez notar, ao decorrente da restituição do sinal), poderia, no momento da outorga do contrato-promessa, colher alguma justificação na necessidade de o autor vir a fazer, despesa significativa, para além das atinentes à desoneração do prédio das penhoras, com a desoneração da hipoteca que sobre o imóvel incidia, o certo é que o que veio a concretizar-se nesse capítulo, na sequência de um plano acordado com o credor, foi um único pagamento a este do montante 3.500.000$00 (17.457,93 €).

Tendo isso em consideração, bem como que, afinal, a totalidade dos encargos que se provaram ter sido suportados pelo Autor ascendeu a 22.597,95 €, afigura-se que a pena convencionada de 10.000.000$00 - a acrescer à restituição do sinal - excede em muito o valor que seria necessário para desempenhar adequadamente, no caso concreto, as funções que são próprias das cláusulas penais, sendo razoável, para lograr esse desiderato, a nosso ver, o montante de 6.500.000$00 (32421,86 €), paro o qual, em equidade, se reduz aquela pena (art.º 812º, nº 2, do CC).

3 - Não resulta para nós assente que o Autor, tenha ficado em condições - designadamente, por falta de elementos que ao Réu incumbia fornecer-lhe -, que lhe permitissem marcar, até à data para o efeito indicada no contrato-promessa (15/9/2001) a escritura relativa ao contrato prometido.

Em todo o caso, da factualidade provada resulta que as partes não pretenderam conferir àquela estipulação de prazo - consagrada na expressão “até ao dia quinze de Setembro de 2001” - para outorga do contrato prometido, o significado de um termo essencial absoluto, pois que os contraentes, não obstante tal data ter sido ultrapassada, continuaram interessados na outorga desse contrato, como se mostra, até, pelo provado quanto à concordância dos RR no que concerne ao acordo que o Autor logrou obter relativamente à execução onde fora efectuada a penhora registada em 06/05/2002.

Ora, a responsabilidade da desoneração do prédio relativamente a esta penhora cabia aos RR (e não apenas ao réu, pois) nos termos do § único da cláusula 4ª do contrato.

E foi, portanto, não devido a qualquer mora do autor, mas antes à falta de cumprimento de uma obrigação dos RR - com relevo na economia do contrato, pois que a penhora em causa visava garantir o pagamento de um crédito sobre os RR no valor de 18.506,39 € -, que veio a determinar que essa execução prosseguisse e que aí fosse vendido o prédio em causa.

E essa venda, embora não tenha, como é óbvio, sido efectuada directamente pelos RR, só a estes é imputável, tanto mais que, tendo o autor chegado a obter um acordo que a evitaria, esse acordo veio a ficar sem efeito em virtude de os RR (e não apenas ao réu) o não terem cumprido (Ponto n.º 39 da matéria de facto).

Relembra-se que, segundo se provou, na data da outorga do contrato-promessa os réus (a ré também, portanto) sabiam da existência da mencionada penhora e “dessa existência não deram conhecimento ao autor” (Pontos n.ºs 25 e 26 da matéria de facto).

Atento o exposto, carece a Apelante de razão, salvo o devido respeito, quanto defende não lhe ser imputável qualquer responsabilidade na não realização do contrato prometido.

Sendo a impossibilidade da prestação devida a facto imputável ao devedor, a extinção da obrigação em resultado dessa impossibilidade constitui o devedor na obrigação de indemnizar o credor pelos danos causados, como se ele faltasse culposamente ao cumprimento da obrigação (art. 801º, nº 1 do CC), ocorrendo situação que, no entender de Menezes Leitão, se assemelha “…à do incumprimento da obrigação, uma vez que o devedor continua a não realizar a prestação por facto que lhe é imputável …”.[8]

A venda do prédio em causa tornou objectivamente impossível o cumprimento do contrato-promessa de compra e venda, por causa imputável aos RR promitentes vendedores, pelo que são estes responsáveis, tal com se faltassem culposamente ao cumprimento definitivo da obrigação (referido art.º 801, nº 1).

Face a essa impossibilidade careceria de sentido, pois, efectuar qualquer interpelação admonitória aos RR,[9] assim como, afigura-se, declarar a resolução do contrato.

Em todo o caso, dir-se-á, perfilha-se o entendimento jurisprudencial que tem sido seguido nessa matéria, que vai no sentido de que, formulado o pedido de restituição do sinal em dobro, em acção instaurada pelo promitente-vendedor contra o promitente-comprador - como no caso sucedeu (pois, para o efeito, vale do mesmo modo o pedido de restituição em singelo) -, tal pedido de restituição, uma vez que esta decorre da resolução do contrato, equivale, levado ao conhecimento da outra parte aquando da citação, a declaração tácita, mas inequívoca, de resolução do contrato.[10]

Em resultado do que preceitua o art.º 513º do CC, no âmbito das relações civis e estando em causa obrigação plural, a solidariedade, só ocorre, se for determinada pela lei ou estipulada pelos interessados, sendo o regime-regra o da conjunção.[11]

No caso “sub judice” só relativamente à obrigação de indemnizar decorrente do funcionamento da cláusula 5ª - porque assim foi convencionado nessa cláusula - existe responsabilidade solidária entre os RR, sendo conjunta na parte restante, incluindo, pois, na relativa à restituição do sinal.
A presente acção, para que a decisão sobre o peticionado pelo autor produzisse o seu efeito útil normal, carecia de ser intentada, como foi, contra ambos os RR, pelo que, estando-se perante um caso de listisconsórcio necessário passivo (art.º 28º, n.º 2, do CC), a decisão ora proferida aproveita também ao Réu, não obstante o mesmo não haver recorrido da sentença da 1ª Instância (683º, nº 1, do CPC).
Na parte que decidiu a compensação, uma vez que esta não se encontra no âmbito do objecto do recurso, a sentença transitou em julgado.
Assim, para além do pagamento do montante correspondente ao valor do sinal (2.493,99 €) os RR, de indemnização ao Autor, têm de pagar-lhe o montante que resultou da redução da pena convencionada na cláusula 5ª (32421,86 €), deduzindo-se naquele montante e em parte deste último (art.ºs 855º, nº 2 e 784º, do CC) a quantia de 3.600,00 €, em que se julgou fixado o valor do crédito dos RR a compensar, ficando em 31.315,85 €, o montante global da indemnização que, solidariamente, os RR terão de pagar ao Autor.
A acção procede parcialmente, pois, embora que em termos diversos daqueles que a sentença impugnada definiu.

VI - Em face de tudo o exposto, Acordam os Juízes deste Tribunal da Relação em, na parcial procedência da Apelação, revogando parcialmente a sentença recorrida, julgar a acção parcialmente procedente e condenar os RR, nos termos supra expostos, a pagarem ao Autor, solidariamente, a quantia de 31.315,85 € e absolvê-los do demais peticionado.

Custas por Apelante e Apelado, na proporção do respectivo decaimento, tendo em conta, porém, o benefício do apoio judiciário que foi concedido.



Falcão de Magalhães (Relator)
Gregório Silva de Jesus
Martins de Sousa


[1] Que beneficia de apoio judiciário, na modalidade de dispensa do pagamento da taxa de justiça e dos demais encargos do processo.
[2] A quem veio a ser concedido o benefício do apoio judiciário, nas modalidade de dispensa do pagamento de taxa de justiça e demais encargos, nomeação de patrono e pagamento dos respectivos honorários.
[3] Os preceitos que deste Código forem citados, reportam-se, salvo indicação em contrário, à redacção precedente à introduzida pelo DL n.º 303/07, de 24/08.
[4] Os Acórdãos do STJ e os sumários do Acórdãos desse Tribunal, que forem citados sem referência de publicação, poderão ser consultados na Internet, através, respectivamente, dos endereços “http://www.dgsi.pt/jstj.nsf/” e “http://www.stj.pt/?idm=46”.
[5] Cfr. Almeida Costa, Direito das Obrigações, 4.ª edição, pág. 540, nota n.º 2.
[6] Cumprimento e Sanção Pecuniária Compulsória - 4.ª edição, pág. 250.
[7] Cfr. Acórdão do STJ de 18/11/2004, Revista n.º 3837/04 - 7.ª Secção.
[8] Direito das Obrigações, vol. II, pág. 263.
[9] Cfr. Acórdão do STJ de 11-10-2007 (Revista n.º 2771/07 - 7.ª Secção).
[10] Cfr. Acórdão do STJ de 06/07/2005, Revista nº 05A1327 e Acórdãos do STJ de 11-10-2007 (acima citado), de 20-01-1999 (Revista n.º 1094/98 - 1.ª Secção) e de 15-12-1998 (Revista n.º 1107/98 - 1.ª Secção) e de 05-11-1998 (Revista n.º 799/98 - 2.ª Secção).
[11] Acórdão do STJ de 05-02-1998 (Processo n.º 859/97 - 2.ª Secção).
[12] Acórdão processado e revisto pelo Relator.