Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
1543/10.3TBCBR.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: FALCÃO DE MAGALHÃES
Descritores: COMPETÊNCIA MATERIAL
TRIBUNAIS DE TRABALHO
EXTINÇÃO
ASSOCIAÇÃO SINDICAL
ASSOCIAÇÃO DE EMPREGADORES
Data do Acordão: 06/07/2011
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: VARA DE COMPETÊNCIA MISTA DE COIMBRA
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA
Legislação Nacional: ARTºS 64º, 78º E 85º DA LEI 3/99; 9º, NºS 1 E 2 DA LEI Nº 7/2009, DE 12/02
Sumário: I – A competência do tribunal afere-se pelos termos da pretensão do autor (compreendidos aí os respectivos fundamentos).

II - A incompetência em razão da matéria determina a incompetência absoluta do tribunal, excepção dilatória que deve ser suscitada oficiosamente em qualquer estado do processo, enquanto não houver sentença com trânsito em julgado proferida sobre o fundo da causa, e que implica a absolvição do réu da instância, ou, se detectada no despacho liminar, o indeferimento da petição (Cfr. artºs 493º, nºs 1 e 2, 494º, nº 1, al. a), 234º-A, nº 1, 101º a 107º e 288º, nº 1, al. a), do CPC).

III - Enquanto que os tribunais de competência especializada conhecem de matérias determinadas, sem dependência da forma de processo aplicável, os tribunais de competência específica conhecem de matérias determinadas pela espécie de acção ou pela forma de processo aplicável (cfr. nº 2 do citado art.º 64º da LOFTJ).

IV - Sendo tribunais de competência especializada, conforme flui do artigo 78º da citada Lei nº 3/99, os Tribunais do Trabalho têm fixado no artigo 85º o âmbito da sua competência cível, constando do estatuído na alínea s) - na redacção que foi dada pelo DL nº 295/2009, de 13/10, rectificada pela Declaração de Rectificação n.º 86/2009 - que compete a esses tribunais conhecer das questões “…relativas ao controlo da legalidade da constituição e dos estatutos de associações sindicais, associações de empregadores e comissões de trabalhadores”.

V - De acordo com o artº 9º, nº 1 da Lei nº 7/2009, de 12/02, que aprovou o Código do Trabalho, “As associações sindicais e as associações de empregadores que, nos últimos seis anos, não tenham requerido, nos termos legalmente previstos, a publicação da identidade dos respectivos membros da direcção dispõem de 12 meses, contados a partir da entrada em vigor desta lei, para requerer aquela publicação”.

VI - Estabelece o nº 2 deste artº 9º que “decorrido o prazo referido no número anterior, sem que tal requerimento se tenha verificado, o ministério responsável pela área laboral dá desse facto conhecimento ao magistrado do Ministério Público no tribunal competente, para efeitos de promoção da declaração judicial de extinção da associação”.

VII - Ora, a extinção das associações é matéria que não é expressamente referida na alínea s) do citado art.º 85º, nem se pode entender como englobada no “controlo da legalidade da constituição e dos estatutos”, que aí se consigna.

VII - A extinção cuja declaração judicial seja peticionada não tem por causa de pedir a ilegalidade da constituição da Ré ou dos respectivos estatutos, não havendo previsão legal que atribua competência para tal declaração aos Tribunais do Trabalho.

VIII - A aludida declaração judicial de extinção de associação de empregadores não integrando, pois, matéria subsumível a qualquer das alíneas do artº 85º da LOFTJ de 1999, não cabe aos Tribunais do Trabalho, mas, antes, ao tribunal de competência genérica, ou, onde tenham sido criados, aos juízos ou varas de competência específica.

Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra:

I - A) - 1) – O Ministério Público intentou, em 23/11/2010, na Vara com Competência Mista do Tribunal da Comarca de Coimbra, acção contra a “A... Associação ...”, pedindo que se decretasse a extinção desta associação.

Invocando o disposto nos art.ºs 454º e 456° do Código do Trabalho, aprovado pela Lei n° 7/2009 de 12/02, e no artº 9º, nºs 2 e 3, da mesma Lei, sustentou, em síntese, que, sendo a ré uma associação de empregadores registada no Ministério do Trabalho e da Solidariedade Social em 26-01-2001, com Estatutos publicados no Boletim do Trabalho e Emprego que identifica, há mais de 6 anos que não requer a publicação da identidade dos membros da sua Direcção, nada tendo feito ou requerido quando instada para esse efeito.

2) - A Ré, citada, não ofereceu contestação.

3) - A Mma. Juiz do Tribunal “a quo”, por despacho de 16/12/2011, entendendo que a competência para conhecer da matéria a que os autos respeitam não cabia aos tribunais judiciais comuns, mas, antes, aos tribunais do trabalho, declarou a incompetência, em razão da matéria, do Tribunal Judicial e, consequentemente, absolveu a ré da instância.

B) - Inconformado com tal decisão, dela veio apelar o Ministério Público, que, a findar a respectiva alegação recursiva, ofereceu as seguintes conclusões:

«1ª - O tribunal a quo fez uma leitura errónea do disposto na alínea s) do art. 85°, da Lei de Organização e Funcionamento dos Tribunais Judiciais (LOFTJ), ao considerar-se incompetente para apreciar a acção de dissolução proposta, e ao atribuir essa mesma competência ao tribunal de trabalho.

2 ª - A actual redacção da referida norma apenas consente a atribuição da competência ao tribunal de trabalho para conhecer das questões relativas ao controlo da legalidade da constituição e dos estatutos das associações de empregadores, e não de quaisquer outras questões relativas à actividade dessas mesmas associações.

3ª - Pelo que a competência em razão da matéria para apreciar a presente acção de dissolução cabe ao tribunal recorrido, nos termos do disposto no art. 18°, n° 1, da Lei de Organização e Funcionamento dos Tribunais Judiciais (LOFTJ).

4ª - Ao decidir como decidiu, o tribunal recorrido violou o disposto no referido art. 85°, alínea s), da Lei de Organização e Funcionamento dos Tribunais Judiciais, pelo que a decisão recorrida deverá ser revogada, e substituída por decisão que admita a competência do tribunal recorrido para a apreciação da acção, de acordo com o disposto no art. 18°, n° 1, do mesmo diploma.».

II - Em face do disposto nos art.ºs 684º e 685-Aº, ambos do CPC[1], o objecto dos recursos delimita-se, em princípio, pelas conclusões dos recorrentes, sem prejuízo do conhecimento das questões que cumpra apreciar oficiosamente, por imperativo do art.º 660º, n.º 2, “ex vi” do art.º 713º, n.º 2, do mesmo diploma legal.

Não haverá, contudo, que conhecer de questões cuja decisão se veja prejudicada pela solução que tiver sido dada a outra que antecedentemente se haja apreciado, salientando-se que, com as “questões” a resolver se não confundem os argumentos que as partes esgrimam nas respectivas alegações e que, podendo, para benefício da decisão a tomar, ser abordados pelo Tribunal, não constituem verdadeiras questões que a este cumpra solucionar (Cfr., entre outros, Ac. do STJ de 13/09/2007, proc. n.º 07B2113 e Ac. do STJ de 08/11/2007, proc. n.º 07B3586 [2]).

E a questão a resolver resume-se a saber se é ao Tribunal “a quo” que compete a apreciação da matéria a que os presentes autos respeitam, ou se, ao invés, essa competência deve ter-se como atribuída, como se entendeu na 1ª Instância, aos Tribunais do Trabalho.

III - A) - O circunstancialismo processual e os factos a considerar na decisão a proferir são os enunciados em I supra.

B) - Como se sabe, de acordo com o entendimento expendido, entre outros autores, por Manuel de Andrade ("in" Noções Elementares de Processo Civil, I, reedição de 1979, pág. 91) e seguido em numerosos Acórdãos do STJ (v.g., Ac. do STJ, de 20/02/90, no BMJ n.º 394, pág. 453, Ac. do STJ, de 27/06/89, no BMJ n.º 388, pág. 464, e Ac. do STJ, de 06/06/78, no BMJ n.º 278, pág. 122), a competência do tribunal afere-se pelos termos da pretensão do autor (compreendidos aí os respectivos fundamentos).

A incompetência em razão da matéria determina a incompetência absoluta do tribunal, excepção dilatória que deve ser suscitada oficiosamente em qualquer estado do processo, enquanto não houver sentença com trânsito em julgado proferida sobre o fundo da causa, e que implica a absolvição do réu da instância, ou, se detectada no despacho liminar, o indeferimento da petição (Cfr. art.ºs 493º, n.ºs 1 e 2, 494º, n.º 1 al. a), 234º-A, nº 1, 101º a 107º e 288º, n.º 1 al. a), do CPC).

Sendo os tribunais judiciais de 1.ª instância, em regra, os tribunais de comarca, a Lei de Organização e Funcionamento dos Tribunais Judiciais, aprovada pela Lei n.º 3/99, de 13 de Janeiro[3]), prevê a existência de tribunais de competência especializada e de tribunais de competência específica (cfr. arts. 18º, n.º 1, 62º, nº 1, e 64º, nº 1, da LOFTJ).

Os tribunais de comarca podem desdobrar-se em varas, com competência específica (artº 65º, nº 3, da LOFTJ).

Enquanto que os tribunais de competência especializada conhecem de matérias determinadas, sem dependência da forma de processo aplicável, os tribunais de competência específica conhecem de matérias determinadas pela espécie de acção ou pela forma de processo aplicável (cfr. nº 2 do citado art.º 64º). 

No âmbito dos Tribunais de competência específica encontram-se as varas com competência mista, cível e criminal (cfr. art.º 96º, nº 2, da LOFTJ), cabendo-lhes, entre o mais, a preparação e julgamento das acções declarativas cíveis de valor superior à alçada do tribunal da Relação, em que a lei preveja a intervenção do tribunal colectivo (cfr. 97º, nº 1, a), da LOFTJ).

Ora, sendo tribunais de competência especializada, conforme flui do artigo 78º da citada Lei nº 3/99, os tribunais do trabalho têm fixado no artigo 85º o âmbito da sua competência cível, interessando agora o estatuído na alínea s) que, na redacção que foi dada pelo DL nº 295/2009, de 13/10, rectificada pela Declaração de Rectificação n.º 86/2009[4], dispõe competir a esses tribunais conhecer das questões “…relativas ao controlo da legalidade da constituição e dos estatutos de associações sindicais, associações de empregadores e comissões de trabalhadores”.

Saliente-se que, antes da mencionada declaração de rectificação, a redacção dessa alínea s), que o art.º 4º do DL n° 295/2009 introduziu, era a seguinte: «Das questões relativas ao controlo da legalidade da constituição, dos estatutos e da actividade das associações sindicais, associações de empregadores e comissões de trabalhadores»[5].

De acordo com o artº 9º, nº 1, da Lei nº 7/2009 de 12/02, que aprovou o Código do Trabalho, “As associações sindicais e as associações de empregadores que, nos últimos seis anos, não tenham requerido, nos termos legalmente previstos, a publicação da identidade dos respectivos membros da direcção dispõem de 12 meses, contados a partir da entrada em vigor desta lei, para requerer aquela publicação.”.[6]

Estabelece o nº 2 deste artº 9º que, “decorrido o prazo referido no número anterior, sem que tal requerimento se tenha verificado, o ministério responsável pela área laboral dá desse facto conhecimento ao magistrado do Ministério Público no tribunal competente, para efeitos de promoção da declaração judicial de extinção da associação.”.

Assim, a declaração judicial de extinção de que tratamos, depende da simples comprovação da mencionada omissão de requerer, nos termos legais, a publicação da identidade dos membros da direcção da associação.

Ora, a extinção das associações é matéria que não é expressamente referida na alínea s) do citado art.º 85º, nem se pode entender como englobada no “controlo da legalidade da constituição e dos estatutos”, que aí se consigna.

Com a declaração de extinção que ora está em causa não se confunde a liquidação e partilha de bens de associações de empregadores, prevista nos arts. 173.° e ss. do CPT, que indevidamente, salvo o devido respeito, a Mma. Juiz do Tribunal “a quo” também chamou à colação para defender, “in casu”, a competência dos Tribunais do Trabalho.

E não seria a circunstância de, para a extinção de tais associações, se dever aferir da observância dos termos previstos no artigo 454.° do CT, que nos levaria a concluir pela competência dos Tribunais do Trabalho.

Na verdade, como se diz no Acórdão do STJ de 18/11/2004 (Agravo nº 04B3847) «…a competência do tribunal em razão da matéria, no confronto do tribunal do trabalho e do tribunal de competência genérica ou da vara, do juízo cível ou do juízo de pequena instância cível é essencialmente determinada à luz da estrutura do objecto do processo, envolvida pela causa de pedir e pelo pedido formulados na petição inicial, independentemente da estrutura civil ou laboral das normas jurídicas substantivas aplicáveis.». 

A extinção cuja declaração judicial se peticiona não tem por causa de pedir a ilegalidade da constituição da Ré, ou dos respectivos estatutos, não havendo previsão legal que atribua competência para tal declaração aos Tribunais do Trabalho, pelo que destituído de sentido se vê o apelo ao disposto na alínea t) do referido art.º 85º.

Também não se vislumbra como coerente, salvo o devido respeito, a perspectiva da Mma. Juiz do Tribunal “a quo” quando afirma que, na mencionada alínea s), “…não se estabelece qualquer restrição à reserva de competência do tribunal do trabalho inerente à extinção das associações empregadores”.

Neste aspecto, acertado é o reparo que se faz nas alegações da Apelação, dizendo-se: «…são os tribunais comuns que possuem uma jurisdição residual, isto é, a sua competência abrange "todas as áreas não atribuídas a outras ordens judiciais" (art. 211º da CRP, art. 66°, do Código de Processo Civil, art. 18°, n° 1, da LOFTJ de 1999 e art. 26°, n° 1, da LOFTJ de 2008), e não o tribunal de trabalho.

Por isso, não faz sentido dizer que a norma da alínea s) do art. 85°, da LOFTJ não estabelece qualquer restrição à reserva de competência do tribunal do trabalho inerente à extinção das associações empregadoras.

Ou aquela norma atribui ao tribunal de trabalho expressamente essa competência, ou, não constando ela do elenco das matérias cuja competência é atribuída àquele tribunal de competência especializada, ela será inelutavelmente da competência dos tribunais comuns.».

Acresce ao exposto, como elemento que, não sendo decisivo, é coadjuvante do entendimento de que a matéria em causa não se encontra abarcada na previsão da referida alínea s), a alteração “restritiva” que a esta foi introduzida pela mencionada declaração de rectificação nº 86/2009, eliminando o segmento da norma que se reportava ao controlo da legalidade da actividade das associações de empregadores.

A aludida declaração judicial de extinção de associação de empregadores, não integrando, pois, matéria subsumível a qualquer das alíneas do art.º 85º da LOFTJ de 1999, não cabe aos Tribunais do trabalho, mas, antes, ao tribunal de competência genérica, ou, onde tenham sido criados, aos juízos ou varas de competência específica, cabendo essa competência, no caso - em que tal declaração se mostra peticionada em acção de valor superior à alçada da Relação, que segue a forma de processo ordinário -, à Vara onde foi instaurada a respectiva acção.

Não se verifica, por isso, a excepção dilatória da incompetência em razão da matéria consequente da absolvição da ré da instância (artigos 288º, n.º 1, a), 493º, n.ºs 1 e 2 e 494º, alínea a), todos do CPC).

Assim, na procedência do recurso, caberá revogar a decisão recorrida e determinar o prosseguimento do processo no Tribunal “a quo”, por ser o materialmente competente para conhecer da acção.

IV - Em face de tudo o exposto, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação em julgar a Apelação procedente e, revogando a decisão recorrida, declarar a competência material do Tribunal “a quo” para conhecer da causa cuja apreciação lhe foi submetida através da presente acção, determinando que, em face disto, aí prossigam os ulteriores termos do processo.

Sem custas.


Falcão de Magalhães (Relator)
Regina Rosa
Jaime Ferreira


[1] Código este a considerar na redacção que lhe foi dada pelo DL n.º 303/07, de 24/08.
[2] Consultáveis na Internet, através do endereço http://www.dgsi.pt/jstj.nsf/, tal como todos os Acórdãos do STJ ou os respectivos sumários que adiante forem citados sem referência de publicação.
[3] É esta a lei aplicável e não a nº 52/2008, perfilhando-se o entendimento expresso no Acórdão do STJ de 30/03/2011 (processo nº 492/09.2TTPRT.P1.S1, da 4ª Secção), onde, em nota, se escreveu: «1)- É esta a LOFTJ que está actualmente em vigor, apesar da publicação da Lei 52/2008, de 28 de Agosto.
Na verdade, esta pretendeu consagrar uma nova LOFTJ, resultando no entanto do seu artigo 187º/1 e 2 que apenas será aplicável, a título experimental, nas comarcas piloto indicadas no artigo 171º nº 1 (Alentejo Litoral, Baixo -Vouga e Grande Lisboa Noroeste), e cujo período de experiência terminaria em 31 de Agosto de 2010 (nº 2 do artigo 187º).
Como o artigo 162º da Lei 3-B/2010 de 28/4 (Lei do Orçamento do Estado de 2008) deu nova redacção ao artigo 187º da LOFTJ, alargando o período experimental de vigência da nova LOFTJ nas comarcas piloto até 1/9/2014, o alargamento da Lei 52/2008 a todo o território nacional ainda não se concretizou.
Pelo exposto, entendemos que esta nova lei vigora apenas nas comarcas piloto, já referidas. E nas outras, como é o caso dos autos, vigorará a Lei 3/99.».
[4] Declaração esta publicada no Diário da República, 1.ª série, N.º 227, de 23 de Novembro de 2009.
[5] O sublinhado, evidentemente, é nosso.
[6] Quanto à referência aos “termos legalmente previstos” deve ter-se em conta que, de acordo com o nº 1 do artº 454º. “O presidente da mesa da assembleia geral deve remeter a identidade dos membros da direcção de associação sindical ou associação de empregadores, bem como cópia da acta da assembleia que os elegeu, ao serviço competente do ministério responsável pela área laboral no prazo de 30 dias após a eleição, para publicação imediata no Boletim do Trabalho e Emprego.”.