Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
107/17.5T8MMV.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: EMÍDIO SANTOS
Descritores: ACIDENTE DE VIAÇÃO
INDEMNIZAÇÃO
DANO PATRIMONIAL FUTURO
DANO NÃO PATRIMONIAL
Data do Acordão: 06/11/2019
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE COIMBRA - C.-A-NOVA - JUÍZO C. GENÉRICA
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA EM PARTE
Legislação Nacional: ARTS. 483, 494, 496, 562, 566 CC
Sumário: I – É equitativo compensar com o montante de € 10 000,00 [dez mil euros] o défice de 2 pontos na integridade física de uma jovem com 22 anos de idade, estudante do Curso de Ciências do Desporto e Educação Física, quando esse défice funcional, embora compatível com a sua condição de estudante, limita-a quando estejam em causa actividades desportivos em que haja contacto físico intenso ou outras que exijam um maior esforço do membro superior direito.

II - É equitativa a indemnização de vinte mil euros [€ 20 000,00] no seguinte quadro de danos não patrimoniais: a) dores físicas e psíquicas avaliadas no grau 4, numa escala de 7 graus de gravidade crescente; b) dores na face superior do ombro direito com as mudanças de temperatura e com os movimentos do braço direito nos últimos graus da abdução/antepulsão e rotação externa do ombro; c) dano estético, representado por cicatriz na omoplata direita, avaliado num grau 2, numa escala de 7 graus de gravidade crescente; d) desgosto pelo facto de ter ficado com cicatriz na omoplata; e) limitações na actividade física e de lazer, resultantes do facto de ter deixado de praticar futsal, actividade que contribuía para o seu bem-estar e satisfação; f) condicionamento da sua autonomia na realização dos actos correntes da vida diária, familiar e social, desde o acidente até à consolidação das lesões; g) ausência de culpa quanto à produção dos danos.

Decisão Texto Integral:

Acordam na 1.ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra

M (…) residente (…) (...) , propôs a presente acção declarativa com processo comum contra a Companhia de Seguros T (…), S.A., com sede na (...) , (...) , e L (…), S.A., com sede social na (...) (...) , pedindo a condenação da 1.ª ré no pagamento do montante de € 41 697,53 (quarenta e um mil, seiscentos e noventa e sete euros e cinquenta e três cêntimos) acrescido de juros, à taxa legal, contabilizados desde a citação até ao efectivo e integral pagamento, bem como valor referente a danos futuros a computar em sede de liquidação e/ou subsidiariamente, a condenação da 2.ª demandada no pagamento da referida quantia, acrescida de juros, à taxa legal contabilizados desde a citação até ao efectivo e integral pagamento.

A quantia pedida visa indemnizar danos alegadamente sofridos pela autora em consequência do acidente de viação ocorrido em 5 de Julho de 2014, na EN 347, ao Km 28.40, no lugar de Casével, freguesia de Sebal, concelho de Condeixa-a-Nova, que consistiu num embate entre o veículo pesado de mercadorias com a matrícula (...) FE e o veículo ligeiro de passageiros de matrícula (...) FJ. A autora, que seguia como passageira no veículo ligeiro, imputa a responsabilidade do acidente ao condutor do pesado de mercadorias. A 1.ª ré foi demandada na qualidade de seguradora do veículo pesado de mercadorias e a 2.ª na qualidade de seguradora do veículo ligeiro de passageiros.

A acção foi contestada por S (…), S.A., actual denominação social da Companhia de Seguros T (…) S.A., que sucedeu nos direitos e obrigações da Companhia S (…), S.A. Na sua defesa a ré alegou, em síntese, que a única e exclusiva responsável pelo acidente que serve de fundamento à acção foi a condutora do veículo ligeiro de passageiros onde viajava a autora. Rematou a contestação pedindo que a acção fosse julgada em função da prova a produzir em audiência de discussão e julgamento.

Findos os articulados, o processo prosseguiu os seus termos e após a realização da audiência final foi proferida sentença que, julgando parcialmente procedente a acção, decidiu:
1. Condenar a ré “S (…), S.A.”, actual denominação da Companhia de Seguros T(…), SA, a pagar à autora a quantia de € 1 696,78 (mil seiscentos e noventa e seis euros e setenta e oito cêntimos), a título de danos patrimoniais, acrescidos de juros de mora vencidos e vincendos, à taxa legal, contabilizados desde a citação ao até efectivo e integral pagamento.
2. Condenar a ré “S (…), S.A.”, actual denominação social da Companhia de Seguros T (…), SA, a pagar à autora a quantia de € 14 000,00 (catorze mil euros), a título de danos não patrimoniais, acrescidos de juros de mora vencidos e vincendos, à taxa legal, contabilizados desde a data da presente sentença até ao efectivo e integral pagamento.
3. Absolver as rés do demais peticionado pela autora.

Os recursos

A não se conformou com a sentença, na parte em que a condenou no pagamento da quantia de € 14 000,00, a título de indemnização por danos não patrimoniais, e interpôs recurso de apelação, pedindo a revogação e a substituição dessa parte da sentença por decisão que fixasse em € 7 500,00 o montante da indemnização por danos não patrimoniais.

Os fundamentos do recurso consistiram na alegação, em síntese, de que a decisão impugnada ofende os artigos 483.º, 496.º, 562.º e 566.º, todos do Código Civil.

A autora também não se conformou com a sentença e interpôs recurso de apelação pedindo a revogação da sentença.

Os fundamentos do recurso consistiram, em resumo, na impugnação da decisão relativa à matéria de facto.


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Síntese das questões suscitadas pelos recursos

O recurso da ré suscita a questão de saber se a sentença recorrida, ao condená-la, no pagamento da quantia de € 14 000,00, a título de indemnização por danos não patrimoniais, violou os artigos 483.º, 496.º, 562.º e 566.º, todos do Código Civil.

O recurso da autora suscita as seguintes questões:
1. Saber se o tribunal a quo errou no julgamento da matéria de facto indicada por ela e se a prova produzida impõe a alteração da decisão relativa à matéria no sentido indicado pela recorrente;
2. Saber – em caso de resposta afirmativa à questão anterior – se a aplicação do direito aos factos provados implica a revogação da sentença e a substituição dela por decisão que condene a ré no pagamento da quantia de € 15 000, a título de indemnização pela incapacidade permanente parcial da autora, e a quantia de € 25 000, a título de indemnização por danos não patrimoniais, bem como o valor referente a danos futuros a computar em sede de liquidação.


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Impugnação da decisão relativa à matéria de facto:

(…)


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Julgada a impugnação da decisão relativa à matéria de facto, consideram-se provados os seguintes factos:
1. Por meio de fusão, por incorporação, a ré S (…), S.A., adquiriu sua congénere S (…), S.A., adquirindo, desse modo, todos os direitos e obrigações de que esta era titular, nomeadamente, da obrigação discutida nos presentes autos.
2. No dia 5 de Julho de 2014, pelas 05.30 horas, seguia o veículo pesado de mercadorias com a matrícula (...) FE (doravante designado apenas por FE), pela hemi-faixa de rodagem direita da EN 347, no Lugar de Casével, nesta Comarca, atento o sentido de marcha Montemor-o-Velho/Condeixa, de faróis médios ligados e a uma velocidade de, aproximadamente, 40/50 km/hora, sendo certo que o seu condutor seguia atento à condução que efectuava, bem como ao resto do trânsito que se processava naquela via.
3. À data dos factos a referida rua, apesar de não se encontrar demarcada, possuía dois sentidos de marcha – um destinado ao sentido Montemor/Condeixa e outro ao sentido inverso – sendo que, junto ao local onde ocorreu o acidente, a mesma configurava um entroncamento, posto que nela confluía a Ladeira de S. João, o qual fica situado do seu lado direito, atento o sentido de marcha do FE.
4. No local onde se deu o presente sinistro, a EN 347 desenvolve-se em recta – com mais de 200 metros de extensão.
5. A configuração do sobredito entroncamento, atenta a existência de edifícios e vegetação nas bermas da EN 347 e da Ladeira de S. João, impedia os condutores que circulassem nas referidas artérias de se avistarem mutuamente.
6. Era possível aos condutores provindos da Ladeira de S. João que pretendessem entrar na EN 347, avistar esta última artéria, para o lado de Montemor, numa extensão de pelo menos 40/50 metros, caso parassem à entrada do mencionado entroncamento, em obediência ao sinal de STOP ali existente, e olhassem para o seu lado esquerdo.
7. Neste circunstancialismo, quando assim circulava, no momento em que se preparava para passar pelo sobredito entroncamento, foi o condutor FE surpreendido pelo aparecimento súbito e inesperado do veículo ligeiro de passageiros de matrícula (...) FJ (doravante, FE), conduzido por H (…), o qual se atravessou à sua frente, vindo da aludida Ladeira de São João, situado à sua direita.
8. A mencionada H (…) tripulava o FJ a uma velocidade de aproximadamente 20/30 km/h, pelo lado esquerdo da Ladeira de São João, atento o seu sentido, não obstante aquela via possuir também dois sentidos de marcha, ou seja, circulando fora da sua mão de trânsito e de forma totalmente desatenta e negligente.
9. Pelo que, ao chegar ao ponto onde o aludido arruamento entronca na EN 347, a condutora do FJ iniciou uma manobra de mudança de direcção para a sua esquerda, em direcção a Montemor-o-Velho, sem para tanto reduzir a velocidade a que seguia, sem parar à entrada do entroncamento,
10.E sem tão pouco ter olhado previamente para ambos os lados da EN 347, na qual pretendia entrar, não se tendo, assim, certificado se aí circulava algum veículo e se de referida manobra não resultava perigo ou embaraço para si e para o restante tráfego que, na altura, ali se processava.
11.A condutora do FJ tão-pouco accionou o pisca do lado esquerdo daquela viatura, de modo a, previamente, dar conhecimento da sua intenção ao demais trânsito que por ali se processava.
12.Deste modo, a condutora do FJ avançou temerariamente através do referido entroncamento e, num acto contínuo, percorreu uma trajectória na diagonal, atravessando-se inopinadamente na frente do FE, no momento em que este passava, cortando-lhe a respectiva linha de marcha.
13.A referida condutora não deu a esquerda ao centro de intersecção das duas vias e consequentemente, também não entrou na via que pretendia tomar pelo lado destinado ao seu sentido de circulação, ignorando, inclusivamente, o barulho que o motor e os rodados do faziam ao circular, a escassos metros do entroncamento.
14.O condutor do FE, ao ser subitamente confrontado com o FJ, a surgir-lhe pela sua direita, ainda se desviou para o seu lado esquerdo, numa manobra de recurso e travou, com vista a evitar o acidente.
15.Contudo, apesar de circular a uma velocidade reduzida, não lhe foi possível evitar que a condutora do FJ, que prosseguiu a sua marcha, embatesse com a lateral esquerda da frente desta viatura no canto direito da frente do FE.
16.O sinistro em apreço nos autos ocorreu dentro da hemi-faixa de rodagem direita da já referida EN 347, considerando o sentido de marcha do FE, próximo do centro da dita hemi-faixa de rodagem.
17.Ao embater com o FJ no FE, aquela viatura foi projectada para a sua direita acabando imobilizada na berma direita da via, atento o seu sentido de marcha.
18.Por seu turno, o FE prosseguiu a sua marcha no mesmo sentido em que circulava anteriormente, imobilizando-se alguns metros à frente do ponto de embate entre ambas as viaturas.
19.Atentas as circunstâncias em que o veículo FJ surgiu ao condutor do FE, era impossível a este último evitar o embate.
20.A responsabilidade civil automóvel relativa ao veículo FJ encontra-se transferida para ré S (...) S.A. através da apólice nº 7 (...) .
21.A responsabilidade civil automóvel relativa ao veículo (...) FE encontra-se transferida para a ré S (…) S.A. através da apólice nº 0 (...) .
22.Aquando do acidente, a autora seguia como passageira do veículo FJ, no banco imediatamente atrás do banco do condutor, ou seja, no canto direito traseiro do veículo.
23.Na sequência do acidente, a Autora recebeu tratamento no Hospital Pediátrico de (...) , onde lhe foi diagnosticado uma fractura da omoplata direita Ideberg V (classificação por visualização da TAC e constatação intra-operatória de extensão do traço de fractura para o corpo da omoplata, com cominação).
24.A Autora foi, então, submetida a cirurgia no dia 17 de Julho de 2014 com o procedimento: a) Anestesia geral; b) Posicionamento em decúbito lateral esquerdo; c) Pré-lavagem com betadine espuma; d) Aplicação de antibioterapia profiláctica segundo protocolo e) Desinfecção e colocação de campos cirúrgicos; f) Abordagem por via de Jodet modificada (inicialmente incisão transversal inferior à espinha da omoplata, necessidade de prolongamento da incisão e abertura transversal sobre o bordo medial da omoplata para melhor exposição); g) Identificação e abertura transversal da aponevrose deltoideia e desinserção do deltóide, com identificação até ao espaço intermuscular entre o deltóide e o trapézio (dissecção romba); h) Identificação do espaço intermuscular entre o infra-espinhoso e o pequeno redondo, com dissecção romba; i) Dissecção sub-periostal do infra-espinhoso ao longo do corpo da omoplata, com identificação dos fragmentos fracturários; j) Identificação e abertura longitudinal da cápsula posterior articulação gleno-umeral; k) Fixação provisória com fios K e controlo com imagem – boa redução (superfície articular anatómica); l) Osteossíntese definitiva com parafusos canulados com anilha em compressão interfragmentária e placa de reconstrução; m) Novo controlo de imagem; n) Osteossíntese estável, sem evidência de material intra-articular ou conflito com mobilização do ombro; o) Dreno, reinserção do deltóide com vycril e encerramento por planos; p) Pelo com sutura continua intra-dérmica; q) Infiltração de ferida operatória com ropivacaina; r) Penso com steril-strips; s) Sem intercorrências; t) Feito reforço antibiótico durante a cirurgia.
25.No dia 21 de Julho de 2014, a Autora teve alta hospitalar imobilizada com Patel.
26.Desde o dia 11 de Agosto de 2014 a Autora foi seguida na consulta de Ortopedia e iniciou auto-reabilitação passiva-assistida e depois passou a ter apoio de Reabilitação Pediátrica.
27.A autora foi acompanhada em consulta de Medicina Física e de Reabilitação desde 12 de Setembro de 2014 por sequelas de fractura da omoplata direita em acidente de viação acorrido a 05 de Julho de 2014.
28.Apresentava limitação da mobilidade da cintura escapular e ombro e discinesia escapulo-torácica.
29.Efectuou programa de reabilitação com terapia ocupacional e hidrocinesiterapia com evolução significativa, apresentando na última consulta, a 14 de Janeiro de 2015, discreta limitação da rotação interna e externa (cerca 10º).
30.À data do acidente a Autora era estudante do 11.º ano.
31.Actualmente é estudante do 1.º ano da Faculdade de Ciências do Desporto e de Educação Física.
32.A autora apresenta uma cicatriz ligeiramente hipertrofiada, com 18 centímetros de comprimento e 1 centímetro de largura, na região escapular, sequela de cirurgia ortopédica realizada no Hospital Pediátrico de (...) .
33.Tendo em conta o aspecto, a localização e a dimensão da cicatriz e a discreta atrofia da musculatura da cintura escapular, a autora ficou com um dano estético de grau 2, numa escala de sete graus de gravidade crescente.
34.A autora sofreu dores físicas e psíquicas com o traumatismo causado pelo acidente de viação, com as lesões que daí resultaram, com os tratamentos realizados (que incluiu cirurgia com anestesia geral, imobilização do membro superior direito com ortótese em adução durante 3 semanas e fisioterapia, bem como o período de recuperação funcional, que são de avaliar num grau 4 numa escala de 7 graus de gravidade crescente.
35.As lesões deixaram, como sequela, limitação dolorosa nos últimos graus de abdução/antepulsão e rotação externa do ombro, exacerbada, o que corresponde a um défice funcional permanente da integridade físico-psíquica de 2 pontos.
36.A autora ainda sofre dores na face superior do ombro direito com as mudanças de temperatura e nos últimos graus de movimento e na face posterior direito com o esforço.
37.A autora deixou de praticar futsal, desporto que fazia há vários anos, com grande satisfação, por receio de sofrer traumatismos e “desmontar” o material que ainda tem a nível da omoplata direita.
38.A nível profissional ou de formação, a autora deve evitar desportos que envolvam contacto físico intenso ou outros que exijam um maior esforço do membro direito.
39.Tem a autora uma repercussão permanente nas actividades físicas e de lazer, fixável no grau 3, numa escala de 7 graus de gravidade crescente, tendo em conta as sequelas que actualmente apresenta fizeram com que a autora deixasse de praticar futsal, actividade que praticava de forma regular há vários anos e que contribuía para o seu bem-estar e satisfação.
40.Em virtude das lesões sofridas, a autora ficou afectada durante 7 dias de um défice funcional total.
41.A autora, em virtude das lesões sofridas, sofreu um défice funcional parcial durante 187 dias.
42.As lesões tiveram repercussão na actividade escolar da autora entre 5 de Julho de 2014 e o final do ano lectivo de 2013/2014.
43.A autora sofre desgosto por ter ficado com a cicatriz na omoplata, sendo-lhe constrangedor trazer aquela parte do corpo destapado e a cicatriz inibe a autora de vestir peça de roupa em que a cicatriz seja perceptível e inibe a autora de desfrutar com os seus amigos idas à praia ou piscina.
44.Em consequência do acidente de viação supra descrito, a autora despendeu em despesas médicas, medicamentosas, honorários médicos e clínicos, exames, taxas moderadoras e Relatórios a quantia total de € 1.696,78 (mil e seiscentos e noventa e seis euros e setenta e oito cêntimos) assim discriminada:
a) Pagamento de Taxa Moderadora aos HUC, EPE no dia 05/07/2014 - 20,65 €.
b) Pagamento de Taxa Moderadora aos HUC, EPE no dia 15/07/2014 - 20,65 €.
c) Suporte de braço com abdução - 200,00€.
d) Pagamento de Taxa Moderadora aos HUC, EPE no dia 23/07/2014 - 15,40 €.
e) Medicamentos - 9,50 €.
f) Medicamentos - 25,00 €.
g) Medicamentos - 39,95 €.
h) Pagamento de Taxa Moderadora aos HUC, EPE no dia 02/09/2014 - 1,40 €.
i) Pagamento de Taxa Moderadora aos HUC, EPE no dia 02/09/2014 - 7,75 €.
j) Pagamento de Taxa Moderadora aos HUC, EPE no dia 12/09/2014 - 7,75 €.
k) Pagamento de Taxa Moderadora aos HUC, EPE no dia 12/09/2014 - 7,75 €.
l) Consulta na Clínica de Reumatologia de (...) no dia 17/09/2014 -75,00€.
m) Pagamento de Taxa Moderadora aos HUC, EPE no dia 04/11/2014 - 7,75 €.
n) Pagamento de Taxa Moderadora aos HUC, EPE no dia 17/11/2014 - 166,50 €.
o) Pagamento de Taxa Moderadora aos HUC, EPE no dia 19/11/2014 - 30,00 €.
p) Pagamento de Taxa Moderadora aos HUC, EPE no dia 19/11/2014 - 7,75 €.
q) Pagamento de Taxa Moderadora aos HUC, EPE no dia 23/12/2014 - 1,40 €.
r) Pagamento de Taxa Moderadora aos HUC, EPE no dia 23/12/2014 - 7,75 €.
s) Pagamento de Taxa Moderadora aos HUC, EPE no dia 05/01/2015 - 85,50 €.
t) Pagamento de Taxa Moderadora aos HUC, EPE no dia 14/01/2015 - 28,00 €.
u) Pagamento de Taxa Moderadora aos HUC, EPE no dia 14/01/2015 - 7,75 €.
v) Pagamento de despesas de deslocação a consulta no Porto – 113,08 €.
w) Pagamento de Taxa Moderadora aos HUC, EPE no dia 21/04/2015 - 7,75 €.
x) Pagamento de Taxa Moderadora aos HUC, EPE no dia 21/04/2015 - 7,75 €.
y) Pagamento de Taxa Moderadora aos HUC, EPE no dia 21/04/2015 - 3,10 €.
z) Pagamento de Taxa Moderadora aos HUC, EPE no dia 21/04/2015 - 1,40 €.
aa)Pagamento de Perícias e exames no âmbito da clínica forense no INMLCF – Instituto Nacional de Medicina Legal e Forenses, I. P. dia. - 408,00 €
bb)Pagamento de Consultas de Medicina e Reabilitação - 160,00 €.
cc)Pagamento de Reabilitação Médica - 222,50 €.

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Factos não provados, com interesse para a decisão da causa:

Não se provou:
1. Que altura o tempo estava bom;
2. Que o local do acidente configura uma recta de boa visibilidade que entronca, à esquerda, atento o sentido Condeixa / Montemor-o-Velho, com a ladeira de São João;
3. Que a via é composta por duas hemi-faixas de rodagem, adstritas aos dois sentidos de trânsito, separadas entre si por uma linha longitudinal contínua, sendo simultaneamente descontínua na confluência das supra identificadas vias;
4. Que o veículo FJ circulava na Ladeira de São João, a fim de entrar na Estrada N 347., pretendendo virar para o sentido Montemor-o-Velho;
5. Que pela hemi-faixa de rodagem direita, atento o sentido de marcha;
6. Que a velocidade moderada porque nunca superior a 50 Kms/hora, atentamente e no cumprimento de todas as demais elementares regras estradais;
7. Que ao aproximar-se do citado entroncamento, sito à esquerda atento o seu sentido de marcha, e porque pretendia aceder ao mesmo a fim de continuar a sua marcha, em condições de segurança;
8. Que o condutor do veículo FJ reduziu a velocidade já de si moderada que vinha imprimindo ao veículo;
9. Que accionou o sinal de mudança de direcção à esquerda, vulgo “pisca-pisca”;
10.Que parou, com a necessária antecedência;
11.Que verificou que não circulava trânsito na Estrada N 347 e que não estava a ser ultrapassado, após o que iniciou a manobra de mudança de direcção à esquerda;
12.Que acontece que, quando já tinha iniciado a manobra supra referida e se encontrava em posição perpendicular ao eixo da via e com a frente do FJ já dentro da Estrada N 347, foi violentamente embatido na lateral esquerda, pela frente do veículo FE;
13.Que de facto, o condutor do FE, que circulava na hemi-faixa de rodagem direita, atento o seu sentido, da Estrada N 347, a velocidade superior ao legalmente permitido já que fez disparar o semáforo que antecede o cruzamento;
14.Que não se apercebeu da manobra encetada pelo condutor do FJ, razão pela qual, foi embater com a frente do seu veículo na lateral esquerda do FJ;
15.Que o embate ocorreu sensivelmente a meio da hemi-faixa de rodagem direita da Estrada N347 atento o sentido Montemor-o-Velho / Condeixa;
16.Que atenta a violência do embate, o FJ foi projectado, ficando imobilizado junto à berma direita da citada estrada, com a frente virada para Condeixa;
17.Que é ainda de perspectivar a existência de um Dano Futuro, tendo em conta que a fractura da omoplata atingiu a superfície articular – glenóide, a qual já presenta esboço osteofitário na sua porção inferior, conforme exame radiológico de 7 de Junho de 2016;
18.Que a cicatriz inibe, ainda, a autora na sua intimidade, por sentir complexos com o seu corpo.
19.Que existe, ainda, a necessidade de proceder à extracção dos materiais e cirurgia plástica reconstitutiva.


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Descritos os factos passemos à resolução das questões de direito suscitadas pelos recursos.

Previamente importa dizer o seguinte sobre a ordem de conhecimento dos recursos e ainda sobre o sentido da alteração da decisão recorrida que é pretendida pela autora.

Quanto à ordem de conhecimento dos recursos, iremos começar pelo interposto pela autora.

Sobre o sentido do seu recurso importa dizer o seguinte.

A autora terminou a sua alegação pedindo a revogação da decisão recorrida. Trata-se de um pedido incompleto. Com efeito, resulta do n.º 1 do artigo 639.º do CPC que é dever do recorrente indicar o sentido da alteração a decisão recorrida. Indicar o sentido é dizer qual a decisão a proferir pelo tribunal de recurso em substituição do tribunal recorrido. Esta indicação é relevante para vários efeitos. Desde logo para efeitos de recurso da decisão proferida por este tribunal, pois, de acordo com o n.º 1 do artigo 629.º do CPC, o recurso só é admissível quando a causa tenha valor superior à alçada do tribunal de que se recorre e a decisão impugnada seja desfavorável ao recorrente em valor superior a metade da alçada desse tribunal. Assim sendo, é necessário saber o montante do pedido da recorrente. Em segundo lugar, para efeitos de responsabilidade por custas, pois resulta da 1.ª parte do n.º 1 do artigo 527.º do CPC e o n.º 2 do mesmo preceito que a responsabilidade pelas custas recai sobre a parte vencida, na proporção em que o for.

Não obstante a recorrente não ter especificado a decisão a proferir em substituição da decisão recorrida, o ora relator entendeu que não era necessário convidar a autora, ora recorrente, a completar a sua alegação. As razões deste entendimento são as seguintes.

O valor dado à acção foi o de € 41 696,78. Este valor era o produto da soma dos seguintes montantes pedidos na acção:
a) Do montante de € 15 000,00, pedido a título de indemnização pela incapacidade permanente parcial de que a Autora ficou a padecer
b) Do montante de 25 000,00, pedido a título de indemnização por danos não patrimoniais;
c) Do montante de 1 696,78, pedido a título de indemnização por despesas médicas realizadas.

O tribunal a quo decidiu:
1. Condenar a ré a pagar à autora a quantia de € 14 000,00, a título de indemnização por danos não patrimoniais, e a de 1 696,78 a título de indemnização por despesas médicas;
2. Absolver a ré da parte restante.  

A parte restante que não foi atendida foi o pedido de indemnização pela incapacidade permanente parcial, no montante de € 15 000,00, e o pedido de indemnização dos danos não patrimoniais na parte em que excedia o montante de 14 000,00. Isto é, em termos quantitativos, a decisão sob recurso foi desfavorável à recorrente na quantidade de € 26 000,00.

Visto que a autora, ora recorrente, dá à sucumbência precisamente o valor de € 26 000,00, o ora relator interpretou esta indicação, conjugada com o pedido de revogação da decisão recorrida, no sentido de que a recorrente pretendia que este tribunal se substituísse ao tribunal recorrido e condenasse a ré no pedido tal como ele foi formulado, concretamente:
1. Em substituição da decisão que julgou improcedente o pedido de indemnização por danos não patrimoniais, na parte que excedesse € 14 000,00, pretende a condenação no montante de 25 000,00 [+ 11 000,00 euros];
2. Em substituição da parte da sentença que julgou improcedente o pedido de condenação no pagamento da quantia de € 15 000,00, a título de indemnização por perda de capacidade, pretende a condenação no pagamento desta quantia.
3. Em substituição da decisão que julgou improcedente o pedido de condenação no pagamento de dano futuro, pretende a substituição por decisão que condene no pagamento de tal dano, a quantificar em sede de liquidação.

Expostas as razões pelas quais o ora relator não convidou a recorrente a completar a sua alegação, vejamos se são de acolher as pretensões da recorrente.

Previamente importa dizer que elas laboram com base numa realidade de facto que não é coincidente com aquela que foi tida em conta pelo tribunal a quo. A realidade que as sustenta combina os factos já julgados pelo tribunal a quo e os que a recorrente considerou incorrectamente julgados pelo mesmo tribunal. É a partir da alteração da decisão relativa à matéria de facto que a autora, ora recorrente, sustenta que o dano, que designa por “incapacidade permanente parcial”, deve ser indemnizado com a atribuição do montante de € 15 000,00, que os danos, que designa por “danos morais”, devem ser indemnizados com a quantia de € 25 000,00 e que o dano futuro deve ser indemnizado em montante a apurar em sede de liquidação.

Apesar de não ter indicado uma única razão de direito em abono das suas pretensões, este tribunal está obrigado a aplicar a lei aos novos factos julgados provados, visto o n.º 3 do artigo 5.º do CPC, segundo o qual o juiz não está sujeito às alegações das partes no tocante á indagação, interpretação e aplicação das regras de direito.

Posto isto, comecemos pelo recurso na parte em que visa o segmento da decisão que julgou improcedente o pedido de condenação da ré no pagamento da quantia de € 15 000,00, a título de indemnização por incapacidade permanente parcial.

Recorde-se que a sentença julgou improcedente esta pretensão por a autora, a quem incumbia, nos termos do n.º 1 do artigo 342.º do Código Civil, a respectiva prova, não ter logrado provar a alegada incapacidade permanente parcial.

O dano que a autora designa por “incapacidade permanente parcial” não consiste, na realidade, numa incapacidade. O que está em causa é uma sequela das lesões sofridas no acidente, consistente na limitação dolorosa dos últimos graus de abdução/antepulsão e rotação externa do ombro e a sua repercussão na integridade física e psíquica. Do que se trata é de uma ofensa à integridade física e psíquica (dano biológico).

Ora é isento de dúvida que, visto o n.º 1 do artigo 70.º do Código Civil, tal ofensa é merecedora de tutela jurídica.

Apesar de tal ofensa começar por ser um dano pessoal, na medida em que atinge um bem jurídico eminentemente pessoal (a integridade física e psíquica), a jurisprudência tem afirmado de modo constante que ela é também fonte de prejuízos patrimoniais. E é fonte de prejuízos patrimoniais, quer ela acarrete a perda de rendimentos (o que sucederá se a vítima ficar impedida de prosseguir a sua actividade profissional ou qualquer outra; se a vítima passar a exercer outras funções, ganhando menos; se a vítima passar a trabalhar a tempo parcial, ganhando menos), quer acarrete apenas esforços suplementares para desenvolver a actividade profissional habitual, sem perda de rendimentos. A título de exemplo citam-se: o acórdão do STJ de 20-10-2011, proferido no processo n.º428/07.5TBFAF; o acórdão do STJ proferido em 2-12-2003, no processo n.º 1110/97.9TVLSB; o acórdão do STJ proferido em 21-01-2016, no processo n.º 1021/11.3TBABT e o acórdão do STJ proferido em 28-01-2016, no processo n.º 7793/09.8T2SNT, todos publicados no sítio www.dgsi.pt. Na verdade, entende-se que, no mercado de trabalho e do emprego, quem tem a capacidade física e psíquica diminuída não tem tantas possibilidades/oportunidades de trabalho e de emprego (ou não tem tantas possibilidades de manter o trabalho e o emprego) como aqueles que não têm qualquer deficiência na sua integridade física e psíquica. 

Apesar de, como escreve Carlos Alberto da Mota Pinto (Teoria Geral do Direito Civil, 4ª edição por António Pinto Monteiro e Paulo Mota Pinto, Coimbra Editora, página 345), a capacidade de trabalho não fazer parte do património, constitui, no entanto, uma qualidade da pessoa que se “projecta nos resultados patrimoniais da sua vida”. Daí que a mera diminuição da capacidade de trabalho e de ganho, associada ao défice funcional permanente da integridade física e psíquica, seja considerada também dano patrimonial.

E dano patrimonial futuro, no sentido de que terá previsivelmente incidência nos resultados patrimoniais da sua vida, quer se tenha como horizonte temporal desta vida aquele que vai até à idade prevista pela lei para a reforma, quer se tenha como horizonte temporal desta vida a esperança média de vida.

Como é fácil de ver, qualquer que seja o horizonte temporal que se considere para efeitos de definição do “futuro”, não é possível averiguar com exactidão a incidência do défice permanente da integridade física e psíquica nos resultados patrimoniais do lesado.

E assim sendo, manda o n.º 3 do artigo 566º do Código Civil que o tribunal julgue “equitativamente dentro dos limites que tiver por provados”.

Julgamento equitativo que, segundo a jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça, deve atender essencialmente às seguintes circunstâncias:
1. Ao grau do défice funcional permanente da integridade físico-psíquica (a tendência é a de que quanto maior for o défice maior será a indemnização);
2. À idade do lesado;
3. Ao período de vida activa do lesado;
4. À esperança média de vida;
5. À actividade profissional do lesado;
6. As qualificações profissionais do lesado;   
7. Casos já julgados pelos tribunais.

Citam-se a título de exemplo acórdão do Supremo Tribunal de Justiça proferido em 28-01-2016, no processo n.º 7793/09.8T2SNT, o acórdão do STJ proferido em 01-03-2018, no processo n.º 773/07.0TBALR, o acórdão do STJ de 7-03-2019, processo n.º 203/14.0T2AVR, publicados no sítio www.dgsi.pt

Observe-se que a comparação do caso submetido a julgamento com outros já julgados não se faz por estes terem força vinculativa para os tribunais. A jurisprudência tem comparado o caso submetido a julgamento com outros já julgados em nome do princípio da igualdade [citam-se a título de exemplo o acórdão do STJ proferido em 4-06-2015, no processo n.º 1166/10.7TBVCD e o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça proferido em 28-01-2016, no processo n.º 7793/09.8T2SNT].

No caso, o défice funcional permanente da integridade física ou psíquica, que se refere “à afectação definitiva da integridade física e psíquica da pessoa, com repercussão nas actividades da via diária, incluindo familiares e sociais”, foi fixado em 2 pontos, numa escala de 100 pontos (que exprime a capacidade geral do indivíduo), ou seja, no ponto imediatamente a seguir ao mais baixo da escala.

A lesada é jovem (tem 22 anos de idade) e, aquando da propositura da acção, era estudante do 1.º ano da Faculdade de Ciências do Desporto e de Educação Física.

O défice funcional da autora, embora compatível com a sua condição de estudante do Curso de Ciências do Desporto e Educação Física, limita-a, no entanto, quando estejam em causa actividades desportivos em que haja contacto físico intenso ou outras que exijam um maior esforço do membro superior direito. Em relação a estas deve evitá-las.    

Pelo exposto, afigura-se equitativo a este tribunal compensar o défice da sua integridade física com o montante de € 10 000,00 [cinco mil euros].

Foi este o montante considerado equitativo pelo Supremo Tribunal de Justiça no acórdão proferido em 8-01-2019, no processo n.º 4378/16.6T8VCT, publicado em www.dgs.pt, num caso que tem semelhanças com o dos autos quanto à origem dos danos (acidente de viação), quanto à ausência de culpa, quanto à condição de estudante da vítima e quanto ao défice funcional permanente da integridade física (1 ponto).   


*

Apreciemos agora a pretensão da recorrente no sentido de lhe ser fixado o montante de € 25 000,00, como compensação pelos danos não patrimoniais.

Como resulta do exposto, a questão que importa apreciar não é a de saber se a decisão recorrida errou ao fixar a indemnização no montante de € 14 000,00; a questão é a de saber se a indemnização devida com base nos novos factos é a de € 25 000,00.

O quadro legal a atender é constituído pelos n.ºs 1 e 4 do artigo 496.º do Código Civil e pelo artigo 494.º do mesmo diploma.

 O n.º 1 do artigo 496.º estabelece que, na fixação da indemnização deve atender-se aos danos não patrimoniais que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito

Por sua vez, o n.º 4 do artigo 496.º do Código Civil estabelece que o montante da indemnização dos danos não patrimoniais é fixado equitativamente pelo tribunal, tendo em atenção, em qualquer caso, as circunstâncias referidas no artigo 494.º.

O artigo 494.º refere como circunstâncias atendíveis o grau de culpa do agente, a situação económica deste e do lesado e quaisquer outras que se justifiquem no caso.

Apesar de a letra da lei – n.º 4 do artigo 496.º - não dizer expressamente que o montante da indemnização dos danos não patrimoniais dever ser proporcional à gravidade dos danos, a proporcionalidade entre a gravidade dos danos e o montante da indemnização tem apoio tanto neste número como no n.º 1 do mesmo preceito.

Tem apoio no n.º 1 porque, segundo esta norma, apenas são indemnizáveis os danos não patrimoniais que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito.

Tem apoio no n.º 4 porque, dizendo esta norma que o montante da indemnização é fixado equitativamente pelo tribunal, não se concebe que haja equidade se o montante da indemnização não for proporcional à gravidade dos danos.

Como escreve Maria Manuel Veloso, Danos Não patrimoniais (Comemorações dos 35 anos do Código Civil e dos 25 anos da reforma de 1977, Volume III Direito das Obrigações, Coimbra Editora, páginas 543 e 544: “A ponderação sobre a gravidade do dano não patrimonial que se reflecte na fixação do montante da indemnização deve ter em conta uma ideia de proporcionalidade. A danos mais graves correspondem montantes mais avultados”.

Visto que o Código Civil não contém quaisquer tabelas que estabeleçam montantes de indemnização em função da gravidade dos danos e que a compensação devida pelos danos não patrimoniais prevista na Portaria n.º 377/2008, de 26 de Maio, serve para efeitos de apresentação aos lesados, por acidente automóvel, de proposta razoável para indemnização do dano corporal, por parte das seguradoras, não afastando a fixação de valores superiores aos aí previstos (n.ºs 1 e 2 do artigo 1.º da Portaria), os tribunais procuram alcançar a equidade, a proporcionalidade na fixação da indemnização, recorrendo ao que é decidido, especialmente pelo Supremo Tribunal de Justiça, em casos análogos.

Este caminho tem apoio no n.º 3 do artigo 8.º do Código Civil, que estabelece que “nas decisões que proferir, o julgador terá em consideração todos os casos que mereçam tratamento análogo, a fim de obter uma interpretação e aplicação uniformes do direito” e no princípio constitucional da igualdade dos cidadãos perante a lei (n.º 1 do artigo 13.º da Constituição da República Portuguesa).

Com isto não queremos dizer que as decisões judiciais que fixam indemnização por danos não patrimoniais têm a força de precedente obrigatório. Como escreve Filipe Albuquerque Matos (Reparação dos danos não patrimoniais: inconstitucionalidade da relevância da situação económica do lesado, artigos 496, n.º 3, e 494º, do Código Civil, Revista de Legislação e Jurisprudência, ano 142, n.º 3984, página 217), os valores fixados por decisões judiciais anteriores têm natureza meramente indicativa, e o que é decisivo é “o poder equitativo concedido ao juiz no artigo 496º, n.º 4, bem como os critérios ou circunstâncias atendíveis para o exercício do mesmo, mencionados no artigo 494º”. Foi este também o entendimento do acórdão do STJ de 17 de Janeiro de 2012, proferido no processo n.º 211/09.3TBSRT, publicado no sítio www.dgsi.pt., onde, a propósito do valor das judiciais na fixação do montante da indemnização por danos não patrimoniais, se escreveu o seguinte: “certo que os precedentes judiciários servem de critério auxiliar do julgador, de linha de orientação na fixação equitativa do quantum indemnizatório, mas importa ter sempre em atenção as semelhanças e dissemelhanças das situações factuais de cada caso, na medida em que são geralmente tais elementos que fundamentam as discrepâncias registadas. Importa, por outro lado, ter sempre presente também que, quando se trata de formular juízos equitativos, há sempre uma margem de discricionariedade, apesar da preocupação de observância do princípio da igualdade e da uniformização de critérios. Como não é desconhecido, por um lado inexiste uma medida-padrão, tudo dependendo dos contornos concretos do caso, embora pautando-se por critérios objectivos…”.

Tendo presentes estas considerações, temos no caso, que estão provados danos não patrimoniais com gravidade suficiente para merecerem a tutela do direito. É o caso:
1. Das dores físicas e psíquicas desde o acidente até à data da consolidação das lesões avaliadas no grau 4, numa escala de 7 graus de gravidade crescente;
2. Das dores sentidas na face superior do ombro direito com as mudanças de temperatura e com os movimentos do braço direito nos últimos graus da abdução/antepulsão e rotação externa do ombro;
3. Do dano estético, representado pela cicatriz na omoplata direita, avaliado num grau 2, numa escala de 7 graus de gravidade crescente;
4. Do desgosto que a autora sofre pelo facto de ter ficado com a cicatriz na omoplata;
5. Das limitações na actividade física e de lazer, resultantes do facto de ter deixado de praticar futsal, actividade que contribuía para o seu bem-estar e satisfação;
6. O condicionamento da sua autonomia na realização dos actos correntes da vida diária, familiar e social, que experimentou desde o acidente até à consolidação das lesões.      

Quanto à culpa da autora na produção dos danos, não há nada a apontar-lhe.

No entender deste tribunal, é equitativo indemnizar os danos não patrimoniais com o montante de € 20 000,00.

Este (€ 20 000,00) foi o montante que o Supremo Tribunal de Justiça, no acórdão proferido em 5-12-2017, no processo 505/15.9T8AVR, publicado em www.dgsi.pt., julgou equitativo num caso que tem algumas semelhanças com o caso dos autos, quanto à origem dos danos (acidente de viação), quanto à ausência de culpa da vítima, quanto sofrimento físico e psíquico (quantum doloris de grau 4), quanto ao dano estético (grau 3) e quanto à repercussão permanente nas actividades desportivas e de lazer (grau 2). 


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Apreciemos, por fim, a pretensão da recorrente no sentido de a ré ser condenada em indemnização referente a danos futuros a computar e sede de liquidação.

Esta pretensão está votada ao fracasso.

Segundo o n.º 2 do artigo 564.º do Código Civil, na fixação da indemnização pode o tribunal atender aos danos futuros, desde que sejam previsíveis; se não forem determináveis, a fixação da indemnização correspondente será remetida para decisão ulterior.

Resulta, assim, deste preceito que o direito à indemnização de danos futuros pressupõe a prova de que sejam previsíveis.

Prova que cabe a quem invocar o direito de indemnização relativo a tal dano (n.º 1 do artigo 342.º do Código Civil).

A pretensão da recorrente assentava na alegação de que existia a necessidade de proceder à extracção dos materiais e a cirurgia plástica reconstitutiva.

Visto que esta alegação não se provou, a consequência é a improcedência da pretensão que nela assentava.


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Recurso interposto pela ré:

Como se escreveu acima, a ré pediu a revogação do segmento da decisão que a condenou no pagamento da quantia de € 14 000,00, a título de indemnização pelos danos não patrimoniais, e a substituição dele por decisão que a condene no pagamento da quantia de € 7 500,00. A partir de várias decisões do STJ e uma do tribunal da Relação do Porto, a recorrente sustenta que o montante de € 14 000,00 é reservado, pela jurisprudência, para situações que, pela sua gravidade e consequências, superam claramente a gravidade das lesões sofridas pela autora.  

Pese embora o respeito que nos merece, a alegação da recorrente está votada ao fracasso.

Na verdade, a censura que a recorrente desfere à decisão do recorrida é feita a partir dos factos que a sentença julgou provados. Sucede que este tribunal alterou a decisão relativa à matéria de facto e decidiu, com base na realidade já provada e na que resultou da procedência do recurso de facto, que o montante equitativo para compensar os danos não patrimoniais sofridos pela autora era o de € 20 000,00.

Sendo este o montante equitativo, a consequência que daqui irradia para o recurso da ré, ora recorrente, é a sua improcedência.

Decisão:

Julga-se improcedente o recurso interposto pela ré ora recorrente.

Julga-se parcialmente procedente o recurso interposto pela autora e, em consequência:
1. Revoga-se a decisão recorrida na parte em que julgou improcedente o pedido de condenação da autora no pagamento de indemnização pelo dano que designou de incapacidade permanente parcial;
2. Substitui-se essa decisão por decisão a condenar a ré no pagamento da quantia de dez mil euros (€ 10 000), a título de indemnização pelo défice funcional permanente da integridade física da autora;
3. Revoga-se a decisão recorrida na parte em que julgou improcedente o pedido de condenação da autora no pagamento de quantia superior a catorze mil euros (€ 14 000,00), a título de indemnização por danos não patrimoniais;
4. Substitui-se essa decisão por outra a condenar a ré no pagamento da quantia de vinte mil euros (€ 20 000,00);
5. Mantém-se a decisão de julgar improcedente o pedido de condenação em dano futuro.


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Responsabilidade quanto a custas:

Custas dos recursos:

Visto o disposto na 1.ª parte do n.º 1 do artigo 527.º do CPC e o n.º 2 do mesmo preceito e o facto de a ré ter ficado vencida no recurso que interpôs e de a autora ter ficada vencida, em parte, no recurso que interpôs, condena-se:
1. A ré, nas custas do recurso que interpôs;
2. A autora e a ré nas custas do recurso interposto pela autora, na proporção de, respectivamente, 38% e 62%.

Quanto às custas da acção, elas são suportadas pela autora e pela ré, na proporção de, respectivamente, 25% e 75%.

Coimbra,11 de Junho de 2019.

Emídio Santos ( Relator )

Catarina Gonçalves

Ferreira Lopes