Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
1089/09.2TTCBR-B.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: RAMALHO PINTO
Descritores: DOENÇA PROFISSIONAL
CONCEITO JURÍDICO
RETRIBUIÇÃO
Data do Acordão: 05/30/2013
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL DO TRABALHO DA FIGUEIRA DA FOZ
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTºS 111º, NºS 1 E 4, E 187º, Nº 2 DA NLAT (LEI Nº 98/2009, DE 4/09).
Sumário: I – Do teor do artº 111º, nºs 1 e 4 da NLAT (Lei nº 98/2009, de 4/09) é legítimo extrair o entendimento de que se adoptou um conceito de retribuição mais abrangente do que o previsto no artº 258º do CT/2009, abarcando, para além do salário normalmente auferido pelo trabalhador, tanto as prestações pecuniárias de base, como as acessórias, designadamente o subsídio de refeição ou de transporte e gratificações usuais, mesmo que não pagas mensalmente, e pagamentos em espécie.

II – No regime jurídico estabelecido no artº 111º da NLAT o legislador conferiu especial atenção ao elemento periodicidade ou regularidade no pagamento.

III – Assim, o valor percebido mensalmente pelo trabalhador a título de subsídio de alimentação deve integrar o cálculo da pensão por doença profissional que lhe é devida.

Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra:

A... instaurou a presente acção para a efectivação de direitos resultantes de doença profissional contra o Centro Nacional de Protecção Contra os Riscos Profissionais (CNPRP) , pedindo que a acção seja considerada procedente, por provada, sendo reconhecido que a Autora padece de doença profissional e condenado o Réu a pagar à Autora as reparações legalmente previstas em consequência da doença profissional de que está afectada, designadamente a pensão anual e vitalícia em função do grau de incapacidade que vier a ser atribuída em junta médica, acrescida da prestação a título de subsídio de Natal.

Contestou o Réu considerando não existir doença profissional devido à ausência de riscos profissionais associados à profissão de costureira, que era a da Autora, e impugnando a amplitude da eventual pensão pugnada pela Autora.

Realizado o julgamento, foi proferida sentença, decidindo do seguinte modo:

“Pelos fundamentos expostos, julgo procedente a presente ação para a efectivação de direitos resultantes de doença profissional e, em consequência:

a) Declaro que a A. A (...) padece, como consequência directa e necessária da sua actividade profissional na indústria de confecção de vestuário, de “periartrite de ambos os ombros” enquanto doença profissional, estando afectada, em resultado dessa doença profissional, de uma Incapacidade Permanente Parcial para o trabalho de 3%, desde 4.11.2010;

b) Condeno o R. Centro Nacional de Proteção Contra os Riscos Profissionais –ISS,IP a pagar à A. A (...) uma pensão anual e vitalícia de € (€ 153,97), devida desde 4.11.2010;

c) Condeno o R. Centro Nacional de Proteção Contra os Riscos Profissionais –ISS,IP a pagar à A. juros de mora, desde a data em que são devidas as pensões -4.11.2010- vencidos e vincendos à taxa legal, até integral pagamento;

*

Custas a cargo do R. (Art. 446º, n.º 1, in fine, do Código de Processo Civil, aplicável subsidiariamente por força do disposto no Art. 1º, n.º 2, al. a) do Código de Processo do Trabalho, dado que o valor desta acção é, justamente, fixado no valor da sua condenação final), fixando-se o valor destes autos, nos termos do Art. 120º, n.º 3 do Código de Processo do Trabalho, no valor que resultar da aplicação das reservas matemáticas à pensão estabelecida, acrescida das outras prestações com expressão pecuniária – Art. 120º, n.ºs 1 e 2 do Código de Processo do Trabalho, na redacção em vigor aquando do início destes autos”.

Inconformado, veio o Réu, para além de arguir, expressa e separadamente, a nulidade da sentença, interpor o presente recurso, formulando as seguintes conclusões:

[…]

A Autora contra-alegou, defendo a manutenção do julgado.

Foram colhidos os vistos legais, tendo o Exmº Procurador - Geral Adjunto emitido parecer no sentido da improcedência do recurso.

x

Definindo-se o âmbito do recurso pelas suas conclusões, temos, para além da nulidade da sentença, como única questão em discussão, a de saber se no cálculo da pensão deve ser considerado o subsídio de alimentação.

x

A 1ª instância considerou provada a seguinte factualidade, não objecto de impugnação e que este Tribunal de recurso aceita:

[…]

x

- a nulidade da sentença:

Entende o apelante que, nos termos do artº 668º, nº 1, al. d), do CPC, a sentença é nula, na medida em que para apurar a retribuição anual ilíquida, foi utilizado erradamente o valor do subsídio de alimentação auferido pela Autora - (€3x22x11).

A nulidade de omissão de pronúncia - prevista nesse nº 1, al. d), do artº 668º - verifica-se quando o juiz conhece de questões de que não podia tomar conhecimento, ou quando o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar, em violação do disposto no art.º 660, n.º 2, do CPC, isto é, do dever, por parte do juiz, de não ocupar-se senão das questões suscitadas pelas partes, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras, assim como de resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras.

Refira-se que as “questões” que o juiz deve conhecer se reportam às pretensões formuladas, não estando obrigado a apreciar todos os argumentos ou fundamentos que as partes indiquem para fazer valer o seu ponto de vista, sendo certo que, quanto ao enquadramento legal, não está o mesmo sujeito às razões jurídicas invocadas pelas partes, pois o julgador é livre na interpretação e aplicação do direito - artº 664º do CPC.

Ora, o que o recorrente vem invocar não se enquadra em nenhuma dessas situações, mas sim no que poderia constituir um erro de julgamento, por a sentença ter considerado, para o cálculo da pensão devida à Autora, o valor do subsídio de alimentação.

Não se verifica, assim, a invocada nulidade da sentença.

Passando à questão objecto do recurso, antes de mais importa referir que é aqui aplicável o regime legal da nova LAT- Lei nº 98/2009, de 4/9 – cfr. artº 187º, nº 2, da mesma.

Dispõe-se no artº 111º, nºs 1e 4, da LAT:

“1 - Na reparação de doença profissional, a retribuição de referência a considerar no cálculo das indemnizações e pensões corresponde à retribuição anual ilíquida devida ao beneficiário nos 12 meses anteriores à cessação da exposição ao risco, ou à data da certificação da doença que determine incapacidade, se esta a preceder.

(...)

4 - Para a determinação da retribuição de referência considera-se como:

a)- Retribuição anual as 12 retribuições mensais ilíquidas acrescidas dos subsídios de Natal e de férias e outras retribuições anuais a que o trabalhador tenha direito com carácter de regularidade, nos 12 meses anteriores à cessação da exposição ao risco, ou à data da certificação da doença que determine incapacidade, se esta a preceder;

(...)”.

Desta redacção legal, e designadamente, da expressão “outras retribuições anuais a que o trabalhador tenha direito com carácter de regularidade” é legítimo extrair o entendimento de que se adoptou um conceito de retribuição mais abrangente do que o previsto no artigo 258º do CT de 2009, abarcando, para além do salário normalmente auferido pelo trabalhador, tanto as prestações pecuniárias de base, como as acessórias – designadamente as que correspondem ao trabalho suplementar habitual, subsídio de refeição ou de transporte ou gratificações usuais, mesmo que não pagas mensalmente – e pagamentos em espécie (habitação, automóvel, alimentação, etc.). Têm é de corresponder a uma vantagem económica do trabalhador. (Vide Romano Martinez, in Direito do Trabalho, 2ª ed. p. 822 e ss.)- cfr, neste sentido, o Ac. da Rel. do Porto de 30/1/2006, in www.dgsi.pt.

No regime jurídico estabelecido no art. 111.º da LAT o legislador conferiu especial atenção ao elemento periodicidade ou regularidade no pagamento. Esta característica da regularidade ou periodicidade que assinala a medida das expectativas de ganho do trabalhador não se verifica quando as prestações têm uma causa específica e individualizável, diversa da remuneração do trabalho ou da disponibilidade da força de trabalho.

Tal ocorre, por exemplo, nos casos da recepção pelo trabalhador do valor correspondente ao preço do transporte, alojamento e alimentação no caso de transferência de local de trabalho, bem como das ajudas de custo e subsídio de deslocação devidos como compensação, transitoriamente, enquanto perdurar a execução de determinada tarefa, numa área de laboração distinta da habitual e num condicionalismo que não permita ao trabalhador organizar a sua vida pessoal e familiar nos termos normais

Quanto às demais prestações regulares, a periodicidade da retribuição assinala a medida das expectativas de ganho do trabalhador e, por essa via, confere relevância ao nexo existente entre a retribuição e as necessidades pessoais e familiares daquele.

Como se salienta no Ac. da Rel. de Lisboa de 21/05/2008 (em que o aqui relator foi 2º adjunto), também disponível em www.dgsi.pt, “o subsídio de alimentação visa compensar as despesas que o trabalhador tenha de realizar com a sua alimentação, por não se encontrar no seu domicílio em virtude da prestação de trabalho, destinando-se, por isso, a fazer face a despesas concretas que o trabalhador tem de efectuar para poder executar o seu trabalho. No entanto não deixam de representar um ganho do trabalhador no seu orçamento familiar, que se traduz num benefício económico para o mesmo, determinado pela sua prestação de trabalho e que se vence independentemente do local onde o trabalhador toma a sua refeição, cf. acórdão do STJ de 13.1.93, CJ STJ, Tomo I pág. 226: “ No concernente ao subsídio de refeição, o seu pagamento começou por se justificar com o encargo imposto ao trabalhador de se deslocar ao local de trabalho, obrigando-o a tomar aí uma refeição, em lugar de o fazer em sua casa, com integração da correspondente despesa na economia conjunta do seu agregado familiar.

O subsídio de alimentação/refeição assumiu rapidamente uma feição diferente da sua justificação inicial, “passando a funcionar como um complemento do vencimento, que conta para a economia familiar do trabalhador e que se vence independentemente de o trabalhador ter que tomar a refeição no lugar de trabalho, por ser distante da sua residência. Razões de natureza fiscal conduziam a privilegiar esta forma de remuneração...” Assim, ainda que reconhecida uma natureza retributiva específica ao subsídio de alimentação, tem sido pacífica a jurisprudência no sentido de que aquele subsídio integra a retribuição do trabalhador; ver ainda, Acórdão RC de 7.4.94, In C.J., Tomo II p.59; Acórdão de RC de 13.11.98, CJ Tomo V, pág. 68”.

Acresce que, e como se acentua no citado acórdão da Rel. do Porto, “as pensões e indemnizações infortunísticas não têm apenas a função “reparadora” mas “reintegradora” do salário auferido pela vítima. Por isso a doutrina e jurisprudência se firmaram no sentido de considerarem que o subsídio de refeição integra a retribuição para efeito de cálculo de indemnização e das pensões emergentes de acidente de trabalho, devendo a ele atender-se onze meses por ano, dado que não se vence no período de férias ou similares. [Menezes Cordeiro, Manual Direito Trabalho, 1991, p. 726; Jorge Leite, Dtº Trabalho, 1982, p.298 e acs STJ. 14-04-1988, AD: 320/321-p 1151 e de 13.1.1993, CJ/STJ:I-1-227, entre outros]”

Essa mesma função “reintegradora” existe, da mesma forma, na reparação por doença profissional, não se concebendo que, neste particular aspecto, houvesse diferença de regime.

Assim, e a nosso ver, não podem restar dúvidas que valor percebido pela Autora a título de subsídio de alimentação deve integrar o cálculo da pensão que lhe é devida.

A circunstância, tão valorada pelo recorrente, de não incidência contributiva sobre o subsídio em questão, tem que ver, unicamente, com o benefício de natureza fiscal que é concedido ao recebimento do subsídio de alimentação, o que, como nos parece por demais evidente, em nada belisca as considerações que tivemos oportunidade de tecer.

E tanto é assim, que ao artº 112º da LAT, que trata da “Retribuição convencional”, ao fazer referencia à “retribuição de referência corresponde ao valor que serve de base à incidência contributiva”, não deixa de conter uma significativa e decisiva ressalva: “sem prejuízo do disposto no artigo anterior”. E na al. a) do nº 4 do artº 111º nenhuma referência é feita a “incidência contributiva”.

Improcede, assim, o recurso.

x

Decisão:

Nos termos expostos, acorda-se em julgar improcedente a apelação, mantendo-se a decisão recorrida.

Custas pelo apelante.

 (Ramalho Pinto - Relator)

(Azevedo Mendes)

 (Joaquim José Felizardo Paiva)