Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JTRC | ||
Relator: | PAULO GUERRA | ||
Descritores: | NULIDADES DA SENTENÇA CRIME DE VIOLÊNCIA DOMÉSTICA | ||
Data do Acordão: | 11/22/2023 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Tribunal Recurso: | TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE VISEU – JUÍZO DE COMPETÊNCIA GENÉRICA DE TONDELA | ||
Texto Integral: | N | ||
Meio Processual: | RECURSO DECIDIDO EM CONFERÊNCIA | ||
Decisão: | ANULADA A SENTENÇA RECORRIDA E DETERMINAÇÃO DE REABERTURA DA AUDIÊNCIA | ||
Legislação Nacional: | ARTIGOS 1.º, N.º 1, ALÍNEA F), 358.º, N.ºS 1 E 3, 374.º, 379.º, N.º 1, E 400.º, N.º 2, DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL/C.P.P. ARTIGO 44.º DA LEI N.º 62/2013, DE 26 DE AGOSTO/LEI DA ORGANIZAÇÃO DO SISTEMA JUDICIÁRIO | ||
Sumário: | 1. A alteração da qualificação jurídica dos factos constantes da acusação, a efectuar na sentença, é processualmente equiparada a uma alteração não substancial dos factos. 2. Nessa circunstância, haverá lugar à notificação do arguido da referida alteração da qualificação jurídica antes da prolação da sentença, o qual poderá requerer prazo para a preparação da defesa, dando-se, assim, cumprimento ao preceituado no art. 358º/1, ex vi 358 nº 3, do CPP, sob pena de nulidade da sentença proferida [artigo 379º, nº 1, alínea b) do CPP]. Sumário elaborado pelo Relator | ||
Decisão Texto Integral: |
… Nulidades de sentença Crime de violência doméstica …
… I - RELATÓRIO
1. …, por sentença datada de 10 de Julho de 2023, sido decidido o seguinte (transcrição):
2. Desta sentença recorreu o arguido, concluindo a sua motivação do modo seguinte (transcrição): ….[1] …. [2] …, [3] … …[4], … …[5], … …[6]. … [7]…
…[8]. … ([9]). ….[10] …[11] ….[12] …[13] …[14] … Caso assim não se entenda Quanto ao Pedido de Indemnização Cível,
…
II. FUNDAMENTAÇÃO
1. Poderes de cognição do tribunal ad quem e delimitação do objecto do recurso … Uma palavra relativamente à irrecorribilidade da sentença quanto ao segmento cível … O nº 2 do artigo 400° do CPP estipula que "sem prejuízo do disposto nos artº 427° e 432°, o recurso da parte da sentença relativa a indemnização civil só é admissível desde que o valor do pedido seja superior à alçada do tribunal recorrido e a decisão impugnada seja desfavorável para o recorrente em valor superior a metade desta alçada" (REQUISITOS CUMULÁVEIS[15]). Estabelece o artigo 44º da Lei nº 62/2013, de 26 de Agosto … que em matéria cível, a alçada dos tribunais da Relação é de (euro) 30 000,00 e a dos tribunais de primeira instância é de (euro) 5 000,00. A demandante …, deduziu pedido de indemnização civil contra o demandado … pedindo que este fosse condenado a pagar-lhe a quantia de 5.000 €, a título de indemnização … Assente também está para nós (cfr. acórdão da Relação de Coimbra de 16/1/2013) que «na ausência de qualquer incidente relativo a esse valor, o “valor do pedido” a considerar, nos termos e para os efeitos do artº 400º, nº 2, do C. Proc. Penal (admissibilidade do recurso da parte da sentença relativa à indemnização civil), deve ser o inicialmente atribuído pelo demandante[16]». Realizado o julgamento, na sentença sindicada foi decidido, quanto ao pedido cível formulado, julgá-lo parcialmente procedente, condenando o demandado a pagar à demandante a quantia de € 2.500, a título de danos não patrimoniais. Pelo que, não sendo o valor do pedido superior à alçada do tribunal recorrido (é igual, não superior), por força do disposto no nº 2 do artº 400° do CPP, não é a decisão em causa recorrível. … * … as questões a decidir consistem em saber se:
2. DA MATÉRIA DADA COMO PROVADA E NÃO PROVADA NA SENTENÇA RECORRIDA (em transcrição)
3. APRECIAÇÃO DO RECURSO
3.1. DAS NULIDADES DE SENTENÇA
3.1.1. Invoca a defesa duas nulidades de sentença, a saber: Importa conhecê-las em termos prévios, defendendo nós a sua oficiosidade[17].
3.1.2. Segundo a norma do artigo 379º, nº 1, do CPP, é nula a sentença: Refere o recorrente expressamente que foram cometidas nulidades de sentença, ao abrigo do artigo 379º, nº 1, alínea a) do CPP.
3.1.3. Vejamos a primeira. Sabemos que o artigo 374º, nº 2 do CPP exige que, depois da enumeração dos factos provados e não provados, se faça na sentença uma exposição, tanto quanto possível completa, ainda que concisa, dos motivos de facto que fundamentam a decisão, com indicação e exame crítico das provas que serviram para criar a convicção do tribunal. O dever de fundamentação[18] das decisões judiciais é uma realidade, ainda que com contornos variados, imanente a todos os sistemas de justiça que nos são próximos, mesmo que sejam detectáveis variáveis do grau de exigência em função das matérias em causa, do tipo de decisão ou da tradição histórica e cultural de cada povo. … Dispõe a Constituição, no nº 1 do artigo 205º, que "as decisões dos tribunais que não sejam de mero expediente são fundamentadas na forma prevista na lei". … A Constituição revista deixa perceber uma intenção de alargamento do âmbito da obrigação constitucionalmente imposta de fundamentação das decisões judiciais, que passa a ser uma obrigação verdadeiramente geral, comum a todas as decisões que não sejam de mero expediente, e de intensificação do respectivo conteúdo, já que as decisões deixam de ser fundamentadas "nos termos previstos na lei" para o serem "na forma prevista na lei". A alteração inculca, manifestamente, uma menor margem de liberdade legislativa na conformação concreta do dever de fundamentação. … Em apoio dos factos considerados provados deve então a sentença passar a expressar a justificação da respectiva decisão, isto é, fazer a análise crítica da prova produzida, esclarecer quais os meios de prova que conduziram à convicção anteriormente enunciada. Sem pretender ser exaustivo, a motivação da convicção do juiz no âmbito da análise crítica da prova implica que o Tribunal indique expressamente: Com este pano de fundo, fácil é de concluir que inexiste justificação na invocação deste vício formal da sentença pois esta é escorreita – sem ser exemplar - nos seus fundamentos de facto, explicando a razão pela qual acreditou na versão da assistente e da filha, não deixando de se notar que se deixou escrito que «o arguido reconheceu genericamente os factos que lhe vêm imputados». …
3.1.4. Quanto à 2ª nulidade, haverá que considerar o seguinte: Reza assim o artigo 374º do CPP, conhecendo já nós o teor do artigo 379º do CPP, ao primeiro ligado:
Usando as palavras do aresto desta Relação, datado de 19/3/2014, diremos: «Tem sido decidido pelo STJ – cfr. entre outros: Ac. STJ de 15.01.1997, na CJ/STJ, tomo I/97, p. 181; Ac. STJ de 05.02.1998, publicado na CJ/STJ, tomo I/98, p. 189; Ac. STJ de 11.02.1998, BMJ 474º, p. 151; Ac. STJ de 02.12.1998, publicado na CJ/STJ, tomo III/98, p. 229 - que a elencação dos factos provados e não provados refere-se apenas aos factos essenciais à caracterização do crime e circunstâncias relevantes para a determinação da pena e não aos factos inócuos, mesmo que descritos na contestação. Daí que, como expressivamente, refere o Ac. STJ de 12.03.1998, BMJ 475º, p. 233, “o art. 374º, nº 2 do CPP não exige, relativamente aos factos não provados a mesma minúcia que preside à indicação dos factos provados, tendo o tribunal que deixar bem claro que foram por ele apreciados todos os factos alegados, maxime na contestação com interesse para a decisão”. O que importa é que da conjugação da matéria da acusação e da defesa, resulte claro que o tribunal apreciou os factos relevantes aduzidos por uma e por outra relevantes para a decisão a proferir. …». Como tal, este aresto apenas legitima a não articulação, no rol de factos provados, dos factos tidos por inócuos e não essenciais à discussão da causa, nas suas duplas ou triplas visões. Antes de mais, diga-se que, ao contrário do que se refere no recurso, a sentença refere-se à Contestação no seu Relatório, resumindo o seu teor a poucas linhas, é certo, mas mesmo assim existentes. Ora, embora se considere que o que se escreve na contestação crime e cível é muitas vezes conclusivo em termos de Direito e que muitos dos factos alegados nessa contestação não são mais do que a negação do dolo do arguido, constante da acusação pública, a verdade é que os factos relacionados com a pouca saúde do arguido não são absolutamente inócuos para a desejada descaracterização objectiva e subjectiva do crime de violência doméstica (para a lógica da defesa). … Sérgio Poças, … doutrina de forma exemplar sobre o assunto (cfr. REVISTA JULGAR, Da Sentença Penal – fundamentação de facto, 2007, pg 24 e sgs): «2.1. O tribunal, como resulta nomeadamente do disposto nos artigos 339º, nº 4, 368º, nº 2, e 374º, nº 2, do CPP, deve indagar e pronunciar-se sobre todos os factos que tenham sido alegados pela acusação, pela contestação ou que resultem da discussão da causa e se mostrem relevantes para a decisão. Ou seja, ainda que para a solução de direito que o tribunal tem como adequada para o caso, se afigure irrelevante a prova de determinado facto, o tribunal não pode deixar de se pronunciar sobre a sua verificação/ não verificação — o que pressupõe a sua indagação —, se tal facto se mostrar relevante num outro entendimento jurídico plausível. É que em impugnação por via de recurso pode vir a ser considerado pelo tribunal ad quem que o facto sobre o qual o tribunal a quo especificadamente não se pronunciou por entender ser irrelevante, é afinal relevante para a decisão, o que determinará a necessidade de novo julgamento, ainda que parcial, com todas as maléficas consequências consabidas. … o tribunal deve pronunciar-se sobre os factos alegados na contestação com interesse para a decisão, ainda que não resultem provados os factos da acusação. Isto é, não é lícito ao tribunal, porque não resultaram provados os factos da acusação, não se pronunciar sobre os factos da contestação com o argumento de que não interessam à decisão: as coisas não são assim. … Relativamente à enumeração da matéria de facto não provada, cumpre ainda dizer: … não devem restar quaisquer dúvidas que o tribunal indagou e se pronunciou sobre todos os factos relevantes para a decisão, designadamente os alegados pela defesa. Assim as expressões: «não resultaram não provados quaisquer factos ou: «factos não provados: nenhuns», só dão cumprimento ao normativo se resultaram provados todos os factos constantes da acusação, da contestação e os que resultaram da discussão da causa, porque, se, v. g., alguns dos factos alegados na contestação - factos relevantes, como é óbvio — não constarem na enumeração dos factos provados, o tribunal, com aquelas formulações, não dá cumprimento à norma do n.° 2 do artigo 374º do CPP. …».
Diremos que os factos da contestação acima aludidos não são irrelevantes para a discussão da causa, porque são importantes para verificar do preenchimento ou não do tipo de ilícito em apreciação, não se deixando de afirmar que foi resolvida, a contento, a questão da imputabilidade criminal do arguido (facto provado nº 17 e único facto não provado). Poderá assim ter ficado limitado o direito da defesa do arguido. Portanto, em conclusão, vislumbramos na sentença, a este nível, indício de nulidade que urge debelar.
3.1.5. Aqui chegados, seremos agora nós a considerar a existência de uma outra nulidade de sentença, não arguida em recurso mas passível de ser conhecida em termos oficiosos. Vejamos.
3.1.5.1. Dispõe o artigo 379º, nº 1, alínea b) do CPP que é nula a sentença que condenar por factos diversos dos descritos na acusação, fora dos casos e das condições previstas nos artigos 358º e 359º do mesmo diploma. O MP, nos nossos autos, acusou o arguido da prática, em autoria material, na forma continuada, de um crime de violência doméstica, «p. e p. pelos artigos 30º, nº 2 e 152º, nº 1, alínea a) do Código Penal». O Juiz do processo recebeu tal acusação, por despacho de 20/4/2023, «pelos factos e disposições legais dela constantes, cujo teor se dá aqui por reproduzido». Fez-se o julgamento em 30/6/2023, onde não é feita qualquer menção à incriminação dos autos. Surge, entretanto, a sentença recorrida que começa por dizer no Relatório o seguinte: «Para julgamento em processo comum, e perante Tribunal Singular, o Ministério Público acusou … Imputando-lhe os factos descritos na acusação de fls. 196 a 198, integrativos da prática, na forma consumada, de um crime de violência doméstica, previsto e punido pelo artigo 152º, nº1, alínea a) e nº 2, 4 e 5 do Código Penal».
Nem uma palavra sobre a continuação criminosa imputada na acusação (certamente, por lapso aí levada pelo MP, diremos nós, assente que se tratou apenas de um facto imputável ao agente). E aparece miraculosamente a imputação do nº 2 do artigo 152º, nunca invocado na acusação. E foi por essa norma do nº 2 – que agrava a moldura penal abstracta de 1 a 5 anos (do nº 1) para 2 a 5 anos de prisão - que acabou por vir a ser condenado o arguido. Note-se, contudo, que na fundamentação de Direito, pouco ou nada é dito que justifique esta agravação (pela presença de uma criança menor de idade neste circuito de ilicitude, acredita-se). Ou seja, o arguido veio a ser condenado por crime diverso, em termos de tipificação, do constante da acusação que define a vinculação temática do processo penal. … Se quisesse fazer esta alteração – não de factos, mas de qualificação jurídica -, o tribunal deveria ter usado o mecanismo do artigo 358º, nº 1, por remissão do nº 3 do mesmo normativo. E a verdade é que nada convolou e nada comunicou à defesa.
3.1.5.2. De acordo com o princípio acusatório, a acusação deduzida define e fixa o objecto do processo, exigindo-se uma necessária correlação entre a acusação e a decisão., traduzindo-se tal correlação na exigência de que, definido o objecto do processo, o tribunal não possa, como regra, atender a factos que não foram objecto da acusação, estando, por conseguinte, limitada a sua actividade cognitiva e decisória, o que constitui a chamada vinculação temática do tribunal. Depois de fixado na acusação, o objecto do processo deve manter-se o mesmo até ao trânsito em julgado da sentença – é o chamado princípio da identidade. A observância destes princípios constitui uma exigência da salvaguarda de um efectivo direito de defesa do arguido. Compreende-se que, se ao tribunal fosse permitido modificar o objecto do processo e conhecer para além dele, o arguido poderia ser confrontado com novos factos e novas incriminações que não tomara em conta aquando da preparação da sua defesa, não sendo de exigir ao arguido – que se presume inocente – que antecipe e preveja todas as imputações possíveis, independentemente da concreta acusação que contra si foi deduzida. … Contudo, como refere Germano Marques da Silva, “por razões de economia processual, mas também no próprio interesse da paz do arguido, a lei admite geralmente que o tribunal atenda a factos ou circunstâncias que não foram objecto da acusação, desde que daí não resulte insuportavelmente afectada a defesa, enquanto o núcleo essencial da acusação se mantém o mesmo” (Curso de Processo Penal, Lisboa, Verbo, III, 2.ª edição, p. 273). «O processo penal não é um processo acusatório puro e o legislador não deixou o juiz na completa dependência dos sujeitos processuais relativamente ao esclarecimento dos factos. … O que aponta para a necessidade de ser encontrado um ponto de equilíbrio que resolva a tensão entre princípios aparentemente em litígio, remetendo-nos para a magna questão da definição do objecto do processo e das condições em que a conformação dos factos constantes da acusação pode ser alterada» (Acórdão da Relação de Coimbra de 17/6/2009, in Pº 122/07.7GCACB.C1). O CPP de 1987 distingue, no âmbito da alteração dos factos, as situações em que a alteração é substancial daquelas em que não é substancial. O artigo 1º, nº 1, alínea f), do C.P.P. de 1987, define “alteração substancial dos factos” como aquela que tiver por efeito a imputação ao arguido de um crime diverso ou a agravação dos limites máximos das sanções aplicáveis. As disposições fundamentais a considerar, na fase do julgamento, no tocante a esta matéria, são os artigos 358º e 359º do CPP. Ouçamos a lei. Estatui o artigo 358º, relativo à alteração não substancial de factos descritos na acusação ou na pronúncia: «…». Por seu lado, o artigo 359º reporta-se à alteração substancial dos factos descritos na acusação ou na pronúncia, tendo sofrido relevantes alterações com a revisão introduzida pela Lei nº 48/2007, de 29 de Agosto, estabelecendo a distinção entre factos novos autonomizáveis e não autonomizáveis. Salienta o STJ, em acórdão de 21 de Março de 2007 (processo 07P024, www.dgsi.pt): …» Quando os factos novos não tenham como efeito a imputação ao arguido de um crime diverso ou a agravação dos limites máximos das sanções aplicáveis, mas sejam relevantes para a decisão, a alteração deverá ser considerada não substancial e o seu conhecimento pressupõe, por isso, o recurso ao mecanismo previsto no artigo 358º, nº1, do CPP. Diga-se ainda, como já se viu acima, que a lei fulmina com nulidade a sentença que condene por factos diversos dos descritos na acusação ou na pronúncia, se a houver, fora dos casos e condições previstos nos arts. 358º e 359º do CPP [art. 379º, nº 1, b), do mesmo código]. Acrescentaremos ainda: Seguimos de perto a nossa jurisprudência que tem defendido que: Dito de outra forma: a “alteração substancial” dos factos pressupõe uma diferença de identidade, de grau, de tempo ou espaço, que transforme o quadro factual descrito na acusação em outro diverso, ou manifestamente diferente no que se refira aos seus elementos essenciais ou materialmente relevantes de construção e identificação factual, e que determine a imputação de crime diverso ou a agravação dos limites máximos das sanções aplicáveis. Já a “alteração não substancial” constitui uma divergência ou diferença de identidade que não transformem o quadro da acusação em outro diverso no que se refere a elementos essenciais, mas apenas, de modo parcelar e mais ou menos pontual, e sem descaracterizar o quadro factual da acusação, e que, de qualquer modo, não têm relevância para alterar a qualificação penal ou para a determinação da moldura penal; a alteração, para ser processualmente considerada, tem de assumir relevo para a decisão da causa.
3.1.5.3. Ora, aqui não há factos novos. Mas apenas uma nova incriminação, à revelia total do que consta da acusação pública. Sabemos que a alteração da qualificação jurídica dos factos constantes da acusação ou da pronúncia - a efectuar na sentença - é processualmente equiparada a alteração não substancial dos factos[19]. Haveria, pois, lugar à notificação do arguido da referida alteração da qualificação jurídica antes da prolação da sentença, o qual poderia ter requerido prazo para a preparação da defesa. Desta forma, desde que assegurado o contraditório, o tribunal pode qualificar juridicamente os factos descritos na acusação ou na pronúncia, ainda que da alteração resulte a condenação do arguido pela prática de crime mais grave do que o ali imputado, não padecendo essa interpretação de qualquer inconstitucionalidade. Em conclusão: A entender-se, em julgamento, que havia lugar à alteração da qualificação jurídica dos factos da acusação, deveria ter sido dado cumprimento ao preceituado no art. 358º/1, ex vi 358 nº 3, do CPP. Nesta sentença procedeu-se (ignora-se se de forma voluntária ou involuntária) à alteração da qualificação jurídica dos factos da acusação (sem sequer, diga-se, aludir-se a esse facto, …), sem que tenha sido dado cumprimento, EM MOMENTO ALGUM, ao estatuído no artigo 358º do CPP. Repete-se: o artigo 379º do CPP comina com a nulidade do acórdão, quando se condena por factos diversos dos descritos na acusação ou na pronúncia, fora dos casos e condições previstos nos arts. 358º e 359º. De facto, qualquer alteração da qualificação jurídica dos factos feita na acusação, principalmente qualquer alteração que importe um agravamento (como é o caso), terá necessariamente de ser dada a conhecer ao arguido para que este dela se possa defender, sob pena de se trair o ideário do processo justo e equitativo, de que fala o art.° 6° da CEDH e densificado no art.° 32° da nossa Constituição. Estaremos assim no caso dos autos perante uma alteração da qualificação jurídica, pelo que deverá o Tribunal a quo dar cumprimento ao estipulado no art° 358° n° 1/3 do CPP, seguindo-se os demais termos processuais. Defendemos aqui a tese da nulidade do artigo 379º, nº 1, alínea b), devendo ler-se extensivamente a expressão «condenação por factos» dessa alínea como equiparada à alteração da qualificação jurídica nos termos definidos no nº 3 do artigo 358º do CPP[20]. E tal se faz pois a alteração feita não deriva de qualquer alegação da própria defesa (nº 2 do artigo 358º do CPP), como é bem de ver.
3.2. Face ao exposto, só há que declarar a nulidade da sentença, pelos dois motivos exarados, com a seguinte consequência: - nulidade da sentença recorrida, devendo, na 1ª instância, proceder-se à reabertura da audiência[21], dando-se aí cumprimento ao estatuído no artigo 358º, nºs 1 e 3, do CPP, continuando os autos a correr os seus termos processuais habituais. Deverá a nova sentença a proferir aproveitar para melhor discutir se estamos ou não perante uma continuação criminosa, como vem imputado pelo MP na acusação, explicitando de forma mais rigorosa a razão pela qual invoca o nº 2 do artigo 152º do CP (e não só o seu nº 1), revendo também a redacção a dar ao facto provado nº 11, assente que a demandante/assistente não se poderá ter sentido angustiada pela ocorrência dos factos provados nºs 2 e 3. Na nova sentença, atentar-se-á ainda ao teor do ponto 3.1.4. deste acórdão (quanto à nulidade consubstanciada na omissão no acervo factual de alguns dos factos alegados pela defesa em Contestação).
3.3. Fica prejudicado o conhecimento das demais questões suscitadas.
3.4. Diremos em sumário: …
III – DISPOSITIVO
Em face do exposto, acordam os Juízes da 5ª Secção - Criminal - deste Tribunal da Relação em anular a sentença recorrida, devendo proceder-se à reabertura da audiência e dar cumprimento ao estatuído no artigo 358º, nºs 1 e 3, do CPP, continuando os autos a correr os seus termos processuais habituais (com a nova sentença a cumprir o que se deixa escrito em 3.1.4.).
Sem tributação. Coimbra, ___________________________ (Consigna-se que o acórdão foi elaborado e integralmente revisto pelo primeiro signatário, sendo ainda revisto pelo segundo e pelo terceiro – artigo 94º, nº 2, do CPP -, com assinaturas electrónicas apostas na 1.ª página, nos termos do artº 19º da Portaria nº 280/2013, de 26-08, revista pela Portaria nº 267/2018, de 20/09)
Relator: Paulo Guerra Adjunto: Cristina Pêgo Branco Adjunto: Ana Carolina Cardoso
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