Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
315/12.5TJCBR-A.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: MARIA JOSÉ GUERRA
Descritores: CONTRATO DE MÚTUO
FIANÇA
ERRO SOBRE O OBJECTO
CONTRATO DE ADESÃO
CLÁUSULAS CONTRATUAIS GERAIS
DEVER DE INFORMAR
Data do Acordão: 12/03/2013
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso:
COIMBRA - 4º JUÍZO CÍVEL
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTS. 246, 252 CC, DL Nº 446/85 DE 25/10
Sumário: 1. A vontade não viciada é a vontade esclarecida e livre, mas que pode deixar de o ser quando se determina por defeituoso conhecimento da causa, como acontece no caso do erro.

2. O erro sobre o objecto do negócio é o que recai ou sobre a identidade do objecto, ou sobre a sua substância, ou sobre as suas qualidades essenciais, abrangendo esses objecto também o conteúdo do negócio.

3. Os dois requisitos da relevância do erro são: a essencialidade para o declarante do elemento sobre o qual incidiu o erro e o conhecimento ou dever de não ignorar essa essencialidade, por parte do declaratário.

4. É sobre o aderente que impende que impendia o ónus de alegação e prova dos factos pertinentes a qualificação do contrato como contrato de adesão.

5. O aderente não pode invocar, com êxito, o desconhecimento de cláusulas do contrato de mútuo que assinou para efeitos de se eximir ao cumprimento das suas obrigações, quando esse desconhecimento apenas resultou da sua falta de diligência.

Decisão Texto Integral: Acordam os juízes do Tribunal da Relação de Coimbra

I- Relatório
1. O executado J (…) veio por apenso à execução que lhe é foi movida e a outra, para pagamento de quantia certa, pelo Banco A..., S.A., deduzir oposição à mesma, pedindo que se considere inválido o contrato que serve de base à execução, ou inepto o requerimento executivo e em qualquer dos casos, a sua absolvição da instância.
Alega para tanto que, quando aceitou ser fiador da executada M (…)ficou convencido que o seria apenas na celebração de um único negócio, com vista à compra de um apartamento, no qual aquela pediu empréstimo ao Banco e constituiu uma hipoteca em favor da entidade bancária; apesar de lhe ter sido entregue um conjunto de folhas, com as cláusulas do contrato, para que as lesse, devido ao vocabulário técnico e elaborado das mesmas e dada a sua fraca formação (4ª classe) não alcançou o significado do que começou a ler, desistindo de o fazer, pelo que, apenas apôs a sua assinatura na documentação pré-elaborada e acreditou que a hipoteca garantiria em primeiro lugar o pagamento da dívida; ficou surpreendido por verificar que assinou dois contratos para aquisição do mesmo imóvel pela executada, sendo que o segundo contrato não foi garantido por hipoteca bancária e alega que agiu sob erro, pois que se conhecesse que a responsabilidade assumida não estava garantida por hipoteca, não teria aceite ser fiador.

         2. Contestou o Banco A..., S.A,, impugnando os factos alegados pelo oponente, contrapondo à versão por este apresentada o facto de aquando da subscrição dos contratos se encontrarem presentes – além do oponente e da outra executada – (…), oficial de títulos do Banco exequente e (…)na qualidade de procurador do Banco, de não ser verdade que tenha sido transmitido ao mesmo o que consta da parte final do artigo 8.º da oposição e de não ter existido qualquer vício na formação da vontade do oponente, bem sabendo o mesmo o que ia assinar e o teor de ambos os negócios, sendo, por isso, a fiança plenamente válida, pugnando, ainda, o banco exequente pela não ineptidão do requerimento executivo tendo em conta a indicação dos factos que nele vem exposta.
Termina pugnando pela total improcedência da oposição.

3. Foi proferido despacho saneador no qual foi apreciada a invocada excepção de ineptidão do requerimento executivo, no sentido da respectiva improcedência, tendo, ainda, nele sido apreciados os pressupostos processuais, no sentido da respectiva regularidade e, ainda, seleccionada a matéria assente e controvertida, a qual se fixou sem censura.

         4. Procedeu-se ao julgamento, o qual decorreu com observância do legal formalismo, não tendo a decisão do tribunal recorrido sobre a matéria de facto sofrido reclamação das partes.

         5. Proferida sentença, veio esta a decidir-se pela total improcedência da oposição à execução.

         6. Inconformado com tal decisão dela veio o oponente interpor recurso, cujas alegações remata com as seguintes conclusões:
         (…)
        
         7. Nas contra-alegações que apresentou o Banco A..., S.A. pugnou pela improcedência total do recurso e pela manutenção da sentença recorrida.

         - Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.


II – ÂMBITO DO RECURSO
Sendo o objecto do recurso delimitado pelas conclusões do recorrente não podendo este tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, sem prejuízo das de conhecimento oficioso ( Arts. 684º, nº 3, 685º-A e 660º, nº 2, do CPC na redacção anterior à Lei 41/2013, de 26.06, por ser esta versão a aplicável ao presente recurso), são as seguintes as questões a decidir:
        I- saber se foi mal valorada a factualidade vertida nos quesitos 5º e 8º  da BI;
         II- saber se o oponente não teve consciência de aceitar prestar a fiança em causa nos autos e se por isso esta não produziu efeitos;
         III- saber se o oponente representou de forma errada as circunstâncias do negócio, e se esse erro foi determinante na decisão de aceitar prestar a fiança em causa nos autos;   
         IV- saber se a exequente faltou ao dever de informação das clausulas dos contratos ( artº6, nº1 do Decreto-Lei nº 446/85, de 25 de Outubro).

III – FUNDAMENTAÇÃO
A) De Facto
A 1ª instância considerou provada a seguinte factualidade, a qual agora se elenca provisoriamente, visto que parte dela foi alvo de impugnação no presente recurso.
1. O Banco A..., S.A. resulta da fusão por incorporação do Banco B..., S.A. e Banco AA.... Portugal, S.A. no C..., S.A., que adotou aquela denominação social. ( al. A) dos factos assentes ).
2. Por título particular outorgado em 20/09/2002, o Banco exequente concedeu à executada M (…) um empréstimo no valor de 9.975,96 €, o qual venceria juros à taxa Euribor a 6 meses, acrescida de spread de 3,3% e demais condições constantes do aludido título. ( al. B) dos factos assentes ).
3. No âmbito da execução apensa, reclama o Banco exequente dos executados a quantia global de 9.701,03 € (nove mil, setecentos e um euros e três cêntimos), assim discriminada:
a) 8.820,04 € (oito mil, oitocentos e vinte euros e quatro cêntimos), correspondente ao capital em dívida;
b) 847,11 € (oitocentos e quarenta e sete euros e onze cêntimos), de juros à taxa de 4,447%, acrescida da sobretaxa de 4%, contados desde 20/10/2010 e até esta data;
c) 33,88 € (trinta e três euros e oitenta e oito cêntimos), de imposto de selo sobre os juros, à taxa de 4% (verba 17.3.1, da TGIS). ( al. C) dos factos assentes ).
4. O executado J (…) subscreveu o dito contrato naquela data, constituindo-se fiador e principal pagador, com renúncia ao benefício da excussão prévia, da dívida contraída pela executada. ( al. D) dos factos assentes ).
5. No dia 20/09/2002 o executado J (…) deslocou-se às instalações do banco para assinar um contrato de compra e venda de um imóvel com hipoteca e fiança, tendo assinado nessa ocasião tudo quanto lhe foi pedido. ( al. E) dos factos assentes ).
6. Tendo subscrito nomeadamente o contrato de mútuo com hipoteca e fiança que serve de título à ação executiva n.º 87/12.3TBLSA, que corre termos no Tribunal Judicial da Lousã. ( al. F) dos factos assentes ).
7. Em 2002, a executada pediu ao oponente, a título de favor, que assumisse a posição de fiador num contrato de empréstimo que pretendia contrair para adquirir um apartamento na Lousã. ( Resp. ques. 1º )
8. O oponente aceitou por julgar que a sua responsabilidade seria diminuta na medida em que seria constituída a favor da entidade bancária uma hipoteca sobre o imóvel que garantiria em primeiro lugar o pagamento da dívida.( Resp. ques. 2º )
9. Foi explicado ao oponente que ia ser fiador num empréstimo bancário para compra de um apartamento na Lousã. ( Resp. ques. 3º )
10. Devido à sua fraca formação (4.ª classe) e ao vocabulário constante do contrato, o oponente não conseguiu entender o seu significado. ( Resp. ques. 4º )
11. O oponente assinou os documentos onde lhe foi indicado pelo funcionário do banco. ( Resp. ques. 6º )
12. O oponente ignorava que naquela data e ocasião havia assinado dois contratos, julgando estar a intervir apenas no contrato de mútuo com hipoteca. ( Resp. ques. 7º )
13. O oponente aceitou ser fiador estando convencido que existia uma hipoteca sobre o imóvel que garantiria em primeiro lugar o empréstimo e que só viria a ser acionada a fiança depois de vendido o imóvel e em caso de insuficiência do resultado da venda. ( Resp. ques. 9º )

B) De Direito     
         I- Por via do presente recurso o apelante impugna a decisão da matéria de facto, insurgindo-se a esse respeito contra as respostas dadas pelo tribunal recorrido aos quesitos 5º e 8º da base instrutória, os quais, no seu entender deveriam ter merecido diferente resposta.
         No que tange à impugnação da decisão de facto proferida em 1.ª instância rege o Art. 712.º do CPC na redacção anterior à Lei 41/2013, de 26.06, por ser esta versão a aplicável ao presente recurso.
         Segundo F. Amâncio Ferreira, in Manual dos Recursos em Processo Civil, pág. 127, resulta de tal preceito que «...o direito português segue o modelo de revisão ou reponderação...», ainda que não em toda a sua pureza, pois, segundo o mesmo autor comporta as excepções que refere em tal obra.
         Já sobre os recursos de reponderação, ensina o Prof. Miguel Teixeira de Sousa, in Estudo Sobre o Novo Processo Civil, pág. 374, que os mesmos «...satisfazem-se com o controlo da decisão impugnada e em averiguar se, dentro dos condicionalismos da instância recorrida, essa decisão foi adequada, pelo que esses recursos controlam apenas - pode dizer-se - a “justiça relativa” dessa decisão».
            Tendo ocorrido no caso em análise a gravação dos depoimentos prestados em audiência de julgamento, nos termos do disposto no citado Art.º 712.º n.º 1 al. a) e n.º 2 do C.P.C na referida redacção, pode este tribunal da Relação alterar a decisão do tribunal de 1ª instância sobre a matéria de facto, desde que, em função dos elementos constantes dos autos ( incluindo, obviamente, a gravação ), seja razoável concluir que aquela enferma de erro.
         Do preâmbulo do Dec. Lei 329/95, de 15.12, que instituiu no nosso processo civil a possibilidade de documentação da prova, decorre que esta se destina à correcção de erros grosseiros ou manifestos verificados na decisão da matéria de facto, quanto aos pontos concretos da mesma, ou seja, “a criação de um verdadeiro e efectivo 2º grau de jurisdição na apreciação da matéria de facto, facultando às partes na causa uma maior e mais real possibilidade de reacção contra eventuais – e seguramente excepcionais – erros do julgador na livre apreciação das provas e na fixação da matéria de facto”.
         Desse mesmo preâmbulo consta também que “a garantia do duplo grau de jurisdição em sede da matéria de facto, nunca poderá envolver, pela própria natureza das coisas, a reapreciação sistemática e global de toda a prova produzida em audiência – visando apenas a detecção e correcção de pontuais, concretos e seguramente excepcionais erros de julgamento, incidindo sobre pontos determinados da matéria de facto, que o recorrente sempre terá o ónus de apontar claramente e fundamentar na sua minuta de recurso”.
         Do que se mostra expendido, é, pois, manifesto que actualmente se mostra legalmente consagrada a possibilidade deste tribunal de recurso alterar a decisão de facto proferida em 1ª instância, devendo para tal reapreciar as provas em que assentou a parte impugnada da decisão, tendo ainda em consideração o teor das alegações das partes, para o que terá de ouvir os depoimentos chamados à colação pelas recorrentes. E assim, (re) ponderando livremente essas provas, podendo, ainda, por força do disposto no Art. 712º nº 2 do C.P.C. na referida redacção, “oficiosamente atender a quaisquer outros elementos probatórios que hajam servido de fundamento à decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados”, formará a sua própria convicção relativamente a cada um dos factos em causa (não desconsiderando, principalmente, a ausência de imediação na produção dessa prova, e a consequente e natural limitação à formação desta convicção, o que em confronto com o decidido em 1ª instância terá como consequência a alteração ou a manutenção dessa decisão. E isso, por se ter concluído que a decisão de facto em causa, (re) apreciada “ segundo critérios de valoração racional e lógica do julgador, pressupondo o recurso a conhecimentos de ordem geral das pessoas normalmente inseridas na sociedade do seu tempo, a observância das regras da experiência e dos critérios da lógica ” – vide, neste sentido, Ac. STJ de Proc. n.º 3811/05, da 1.ª secção, citado no Ac. do mesmo tribunal de 28.05.2009, in www.dgsi.pt., corresponde, ou não, ao decidido em 1.ª instância.
         Com efeito, não poderá olvidar-se que na reponderação da decisão da matéria de facto, apesar da gravação da audiência de julgamento, esta continua a ser enformada pelo regime da oralidade (ainda que de forma mitigada face à gravação) a que se mostram adstritos, entre outros, o princípios da concentração e da imediação, o que impede que o tribunal de recurso apreenda e possa dispor de todo o circunstancialismo que envolveu a produção e captação da prova, designadamente a testemunhal, quase sempre decisivo para a formação da convicção do juiz; pois que, como referem A. Varela, J. Miguel Bezerra e Sampaio e Nora, in Manual de Processo Civil, pág. 657, a propósito do “Princípio da Imediação”, «...Esse contacto directo, imediato, principalmente entre o juiz e a testemunha, permite ao responsável pelo julgamento captar uma série valiosa de elementos (através do que pode perguntar, observar e depreender do depoimento, da pessoa e das reacções do inquirido) sobre a realidade dos factos que a mera leitura do relato escrito do depoimento não pode facultar. ...».
            Sem esquecer, ainda, que quanto ao resultado da apreciação da prova testemunhal, de acordo com o disposto no Art. 655º nº 1 do C.P.C. na referida redacção, “O tribunal colectivo (ou o juiz singular) aprecia livremente as provas, decidindo os juízes segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto”, mantendo o princípio da liberdade de julgamento. E, quanto à força probatória os depoimentos das testemunhas são apreciados livremente pelo tribunal, como resulta do disposto no Art. 396º do C.C.
            Cumpre, ainda, referir que constituem ónus a cargo do recorrente que impugne a decisão relativa à matéria de facto, os previstos no Artº 685º-B, nºs 1 e 2 do C.P.C. na referida redacção, de onde decorre que ao apelante não basta atacar a convicção que o julgador formou sobre cada uma ou a globalidade das provas para provocar uma alteração da decisão da matéria de facto, sendo ainda indispensável, e “sob pena de rejeição”, que cumpra os ónus de especificação aí impostos, isto é:
         a) – Tem de especificar quais os concretos pontos de facto que o recorrente considera incorrectamente julgados;
         b) – Tem de indicar quais os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impõem decisão diversa da recorrida sobre cada um dos concretos pontos impugnados da matéria de facto, tratando-se de prova gravada, deverá identificar precisa e separadamente, com referência ao que consta da acta, os depoimentos em que se funda, indicando ainda com exactidão as passagens dessa gravação em que se funda;
         c) – E deve desenvolver a análise crítica dessas provas, por forma a demonstrar que a decisão proferida sobre cada um desses concretos pontos de facto não é possível, não é plausível ou não é a mais razoável.
         Vide a este propósito os Acs. do STJ de 10.05.2007 e de 30.10.2007, todos in www.dgsi.pt.
         No caso em vertente, somos de entender que o apelante deu cumprimento aos referidos ónus.
         Vejamos, então, a redacção dos dois pontos da base instrutória postos em crise no presente recurso e a resposta que obtiveram por banda do tribunal recorrido.
         (…)
Resta, assim, concluir que quanto à resposta dada pelo tribunal recorrido ao quesito 8º se impõe diferente juízo valorativo nos termos que se deixam expendidos, devendo, por isso e ao contrário do decidido, merecer tal quesito a resposta de “ Provado “, em consequência do que se acrescenta ao acervo fáctico constante da sentença um novo facto, sob o Nº 14 com a seguinte redacção:
“ 14. Se o oponente tivesse conhecimento de que parte da responsabilidade que estava a assumir não se encontrava garantida pela hipoteca do imóvel não teria aceite ser fiador “.
        
         II- Avançando na apreciação das questões suscitadas nas conclusões de recurso, vejamos agora se assiste razão ao oponente ao pretender que não teve consciência de aceitar prestar a fiança em causa nos autos e se por isso esta não produziu efeitos.
         Em sede de contra-alegações a exequente e ora recorrida manifesta-se no sentido de tal questão, assim suscitada pelo oponente e ora apelante, se tratar de uma questão nova, a qual não foi antes invocada pelo oponente, pelo que a mesma não poderá ser analisada em sede de recurso.
         Importa, pois, antes de mais, apreciar se tal segmento conclusivo do presente recurso consubstancia uma questão nova não colocada ao tribunal recorrido e se poderá a mesma ser apreciada por este tribunal de recurso.
De acordo com ensinamentos de Abrantes Geraldes, in Recursos, 3ª edição, 2010, Almedina, página 104, “ Os recursos constituem mecanismos destinados a reapreciar decisões proferidas e não a analisar questões novas, salvo quando estas sejam de conhecimento oficioso e o processo contenha os elementos imprescindíveis.”
         O oponente não fundamentou a oposição que deduziu à execução que lhe é movida em qualquer facto que tivesse a ver com a falta de consciência de aceitar prestar a fiança em causa nos autos e de se, por isso, esta não produzir efeitos, situação que enquadra no preceito legal contido no Art. 246º do C.C., mas antes na falta de explicação pela exequente das condições do negócio titulado por documentação pré-elaborada que assinou na ignorância de que na mesma data e ocasião havia assinado dois contratos de mutuo, um com hipoteca outro sem, representando, por isso, de forma inexacta as circunstâncias do negócio, tendo esse erro ( vício da vontade ) sido determinante na decisão de aceitar ser fiador, uma vez que se tivesse conhecimento de que parte da responsabilidade que estava a assumir não estava garantida pela hipoteca do imóvel  não teria aceite ser fiador.
         A agora invocada falta de consciência de aceitar prestar a fiança em causa nos autos, efectivamente contemplada no citado Art. 246º do C.C., nada tem que ver com o erro sobre a inexactidão das circunstâncias do negócio, pois que, enquanto a primeira das apontadas situações pressupõe a falta de consciência de declaração absoluta, já a segunda pressupõe que existiu consciência de emitir uma declaração negocial ( a qual se quis emitir ) mas com falta ou errada representação das qualidades daquilo sobre que versa o negócio, essencial, porque atinge os motivos determinantes da vontade.
Sendo os recursos ordinários de revisão ou de reponderação da decisão recorrida, não de reexame, o objecto do recurso é constituído por um pedido que tem por objecto a decisão recorrida - vide, neste sentido, Ribeiro Mendes, in Recursos em Processo Civil, Coimbra Editora, págs. 50 e 81.
Os tribunais de recurso não podem apreciar ou criar soluções sobre ‘matéria nova’” ( ainda Ribeiro Mendes, in obra citada, pág. 51).
É “ constante a jurisprudência no sentido de que aos tribunais de recurso não cabe conhecer de questões novas (o chamado ius novorum), mas apenas reapreciar a decisão do tribunal a quo, com vista a confirmá-la ou revogá-la.”- cfr. Lebre de Freitas e Ribeiro Mendes, in CPC Anotado, vol. 3º, 2ª edição, Coimbra Editora, 2008, pág. 8.
Estes autores acrescentam que “[o]s tribunais de recurso podem, porém, conhecer de questões novas que sejam de conhecimento oficioso […]”, mas a questão que agora em sede de recurso o oponente deduz não tem nada a ver com questões de conhecimento oficioso.
         Donde se conclui não ser de apreciar a questão da falta de consciência de aceitar prestar a fiança em causa nos autos.

         III-     Vejamos, agora, se poderá proceder a pretensão do apelante assente na representação errada das circunstâncias do negócio, e se esse erro foi determinante na decisão de aceitar prestar a fiança em causa nos autos.  
Na sentença recorrida discorreu-se que “... não resultou provado que, se o oponente tivesse conhecimento de que parte da responsabilidade que estava a assumir não se encontrava garantida pela hipoteca do imóvel, não teria aceite ser fiador, pelo que, ainda que provados os factos em 12. e 13. da matéria assente -“o oponente ignorava que naquela data e ocasião havia assinado dois contratos”e “o oponente aceitou ser fiador estando convencido que existia uma hipoteca sobre o imóvel que garantiria em primeiro lugar o empréstimo e que só viria a ser acionada a fiança depois de vendido o imóvel e em caso de insuficiência do resultado da venda” – do que resultou provado, apenas podemos concluir que a ignorância do referido no quesito 8.º da B.I., não foi decisiva para o levar a aceitar constituir-se fiador da executada. Ou seja, tendo em conta que não se provou o acima referido, conclui-se que o oponente teria ainda assim, mesmo com o conhecimento daqueles factos, celebrado o negócio, pois isso não o impediria de aceitar ser fiador. Nestes termos, não ocorre pois erro-vício por parte do oponente, pelo que não pode o negócio considerar-se anulável, ou modificável nos termos do n.º 2 do artigo 252.º do Código Civil. “
            Visto que na sequência da impugnação da matéria de facto deduzida pelo apelante no presente recurso veio este tribunal de recurso a decidir-se pela prova da factualidade vertida no mencionado quesito 8º, ou seja, que se o oponente tivesse conhecimento de que parte da responsabilidade que estava a assumir não se encontrava garantida pela hipoteca do imóvel, não teria aceite ser fiador, vejamos então se poderá proceder a pretensão por aquele deduzida no sentido da invalidade da fiança por ele prestada.
         Como refere Castro Mendes in Teoria Geral do Direito Civil, vol. II. AAFDL, 1995, p. 106, “a ordem jurídica exige que a vontade se haja formado de um modo julgado normal e são, ou seja, livre, esclarecida e ponderada. Ao esclarecimento opõe-se o erro, um dos principais vícios na formação da vontade, a par do medo ou coação moral e da incapacidade acidental”.
            « O negócio jurídico apenas pode desempenhar as suas funções quando a vontade, que se manifesta através da declaração negocial, se formou de uma maneira esclarecida, assente em bases correctas, e livre, sem deformações provindas de influências exteriores. Se a vontade não se formou esclarecida e livremente, ela está viciada. Na sequência do vício, que fere a vontade, também a declaração negocial em que esta se manifesta fica viciada» - cfr. Heinrich Ewald Horster in A Parte Geral do Código Civil Português, Teoria Geral do Direito Civil, 6ª reimpressão, Almedina, pág. 567.
         A vontade não viciada é a vontade esclarecida e livre, mas que pode deixar de o ser quando se determina por defeituoso conhecimento da causa, como acontece no caso do erro.
         Segundo Menezes Cordeiro, in Tratado de Direito Civil Português, I, Parte Geral, Tomo I, 3ª ed., Coimbra, 2005, pág. 807, o erro consiste em “ignorância ou falsa representação de uma realidade que poderia ter intervindo ou interveio entre os motivos da declaração negocial. A declaração é uma decisão volitiva, precedida no plano psicológico de uma deliberação, rápida ou demorada, em que o possível autor se representa o possível negócio ou o seu circunstancialismo. Ora nesta representação podem faltar elementos, ou pode haver elementos que não correspondem à realidade”
         Já para Carvalho Fernandes, in Teoria Geral do Direito Civil, II, 4ª ed., Lisboa, 2007, p. 199, o erro “traduz-se numa representação inexacta ou na ignorância de uma qualquer circunstância de facto ou de direito que foi determinante na decisão de efectuar o negócio. Se estivesse esclarecido acerca dessa circunstância – se tivesse exacto conhecimento da realidade – o declarante não teria realizado o negócio ou não teria realizado o negócio nos termos em que o celebrou”.
         O erro “ implica uma avaliação falsa da realidade: seja por carência de elementos, seja por má apreciação destes” – vide, neste sentido, João de Castro Mendes, in Teoria Geral do Direito Civil, Vol. II, AAFDL, 1995, pag. 108/109, e Mota Pinto, in Teoria Geral do Direito Civil, Coimbra Editora, 1976, pág. 387, decorrendo, segundo o primeiro de tais autores, in ob. cit. pag. 109, de uma situação em que “a vontade real formou-se em consequência do erro sofrido pelo declarante. Se não fosse ele, a pessoa não teria pretendido realizar o negócio, pelo menos nos termos em que o efectuou”.
            O erro pode referir-se à pessoa do declaratário, ao objecto de negócio, aos motivos do negócio ou à base do negócio.
         No que concerne ao objecto do negócio, que, a nosso ver, é o que está em causa na situação em vertente, é o que recai ou sobre a identidade do objecto, ou sobre a sua substância, ou sobre as suas qualidades essenciais – vide neste sentido Rodrigues Bastos, in Relações Jurídicas, 3º, pag. 99.
         O objecto abrange também o conteúdo do negócio, como refere Menezes Cordeiro, in ob. cit, pag. 614.
No caso em apreço provou-se, entre o mais, que: em 2002, a executada pediu ao oponente, a título de favor, que assumisse a posição de fiador num contrato de empréstimo que pretendia contrair para adquirir um apartamento na Lousã; o oponente aceitou por julgar que a sua responsabilidade seria diminuta na medida em que seria constituída a favor da entidade bancária uma hipoteca sobre o imóvel que garantiria em primeiro lugar o pagamento da dívida; por título particular outorgado em 20/09/2002, o Banco exequente concedeu à executada M (…) um empréstimo no valor de 9.975,96 €, o qual venceria juros à taxa Euribor a 6 meses, acrescida de spread de 3,3% e demais condições constantes do aludido título; o executado J (…) subscreveu o dito contrato naquela data, constituindo-se fiador e principal pagador, com renúncia ao benefício da excussão prévia, da dívida contraída pela executada; o oponente aceitou ser fiador estando convencido que existia uma hipoteca sobre o imóvel que garantiria em primeiro lugar o empréstimo e que só viria a ser accionada a fiança depois de vendido o imóvel e em caso de insuficiência do resultado da venda; se o oponente tivesse conhecimento de que parte da responsabilidade que estava a assumir não se encontrava garantida pela hipoteca do imóvel não teria aceite ser fiador.
Perante tal factualidade, dúvidas não restam, a nosso ver, de que estamos em presença de um erro sobre o objecto do negócio, previsto no Art. 251º do CC.
Preceitua tal normativo legal que « o erro que atinja os motivos determinantes da vontade, quando se refira à pessoa do declaratário  ou ao objecto do negócio, torna este anulável nos termos do artigo 247º ».
O erro acerca do objecto do negócio só é relevante para anular o negócio quando, pelo menos, o declarante ignora ou tem uma falsa representação sobre as qualidades, daquilo sobre que versa o negócio, essencial, porque atinge os motivos determinantes da vontade, de tal modo que se ele conhecesse a realidade não teria, em absoluto, querido concluir o negócio, e o declaratário conhecia ou não devia ignorar a essencialidade para o declarante do elemento sobre que incidiu o erro.
         São, pois, dois, os requisitos da relevância do erro:
         - a essencialidade para o declarante do elemento sobre o qual incidiu o erro;
         - conhecimento ou dever de não ignorar essa essencialidade, por parte do declaratário.
            Quanto à essencialidade do erro, como pondera Mota Pinto, in ob. cit. pag. 508-509, “é corrente na doutrina a afirmação de que só é relevante o erro essencial, isto é, aquele que levou o errante a concluir o negócio em si mesmo e não apenas nos termos em que foi concluído. O erro foi causa (é indiferente tratar-se de uma situação de causalidade única ou de concausalidade) da celebração do negócio, e não apenas dos seus termos. O erro é essencial se, sem ele, se não celebraria qualquer negócio ou se celebraria um negócio com outro objecto ou de outro tipo ou com outra pessoa. (…).”
         Sobre a exigência do necessário esclarecimento refere Henrich Ewald Hörster, in ob. cit. pag. 563, que “(…) para que a anulação proceda, não se exige nem a desculpabilidade do erro, nem o conhecimento ou a possibilidade de conhecimento do erro por parte do declaratário. A declaração negocial pode ser anulável mesmo que o declaratário não conheça, nem razoavelmente deva conhecer, a existência do erro por parte do declarante. A anulabilidade respeita apenas à essencialidade do elemento sobre que o erro incide, mas não ao erro em si. O que conta é que o declatário sabe, ou deve saber, que o elemento afectado pelo erro é, em si, essencial, por decisivo, para o declarante (para que a declaração fosse feita como foi). Quer dizer, a anulabilidade existe em termos muito latos”.
         Como salienta - Antunes Varela, in RLJ, ano 107°, pg. 230, para que o errante possa anular o negócio, basta que o declaratário conhecesse ou não devesse ignorar que era essencial para aquele certo elemento, não se exigindo que o erro fosse conhecido ou cognoscível pelo declaratário.
            É ao interessado na anulação do negócio que incumbe a prova dos factos relativos à essencialidade e ao conhecimento - ou as circunstâncias que originem o dever de conhecer.
         Como a este propósito de refere no Ac. do STJ, de 15.05.2012, disponível em www.dgsi.pt, “a parte que errou tem, pois, para obter a anulação do negócio o ónus de demonstrar este duplo requisito: que se não tivesse ocorrido o erro, não o teria celebrado ou não o teria celebrado desse modo, e que a outra parte sabia ou não devia desconhecer que assim era. De outro, se o negócio jurídico pudesse ser anulado por erro sobre uma qualquer qualidade do objecto, que fosse essencial para a parte que errou, mas cuja essencialidade fosse surpreendente ou imprevisível, a contraparte no negócio ficaria injusta e excessivamente desprotegida e daí que o art.º 247º do Cód. Civil imponha à parte que invoca o erro o ónus de alegar e demonstrar que, nas circunstâncias do negócio, a outra parte conhecia, ou não devia ignorar, que o quid sobre o qual o erro incidiu era para ela essencial “.
Revertendo tais ideias para o caso sub judice temos que o recorrente pretendendo que se considere inválida a fiança por si prestada com base em erro, logrou para tanto provar esse erro - consistente no facto de aceitar prestar essa fiança por julgar que a sua responsabilidade seria diminuta na medida em que seria constituída a favor da entidade bancária uma hipoteca sobre o imóvel que garantiria em primeiro lugar o pagamento da dívida e de ter aceite ser fiador estando convencido que existia uma hipoteca sobre o imóvel que garantiria em primeiro lugar o empréstimo e que só viria a ser accionada a fiança depois de vendido o imóvel e em caso de insuficiência do resultado da venda -  assim como logrou provar a essencialidade, para ele,  a do elemento sobre o qual incidiu o erro -  porquanto, logrou provar-se que se o oponente tivesse conhecimento de que parte da responsabilidade que estava a assumir não se encontrava garantida pela hipoteca do imóvel não teria aceite ser fiador.
         Acontece que para desencadear o efeito anulatório da fiança prestada pelo oponente era necessário, para além da referida essencialidade, que efectivamente logrou provar-se, que aquele oponente lograsse provar que o banco exequente conhecesse ou não devesse ignorar a essencialidade, para o declarante, do elemento sobre que incidiu o erro, o que efectivamente não logrou provar-se, tanto mais que nem sequer foi alegado, incumbindo essa alegação e prova ao oponente.
          Assim sendo, naufraga a pretensão recursória relativa à invalidade da fiança com base em erro.
        
         IV- Resta, ainda, apreciar se a exequente faltou ao dever de informação das clausulas dos contratos ( artº6, nº1 do Decreto-Lei nº 446/85, de 25 de Outubro) e se, por força disso, se verifica a invalidade da fiança.
A 1ª instância, entendendo que o oponente pretendia, com tal fundamento aduzido em sede de oposição à execução referir-se à utilização de cláusulas contratuais gerais por parte das entidades bancárias em contratos de mútuo como aquele que foi celebrado com a executada, no qual o oponente se constituiu fiador, e às exigências legais a observar por tais entidades face à utilização de contratos pré-elaborados, como se estipula o Decreto-Lei n.º 446/85 de 25 de Outubro, com a redacção que lhe foi atribuída pelo Decreto-Lei n.º 323/2001, de 17 de Dezembro, acabou por considerar – depois de chamar à colação o que se dispõe em tal diploma, mormente nos Arts. 5º e 6 º do mesmo -  que “ o próprio oponente refere que as cláusulas dos contratos lhe foram comunicadas pois que foram entregues ao oponente as minutas dos mesmos para que as lesse antes de concordar e assinar, pelo que, o dever de comunicação das cláusulas contratuais se cumpriu com essa entrega antecipada das minutas por parte do Banco. O oponente afirma na petição inicial, que começou a ler as clausulas mas dada a linguagem técnica que possuíam, desistiu da sua leitura. No entanto, se o oponente entendesse que deveria questionar o Banco acerca do significado daquelas minutas e cláusulas nelas inseridas, teria este a obrigação de o esclarecer, conforme preceitua o artigo 6.º do citado diploma. 
 O opoente alega ainda a sua fraca escolaridade e com isso o seu desconhecimento do significado do que ia assinar, bem assim de que se obrigava em dois contratos para o mesmo fim, compra e venda de um imóvel pela executada. No entanto o oponente sabe lêr e mais, poderia e deveria ter colocado as questões que necessitasse para uma melhor compreensão, tanto relativamente à finalidade daquelas minutas, uma vez que eram dois contratos em vez de um, ainda que fossem sobre o mesmo objeto, como relativamente ao teor das cláusulas nelas insertas. Mas nada disso o oponente fez, ao invés de pedir que lhe explicassem o porquê da existência daquelas minutas e o significado das cláusulas que não compreendia, limitou-se a assinar mesmo sem as compreender e desconhecendo o que assinava.
Por outro lado, ficou provado que foi explicado ao oponente que ia ser fiador num empréstimo bancário para compra de um apartamento, pelo que, aquilo que o oponente não compreendia tinha aqui oportunidade de perguntar, mas não o fez mais uma vez.  
A consequência dessa falta de diligência do aderente, leva a que não possa valer-se da sua falta de compreensão do teor das cláusulas do contrato que lhe foram comunicadas, para com essa justificação ver anulado o contrato que assinou. Com igual entendimento, pode ver-se o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 24.03.2011 (Relator Granja Fonseca):“(…) não se justifica que a protecção concedida à parte mais fraca fosse ao ponto de abarcar as situações em que a falta de conhecimento das cláusulas apenas decorreu de um comportamento negligente ou pouco diligente dessa parte que, apesar de ter sido colocado em posição de conhecer essas cláusulas, não teve qualquer preocupação em assegurar-se do seu teor.(…)”, acessível em www.dgsi.pt.  “
A primeira observação que nos merece o assim decidido prende-se, desde logo, com a aplicação do regime das cláusulas contratuais gerais previsto pelo Dec. Lei 446/85 de 25 de Outubro, com a redacção que lhe foi atribuída pelo Decreto-Lei n.º 323/2001, de 17 de Dezembro, ao contrato de mutuo afiançado pelo executado e ora recorrente dado à execução.
         Com efeito, em face da factualidade provada ficam-nos sérias dúvidas quanto à possibilidade de poder qualificar tal contrato como contrato de adesão, tendo em conta a definição doutrinal deste, como aquele em que um dos contraentes, não tendo a menor participação na preparação das respectivas cláusulas, se limita a aceitar o texto que o outro contraente oferece, em massa, ao público interessado – neste sentido, vide, Antunes Varela, in Das Obrigações em Geral, 7ª edição, pág. 262 -, ou que, nas palavras de Mota Pinto, in Teoria Geral de Direito Civil, 3ª Edição, “É aquele em que uma das partes, normalmente uma empresa de apreciável dimensão, formula unilateralmente as cláusulas negociadas (no comum dos casos, fazendo-as constar de um impresso ou formulário) e a outra parte aceita essas condições, mediante a adesão ao modelo ou impresso que lhes é apresentado, não sendo possível modificar o ordenamento negocial apresentado”.
         É certo que o banco recorrido não questiona na contestação que apresentou nos autos a qualificação jurídica de contrato de adesão em relação ao contrato de mutuo dado à execução em relação ao qual o executado defende na oposição que deduziu á execução a aplicação do regime das clausulas contratuais gerais, mas a verdade é que o tribunal não está vinculado ao enquadramento jurídico feito pelas partes nos articulados.
         No caso em vertente não resulta, com base no acervo fáctico considerado na sentença recorrida, matéria factual bastante que permita qualificar juridicamente como contrato de adesão o contrato de mutuo afiançado pelo executado dado à execução, sendo que a era sobre este que impendia o ónus de alegação e prova dos factos pertinentes para o efeito ( Art. 342º Nº1 do CC ).
         Tanto bastaria para naufragar a pretensão do recorrente de ver considerada a invalidade da fiança por si prestada por incumprimento pelo banco exequente do dever de informação das clausulas contratuais.
Mesmo que assim se não entendesse e, ao invés, fosse de enquadrar na categoria dos contratos de adesão o contrato de mútuo afiançado pelo oponente sempre teria de improceder tal pretensão do recorrente, por sufragarmos o entendimento expendido na sentença a propósito da falta de diligência do executado, enquanto aderente, e ao facto de ao mesmo não poder aproveitar a falta de compreensão do teor das cláusulas do contrato que lhe foram comunicadas para, com essa justificação, ver anulado o contrato que assinou.
         Conforme defende Almeno de Sá, in Cláusulas Contratuais Gerais e Directiva sobre Cláusulas Abusivas, pag. 197, a obrigação que incumbe ao proponente das cláusulas consiste em que a comunicação efectuada tenha tornado possível ao aderente, no momento da conclusão do contrato, tomar conhecimento, de forma completa, do clausulado, se a sua conduta tivesse obedecido ao padrão de diligência exigível.
         Como se afirma no Ac. da Rel. de Lisboa, de 16.12.2009, in www.dgsi.pt, "o objectivo do legislador foi apenas o de proteger a parte mais fraca de eventuais abusos da parte mais forte e não o de proteger a parte mais fraca da sua falta de diligência. Embora considerando que o aderente está numa situação de maior fragilidade, face à superioridade e poder económico da parte que impõe as cláusulas – por isso lhe concedendo protecção – o legislador não tratou o aderente como pessoa inábil e incapaz de adoptar os cuidados que são inerentes à celebração de um contrato e por isso lhe exigiu também um comportamento diligente tendo em vista o conhecimento real e efectivo das cláusulas que lhe estão a ser impostas. Daí que o contratante não possa invocar o desconhecimento dessas cláusulas, para efeitos de se eximir ao respectivo cumprimento, quando esse desconhecimento apenas resultou da sua falta de diligência, como acontece nas situações em que o contraente foi colocado em posição de conhecer essas cláusulas – porque lhe foi entregue, para assinatura, a minuta onde constavam essas cláusulas – e assina essa minuta sem ler o que estava a assinar e sem ter qualquer preocupação de se assegurar do respectivo teor".
         Sobre a violação do dever de informação, deve referir-se que do Art. 6º do citado Dec. Lei 446/85 " não decorre que o predisponente das cláusulas tenha a obrigação de explicar a cada cliente, uma por uma, cada uma das cláusulas e o seu significado (porventura complexo)" –neste sentido, vide Ana Prata, in Contratos de Adesão e Cláusulas Contratuais Gerais, pag. 255.
         Como afirmam Almeida Costa e Menezes Cordeiro, in Cláusulas Contratuais Gerais, pag. 25, quem utiliza as cláusulas deve "por força do nº 1, além de comunicar o respectivo conteúdo, informar o aderente do seu significado e das suas implicações. A intensidade e o modo de executar esse dever dependem das particularidades do caso concreto, tendo em conta, nos termos gerais, as necessidades sentidas por um aderente normal, colocado na situação considerada".
            Como se observa no Acórdão do STJ de 20.01.2010, disponível em www.dgsi.pt,, a prestação de esclarecimentos, "pressupõe, como é lógico, uma iniciativa do aderente nesse sentido, vale dizer, pode prescindir do direito de os pedir ou exigir, seja por se considerar suficientemente esclarecido, seja por qualquer outro motivo".
No caso em vertente logrou provar-se que foi explicado ao oponente que ia ser fiador num empréstimo bancário para compra de um apartamento na Lousã e que devido à sua fraca formação (4.ª classe) e ao vocabulário constante do contrato, o oponente não conseguiu entender o seu significado, tendo assinado os documentos onde lhe foi indicado pelo funcionário do banco.
De tal factualidade infere-se que houve falta de diligência por parte do oponente, pois que, para além da explicação que lhe foi dada de que ía ser fiador num empréstimo bancário para compra de um apartamento, sempre teve o mesmo oportunidade de perguntar mais pormenores sobre o conteúdo dos documentos antes de os ter assinado.
Daí que, como se concluiu na sentença recorrida, não possa o oponente invocar com êxito o desconhecimento de cláusulas do contrato de mutuo que afiançou para efeitos de se eximir ao cumprimento das sua obrigações como fiador, quando esse desconhecimento apenas resultou da sua falta de diligência.
            Improcedem, pois, as conclusões do recurso atinentes à falta do dever de informação por parte da exequente.
            E, assim sendo, improcede a oposição deduzida, conforme decidido na sentença recorrida.
 
         IV- Sumário ( Art. 713º Nº7 C.P.C. )
         1. A vontade não viciada é a vontade esclarecida e livre, mas que pode deixar de o ser quando se determina por defeituoso conhecimento da causa, como acontece no caso do erro
         2. O erro sobre o objecto do negócio é o que recai ou sobre a identidade do objecto, ou sobre a sua substância, ou sobre as suas qualidades essenciais, abrangendo esses objecto também o conteúdo do negócio.
         3. Os dois requisitos da relevância do erro são: a essencialidade para o declarante do elemento sobre o qual incidiu o erro e o conhecimento ou dever de não ignorar essa essencialidade, por parte do declaratário.
4. É sobre o aderente que impende que impendia o ónus de alegação e prova dos factos pertinentes a qualificação do contrato como contrato de adesão.
5. O aderente não pode invocar, com êxito, o desconhecimento de cláusulas do contrato de mutuo que assinou para efeitos de se eximir ao cumprimento das suas obrigações, quando esse desconhecimento apenas resultou da sua falta de diligência.
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         V- Decisão
         Assim, em face do exposto, acorda-se em julgar improcedente o recurso interposto pelo apelante e confirmar a decisão recorrida.
         - Custas pelo apelante.
                                               Coimbra, 2013.12.03

                                               Maria José Guerra (Relatora)
                                               Carvalho Martins
                                               Carlos Moreira