Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
25/08.8FDCBR-B.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: ALCINA DA COSTA RIBEIRO
Descritores: COMPETÊNCIA POR CONEXÃO
Data do Acordão: 02/19/2014
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DE TORRES NOVAS (2.º JUÍZO)
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO CRIMINAL
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTIGOS 24.º, 25.º, 27.º, 28.º E 31.º, DO CPP
Sumário: I - A decisão sobre a fixação de competência, seja ela qual for, pressupõe sempre o conhecimento das razões que a fundam, não se podendo autonomizar a decisão dos seus fundamentos.
II - É o que sucede, nomeadamente, no caso da competência por conexão, em que os fundamentos que a determinam estão elencados, de um lado, no art. 24.º, e, de outro, nos arts. 25.º, 27.º, 28.º e 31.º, todos do CPP.
Decisão Texto Integral: Acordam, em Conferência, na 5ª Secção Criminal do Tribunal da Relação de Coimbra
 
I - RELATÓRIO
1 – No âmbito do processo comum, com intervenção do tribunal Singular, que corre termos pelo 2º Juízo do Tribunal Judicial de Torres Novas, requereu o arguido, A..., melhor identificado nos autos, a apensação destes autos ao processo crime que corre termos no Tribunal Judicial de Loures, 1º Juízo, com o nº 505/2004.4 PHLRS, por factos decorrentes da mesma acção, requerimento que foi indeferido, por despacho judicial datado de 04.04.2013, porquanto os dois processos não se encontravam na mesma fase processual.
2 – Não concordando com esta decisão recorre o arguido, extraindo da respectiva motivação as seguintes conclusões:
1ª – Os dois processos, à data do pedido de apensação dos autos, estavam na mesma fase.
2ª – A informação certificada de Loures mencionando que os autos 505/04.4PHLRS se encontravam na mesma fase de julgamento está incorrecta e é inveridica.
3ª – O pedido de apensação mostra-se devidamente instruído e com os requisitos legais preenchidos e o douto despacho recorrido mostra-se fundamentado em erro e informação inverídica, pelo que deve ser revogado, pois violador do direito do recorrente.
4ª – O pedido de apensação não retardava o normal andamento dos autos.
5ª – Com o pedido de apensação, não há qualquer perigo de negação da função punitiva do Estado.
6ª – Estão verificados os requisitos da apensação destes autos aos autos com o nº 505/04.4PHLRS e o despacho recorrido porque assente em informação errada e inveridica não os contraria, nem poderia contrariar.
7ª – Deve, pois, ser revogado o despacho recorrido e, ordenar-se a apensação destes autos ao processo que corre termos pelo Tribunal de Loures.
3– Admitido o recurso, fixado o respectivo regime de subida e efeito foram os autos remetidos a este Tribunal.
4 -  Nesta Relação, o Digno  Procurador – Geral Adjunto pronunciou-se no sentido da sua improcedência.
5 - Cumprido o disposto no artigo 417.º, n.º 2 do CPP e colhidos os vistos, cumpre, agora, decidir.

II – THEMA DECIDENDUM
As questões a decidir consistem em saber se:
1 – A decisão é nula por falta de fundamentação;
2 – Existiu erro de valoração da prova
3 – Se verificam os fundamentos para apensação destes autos processo nº 505/04.4PHLRS.

III – OCORRÊNCIAS PROCESSUAIS RELEVANTES PARA A DECISÃO
- No processo comum, com intervenção do Tribunal Singular, que corre  termos pelo 1º Juízo Criminal de Loures, com o nº  505/04.4PHLRS, foi proferido despacho de pronúncia, entre outros, contra o aqui arguido, imputando-lhe a prática de dois crimes de exploração ilícita de jogo prevista e punida pelo art. 108º, nº 1 do Decreto-Lei nº 422/89, de 2.12, por referência aos art. 1º, 3º, nº 1 e 4º, nº 1, al. g) todos do mesmo diploma legal.
- Em 7 de Janeiro de 2011 foi proferido despacho, nos termos e para os efeitos do disposto no art. 311º, nº 1 do Código de Processo Penal.
- O recurso interposto por B... foi julgado improcedente.
- O aqui arguido requereu, também, naquele processo, a apensação destes autos, requerimento que aguarda a prolação desta decisão.
- No processo que corre em Loures foi ordenada a separação do mesmo em relação ao arguido A... .
- Nestes autos, o arguido encontra-se acusado da prática de dois crimes de exploração ilícita de jogo, p. p. pelos art.s 1º, 3º e 108º, daquele mesmo diploma, por factos que terão sido praticados em Abril e 16 de Junho de 2008.
- O processo encontra-se na fase de julgamento.

IV – DO MÉRITO DO RECURSO
1 – Nulidade da decisão
Invoca o Recorrente a falta de fundamentação da decisão recorrida.
Porém os argumentos que aduz direccionam-se para o erro de julgamento do tribunal a quo na apreciação da factualidade que integrou juridicamente a decisão, ou seja, impugna aquela matéria.
Com efeito, as razões do arguido não assentam na falta de fundamentação, mas antes, na errada valoração que o tribunal recorrido fez da informação dada pelo Tribunal de Loures, este deu como assente que o processo nº 505/04.4PHLRS se encontrava na fase de instrução.
Aliás, o próprio Recorrente indica os documentos (meios de prova) que, em seu entender, impõem uma decisão diferente.
Além de que, basta uma leitura do despacho em crise para se concluir que se encontra fundamentado de facto e de direito, cumprindo o disposto a exigência do art. 97º, nº 5 do Código de Processo.
Aí se indica que, de acordo com a certidão  remetida pelo Tribunal de Loures, se tem por certo que o processo  nº 505/04.4PHLRS se encontra na fase de instrução, aguardando-se decisão sobre o recurso interposto da decisão de pronúncia ao qual foi fixado efeito suspensivo.
Ou seja, enumerou o facto provado e as razões pelas quais  assim o julgou.
   Depois, conjugando esta factualidade com outro facto – os presentes autos encontram-se na fase de julgamento – conclui de direito: O nº2 do art. 24º do Código de Processo penal impede, nestes casos, a apensação.
Estas foram, assim, as razões fundamentadas (de facto e de direito) do indeferimento da apensação.
Carece, assim, de razão a alegada falta de fundamentação do despacho recorrido.

2 – Erro de valoração da prova
A decisão recorrida com fundamento no teor do oficio do Tribunal de Loures datado de 14 de Janeiro de 2013, conclui que o processo nº 505/04.4PHLRS não estava, ainda, na fase de julgamento.
 A informação que consta do dito ofício tem o seguinte teor:
«Os nosso autos de Processo Comum (Tribunal Singular) nº 505/04.4PHLRS encontram-se a aguardar decisão de recurso interposto por B..., o qual foi fixado com efeito suspensivo, pelo que, ainda não se procedeu à realização da audiência de julgamento.
Mais se envia certidão do despacho de pronúncia proferido pela Meritíssima Juiz de Instrução do Tribunal de Loures».
Não indica, nem esclarece qual a fase processual do dito processa.
Se, de um lado, a remessa do despacho de pronúncia conjugada com a interposição do recurso poderia sugerir que se encontrava, ainda, na fase processual de instrução, por outro, a referência à não realização de julgamento por via do recurso interposto, poderia também indiciar que se encontrava na fase de julgamento.
Perante esta dúvida, deveria o tribunal recorrido ter esclarecido aquela informação, tanto mais que o recurso interposto do despacho de pronúncia não respeitava ao arguido.
E, se o não fez, por estar convicto que o processo que corria no Tribunal de Loures estava na fase da instrução, poderia (e, quanto a nós, deveria) ter sanado a dúvida, no momento em que o arguido, em sede de recurso a suscitou, com a junção de documentos emanados do processo de Loures, sendo certo, que nesse momento, era visível a desconformidade do facto que sustentou a decisão recorrida, com a verdade processual de ambos os processos.
Para tanto, bastaria recorrer à faculdade prevista no nº 4 do art. 414º do Código de Processo Penal – reparar o erro cometido – evitando, assim, não só o atraso na da decisão, mas também todos os actos processuais subsequentes inúteis, como sejam a separação de processos em relação ao arguido, ordenada no processo 505/04.4PHLRS, com a realização de dois julgamentos.
A informação, que o Tribunal Loures acaba de nos prestar, atesta, indubitavelmente, que o processo entrou na fase de julgamento com a prolação do despacho a que alude o art. 311º, nº 1 do Código de Processo Penal, ou seja, em 7 de Janeiro de 2011.
O mesmo é dizer que à data da prolação do despacho recorrido – 4 de Abril de 2013 – estava na mesma fase que este processo de Torres Novas.
Donde, a decisão sobre o estado em que se encontrava o processo nº 505/04.4PHLRS foi erradamente valorada, podendo e devendo – art. 412º, nº3 e 431º , nº1, al. a) do Código de Processo Penal - ser substituída por outra que, julgue aqueles autos se encontravam, em 4 de Abril de 2013, na fase de julgamento, o que se decide.
 
3 – Fundamentos da apensação

3.1 – A conexão de processos: Tribunal competente para a determinar
É por demais conhecido o princípio geral, segundo o qual, a cada crime corresponde um processo e um julgamento, para o qual é competente o tribunal  definido, em função das regras da competência.
A este propósito, cf., entre outros, na doutrina, Cavaleiro Ferreira, Lições de Processo Penal, 1985-1986 e Figueiredo Dias, Direito Processual Penal, 1974, 1º, volume e na jurisprudência, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 6.10.2004 e do Tribunal da Relação da Lisboa, de 19de Outubro de 2010 (in www.dgsi.pt).
«A lei, permite, porém, que esta regra seja alterada, organizando-se um só processo para uma pluralidade de crimes, desde que entre eles exista uma ligação que torne conveniente para a melhor realização da justiça que todos sejam apreciados conjuntamente».
As vantagens de atribuir a um mesmo tribunal (ou juiz) a possibilidade de julgar os casos em que vários crimes eram cometidos pela mesma pessoa ou por várias pessoas foram sendo reconhecidas, paulatinamente, ao longo do tempo, remontando - como explica José Lobo Moutinho, in a Competência por conexão no Novo Código de Processo Penal, 1992, Direito e Justiça - Revista da Faculdade de Direito da Universidade Católica Portuguesa - ao direito Romano, estando presentes nas Ordenações, nas Reformas Judiciárias do século XIX e no Código de Processo Penal de 1929.
A ligação entre os vários crimes que justificam o processamento e julgamento conjunto é designada pela doutrina, por conexão, que, no Código de Processo Penal actual, é enquadrada na competência do juiz ou do tribunal - Secção III, Capitulo II, Titulo I,  do primeiro Livro da Primeira Parte do Código de Processo Penal.
A conexão de processos está, nesta inserção sistemática, correlacionada com a competência do tribunal, dependendo da existência vários crimes com uma concreta ligação – subjectiva (o mesmo agente) ou objectiva (vários crimes) -  a justificar  a unificação de julgamento por um só tribunal.
A conexão de processos prefigura-se, assim, em dois momentos: no primeiro, verifica-se, em concreto, os pressupostos para a unificação, organização de um só processo (art. 24º, 25º, 26º, 29º e 30º do Código de Processo Penal) e, só depois, se fixa a competência do tribunal para julgar o processo já unificado (art.s 27º, 28º e 31º daquele diploma legal). A determinação da competência do tribunal para apreciar e julgar o processo único depende necessariamente da relação fundamento que justifica a junção dos vários processos num só. Sem este não se pode apreciar aquela.
Como ensinava Cavaleiro Ferreira – ob. citada, pág.s 180 e 181 – :
«haverá que definir a pluralidade que pode fundamentar o julgamento conjunto; e haverá que determinar qual o tribunal competente, quer em razão da matéria, quer em razão do território».
Nesta perspectiva, coloca-se, então, a questão de saber, a quem compete decidir da verificação dos pressupostos da conexão, tanto mais, que há quem defenda – como o faz o tribunal recorrido -  que a lei defere tal competência ao tribunal onde penda o processo a que os demais devam ser apensados, com fundamento na aplicação subsidiária do regime da apensação de acções definida no art. 275º, nº 3 do Código Processo Civil de 1961.
Dispõe este normativo, (actual art. 267º, 3) que a junção de processos, «deve ser requerida ao tribunal perante o qual penda o processo a que os outros tenham de ser apensados».
Consequentemente, será este o tribunal que apreciará os pressupostos da apensação, quando aquela é suscitada pelas partes.
A questão da apensação deve ser resolvida no processo a que os outros devem ser apensados.
Neste sentido, cf. José Alberto dos Reis, Comentário ao Código de Processo Civil,  volume 3º, 1946, página 216.
Indica, assim, aquele dispositivo legal, que a decisão sobre os fundamentos da apensação, em processo civil, quando suscitada pelas partes, pertence ao Tribunal aonde correm os autos a que os demais sejam apensados.
Esta norma civilista só poderia ser chamada à colação, por via do disposto no art. 4º, nº 3, do Código de Processo Penal, que determina:
«Nos casos omissos, quando as disposições deste Código não puderem aplicar-se por analogia, observam-se as normas do processo civil que se harmonizem com o processo penal e, na falta delas, aplicam-se os princípios gerais do processo penal».
Uma das formas de integração de lacunas é, depois da analogia, a harmonização entre as normas processuais civil e as do processo penal.
E, embora se possa dizer que há um paralelismo, entre os dois direitos processuais - ambos são constituídos por um conjunto de normas que regulam a aplicação de direito substantivo (o processo civil está para o direito civil, como o processo penal está para o direito penal) – ainda, assim, há que ter em conta as especificidades da natureza e fins do direito penal, bem diferentes das do direito civil.
«Confere-se, assim, às normas legais do processo civil o estatuto de direito subsidiário, todavia sob condição de se demonstrar a sua harmonia, no caso, com os princípios do processo penal.
Que o recurso a estes princípios, como fonte de integração, seja obrigatoriamente antecedido pelo recurso às normas de processo civil é uma concessão explicável à maior certeza e segurança que estas (já legalmente formuladas) oferecem perante aqueles (necessariamente abstractos). Que, por outro lado, se requeira a harmonia entre as normas do processo civil e os princípios do processo penal é exigência que bem se aceita perante as diferenças estruturais e funcionais que vimos intercederem entre estes dois tipos de processo. Compreende-se, pois (e a nossa jurisprudência bem se tem dado conta disso) que todo o cuidado não seja demais antes que se confira a uma norma de processo civil função integrante de uma lacuna do direito processual penal» Figueiredo Dias, ob. citada página 98.
No caso dos autos, pugnamos, salvo melhor opinião, que, neste particular, não existe qualquer lacuna a preencher com as regras de processo civil.
Com efeito, a conexão de processos é, como se disse, tratada, no processo penal, como uma questão de competência.
Os art. 27º, 28º e 31º do Código de Processo Penal, atribuem competência a um tribunal, nos casos em que a prática de vários crimes devam ser processados em conjunto, num único processo ou por apenso (art. 29º).
Ou seja, quando existam vários crimes praticados nas condições previstas nos art.s 24º e 25º do Código de Processo Penal, a competência do tribunal para processar e julgar todos eles, é definida nos termos do art.s 27º, 28º, e 31º do mesmo diploma. Dito de outro modo, a fixação da competência para julgar os vários crimes que, por via da conexão, devem juntar-se num único processo, depende necessariamente da verificação do respectivo  fundamento – a verificação dos casos de conexão.
Não há, como defende José Lobo Moutinho – ob. citada pág. 171 e 172 - «processamento conjunto (seja em que sentido for) sem competência por conexão e, por isso, não é de distinguir entre processamento conjunto com e sem competência por conexão e muito menos que considerar um mais relativamente ao outro de modo a legitimar raciocínios a maiori ou a minori entre eles. (…)
«As regras da competência por conexão não resolvem, mas pressupõem resolvida a questão da admissão do processamento conjunto de uma pluralidade de crimes e, mesmo até, em que sentido é de entender o processamento conjunto.
Por ser assim, sempre que exista uma regra de competência por conexão relativamente que preveja uma pluralidade de crimes podemos concluir que tais crimes podem ser conjuntamente processados (embora tenhamos logo a seguir de colocar a questão de saber em que termos é de entender este processamento conjunto  e,  nomeadamente, caso seja admissível a distinção, se se trata de um caso de conexão ou de complexidade do processo) » .
Constituindo os casos de conexão de processos, o fundamento para apreciação da competência por conexão, pode e deve ser apreciada, oficiosamente, logo que no processo (seja ele qual for) conste a comprovação de uma das situações previstas nos art. 24º e 25º do Código de Processo Penal.
Dito de outro modo, não se poderá apreciar a competência por conexão sem apreciar os fundamentos da mesma. Da mesma forma que não se poderá conhecer outro tipo de competência – material, da hierarquia, territorial ou funcional -, sem apreciar os fundamentos que a determinam.
Apreciar os casos de conexão equivale a ponderar o próprio fundamento da competência do Tribunal por conexão, nos mesmos moldes em que se apreciam os fundamentos que determinam os outros tipos de competência.
A decisão sobre a fixação de competência, seja ela qual for, pressupõe sempre o conhecimento das razões que a fundam, não se podendo autonomizar a decisão dos seus fundamentos.
É o que sucede, por exemplo, nos casos de competência territorial, cujas regras gerais se encontram definidas no art. 19º do Código de Processo Penal, que só se pode determinar, depois, de previamente, se ter apreciado e decidido se o crime se consumou  ou não (nºs 1 e 4 ); se existem actos sucessivos ou reiterados ou apenas um susceptível de se prolongar no tempo, (nº 3).
Só depois de preenchidos estes conceitos se pode verificar em que área territorial foram praticados os factos e, consequentemente, determinar qual o tribunal territorialmente competente para dele conhecer. Uns e outros constituem os fundamentos deste tipo de competência.
Ora, no caso da competência por conexão, somos de parecer, salvo melhor opinião, que os fundamentos que a determinam estão elencados, de um lado, no art. 24º e, de outro, nos art.s 25º, 27º, 28ºe 31º, todos do Código de Processo Penal, não se podendo dissociar estes daqueles.
E, a ser assim, qualquer tribunal onde penda um dos processos respeitantes a um dos vários crimes, é o competente para verificar se a conexão de processos existe, – art.s  24º e 25º do Código de Processo Penal – e para definir a qual deles compete  a realização do processo conjunto – art.s 27º, 28º e 31º do mesmo diploma.
Donde, existe nenhuma lacuna a ser integrada com o art. 275º, nº 3 do Código de Processo Civil de 1961.
Mas ainda que assim não se entenda, sempre se dirá que este normativo, não pode ser transposto para o processo penal.
Desde logo, porque aquele preceito regula o regime da apensação das acções, quando tiver sido suscitada pelas partes, caso mostrem interesse atendível, e não já quando for conhecida oficiosamente pelo juiz.
Tal resulta da letra do art. 275º, nºs 1, 3 e 4 citados. O nº1 faz depender a unificação de vários processos num só, quando for requerido pela parte, sendo que a junção deve ser requerida ao tribunal perante o qual penda o processo a que os outros tenham de ser apensados (nº 3), podendo a apensação ser conhecida oficiosamente, quando se «trate de processos que pendem perante o mesmo juiz» (nº 4).
Ou seja, a apensação de processos, nos termos deste normativo, decorre por iniciativa das partes e não do juiz.
O fim do processo penal é a realização da justiça não podendo ser limitado pela vontade das partes.
«O direito penal deve ser aplicado em processo penal com a colaboração das partes, mas não especialmente em função das pretensões que formulam» - Cavaleiro Ferreira, ob. citada pág. 22 e 23.
Já o art. 275º, nº1 e 3, do Código de Processo Civil permite às partes, mediante a justificação de um interesse atendível, modificar subjectiva e objectivamente um processo pendente.
Ora, com tal entendimento, no âmbito do processo penal -  como se refere no Despacho do Exmº Sr. Vice Presidente da 3ª Secção do Supremo Tribunal de Justiça de 24 de Março de 2011 – www.dgsi.pt – estariam «as normas de competência por conexão (…) potencialmente feridas de morte na sua eficácia, por então dependerem sempre na sua aplicação da visão processual mais ou menos comprometida de um dos intervenientes.
A prevalência que deve ser dada àqueles interesses superiores da administração da Justiça, postula que a solução deva ser distinta da do processo civil, nomeadamente permitindo que a questão possa e deva ser suscitada indistintamente em qualquer dos processos em conexão».
Depois, porque o legislador não trata este tipo de apensação como uma norma de fixação de competência, mas sim como modificação da instância.
Tal resulta da inserção sistemática deste tipo de apensação, no Capítulo da Instância, Seu Começo e Desenvolvimento.
A instância deve, em princípio, manter-se a mesma, quanto às pessoas, ao objecto ou pedido e causa de pedir, podendo, contudo, sofrer as modificações subjectivas e objectivas previstas na lei processual (cf. art. 268º do Código de Processo Civil de 1961), sendo um destes casos, a apensação.
Apensação de acções (no sentido do art. 275º do Código de Processo Civil ) e conexão de processos (no processo penal)  têm diferente natureza e âmbito, não se podendo equiparar harmoniosamente, de forma a transpor a norma do processo civil, para a fixação da competência por conexão elencada nos art.s 24º a 31º do Código de Processo Penal. 
Em suma, os fundamentos para o processamento conjunto dos vários processos relativos a vários crimes constituem, também eles, um dos fundamentos de fixação de competência por conexão, podendo ser apreciados e decididos por qualquer um dos tribunais onde aqueles pendam.

3.2 – Casos de  conexão de processos
Tendo sido instaurados vários processos por várias infracções criminais, aqueles podem ser julgados em conjunto, se se verificarem as condições exigidas para que sejam conexionados, nos termos definidos pelos art.s 24º e 25º do Código de Processo Penal, aqui se prevendo, do ponto de vista processual, uma conexão subjectiva – quando os crimes tenham sido cometidos pelo mesmo agente –  e uma conexão objectiva – quando os vários crimes praticados por vários agentes estão, entre si, interligados.
O primeiro destes preceitos – o que interessa ao caso (os factos de um e outro processo não ocorreram na mesma comarca) – estatui, na parte relevante para a decisão, que há a conexão de processos quando:
«O mesmo agente tiver cometido vários crimes, na mesma ocasião ou lugar, sendo uns causa ou efeito de outros, ou destinando-se uns a continuar ou a ocultar os outros».
No caso dos autos, não vislumbramos, nem o Recorrente indica, como se pode considerar que os factos praticados pelo arguido na comarca de Torres Novas são efeito dos factos que praticou na zona de Loures, ou como é que aqueles se destinam a continuar ou a ocultar estes.
Na verdade, o comportamento do arguido relatado num e noutro processo é autónomo: No processo nº 505/04.4PHLRS é acusado, como co-proprietário de máquinas de jogo que funcionavam, em 2004, em estabelecimentos de hotelaria não autorizados pela forma e nas circunstâncias descritas a fls. 100 a 178.
Nestes autos, é o arguido acusado, enquanto gerente da “Finegames - Exploração e Exibição de Videogames, L.da”, sociedade a quem pertenciam as duas máquinas de jogo que estavam a funcionar no Café Sebastião, em Zibreira – Torres Novas, nas condições melhor descritas na acusação de fls. 2 a 13.
Por outro lado, entre os crimes imputados ao arguido no despacho de pronúncia do processo nº 505/04.4.PHLRS – dois crimes de exploração ilícita de jogo, p. e p. pelo art. 108º, nº 1 do Decreto Lei nº 422/89, de 2 de Dezembro (na redacção que lhe foi conferida pelo Decreto Lei nº 40/2005, de 17.02), por referência aos artºs 1º, 3º, nº1 e 4º, nº1, al. g), todos do mesmo diploma legal – e os crimes de que é acusado nestes autos – dois crimes de exploração ilícita de jogo, p. p. pelos art. 1º, 3º e 108º do Decreto Lei nº 422/89, de 2 de Dezembro, na redacção dada pelo D. L. nº 10/95, com as alterações introduzidas pela Lei nº 28/2004, de 16/07, D.L40/2005, de 17/02 e pela Lei nº 64/2008, de 31de Dezembro –, não se verifica qualquer ligação especial que possa sugerir uma actividade sequencial e prorrogada do comportamento do arguido em relação aos factos que praticou em 2004.
Acresce que, um e outro processo não corre na mesma comarca, afastando-se, assim, a aplicabilidade do art. 25º do Código de Processo Penal.
Ou seja, não está demonstrada nos autos, a conexão entre os dois processos, nos termos da al. b) do art. 24º supra mencionado, fundamento para o processamento e julgamento conjunto daqueles, o que leva ao indeferimento da requerida apensação pelo arguido.
Por outro lado, também, não vê (e o Recorrente não o indica)  como é que os crimes de que o arguido é acusado possam ter sido cometidos através da mesma acção, a outra causa de conexão de processos enunciada no art. 24º, nº 1, al. a) do Código de Processo Penal. 
Desta forma, embora com fundamentos diferentes, julga-se não provido o recurso, mantendo-se o despacho recorrido.
 
 V - DECISÃO
Por tudo o que ficou dito, acordam os Juízes, na 5.ª Secção Criminal do Tribunal da Relação de Coimbra, em julgar não provido o recurso.
Custas pelo arguido, com taxa de justiça que se fixa em 3 UCS.
Após trânsito, comunique esta decisão ao processo nº 505/04.4PHLRS.

Coimbra, 19 de Fevereiro de 2014

 (Alcina da Costa Ribeiro - relatora)

 (Cacilda Sena - adjunta)