Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
1560/14.4T8ACB-B.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: FERNANDO MONTEIRO
Descritores: PROCESSO ESPECIAL DE REVITALIZAÇÃO
PER
PLANO
PRAZO DAS NEGOCIAÇÕES
Data do Acordão: 12/15/2016
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE LEIRIA - ALCOBAÇA - JUÍZO COMÉRCIO - JUIZ 2
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTS. 17-A, 17-D, 17-F, 215 CIRE
Sumário: 1.No âmbito do processo especial de revitalização, o plano desta e a documentação relativa à sua aprovação devem ser apresentados no prazo das negociações.

2.Este é um prazo de caducidade, excluída esta da disponibilidade das partes, e a sua violação constitui inobservância não negligenciável de norma imperativa.

Decisão Texto Integral:





Acordam na 2ª secção cível do Tribunal da Relação de Coimbra:

A (…) e M (…) intentaram processo especial de revitalização.

Foi nomeado administrador judicial provisório.

O prazo das negociações foi prorrogado por um mês.

O processo foi encerrado por ter decorrido o prazo das negociações.


*

            Inconformados, os Requerentes recorreram e apresentam as seguintes conclusões:

1. A decisão recorrida foi proferida após a anterior sentença ter sido anulada pelo Douto acórdão proferido em 13.07.2016, por este Tribunal da Relação de Coimbra, nos presentes autos, por falta de fundamentação.

2. O douto Acórdão que anulou a primeira sentença decidiu que a decisão padece do vício da insuficiência, por omissão de elementos de facto, já que não concretiza factualmente a data da conclusão das negociações, como se obtiveram, nem sequer quando foi remetido o plano.

3. Consequentemente, a nova sentença sempre teria que incluir essa fundamentação.

4. Contudo, a sentença agora recorrida apenas menciona que “ ( . . . ) No caso dos autos, e como supra se referiu, a lista provisória foi publicada em 06.05.2015.Deste modo, o prazo para as impugnações terminava a 13/05/2015 (artigo 17ºD, n. 3, do CIRE) iniciando-se o prazo de 2 meses (que terminava a 14/07/2015) o qual foi

prorrogado por 30 dias. Ou seja, o prazo para a conclusão das negociações esgotou -se a 14/08/2015. A acta de abertura de votos e votação do plano de recuperação só foi apresentada nos autos a 03.09.2015. ( . . . ) Entendemos pois que se o plano de revitalização for apresentado nos autos posteriormente ao decurso do prazo, como sucede no presente, deve ser recusada a sua homologação ( . . . ) ”

5. A sentença agora recorrida , não concretiza factualmente quando foi enviado o plano (naturalmente aos credores para o poderem votar).

6. Não concretiza factualmente a data da conclusão das negociações.

7. Não concretiza factualmente como estas negociações se obtiveram.

8. Afirmar como o faz a douta sentença recorrida, que o prazo para conclusão das negociações esgotou -se a 14/08/2015, é nada concretizar quanto à data em que as mesmas efectivamente e de facto, se concluíram.

9. Absolutamente nada é referido na douta sentença recorrida quanto à forma como as negociações se obtiveram.

10. Nada é referido quanto à data de envio do plano aos credores para estes votarem.

11. Consequentemente sofre dos mesmos vícios já apontados à anterior sentença anulada, pelo que outra não poderá ser a decisão quanto a esta.

12. Consoante dispõe o nº 3 do art . 17 -F do CIRE, concluídas as negociações, o plano de recuperação considera-se aprovado quando reúna a maioria dos votos prevista no nº 1 do art. 212 do mesmo Código, para a aprovação de um plano de recuperação, no âmbito de um processo de insolvência (quórum constitutivo de 1/3 do total dos créditos com direito de voto e quórum deliberativo de 2/3 de totalidade dos votos emitidos e de mais de metade dos votos correspondentes a créditos não subordinados).

13. As negociações terminaram no dia 10.08.2015, com aprovação do plano por

maioria legal , estando por isso dentro do prazo previsto no artigo 17º -D nº5 do CIRE.

14. A acta da reunião foi enviada na data de 04.09.2015, mas trata-se de mero documento formal , porquanto as negociações já estavam encerradas e a acta em causa nada tem a ver com as mesmas.

15. Os credores enviaram e foram recebidas as suas respostas até ao dia 10.08.2015, data em que ficaram assim concluídas as negociações e dentro do prazo legal previsto.

16. Acresce que, para além do mais, o prazo referido no nº5 do artigo 17º -D do CIRE, aplicado pela douta sentença, para encerrar o processo sem acordo, não é peremptório!

17. O Tribunal deve apenas recusar a homologação designadamente por se ter verificado violação não negligenciável de regras procedimentais ou de normas aplicáveis ao conteúdo do acordo.

18. Efectivamente, estabelece o art . 215º do CIRE que o «juiz recusa oficiosamente a homologação do plano de insolvência aprovado em assembleia de credores no caso de violação não negligenciável de regras procedimentais ou das normas aplicáveis ao seu conteúdo, qualquer que seja a sua natureza…»

19. Explica Menezes Leitão que violações «consideradas menores, que não ponham em causa o interesse do devedor e dos credores afectados não constituirão causa suficiente para que o juiz possa recusar a homologação do plano».

20. Devem, pois, desconsiderar -se as «violações menores», sendo que, como referem Carvalho Fernandes e João Labareda, as normas relativas ao conteúdo correspondem a «todas as respeitantes à parte dispositiva do plano, mas, além delas, ainda aquelas que fixem os princípios a que ele deve obedecer imperativamente e as que definem os temas que a proposta deve contemplar».

21. Dispõe o nº 3 do art. 17 -F do CIRE: «Considera-se aprovado o plano de recuperação que reúna a maioria dos votos prevista no n. º 1 do artigo 212. º, sendo o quórum deliberativo calculado com base nos créditos relacionados contidos na lista de créditos a que se referem os n. ºs 3 e 4 do artigo 17. º -D, podendo o juiz computar os créditos que tenham sido impugnados se considerar que há probabilidade séria de tais créditos deverem ser reconhecidos, caso a questão ainda não se encontre decidida».

22. Deste modo, a votação é feita tendo em conta o montante dos créditos definidos na lista a que aludem os nºs 3 e 4 do ar t . 17 -D.

23. Referem a propósito Ana Prata, Jorge Morais Carvalho e Rui Simões, que o plano de recuperação se considera aprovado se se verificarem os seguintes requisitos, previstos no nº 1 do art. 212, aplicável pela remissão operada pelo nº 3 deste art go: «(i) participação na reunião de credores que representem pelo menos um terço do total dos créditos com direito de voto; (ii) votação favorável de mais de dois terços da totalidade dos votos emitidos, não se considerando como tal as abstenções; (iii) votação favorável de mais de metade dos votos emitidos correspondentes a créditos não subordinados, não se considerando como tal as abstenções».

24. Tal quórum, assim definido, existiu “ in casu” devendo , por isso, ser o plano

homologado.

25. O entendimento jurisprudencial referido é o de que o prazo previsto no art. 17º -D, nº 5, do CIRE não tem natureza peremptória!

26. Mais entendendo a jurisprudência que o PER destina-se a permitir ao devedor o estabelecimento de negociações com os respectivos credores de modo a concluir com estes um acordo conducente à sua revitalização (cf. art . 17º -A, do CIRE. Nesta perspectiva, seria incompreensível que, prolongando-se as negociações, justificadamente, para além do prazo inicialmente previsto, e alcançado o acordo com os credores, fosse – pura e simplesmente – recusada a homologação do plano aprovado, apenas por razões de ordem formal.

27. Face a tudo quanto se expende, dúvidas não poderão existir sobre a legalidade de todo o procedimento bem como quanto ao teor do plano de recuperação apresentado, cuja homologação, por não merecer qualquer reparo ou censura, por não violar o artigo 17º D, nº 5, deverá ser deferida.


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            Não foram apresentadas contra-alegações.

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            Questões a decidir:

            A insuficiência da matéria de facto;

Saber se o plano de revitalização podia ter sido homologado.


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            A decisão recorrida não fixou os factos provados, embora refira alguns no seu relatório inicial.

            Ainda que aquela decisão seja nula por causa dessa falta, nos termos do art.665º do Código de Processo Civil, é possível a esta Relação substituir-se ao tribunal recorrido, por dispor dos elementos necessários.


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            Factos a considerar (documentados):

A lista provisória de créditos foi publicada no dia 06.05.2015.

Não foram apresentadas impugnações.

Em 14.07.2015, por ter havido acordo para o efeito, foi concedida uma prorrogação do prazo das negociações por um mês.

Depois daquela data e também durante o mês de agosto de 2015 , não foi junto aos autos qualquer plano de revitalização. (O plano não chegou sequer a ser remetido ao processo.)

Conforme ata enviada ao processo, a 5 de setembro de 2015, a reunião de interessados, “para procederem em conjunto à abertura e contagem dos votos escritos, para efeitos de aprovação ou rejeição do plano”, realizou-se no dia 2 de setembro de 2015, tendo sido então considerado aprovado o plano.


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Não está provado que as negociações terminaram no dia 10.08.2015, por não constar no processo qualquer meio de prova desta afirmação dos Recorrentes.

Não interessa aos autos saber quando foi o plano enviado aos credores. Interessa apenas saber quando esse palno foi remetido ao processo, com indicação dos termos da sua aprovação.

A data limite para a conclusão das negociações resulta da data da prorrogação do prazo, decorrente do acordo para esse efeito documentado.

Não interessam ao recurso os termos das negociações.


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            Como já assumido pelo relator nos acórdãos desta secção, de 21.4.2015 (proc.2460/14) e 7.4.2016 (vencido no proc.1202/15), solução adotada pelo STJ, nas decisões de 8.9.2015 (570/13), 17.11.2015 (1557/14) e de 19.4.2016 (7543/14), publicados em www.dgsi.pt, no âmbito do processo especial de revitalização, o plano desta deve ser apresentado no prazo das negociações.

Este é um prazo de caducidade, excluída esta da disponibilidade das partes.

Ultrapassado tal prazo, a homologação do plano constitui violação não negligenciável de norma imperativa.

Passamos a elencar os argumentos que suportam tais conclusões:

O processo especial de revitalização destina-se a permitir ao devedor, que se encontre em situação económica difícil ou em situação de insolvência iminente, estabelecer negociações com os respetivos credores, para obter acordo conducente à sua recuperação.

Comunicado o início das negociações, os credores dispõem de 20 dias, contados da publicação no portal Citius do despacho a que se refere a alínea a) do n.º 3 do art.º 17º-D do CIRE, para reclamar créditos.

Elaborada a lista provisória de créditos, ela é apresentada na secretaria do tribunal e publicada no portal Citius, podendo ser impugnada no prazo de cinco dias úteis.

Findo o prazo para as impugnações, os interessados dispõem do prazo de dois meses para concluir as negociações encetadas, o qual pode ser prorrogado, por uma só vez e por um mês, mediante acordo prévio e escrito entre o administrador judicial provisório e o devedor, devendo tal acordo ser junto aos autos e publicado no portal Citius.

Preceitua o art.º 17º-F do código em análise, sob a epígrafe “conclusão das negociações com a aprovação de plano de recuperação conducente à revitalização do devedor”: (…)

(nº2): Concluindo -se as negociações com a aprovação de plano de recuperação conducente à revitalização do devedor, sem a aprovação unânime prevista no número anterior, o devedor remete o plano de recuperação aprovado ao tribunal; (…)

(nº5): O juiz decide se deve homologar o plano de recuperação ou recusar a sua homologação, nos 10 dias seguintes à recepção da documentação mencionada nos números anteriores, aplicando, com as necessárias adaptações, as regras vigentes em matéria de aprovação e homologação do plano de insolvência previstas no título IX, em especial o disposto nos artigos 215º e 216º.

E prevê o seu art.º 17º-G, nº1, que, caso o devedor ou a maioria dos credores prevista no n.º 3 do artigo anterior concluam antecipadamente não ser possível alcançar acordo, ou caso seja ultrapassado o prazo previsto no n.º 5 do artigo 17º-D, o processo negocial é encerrado.

Conforme o referido art.215º, o juiz recusa oficiosamente a homologação do plano de insolvência aprovado em assembleia de credores no caso de violação não negligenciável de regras procedimentais ou das normas aplicáveis ao seu conteúdo, qualquer que seja a sua natureza.

            Decorre deste regime jurídico, com a urgência que o carateriza, que a aprovação do plano conclui a fase das negociações.

            Depois, se o processo é encerrado caso seja ultrapassado o prazo previsto no n.º 5 do artigo 17º-D, é neste prazo que o plano tem de estar aprovado e como tal documentado nos autos.

            Não fosse assim e estaria aberto um prolongamento (variável) do prazo, com os naturais incidentes de documentação.

A lei não prevê prazos complementares.

O prazo apresenta-se como “estanque” e de caducidade.

Se considerarmos que o PER produz efeitos significativos na esfera jurídica de terceiros (art. 17º-E, nº 1), efeitos que devem ser claramente definidos no tempo, entendemos que o prazo de referência é preclusivo e não está na disponibilidade das partes.

Note-se que a prorrogação do prazo, de 2 para 3 meses, é vista como uma concessão de uma oportunidade final.

Aquele prejuízo sobre terceiros, que leva à definição de um prazo claro e preclusivo para a aprovação de um plano, também justifica que a ultrapassagem do prazo não possa ser considerada violação negligenciável de regras procedimentais.

No caso em análise, o plano não foi sequer apresentado.

A conferência da sua aprovação, no dia 2 de setembro de 2015, ocorreu já fora do prazo máximo das negociações.

Este prazo terminou a 14 de agosto de 2015.

Não merece censura a decisão recorrida.


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Decisão.

Julga-se o recurso improcedente, declara-se encerrado o processo negocial e recusa-se a homologação de plano que não foi sequer apresentado.

            Custas pelos Recorrentes.

Coimbra, 2016-12-15


 (Fernando de Jesus Fonseca Monteiro ( relator )

 (António Carvalho Martins)

 (Carlos Moreira)