Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
10/16.6FDCBR.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: ALEXANDRA GUINÉ
Descritores: FACTOS GENÉRICOS
DIREITO DE DEFESA
PROCESSO JUSTO E EQUITATIVO
CALCULO DO IVA NÃO LIQUIDADO POR MÉTODOS INDIRETOS
ACTO DE APURAMENTO DA SITUAÇÃO TRIBUTÁRIA NO ÂMBITO DO PROCESSO PENAL
AUTONOMIA ENTRE A OBRIGAÇÃO TRIBUTÁRIA E A RESPONSABILIDADE PENAL TRIBUTÁRIA
PRESUNÇÕES JUDICIAIS
DETERMINAÇÃO DA MATÉRIA TRIBUTÁVEL POR MÉTODOS INDIRECTOS
PRINCÍPIO DA LIBERDADE DE PROVA
DIREITO À DEDUÇÃO DO IVA
PRINCÍPIO DA NEUTRALIDADE
REGIME DE TRIBUTAÇÃO DOS BENS EM SEGUNDA MÃO
REGIME DE TRIBUTAÇÃO ESPECIAL PELA MARGEM
CRIME DE FRAUDE FISCAL QUALIFICADA
CRIME DE FALSIFICAÇÃO DE DOCUMENTO
CONCURSO DE CRIMES
CONCURSO APARENTE
PRINCÍPIO DA ESPECIALIDADE DAS NORMAS TRIBUTÁRIAS
CRITÉRIO DO CRIME INSTRUMENTAL OU CRIME MEIO
CUMPLICIDADE
PERDA DE PRODUTOS E VANTAGENS DO CRIME
INDEMNIZAÇÃO DE PERDAS E DANOS EMERGENTES DE CRIME
OBRIGAÇÃO DE INDEMNIZAR POR PARTE DO CÚMPLICE
Data do Acordão: 11/05/2025
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE COIMBRA - JUÍZO CENTRAL CRIMINAL DE COIMBRA - JUIZ 2
Texto Integral: N
Meio Processual: RECURSO DECIDIDO EM CONFERÊNCIA
Decisão: CONCEDIDO PROVIMENTO PARCIAL AO RECURSO DO ARGUIDO AA NA PARTE CRIME; NEGADO PROVIMENTO AO RECURSO DO ARGUIDO BB NA PARTE CRIME; CONCEDIDO PROVIMENTO PARCIAL AOS RECURSOS DOS ARGUIDOS/DEMANDADOS AA E BB NA PARTE CÍVEL
Legislação Nacional: ARTIGO 32.º DA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA PORTUGUESA
ARTIGO 6.º DA CONVENÇÃO EUROPEIA DOS DIREITOS HUMANOS
ARTIGOS 27.º, 30.º, N.º 1, 110.º, 129.º, E 256.º N.º 1, ALÍNEAS A), D), E) E F) DO CÓDIGO PENAL
ARTIGOS 10.º, 103.º, N.º 1, ALÍNEAS A), B) E C), E 104.º N.º 3, DO REGIME GERAL DAS INFRACÇÕES TRIBUTÁRIAS/RGIT
ARTIGO 283.º, N º 3, ALÍNEA B), DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL
ARTIGOS 483.º, 490.º, 497.º, N.º 1, E 563.º DO CÓDIGO CIVIL
ARTIGO 59.º, N.º 7, DO CÓDIGO DE PROCEDIMENTO E PROCESSO TRIBUTÁRIO
ARTIGO 89.º, N.ºS 1 E 2, DO CÓDIGO DO IRS
ARTIGOS 9.º, 16.º, N.ºS 1 E 2, 19.º, N.º 2, 36.º, 40.º, 53.º E 88.º E SEGUINTES DO CÓDIGO DO IVA
ARTIGOS 67.º, 70.º, 87.º, N.º 1, ALÍNEA B), 88.º E 91.º DA LEI GERAL TRIBUTÁRIA
ARTIGO 226.º DA DIRETIVA 2006/112/CEE
ARTIGOS 1.º A 4.º E 6.º D.L. N.º 199/96, DE 18 DE OUTUBRO/REGIME ESPECIAL DE TRIBUTAÇÃO DOS BENS EM SEGUNDA MÃO, OBJETOS DE ARTE, DE COLEÇÃO E ANTIGUIDADES (REGIME ESPECIAL DE TRIBUTAÇÃO PELA MARGEM)
Sumário: I - As afirmações genéricas, conclusivas e que comportem matéria de direito devem considerar-se não escritas porque não podem ser objeto de prova.

II - O artigo 10.º do RGIT não apenas enuncia o princípio especialidade das normas tributárias para a resolução do conflito aparente de normas penais, como remete, em matéria de concurso de crimes, para o Código Penal, sendo por aplicação das regras do n.º 1 do seu artigo 30.º que se terá de determinar se foram efectivamente cometidas infracções de natureza não tributária.

III - O acto de apuramento da situação tributária no âmbito do procedimento penal «não é um acto tributário, por meio do qual seja conferida liquidez à obrigação gerada pela ocorrência de um facto tributário», antes é um parecer, informação ou relatório, por exemplo, o relatório de inspecção ou um relatório pericial, de natureza técnica, não vinculando, de per si, o contribuinte a qualquer dever ou obrigação tributários.

IV - Há total autonomia entre a obrigação tributária e a responsabilidade penal tributária, mesmo que fundadas na mesma situação de facto tributariamente relevante, sendo o apuramento da situação tributária necessário apenas para efeitos de avaliação da relevância típica da conduta e por ser uma circunstância fundamental para a determinação da medida concreta da pena aplicável, independentemente dos actos tributários de liquidação e de cobrança do imposto.

V - A determinação da matéria tributável por métodos indirectos resulta de presunções justificadas pela impossibilidade de comprovação e quantificação directa e exacta, e sendo válida para efeitos fiscais não tem efeitos automáticos no preenchimento dos elementos típicos do crime.

VI - A formação da convicção do julgador com base na prova indiciária, quando não existe prova directa, não belisca o princípio da presunção de inocência ou o in dubio pro reo, desde que seja alicerçada em vários indícios que, sem dúvida razoável, conduzam natural e logicamente ao facto presumido.

VII - O princípio da neutralidade fiscal do IVA significa o direito à dedução do imposto, por parte dos sujeitos passivos, que onerou as aquisições de bens e serviços destinados à actividade tributária e não pode, em princípio, ser limitado, exercendo-se imediatamente em relação à totalidade do IVA que incidiu sobre as operações a montante.

VIII - Pode recusar-se o direito à dedução que tenha sido exercido de forma fraudulenta ou quando o sujeito passivo sabia ou devia saber que participava numa fraude ao IVA, mesmo que a operação em causa preenchesse os critérios objectivos em que se baseiam os conceitos de transmissões de bens efectuadas por um sujeito passivo agindo enquanto tal.

IX - A dedução do imposto tem obrigatoriamente de ser suportada por uma factura emitida em nome do sujeito passivo, na sua posse e passada em forma legal.

X - Constituem bens em segunda mão os bens móveis susceptíveis de reutilização no estado em que se encontram ou após reparação, com exclusão dos especificamente mencionados na própria norma no artigo 2.º do D.L. n.º 199/96, de 18 de Outubro.

XI - O D.L. n.º 199/96, de 18 de Outubro, prevê um regime especial de tributação para os bens em segunda mão porque o IVA é cobrado não sobre o valor total da venda, mas apenas sobre a sua margem de lucro, para eliminar ou atenuar a dupla tributação ocasionada pela reentrada no circuito económico de bens que já tinham sido tributados.

XII - Na venda de veículos usados, efectuada por um sujeito passivo revendedor que os tenha adquirido nas condições estabelecidas na lei, é aplicável o Regime Especial de Tributação pela Margem, embora o sujeito passivo revendedor possa optar pela liquidação do imposto nos termos gerais do CIVA relativamente a cada transmissão sujeita ao regime especial de tributação da margem.

XIII - A consideração do bem jurídico e da pluralidade de juízos de censura, determinada pela pluralidade ou renovação de resoluções, como referente da natureza efectiva da violação plural, é essencial para determinar se, em casos de pluralidade de acções ou pluralidade de tipos realizados, existe concurso legal ou aparente ou real ou ideal.

XIV - Aplicando o «critério do crime instrumental ou crime meio», pode considerar-se que o crime de contrafacção ou falsificação de documento se encontra em concurso aparente com o crime de fraude fiscal, desde que o acto de falsificação seja levado a cabo unicamente no contexto situacional da realização do crime-fim e que nele se esgote a sua danosidade social.

XV - A cumplicidade é uma forma de participação secundária na comparticipação criminosa, destinada a favorecer um facto alheio, portanto de menor gravidade objectiva, mas, embora sem ser determinante na vontade do autor e sem participação na execução do crime, traduz-se em auxílio à prática do crime, nessa medida contribui para a sua prática, configurando-se como uma concausa do crime.

XVI - Relativamente ao elemento subjectivo, a cumplicidade exige o apoio doloso a outra pessoa no facto antijurídico doloso cometido por esta.

XVII - O instituto de perda de vantagens norteia-se para a prevenção geral e especial da criminalidade, visando que nenhum benefício resulte para o arguido da prática do ilícito, e basta-se com a verificação de um facto típico-ilícito, não necessariamente culposo, que pode ter lugar mesmo que o agente seja inimputável, caso em que é considerado como uma medida sancionatória típica análoga à medida de segurança.

XVIII - Da transmissão de bens que tenham como contrapartida o pagamento de determinados preços, sem que se tenha procedido à liquidação e entrega ao Estado do IVA, resulta um incremento do património do arguido correspondente ao valor deste imposto.

XIX - O lesante só tem obrigação de reparar os danos se o evento danoso for, simultaneamente, uma causa necessária e uma causa potencialmente idónea da produção daqueles danos, em conexão com as teorias da causalidade naturalística e da causalidade adequada, pelo que só os danos que estejam por este modo conexionados com o facto ilícito é que são reparáveis.

XX - Em princípio as actuações de um cúmplice não são passíveis de gerar responsabilidade civil se, tomados isoladamente, não passarem pelo crivo do nexo de causalidade.

XXI - Porém, dependendo das circunstâncias, o auxílio moral ou material concedido ao autor pelo cúmplice representam uma antecipação da tutela, sempre que a ajuda é prestada na fase preparatória, ou uma ampliação dos actos de execução passíveis de cimentar um juízo de responsabilidade, caso em que são tidos em consideração para fundamentar a imputação da obrigação de indemnizar, enquanto elemento do facto unitário e complexo realizado por todos os comparticipantes.

XXII - O critério da situação económica do lesante e do lesado releva essencialmente para correcção de resultados injustos em casos de significativa desproporção entre as condições económicas de ambos, daqui derivando que se o lesado tiver condições económicas muito superiores às do lesante pode justificar-se a redução do montante fixado.

Decisão Texto Integral: *

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Acordam, em conferência, na 5.º Secção Criminal do Tribunal da Relação de Coimbra


I–RELATÓRIO

1. No processo comum coletivo a correr os seus termos sob o n.º 10/16.6 FDCBR no Juízo Central Criminal de Coimbra (J2) do Tribunal Judicial da Comarca de Coimbra, foi mediante Acórdão datado de 28.02.2025, designadamente, decidido:

A)- absolver o arguido AA da prática de 235 crimes de falsificação ou contrafacção de documento, previstos e punidos pelo artigo 256.º n.º 1, alíneas a), d), e) e f) do Código Penal que lhe eram imputados neste processo;

B)- absolver o arguido CC da prática, como cúmplice, de um crime de fraude qualificada, previsto e punido pelos artigos 103.º, n.º 1, alíneas a), b) e c) e 104.º, n.º 3, do Regime Geral das Infracções Tributárias, por referência ao artigo 27.º, n.ºs 1 e 2 do Código Penal;

C)- condenar o arguido AA pela prática, como autor material, na forma consumada e em concurso efectivo, de:

C.1)- um crime de falsificação ou contrafacção de documento, previsto e punido pelo artigo 256.º n.º 1, alíneas a), d), e) e f) do Código Penal, na pena de dois anos e seis meses de prisão; e

C.2)- um crime de fraude qualificada, previsto e punido pelos artigos 103.º, n.º 1, alíneas a), b) e c) e 104.º, n.º 3, do Regime Geral das Infracções Tributárias (Lei n.º 15/2001, de 5 de Junho), na pena de quatro anos e seis meses de prisão;

D)- condenar o arguido AA, em cúmulo jurídico, nos termos do artigo 77º, nº 1, do Código Penal, na pena única de cinco anos de prisão, suspensa na sua execução, pelo período de cinco anos, nos termos do artigo 50º, nºs 1 e 5, do Código Penal, mediante:

D.a)- regime de prova, nos termos do artigo 53º, nºs 1 e 2, do Código Penal; e

D.b)- sujeição ao dever de, nos termos conjugados dos artigos 14.º, n.º 1, do RGIT e 51.º, n.º 1, alínea c) e nº 2, do Código Penal, pagar ao Estado a quantia de 3.000,00 euros (três mil euros), a cada três meses, a contar do trânsito em julgado desta decisão, durante os cinco anos do período de suspensão da execução da pena de prisão, fazendo disso prova nos autos;

E)- condenar o arguido BB pela prática, como cúmplice, de um crime de fraude qualificada, previsto e punido pelos artigos 103.º, n.º 1, alíneas a), b) e c) e 104.º, n.º 3, do Regime Geral das Infracções Tributárias (Lei n.º 15/2001, de 5 de Junho), por referência ao artigo 27.º, n.ºs 1 e 2 do Código Penal, na pena de dois anos de prisão, suspensa na sua execução, pelo período de três anos, nos termos do artigo 50º, nºs 1 e 5, do Código Penal, mediante:

E.1)- regime de prova, nos termos do artigo 53º, nºs 1 e 2, do Código Penal; e

E.2)- sujeição ao dever de, nos termos conjugados dos artigos 14.º, n.º 1, do RGIT e 51.º, n.º 1, alínea c) e nº 2, do Código Penal, pagar ao Estado a quantia de 1.500,00 euros (mil e quinhentos euros), a cada três meses, a contar do trânsito em julgado desta decisão, durante os três anos do período de suspensão da execução da pena de prisão, fazendo disso prova nos autos;

F)- condenar os arguidos AA e BB no pagamento de taxa de justiça (dez UC’s e quatro UC’s, respectivamente) e encargos, nos termos conjugados dos artigos 513º, nºs 1, 2 e 3 e 514º, nº 1, ambos do Código de Processo Penal e artigo 8º, nº 9, do RCP e tabela III;

G)- ordenar a recolha de amostra para obtenção de perfil de ADN do arguido AA e posterior inserção na base de dados respectiva, nos termos do disposto nos artigos 8º, nº 2 e 18º, nº 3, ambos da Lei nº 5/2008, de 12.02;

H)- condenar o arguido AA no pagamento ao Estado da quantia correspondente às vantagens obtidas com a prática do crime de fraude qualificada pelo qual vai condenado, no montante total de 775.763,95 euros (setecentos e setenta e cinco mil, setecentos e sessenta e três euros e noventa e cinco cêntimos), nos termos do artigo 110º, nº 1, alínea b) e nº 4, do Código Penal;

I)- julgar procedente o pedido de indemnização civil deduzido por DD e, consequentemente, condenar:

I.a)- os demandados AA e BB, no pagamento, solidário, da quantia de 25,00 euros (vinte e cinco euros), a título de indemnização pelos danos patrimoniais sofridos pelo demandante, acrescida de juros de mora desde a notificação para contestar o pedido de indemnização civil até efectivo e integral pagamento;

I.b)- os demandados AA e BB, no pagamento, solidário, da quantia de 6.000,00 (seis mil euros), a título de indemnização pelos danos não patrimoniais sofridos pelo demandante, acrescida de juros de mora desde a presente decisão até efectivo e integral pagamento».

2. Inconformado recorreu o arguido AA extraindo da motivação de recurso as seguintes conclusões:

«…

2. O arguido assume a prática do tipo legal de crime previsto e punido pela al. b) do nº 2 do artigo 104º do RGIT, sindicando,na presente sede, a sua condenação pelo tipo legal de crime previsto e punido pelo nº 3 do mesmo artigo 104º, já que a matéria de facto apurada nos presentes autos apenas consente concluir que o arguido obteve uma vantagem fiscal de € 186.019,27, aplicando-se, assim, a moldura punitiva prevista na al. b) do n.º 2 do artigo 104.º do RGIT;

3. A alteração da qualificação jurídica pretendida pelo arguido, por via do presente recurso, acarretará as necessárias refrações na fixação da medida concreta da pena, a qual deverá ser revista por este Tribunal, dentro da moldura fixada pela al. b) do nº 2 do artigo 104º do RGIT;

4. Pelas mesmas razões de facto e de direito acolhidas na decisão recorrida, deverá suspender-se a execução da pena de prisão a que o arguido venha a ser condenado dentro daquela moldura, considerando que a vantagem fiscal decorrente da prática do crime é inferior a € 200.000,00;

5. O arguido insurge-se, também, contra a sua condenação (autónoma) pelo crime de falsificação ou contrafação de documento, p. e p. pelo artigo 256.º, n.º 1, alíneas a), d), e) e f) do CP, crime do qual deverá ser absolvido, como expressamente se requer;

6. A condenação do arguido pela prática do crime de falsificação ou contrafação de documento desconsidera manifesta e grosseiramente o princípio da especialidade, que emerge da conjugação do disposto no artigo 10.º e, no que para o presente caso importa, no n.º 4 do artigo 104.º, ambos do RGIT, normativos estes ostensivamente violados;

7. A falsificação ou contrafação de documentos descrita na acusação pública encontra-se consumida pela prática do crime de fraude fiscal pelo qual o arguido foi condenado, tendo sido manifestamente instrumental desta última;

8. Tal como evola da acusação pública de fls., e, bem assim, da modificação imprimida à mesma por meio da alteração não substancial empreendida pelo Tribunal recorrido – e anunciada por despacho de 31.01.2025 –, a falsificação de documentos levada a cabo pelo arguido … teve exclusivamente em vista a prática do ilícito fiscal pelo qual foi condenado, e foi instrumental deste;

9. A falsificação ou contrafação de documentos descrita na decisão recorrida acarretou, em exclusivo, a lesão dos bens jurídicos já tutelados pela referida incriminação dos artigos 103.º e 104.º do RGIT, i.e. os interesses patrimoniais do Estado na legítima arrecadação da receita fiscal, e não quaisquer outros bens jurídicos diversos destes;

10. A conduta típica da fraude fiscal, como evola do disposto, designadamente, na al. a) do n.º 1 do artigo 103.º do RGIT, já pressupõe a falsificação da realidade fiscalmente relevante, designadamente por via da falsificação de documentação contabilística e fiscal;

11. Verifica-se, assim, no caso vertente, um “concurso aparente de infrações” entre o crime de fraude fiscal e o crime de falsificação ou contrafação de documento, com a prevalência do primeiro sobre o segundo, que é, assim, “consumido” pela infração mais grave (a fraude fiscal);

12. Em respeito pelo referido princípio da especialidade, o arguido deve ser absolvido da prática do crime de falsificação ou contrafação de documento,  também sob pena de violação do princípio “ne bis in idem”, o que desde já se peticiona;

13. Caldeada a factualidade dada por provada no Acórdão recorrido de fls. temos que é imputada ao arguido, por um lado, a omissão de liquidação de IVA, no conspecto em que o arguido implementou um esquema para importação de viaturas de forma a subtrair-se às suas obrigações em matéria de liquidação do IVA, não liquidando esse imposto em diversas operações de venda que concretizou, não procedendo, dessa forma, à relevação dessas operações nas declarações periódicas que estava obrigado a apresentar;

14. E, por outro lado, é-lhe atribuída a apropriação dos valores que deveria ter liquidado mas não liquidou;

15. Ora, se arguido não liquidou IVA, nunca o poderia ter recebido por parte dos compradores das viaturas;

16. E, assim, não se poderia ter apropriado do mesmo, como se estivesse em causa um crime de abuso de confiança fiscal;

19. O Ministério Público, primeiro, e o Tribunal recorrido, depois, não interpretaram corretamente os factos subjacentes, desconsiderando o mecanismo próprio de funcionamento do IVA;

21. Os alegados “métodos indiretos” utilizados para calcular o IVA não liquidado pelo arguido foram aplicados ao arrepio das exigências legais, designadamente das previstas no artigo 59.º, n.º 7, do Código de Procedimento e Processo Tributário, do artigo 89.º, n.ºs 1 e 2 do Código do IRS, dos artigos 88.º e ss. Código do IVA e do artigo 91.º da Lei Geral Tributária;

24. Apesar do relatório de 21.03.2021, subscrito pelo Inspetor Tributário …, fazer menção à utilização de métodos diretos e indiretos, toda a quantificação aí empreendida, quer para efeitos de IVA, quer para efeitos de IRS, é feita com base em métodos indiretos, i.e., com base em estimativas;

26. Dado que “estimativas” não correspondem necessariamente à verdade, nomeadamente à verdade tributária;

27. O relatório de 21.03.2021 e o Tribunal recorrido confundem, para efeitos do IVA, obrigação de liquidação com obrigação de entrega, e desconsideram qualquer direito à dedução, típico do IVA, tratando o imposto em causa como se fosse um imposto sobre o património ou sobre o rendimento;

28. Já no que tange ao IRS, o referido relatório estimou o valor de aquisição das viaturas, por parte do arguido …, com base em critérios diferentes consoante o arguido relevou ou não a aquisição das viaturas na sua contabilidade, ainda que com adulteração do documento de compra;

29. O referido relatório não oferece, assim, nem em sede de IVA, nem em sede de IRS, a necessária fiabilidade probatória, muito por culpa de assentar em estimativas que não se mostrem suficientemente documentadas e que são contraditórias entre si e com os factos efetivamente demonstrados nos autos, incluindo por via da confissão do arguido;

50. Concluindo-se que a vantagem fiscal obtida com a prática do crime apenas se produziu em sede de IRS, e no quantitativo de € 186.019,27;

51. Não tendo sido concretamente apurada e quantificada qualquer vantagem fiscal obtida pelo arguido em sede de IVA, muito menos qualquer locupletamento quanto a este imposto;

52. O arguido insurge-se, assim, e por via do presente recurso, contra a sua condenação no pagamento ao Estado da quantia total de € 775.763,95, ao abrigo do instituto da “perda de vantagens”, previsto no artigo 110.º, n.º 1, al. b) e n.º 4, do Código Penal, apenas aceitando ter obtido a vantagem a que alude o ponto 2 das presentes conclusões;

53. Assim, o Tribunal recorrido aplicou erradamente o instituto da perda de vantagens porquanto tal instituto tem como pressuposto basilar e axial o incremento patrimonial do agente, isto é, o seu ENRIQUECIMENTO;

55. A reposição do status quo ante do lesado, i.e., a sua reintegração patrimonial, faz-se por via do instituto da responsabilidade civil (sendo que, no caso do Fisco, ainda por via da cobrança coerciva dos respetivos créditos, ou seja, por meio da execução fiscal, quando, para tal, devidamente titulada).

56. O racional subjacente à perda de vantagens é o de impedir o locupletamento do agente com a prática do crime, pelo que a medida da perda de vantagens será sempre a do enriquecimento.

57. O arguido … obteve um confesso enriquecimento em sede de IRS, mas não se “locupletou” com qualquer valor de IVA;

58. Seja porque efetuou operações de venda de viaturas à margem da contabilidade – sem qualquer faturação e, portanto, sem qualquer liquidação de imposto –, seja porque efetuou vendas que relevou na contabilidade, com recurso ao IVA de margem, tendo entregado ao Estado o IVA que, nessas operações, liquidou e recebeu dos clientes;

59. Ainda que esse IVA tivesse sido mal quantificado, daí não resultou qualquer apropriação patrimonial, pois que o IVA que liquidou foi o IVA que entregou, com recurso ao método da dedução;

61. Só quanto ao imposto não pago pelo arguido, em sede de IRS, se pode descortinar o seu efetivo enriquecimento, com a inerente valorização do seu património na exata medida do imposto que não pagou sobre os rendimentos obtidos;

62. Seja por via do IVA em regime normal, seja por via do IVA no regime da margem, o arguido não beneficiou de qualquer “dedução indevida” desse imposto, incorporando no seu património valores provenientes de IVA;

65. É materialmente inconstitucional a solução normativa resultante da aplicação conjugada do disposto na al. b) do n.º 1 e do n.º 4 do artigo 110.º do Código Penal, quando interpretada no sentido de que podem ser declaradas perdidas a favor do Estado, como vantagens provenientes de um facto ilícito típico, quantias não liquidadas em sede de IVA, pelo respetivo sujeito passivo, e, assim, não recebidas, e, portanto, sem qualquer apropriação dessas quantias por parte do agente do referido facto ilícito típico, e sem qualquer enriquecimento ou incremento patrimonial do mesmo, por inexistência de qualquer incorporação de tais importâncias no seu património, inconstitucionalidade que, desde já, expressamente se invoca;

66. O arguido … não põe em causa os factos dados por provados no que respeita ao pedido de indemnização civil deduzido pelo demandante civil;

67. Contudo, a quantificação dos danos não patrimoniais é excessiva, pelo que, atendendo à natureza dos factos, se afigura como adequado o valor de € 3.000,00, em linha, aliás, com a prática jurisprudencial em situações congéneres.

3. Inconformado recorreu o arguido BB extraindo da motivação de recurso as seguintes conclusões:

«A. O douto Acórdão recorrido incorreu em erro na apreciação da prova e na aplicação do direito ao condenar o Recorrente como cúmplice (art. 27.º CP) na prática de um crime de fraude fiscal qualificada (arts. 103.º e 104.º RGIT).

B. Os atos materiais elencados no ponto 2190 do Acórdão são compatíveis com as funções laborais do Recorrente e não implicam, por si só, o conhecimento do esquema fraudulento global ou a intenção de lesar o erário público.

C. A prova indiciária relativa ao elemento subjetivo é, pois, ambígua e insuficiente, impondo a aplicação do princípio in dubio pro reo (art. 32.º, n.º 2 CRP; art. 127.º CPP), o que deveria ter conduzido à absolvição do Recorrente.

D. A atuação do Recorrente, enquanto trabalhador subordinado do co-arguido AA, limitou-se ao exercício das suas funções laborais, não             tendo     sido demonstrado que      agiu       com        o conhecimento e a vontade específicos de auxiliar na prática da fraude fiscal e em concreto, em que termos a sua atuação comprometeu ou de facto auxiliou o arguido AA na omissão de declarações fiscais, impostos ou rendimentos.

E. O Recorrente não tinha acesso à contabilidade, a dados para o efeito, ao controlo sobre as declarações fiscais do seu empregador, nem obteve qualquer vantagem patrimonial pessoal com a atividade desenvolvida (Facto Não Provado XXVIII), o que reforça a ausência de dolo de cumplicidade.

H. Ainda subsidiariamente, caso se mantenha a condenação pela cumplicidade, a medida concreta da pena de 2 (dois) anos de prisão, embora dentro da moldura legal especialmente atenuada (art. 27.º, n.º 2 CP), não reflete adequadamente a manifesta e abissal diferença de culpa e de contribuição para a ilicitude entre o Recorrente (cúmplice subordinado, sem benefício próprio) e o autor principal AA (organizador e beneficiário da fraude e autor das falsificações).

I.  A culpa do Recorrente é significativamente menor, caso a mesma venha a ser considerada, a sua contribuição foi secundária, e as necessidades de prevenção especial são reduzidas, justificando uma pena concreta que se situe num patamar manifestamente inferior, mais justo e proporcional à sua real participação nos factos, em estrita observância dos critérios do art. 71.º do Código Penal.

M.                           A mera condenação por cumplicidade no crime de fraude fiscal não acarreta automaticamente a responsabilidade solidária por danos específicos causados pelo autor principal a terceiros, exigindo-se a demonstração autónoma da responsabilidade civil do cúmplice (facto, ilicitude, culpa, dano e nexo causal) relativamente a esses danos, o que não ocorreu.

N. Ainda que, por mera hipótese, se admitisse alguma responsabilidade, o montante de 6.000,00 euros fixado a título de danos não patrimoniais é manifestamente exagerado e desproporcional face à ténue prova produzida sobre a intensidade e duração desses danos, violando os critérios de equidade (arts. 494.º e 496.º CC).

P. A própria base da acusação assenta numa determinação da matéria tributável por métodos indiretos que padece de vícios de ilegalidade, por violação dos princípios da subsidiariedade (art. 87.º, n.º 1, al. b) e 88.º LGT), da fundamentação (art. 77.º LGT) e do contraditório (art. 60.º LGT).

Q. A AT não demonstrou ter esgotado todos os meios diretos ao seu alcance (nomeadamente cooperação internacional) antes de recorrer aos métodos indiretos, nem fundamentou de forma clara e objetiva os critérios de estimativa utilizados, nomeadamente quanto ao "valor de mercado" ou à correta determinação dos custos e do lucro líquido, aliás o próprio Sr. Inspetor da AT, Dr. EE, veio para o efeito declarar que apenas se recorreu a este apuramento sem mencionar a consideração de outros métodos mais eficientes e mais próximos da realidade fiscal.

R. Estes vícios no apuramento da matéria tributável comprometem a validade da liquidação do imposto e, consequentemente, a própria existência ou, pelo menos, a qualificação e quantificação do crime de fraude fiscal imputado, devendo conduzir à absolvição.

4. Notificado, na resposta que apresentou, o Ministério Público concluiu …

5. Nesta Relação, a Digna Procuradora Geral Adjunta emitiu parecer …

6. Foi cumprido o estabelecido no artigo 417º, nº 2, do CPP.

7. Colhidos os vistos, foram os autos à conferência.


II. Fundamentação

1. Questões a decidir

No caso em apreço, atendendo às conclusões das motivações dos recursos, são as seguintes as QUESTÕES a resolver:

1. Da inclusão de matéria alegadamente genérica e conclusiva na factualidade provada (recurso do arguido AA);

2. Da sindicância da matéria de facto:

2.1. Da ilegalidade de utilização de métodos indiretos (recursos dos arguidos AA e BB);

2.2. Da impugnação da factualidade provada sob os pontos 2, 46, 56, 57, 61, 63, 64, 65, 66, 67, 71, 74, 75, 68, 76, 77, 78, 79, 80, 83 (84), 85 86, 87, 88, 89, 90, 2185, 2187, 2188 e 2189 (recurso do arguido AA);

2.3 Do erro notório na apreciação da prova (recurso de BB);

2.4  Da violação do princípio in dubio pro reo (recursos de AA e de BB);

3. Do enquadramento jurídico:

3.1 Da alteração da subsunção típica do crime de fraude fiscal para a al. b) do nº 2 do artigo 104º do RGIT (recurso do arguido AA);

3.2 Do concurso aparente entre o crime de fraude fiscal e o crime de falsificação ou contrafação de documento (recurso do arguido AA);

3.3 Do não preenchimento dos elementos próprios da cumplicidade …

4. Das penas:

4.1 Da redução da pena aplicada ao arguido …;

4.2 Da redução da pena aplicada ao arguido …;

5. Perda de vantagens: ausência de qualquer valor de locupletamento de iva; inconstitucionalidade material na interpretação da norma da al. b) do n.º 1 e do n.º 4 do artigo 110.º do Código Penal (recurso do arguido AA);

6. Indemnização Cível:

6.1 Ausência dos pressupostos da adequação causal e da culpa pelos danos sofridos (recurso do arguido BB);

6.2 Excesso do valor fixado pela indemnização dos danos não patrimoniais (recursos dos arguidos …).


*

2. Acórdão recorrido (transcrito na parte ora relevante)

*


«Fundamentação

A) De facto

Realizada a audiência de discussão e julgamento, provaram-se os seguintes factos:
1. O arguido AA é empresário em nome individual, no ramo da actividade de comércio de veículos automóveis ligeiros …, com contabilidade organizada, e enquadrado em sede de IVA no regime normal de periodicidade trimestral.
2. Em data não concretamente apurada, mas seguramente anterior a Fevereiro de 2013, o arguido … decidiu organizar uma estrutura de actividade e expedientes para comprar e introduzir, para venda em Portugal, veículos usados, com matrícula de origem de França, Espanha, Bélgica e Luxemburgo, ocultando factos à administração tributária, com a finalidade de obter vantagens patrimoniais, resultantes da não entrega ao Estado dos impostos devidos em sede de IRS e IVA, decidindo, para tanto, criar facturas falsas, utilizando em algumas delas carimbos por si fabricados, bem como declarações de entrada de viaturas no país falsas, declarações de habilitante falsas, cheques com endossos falsos, mesmo sabendo que punha em causa o valor probatório, segurança e fiabilidade de tais documentos, bem como a transacção e custos comerciais que as facturas se destinavam a certificar e a fé pública que a lei atribui às facturas.
3. Para o desenvolvimento dessa sua actividade de comércio automóvel, o arguido … tinha na sua disponibilidade locais e endereços, a partir dos quais exibia, guardava, publicitava e desenvolvia a sua actividade:
a) o seu domicílio na Rua …
b) o stand de exposição e venda ao público denominado por , sito na

Estrada Nacional …;
c) o edificado sito na Rua …;
d) o edificado sito na Rua …;
e) o sítio na internet “…”, onde publicitava os veículos para venda;
f) o endereço de correio electrónico …, que utilizava para estabelecer contactos com o declarante aduaneiro (…), para a legalização dos veículos em território nacional; e
g) o fax …, que utilizava para estabelecer contactos com o declarante aduaneiro (…), para a legalização dos veículos em território nacional.
4. No desenvolvimento dessa actividade de comércio de automóveis ligeiros, o arguido AA contou, pelo menos desde 2013, com o auxílio do arguido BB, seu empregado, …, sem qualquer actividade declarada.
5. Sob a orientação e o directo mando do arguido AA, o arguido BB auxiliava, sobretudo, na venda de veículos ao público, na condução de veículos que entravam no país pelos próprios meios, no emprego de duas contas bancárias por si tituladas para movimentos financeiros da actividade levada a cabo pelo arguido AA e na agilização de procedimentos com o declarante aduaneiro.
6. No desenvolvimento da actividade de comércio de automóveis ligeiros, o arguido AA, contava ainda, pelo menos desde 2013, com os serviços do declarante aduaneiro, o arguido CC, que exercia regularmente a actividade de declarar perante a alfândega, por autorização da administração aduaneira, que para o efeito lhe emitiu a Cédula ….
7. A introdução no consumo de veículos ligeiros admitidos em território nacional em estado de usados é sujeito a Imposto Sobre Veículos (ISV), estabelecido pelo Código do imposto sobre veículos.
8. O prazo para a apresentação da Declaração Aduaneira de Veículo (DAV), devidamente preenchida na alfândega é, para todas as categorias de declarantes, de 20 dias úteis após a entrada do veículo no território nacional.
9. Os donos ou consignatários das mercadorias podem nomear seu representante e no quadro da representação indirecta, qualquer outra pessoa que reúna os pressupostos legalmente estabelecidos para declarar, sendo exigível a exactidão e autenticidade dos documentos.
10. Assim, neste caso, esse representante actua com base num documento escrito (documento habilitante) devidamente assinado que, expressamente, o habilita a declarar perante a alfândega.
11. A pessoa que exerça regularmente a actividade de declarar perante a alfândega terá de ser detentora de cédula.
12. Ao submeter a declaração (DAV) são apresentados perante a alfândega o certificado de matrícula estrangeiro, o certificado de conformidade (COC), o modelo 112 do IMT, a factura comercial (quando se tratar de aquisição efectuada a uma empresa) ou declaração de venda (no caso de aquisição a particular), bem como, o documento de habilitação quando tiver lugar por representação. 
13. O arguido CC, como declarante aduaneiro, com espaço aberto ao público na Zona Industrial …, exerceu a função de declarar a admissão dos veículos em território nacional perante a alfândega da ..., por representação indirecta (o representante age em nome próprio, mas por conta de outrem).
14. Ou seja, o arguido CC agiu, perante a alfândega, simultaneamente como representante (na medida em que actuou por conta de outrem) e declarante (na medida em que promoveu a declaração aduaneira em seu próprio nome), sendo, nestes termos, responsável pela exactidão das informações veiculadas na declaração aduaneira, bem como pela autenticidade dos documentos a elas anexas.
15. O arguido CC, no exercício da sua actividade de declarante executou, pelo menos, 192 declarações, na qualidade de representante aduaneiro de distintas pessoas.
16. O arguido AA indicava ao arguido CC o nome e os elementos identificativos das pessoas que deviam figurar na declaração aduaneira de veículo, o que este fazia.
17. O arguido CC agiu, perante a alfândega, em representação legal de outras pessoas (terceiros), por apresentação de documentos habilitantes que lhe eram entregues pelo arguido AA.
18. O arguido CC desconhecia que os documentos eram falsos e que com a sua conduta estava a permitir que o arguido AA ocultasse factos que deviam ser revelados à administração tributária.
19. O arguido CC processou, ainda, por valores mais baixos, as facturas emitidas a clientes esporádicos (em nome de terceiros), por comparação com as emitidas ao arguido AA, cliente assíduo.
20. O arguido AA, a fim de ocultar a sua intervenção, recorreu, também, aos serviços do manipulador autorizado “…”, para a feitura das chapas de matrícula novas com o número de matrícula nacional atribuído pelo IMT, sendo estas registadas ao consumidor final “FF ... ...90”.
21. No mesmo sentido, todos os veículos foram submetidos a inspecção para atribuição de nova matrícula (nacional), no centro de inspecção da …
22. No ano de 2008 foram instaurados ao arguido AA processos de contra-ordenação aduaneira, relativos à admissão de veículos em estado de usado em território nacional.
23. O arguido AA, na introdução no consumo em território nacional dos veículos que infra se descreverão, fê-lo directamente em nome dos seus clientes, com ocultação da sua intervenção nos negócios de compra e venda e sem quaisquer registos contabilísticos.
24. Na aquisição de veículos em França, o arguido AA utilizava dados pessoais de terceiros (entre outros, …), por recurso a cópia de documento de identificação civil, sem o conhecimento destes cidadãos, que figuram como compradores desses automóveis, com a consequente regularização em território nacional directamente em nome dos seus clientes, com ocultação da sua intervenção nos negócios de compra e venda, e sem quaisquer registos contabilísticos.
25. Na aquisição de veículos, e na sua consequente regularização em território nacional, o arguido AA também utilizava nomes de familiares seus e do arguido BB (…).
26. Isto para seguidamente formular compras (com a elaboração de notas de compra) desses veículos por valores superiores ao realmente pago no estrangeiro, fazendo constar tais factos e documentos na sua contabilidade.  
27. O arguido AA actuava ainda, adquirindo veículos, regularizando-os em território nacional em nome de terceiros, à revelia destes, por via de utilização de dados pessoais, dos quais logrou obter elementos fruto da sua actividade, isto para, seguidamente, formular compras (com a elaboração de notas de compra) desses veículos por valores superiores aos realmente pagos no estrangeiro, fazendo constar tais factos e documentos na sua contabilidade. 
28. Por outro lado, o arguido AA, outras vezes adquiria os veículos e regularizava-os em território nacional em seu próprio nome, com revelação contabilística, porém, com a elaboração de documentos falsos a fim de demonstrar nos exercícios da sua actividade um menor lucro tributável, bem assim, o de evitar processos aduaneiros de mera ordenação social.
29. O arguido AA, elaborava, ainda, pagamentos simulados, através de cheques, por forma a valorar os documentos falsos por si fabricados (facturas falsas e notas de compra falsas).
30. No dia 27 de Setembro de 2016, o arguido AA detinha na sua residência, oito carimbos respeitantes a marcas de automóveis/concessionários franceses, tendo utilizado, pelo menos, duas dessas chancelas no fabrico de documentos.
31. Um dos carimbos apreendidos representa a acção mecânica …
32. Entre os anos de 2013 e 2016, o arguido AA, com a colaboração em alguns deles do arguido BB, legalizou 43 veículos, através de facturas falsas tituladas pela A....
33.
34. Entre os anos de 2013 e 2016, o arguido AA, com a colaboração em alguns deles do arguido BB, legalizou 33 viaturas através de facturas falsas tituladas pela B....
35.
36. No prosseguimento da sua actividade e propósito, o arguido AA emitiu diversos cheques para dar credibilidade a pagamentos que falsamente fez crer terem existido, garantindo o seu registo a débito nas contas associadas.
37. Para o efeito, o arguido AA recorria ao serviço bancário disponibilizado pela Banco 1... …, onde procedia ao levantamento ao balcão dos valores inscritos em cheques por si titulados e emitidos a diversos beneficiários, contudo, com as assinaturas/rubricas de endosso falsificadas, com intuito de fazer crer operações de compra de veículos, como se de verdadeiros negócios se tratasse, circulando assim, o dinheiro do arguido AA para ele próprio.
38. Assim, em pelo menos 58 instrumentos de pagamento, o arguido AA elaborou cheques, a fim de suportar as aquisições de veículos reveladas na contabilidade, sendo os montantes levantados por caixa, após ter feito constar na zona do endosso (verso dos cheques) falsificação das assinaturas/rubricas dos beneficiários (empresas estrangeiras e particulares portugueses), possibilitando assim a simulação e a manutenção dos valores no seu domínio.
39. No mesmo intuito, e em pelo menos 14 instrumentos de pagamento, o arguido AA emitiu cheques a familiares seus e do arguido BB, o que lhe possibilitou a simulação e a manutenção dos valores no seu domínio, sendo que, 10 instrumentos financeiros foram levantados pelos arguidos por transmissão de endosso familiar (falsos beneficiários).
40. O arguido AA emitiu também um cheque, no valor de 9.700,00 euros, ao portador, datado de 11/06/2015, com local de emissão “Paris”, montante que foi pelo mesmo levantando em ..., ao balcão da Banco 1..., em 19/06/2015, sendo que, fez constar na sua contabilidade cópia da frente do cheque, porém, com a discriminação manuscrita do beneficiário a empresa “…”.
41. O arguido AA emitiu ainda outros cheques, titulativos de valores elevados, ao portador, que foram por si levantados por caixa, tendo como objecto o registo e discriminação a débito nos extractos bancários associados aos registos contabilísticos a fim de fazer crer que se tratava de verdadeiras operações.
42. O arguido AA, para o prosseguimento desta sua actividade, utilizava, à margem da contabilidade, outras contas bancárias por si tituladas, nomeadamente a conta n.º …, a conta n.º …, e a conta …, titulada pela sua mãe … (1.º titular) e pelo arguido (2.º titular) e a conta n…
43. Na utilização do sistema bancário para desenvolvimento desta actividade, o arguido AA contava ainda com o auxílio do arguido BB, através de contas bancárias por este tituladas, …
44. A partir destas duas contas bancárias tituladas pelo arguido BB, foi transferido para o exterior, entre Maio de 2014 e Setembro de 2016, o montante global de 211.400,00 euros…
45. A partir do balcão bancário da Banco 1... em …, no lapso temporal compreendido entre Fevereiro de 2013 e Setembro de 2016, foi sobre a conta …, e titulada pelo arguido CC, efectuados 170 depósitos em numerário, no montante total de 563.018,88 euros, que lhe foram entregues para pagamento do imposto sobre veículos junto da alfândega, bem como dos serviços prestados.
46. O arguido AA, com a ajuda dos arguidos BB e aproveitando o serviço prestado pelo arguido CC, obteve entre os anos de 2013 a 2016, uma vantagem patrimonial indevida de 775,763,95 euros, pela não entrega ao Estado dos impostos devidos em sede de IRS e IVA.
47.
48.
49. ……

 
50. Foram, assim, apurados os ganhos líquidos no valor de 42.926,01 euros, isto é, rendimentos líquidos omitidos à declaração apresentada, que resulta do somatório dos dois quadros anteriores.
51. Em sede de IRS, e de acordo com os dados declarados, os valores que deviam constar da contabilidade …
52. Nestes termos, os valores globais de 42.926,01 euros, acrescem ao resultado apurado pelo sujeito passivo na sua declaração (6.086,55 euros), resultando num lucro tributável de 49.012,56 euros, que engloba com os restantes rendimentos líquidos das diversas categorias.
53. O imposto gerado em IRS é de 17.349,71 euros, conforme quadro abaixo:…
54. No que respeita ao IVA, foram apurados os seguintes montantes:
55. O arguido AA havia já entregue imposto no valor de 4.048,36 euros, faltando entregar o valor global para o ano de 2013 de 69.304,93 euros, sendo 3.732,49[1] euros obtidos através de métodos indirectos e os restantes 65.572,44[2] euros por métodos directos, distribuídos pelos respectivos períodos no quadro abaixo, apurando-se os montantes de imposto, para cada período trimestral, de acordo com o enquadramento em sede de IVA do arguido AA:  …
56. No ano de 2014, o arguido AA procedeu à entrega da declaração modelo 3 de IRS, com o anexo C, com registo n.º 0710-20..., relativa aos rendimentos obtidos na actividade de comércio de automóveis com contabilidade organizada, tendo declarado como lucro tributável (campo 460) o valor de 14.416,55 euros, tendo sido considerado a deduzir perdas a recuperar no valor de 885,79 euros.
57. Na liquidação da declaração de IRS, resultou imposto a pagar no valor de 2.829,15 euros.
58. O arguido registou 25 veículos na contabilidade, mas utilizou expedientes fraudulentos nessa introdução (factura de aquisição falsa e simulação de aquisição, entre outros), conforme quadro abaixo:
59. Dos valores calculados, foram completamente omitidas à contabilidade, 33 viaturas do total de 58 transaccionadas, que contribuíram com o valor de 85,368,80 euros (65% do total) para o lucro tributável omitido, conforme quadro abaixo:
60. Em sede de IRS, e de acordo com os dados declarados, os valores que deviam constar da contabilidade são os seguintes: …
61. Nestes termos, acrescem ao resultado apurado e declarado pelo sujeito passivo no modelo 3 – anexo C apresentado (14.416,55 euros), resultando num lucro tributável de 145.818,65 euros, que engloba com os restantes rendimentos líquidos das diversas categorias.
62. O imposto gerado em IRS é, assim, de 65.112,22 euros, conforme quadro abaixo:
63. Em sede de IVA, no ano de 2014, os valores abaixo referidos foram apurados com recurso a estimativas (métodos indirectos).
64. Assim, dos valores apurados para o ano de 2014, o arguido AA locupletou-se com 15.256,17 euros em IVA não entregue, repartido pelos diversos trimestres nos seguintes valores:

 1403T -  euros 2.314,85;

1406T -  euros 2.805,58;
1409T -  euros 3.973,91; e
1412T -  euros 6.161,83.
65. Todos os montantes apurados resumem-se no quadro abaixo: …


66. Do quadro acima constata-se que o arguido AA havia já entregue imposto no valor de 10.919,39 euros, faltando entregar o valor global para o ano de 2014 de 127.804,69 euros, sendo 15.256,17 euros, conforme indicado acima, obtidos de métodos indirectos e os restantes 112.548,52 euros por métodos directos, distribuídos pelos respectivos períodos no quadro abaixo, apurando-se os montantes de imposto, para cada período trimestral, de acordo com o enquadramento em sede de IVA do arguido AA: …No ano de 2015, o arguido AA procedeu à entrega da declaração modelo 3 de IRS, com o anexo C, com registo n.º 0710-20..., relativa aos rendimentos obtidos na actividade de comércio de automóveis com contabilidade organizada, tendo declarado como lucro tributável (campo 470) o valor de 13.466,08 euros, tendo da liquidação, resultado imposto a pagar no valor de 2.570,66 euros. 
67. O arguido AA considerou 33 veículos na contabilidade, mas utilizou expedientes fraudulentos nessa introdução (factura de aquisição falsa e simulação de aquisição, entre outros), conforme quadro abaixo: …
68. Dos valores calculados, foram completamente omitidas à contabilidade, 48 viaturas do total de 81 transaccionadas, que contribuíram com o valor de 118.934,88 euros (70% do total) para o lucro tributável omitido, conforme quadro abaixo: …
69. Os valores que deveriam constar da contabilidade são os seguintes: …
70. Dos valores encontrados, apurou-se manipulações dos valores considerados na contabilidade nas seguintes viaturas, verificando-se uma adulteração de gastos (valores de compra), que calcula omissões realizadas pelo arguido AA no valor de 37.556,91 euros. 
71.
72. Acrescem estes valores ao resultado apurado e declarado pelo sujeito passivo na declaração modelo 3 – anexo C, resultando num lucro tributável de 170.809,68 euros, que engloba com os restantes rendimentos líquidos das diversas categorias.
73. O imposto gerado em IRS é de 85.890,969 euros.

2015

DescriçãoDeclaradosOmitidosApurados
1. Resultado apurado cat B13.426,08170.809,68184.235,76
2. Perdas a recuperar0,00 0,00
3. rendimento colectável (= 1. + 2.)13.426,08 184.235,76
4.  coef. conjugal1 1
5. taxa28,50% 50,50%
6. parcela a abater980,00 10.280,00
7. Imp. Relativo a trib Autónomas0,00 0,00
8. colecta [=(3./4.*5.-6.)*4.]2.846,43 82.759,06
9. deduções à colecta498,25 498,25
10. Colecta Liquida (=8.-9.)2.348,18 82.260,81
11. retenções fonte0,00 0,00
12. Juros de retenção-poupança0,00 0,00
13. Resultado do cálculo da sobretaxa (artº 72º -A CIRS)469,92 6.200,80
14. Imposto apurado (=7.-8.-9.+10.+11.)2.818,10 88.461,61
15. Vantagem Patrimonial Obtida em 2015 85.890,96
74. No que respeita ao IVA, os valores descritos no quadro abaixo foram apurados com recurso a estimativas (métodos indirectos):
 
75. Quatro destes veículos foram registados na contabilidade, tendo calculado IVA no valor de 2.010,16 euros que foi já considerado nas declarações apresentadas.
76. Contudo, dos valores apurados para o ano de 2015 por métodos indirectos, o arguido AA locupletou-se com 17.649,97 euros em IVA não entregue, repartido pelos diversos trimestres nos seguintes valores:

 1503T -  euros 6.692,92;
 1506T -  euros 5.409,62; e
1512T -  euros 5.547,43. 
77. Os restantes valores de venda foram obtidos dos valores pagos pelos adquirentes nacionais que o declararam por escrito (alguns casos resultam do valor registado em factura de venda emitida pelo arguido AA) e no caso de utilização do regime da margem (no ponto 6.3.71) foi encontrado prova do valor de aquisição. Assim, no quadro abaixo compilam-se todos os montantes apurados: …
78. O arguido AA entregou imposto no valor de 16.245,84 euros, faltando entregar o valor global para o ano de 2015 de 214.742,11 euros, sendo 17.649,97 euros, obtidos de métodos indirectos e os restantes 197.092,14 euros por métodos directos, distribuídos pelos respectivos períodos no quadro abaixo: …
79. No ano de 2016, o arguido AA procedeu à entrega da declaração modelo 3 de IRS, com o anexo C, com registo n.º 0710-20..., relativa aos rendimentos obtidos na actividade de comércio de automóveis com contabilidade organizada, tendo declarado como lucro tributável (campo 470) o valor de 2.185,97 euros, tendo da liquidação, resultado imposto a reembolsar no valor de 1.938,70 euros. 
80. Dos valores encontrados na análise, constatou-se que 26 veículos haviam já sido considerados na contabilidade, mas tendo sido utilizados expedientes fraudulentos nessa introdução (factura de aquisição falsa e simulação de aquisição, entre outros), conforme quadro abaixo:  
81. Dos valores calculados, foram completamente omitidas à contabilidade, 27 viaturas do total de 53 transaccionadas, que contribuíram com o valor de 64.701,95 euros (56% do total) para o lucro tributável omitido, conforme quadro:…
82. Em sede de IRS, e de acordo com os dados declarados, os valores que deviam constar da contabilidade são os seguintes: …
83. Nestes termos, acrescem ao resultado apurado e declarado pelo sujeito passivo na declaração modelo 3 – anexo C, resultando num lucro tributável de 117.454,39 euros e engloba com os restantes rendimentos líquidos das diversas categorias, conforme quadro abaixo:

 …
84. No que respeita ao IVA, os valores descritos no quadro abaixo, foram apurados com recurso a estimativas (métodos indirectos):
85. Seis veículos foram já registados na contabilidade, tendo calculado IVA no valor de 3.550,97 euros que foi já considerado nas declarações apresentadas.
86. Contudo, dos valores apurados para o ano de 2016 por métodos indirectos, o arguido AA locupletou-se com 11.169,26 euros em IVA não entregue, repartido pelos diversos trimestres nos seguintes valores:

 1603T -  euros 1.194,76;

1606T -  euros 652,48;
1609T -  euros 4.332,25; e  
1612T -  euros 4.989,77.
87. Os restantes valores de venda foram obtidos dos valores pagos pelos adquirentes nacionais que o declararam por escrito (alguns casos resultam do valor registado em factura de venda emitida pelo arguido AA) e no caso de utilização do regime da margem (no ponto 6.4.7; 6.4.20; 6.4.29; 6.4.31 e 6.4.32) foi encontrada prova do valor de aquisição. Assim, no quadro abaixo compila-se todos os montantes apurados:


88. O arguido AA havia já entregue imposto no valor de 15.487,72 euros, faltando entregar o valor global para o ano de 2016 de 141.408,96 euros, sendo 11.169,26 euros, conforme indicado acima, obtidos de métodos indirectos e os restantes 130.239,70 euros por métodos directos, distribuídos pelos respectivos períodos no quadro abaixo, apurando-se os montantes de imposto, para cada período trimestral, de acordo com o enquadramento em sede de IVA do arguido AA. …
89.  

I - Veículos automóveis introduzidos e comercializados no ano de 2013

II - Veículos automóveis introduzidos e comercializados no ano de 2014

2192- As despesas com as instalações, obras, renda e limpeza, consertos e arranjos, sites online para divulgação dos veículos para venda, marketing e publicidade, papelaria, instrumentos de trabalho, como são os computadores, contabilidade, deslocações, e ainda rendas a pagar para presenças em feiras e exposições, como é o caso da Expofacic, e outros encargos sempre estiveram a cargo do arguido AA

2193- O arguido AA manifesta arrependimento.

2201- À data dos factos em causa nos presentes autos e até ao presente, AA integrava um agregado familiar constituído por três elementos: o arguido; a companheira, …, de 42 anos, consultora imobiliária; e a filha de ambos, …, de 14 anos de idade, estudante do 98º ano de escolaridade.

2202- Com uma relação afectiva estabelecida há mais de 20 anos, o contexto familiar parece estável e proporciona ao arguido um equilíbrio pessoal e emocional positivo.

2203- Os três elementos repartem a residência entre a casa dos pais do arguido e uma moradia próxima (em frente), que se encontra em fase de acabamentos, cuja construção o arguido iniciou em 2019, com recurso a empréstimo bancário.

2212- O arguido BB manifesta arrependimento.

2216- O arguido BB reside com a família: a mulher …, 40 anos, administrativa numa empresa …, as filhas …, 8 anos, estudante, e …, 3 anos, …; moram em habitação própria, moradia de r/chão e 1º andar, de tipologia T4, adquirida em 2016 através de empréstimo bancário que se encontram a pagar.

Pedido de indemnização civil

2225- O arguido AA adquiriu em França, os veículos automóveis, de origem francesa, … utilizando para o efeito os dados pessoais do demandante DD, que figurava como comprador dos mesmos.

2226- Também o arguido BB adquiriu em França o veículo automóvel com a matrícula ..-..0-LD (viatura 150) utilizando dados pessoais do demandante.

2227- Para a concretização de tais aquisições recorreram a uma cópia do documento de identificação civil do demandante DD sem a sua autorização ou conhecimento.

2228- O demandante nunca comprou qualquer veículo em França, nem deu qualquer autorização para que os seus dados pessoais fossem utilizados pelos arguidos.

2229- O demandante sentiu-se impotente e revoltado por o demandado AA ter utilizado os seus dados pessoais, pessoa a quem até já tinha adquirido um veículo automóvel e a quem confiou os seus dados pessoais, na altura da referida compra.

2230- O demandante sentiu vergonha por ver o seu bom nome envolvido em tais expedientes usados pelos arguidos

2231- O demandante ficou abalado do sistema nervoso, por não saber em que mãos estaria a cópia do seu documento de identificação civil.

2232- A situação foi tema de conversa entre amigos e pessoas conhecidas, que acabaram por ter conhecimento dos factos, tendo em conta que se trata de um meio pequeno, onde tudo se sabe e tudo se comenta.

2233- O demandante sentiu e ainda sente revolta sabendo que uma cópia do seu cartão de identificação civil, andou a circular nas "mãos" de várias pessoas.

2234- O demandante, quando teve conhecimento e quando foi prestar as primeiras declarações nas noites seguintes, não conseguia descansar, nem dormir, pois pensava constantemente nos actos que poderiam ainda praticar com os seus dados e na possibilidade de ser responsabilizado pelos mesmos.

2235- O demandante é uma pessoa séria, que goza de boa reputação, respeito público e dignidade inequívocos.

2236- O demandante DD deslocou-se a Coimbra para prestar esclarecimentos, fazendo-o na sua viatura a gasóleo, desde a sua residência, …, da qual dista cerca de 16 Kms.

2237- Nessa deslocação percorreu um total de 32 Kms, gastando 25,00 euros em combustível.

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Factos não provados

*

**

O tribunal colectivo não analisou o relatório social nem o certificado do registo criminal do arguido CC porquanto nada ficou demonstrado em sede de culpabilidade quanto ao mesmo (questões referidas no artigo 368º do Código de Processo Penal); assim, fica prejudicada a análise da determinação da sanção (artigo 369º, do mesmo código).

Na verdade, só no caso de, ao arguido, dever ser aplicada pena ou medida de coacção é que o tribunal deve analisar a documentação relativa aos antecedentes criminais e ao relatório social (nº 1, do artigo 369º, do mesmo código)[3].

O Supremo Tribunal de Justiça, no acórdão de fixação de jurisprudência nº 4/2016, de 21.01.2016, já definiu[4] que tal não constitui o vício da alínea a), do nº 2, do artigo 410º, do Código de Processo Penal: “(…) no caso de o tribunal de 1.ª instância não passar à questão da determinação da espécie e medida da pena porque, previamente, da deliberação e votação sobre a questão da culpabilidade resultou que ao arguido não devia ser aplicada uma pena ou medida de segurança já não se poderá considerar a existência de tal vício (o vício da alínea a) do nº 2 do artigo 410º) mesmo quando a Relação altere a decisão absolutória respondendo afirmativamente à questão da culpabilidade.

**

*

Motivação

….[5]

[6].

[7].

[8].

[9].

[10].

Para além do teor das declarações dos arguidos AA e BB, a maior parte dos factos objectivos resultam do teor dos documentos indicados junto dos factos alinhados como provados[11].

A maior parte dos documentos não foram postos em causa e alguns foram esclarecidos e explicados em audiência de discussão e julgamento.

O arguido AA diz que tudo era feito em nome, com autorização e em nome dos clientes, todos os modelos 1402 foram assinados pelo respectivo cliente.

Relativamente a esses documentos, serão tidos em conta, além dos demais elementos probatórios, o contexto e depoimentos das respectivas testemunhas, o mesmo acontecendo quanto aos veículos referidos no ponto 94 da contestação apresentada pelo arguido AA.

O arguido AA declarou querer assumir as responsabilidades, mas que alguns aspectos não são verdade.

[12].

Falava com o CC nos primeiros tempos, depois eram os funcionários (…) que passavam lá para levar a documentação necessária para a legalização do veículo, pagava-lhe cerca de 170 euros por cada veículo, era o valor que “toda a gente levava”; a maior parte dos pagamentos foi através de depósito bancário; quando o processo ia para aquele já não o acompanhava até receber a DAV.

O arguido BB diz que concorda com a acusação “quase na globalidade”, explicando que “desses 236 eu tenho 8 carros”; explica que só veio para Portugal em 2013, sempre o arguido AA foi o patrão e ele o empregado, em 2018 teve um processo disciplinar e em 2020 teve que se despedir para sair da empresa (entraram em conflito e despediu-se). …

No stand se um cliente se mostrasse interessado nalgum carro, o assunto era tratado pelo arguido AA; …

Reconhece que sabia que se passava alguma coisa mas nunca pensou que “fosse desta envergadura”, não tinha a noção dos valores nem sabia da situação do IVA e IRS.

Os pagamentos eram com o AA com os carros dele e com o depoente quando os carros eram deste.

Esclarece que quando ia a França havia factura quando comprava a profissionais e declaração de venda quando era a particulares.

Confirma que usou dados de familiares seus para essas declarações (…).

Diz que o arguido AA lhe pedia para usar as suas contas e ele cedia.

Note-se, desde já, que as declarações do arguido BB em audiência de discussão e julgamento acabam por afastar parte da versão que o mesmo apresentou na contestação; desde logo o mesmo admite em audiência de discussão e julgamento que actuou para além do âmbito da relação laboral, com autonomia em relação a alguns veículos que vendeu por si e para si …

O arguido CC relatou como a sua empresa (…) tratou dos documentos para os processos em causa (em 2013/2016 ainda iam à alfandega); apenas tinha contacto com os documentos não sabia como tinham sido obtidos, nunca teve contacto com as pessoas (recebia-os do arguido AA), nem foram estas que lhe solicitaram os serviços …; não faz ideia do que o AA fazia, sabia que ele estava a agir como mediador, intermediário, era um cliente regular, normal (nem era dos melhores); não sabe como era feita a facturação da empresa ou a relação com os clientes, quando entregava os documentos na alfandega, eram os originais; o controlo dos documentos é feito pela alfandega; quanto ao “documento de habilitação” não conhece os clientes, apenas recebe a documentação; os pagamentos eram “sempre” (por norma) feitos em depósito ou transferência bancária, passando a atinente factura.

O arguido CC ainda esclareceu (na sessão de 21.06.2024) que na sua actuação não tinha que indagar acerca da autenticidade dos documentos que lhe eram entregues pelos clientes, não sabe que contrato houve entre quem lhe entregou os documentos e o cliente final, a alfandega não exige a certificação de assinatura (“limita-se a receber e tramitar os papéis”), emite a factura à pessoa em nome de quem vem a DAV; as facturas são emitidas e ficam no escritório, não as remetem às pessoas porque não as pedem.

As testemunhas apresentaram depoimentos isentos, serenos, consistentes, firmes e coerentes, mostrando-se esforçados quanto aos factos em relação aos quais tinham conhecimento.

Foram analisados os seguintes documentos indicados como meio de prova:

O arguido AA invoca o carácter excepcional da quantificação presuntiva da vantagem patrimonial ilegítima (convocando os artigos 81.º e 77.º, n.º 4, da Lei Geral Tributária), concluindo que o relatório da Autoridade Tributária e Aduaneira junto aos autos carece de fundamentação, no que concerne à impossibilidade de comprovação e quantificação directa e exacta da matéria tributável, além dos critérios utilizados pois não provou a existência dos pressupostos legalmente exigidos da aplicação do método de avaliação indirecta. 

Admite que houve lucro com os negócios de compra e venda das viaturas importadas mas tal lucro não atingiu o grau de grandeza considerado pela Administração no relatório apresentado…

Igualmente salienta que o cálculo através de métodos direitos tem em consideração documentação que terá sido falsificada pelo que o resultado do valor de IVA a entregar está necessariamente viciado uma vez que os documentos base para o cálculo não são fidedignos. 

Assim, uma vez que os valores apurados não são os reais e que a matéria em causa de maneira alguma consegue ser devidamente valorada uma vez que se trata de uma mera estimativa (excessiva, conforme se enalteceu supra) e suposição por parte da AT, persistindo a dúvida, é inevitável não se decidir pela aplicação do principio ‘in dubio pro reo’.

A este respeito, convém ter presente que o recurso a métodos indirectos de determinação da matéria colectável é uma ‘ultima ratio’, apenas podendo ser aplicado quando não seja possível que esta avaliação seja feita por via da avaliação directa, em conformidade com o princípio constitucional segundo o qual a tributação das empresas recai fundamentalmente sobre o seu rendimento real (cfr. artigo 104.º, n.º 2 da Constituição da República Portuguesa).

A expressão métodos indiciários mais não é do que um dos métodos de prova indirecta a que recorre a Administração Fiscal, sempre que não pode basear a existência ou quantificação de uma obrigação fiscal nos elementos voluntariamente fornecidos pelo sujeito passivo no cumprimento dos deveres que lhe são imputados pela lei[13].

Assim, o recurso a presunções ou valores estimados só está legitimado desde que se verifiquem dois pressupostos:

- a existência de anomalias ou irregularidades na contabilidade;

- e que não seja possível a comprovação e quantificação directa e exacta dos elementos indispensáveis à determinação da matéria colectável de acordo com as prescrições legais.

Por isso, a omissão, erros ou inexactidões na contabilidade e nas declarações do contribuinte não é bastante para sustentar o recurso a métodos indirectos.

Para tal é necessário o outro requisito legitimador: a impossibilidade de comprovação e quantificação directa e exacta dos elementos indispensáveis à determinação da matéria colectável de acordo com as prescrições legais.

A avaliação indirecta só pode efectuar-se em caso de impossibilidade de comprovação e quantificação directa e exacta dos elementos indispensáveis à correcta determinação da matéria tributável.

Essa impossibilidade poderá resultar da inexistência ou insuficiência de elementos de contabilidade ou declaração, ou por erros e inexactidões na contabilidade das operações não supridas no prazo legal, desde que essas anomalias ou incorrecções inviabilizem o apuramento da matéria tributável por comprovação e quantificação directa. - Cfr. art.° 87.°, al. b) e 88.° al. a) da LGT.

Na previsão legal não existe um efeito automático que deriva do facto de se constatar a inexistência ou insuficiência de elementos de contabilidade ou declaração, ou erros e inexactidões na contabilidade das operações não supridas no prazo legal, para se lançar mão da aplicação de métodos indirectos. É necessário, também, que a AT demonstre que essas anomalias ou incorrecções inviabilizaram o apuramento da matéria tributável por comprovação e quantificação directa. A justificação não pode consistir na enunciação, ou transcrição, dos pressupostos que a lei, que é geral e abstracta, faz depender de recurso a tais métodos indirectos. Aquela deve conter o itinerário cognoscitivo e valorativo de maneira a que o destinatário possa compreender porque é que a AT decidiu de uma determinada maneira[14].

Neste caso, a decisão da tributação pelos método indirecto deve especificar os motivos da impossibilidade da comprovação e quantificação directa e exacta da matéria tributável (Art.° 77°, n.° 4 da LGT), sendo certo que a inexistência ou insuficiência de elementos de contabilidade ou declaração, ou erros e inexactidões na contabilidade das operações não supridas no prazo legal, não permite, sem mais, a aplicação daqueles métodos.

Ora, tal é perceptível no relatório da administração tributária e foi explicitado pelo senhor inspector tributário ouvido em audiência de discussão e julgamento, não restando qualquer dúvida acerca do modo de apuramento dos valores em causa e do respectivo suporte legal.

De todo o modo, sendo a expressão “métodos indiciários” um dos métodos de prova indirecta a que recorre a Administração Fiscal, então também deve ser sujeito ao crivo dos critérios de validação da “prova indirecta”.

A jurisprudência dos Tribunais Superiores mostra-se firme relativamente à admissibilidade da prova indirecta e aponta o percurso que deve seguir o tribunal no caminho da busca da verdade através da análise de diversos indícios à luz das regras de experiência da vida.

…,[15]

[16]

O indício apresenta-se de grande importância no processo penal porque nem sempre se tem ao alcance a prova directa que autorize a perseguir a conduta, sendo necessário, pelo recurso ao esforço lógico-jurídico, intelectual, para a partir de factos certos deduzir, inferir outros, antes que se gere a impunidade, até porque quem comete um crime busca intencionalmente o sigilo da sua actuação.

…,[17][18].

[19], …

[20]: …

[21].

O tribunal colectivo não considerou o “Relatório GNR – Unidade de Acção Fiscal de Coimbra – apenso 10[22]” nem o “Relatório resumo dos trabalhos, a fls. 920 a 923”, indicados como meios de prova na acusação; com efeito, tal corresponde ao relatório final de investigação elaborado pela investigação descrevendo o curso da investigação, a prova carreada para os autos, os actos processuais desenvolvidos e as conclusões apuradas; ora tais “relatórios” não podem valer como meios de prova, pela sua própria natureza, circunstâncias e finalidade da respectiva elaboração.

Em resumo, o percurso do tribunal colectivo na formação da sua convicção assentou, essencialmente nas declarações dos arguidos e depoimentos das referidas testemunhas conjugados com os documentos analisados nos termos explicitados e indicados supra.

[23] .

Existem elementos do crime que, no caso da falta de confissão, só são susceptíveis de prova indirecta como são todos os elementos de estrutura psicológica, os relativos ao aspecto subjectivo da conduta criminosa[24].

Neste caso, o arguido AA admite os factos e declara expressamente que quer “assumir as responsabilidades”, que tinha consciência de que estava a ganhar pela diferença de imposto pois se declarasse que o cliente trazia o carro os impostos eram menores; tinha consciência de que não podia importar carros dessa forma, esses negócios nunca foram declarados e reconhece que está em falta o pagamento de IVA e do IRS e assume que foi para não pagar impostos que fez “este esquema”.

O mesmo acontece com o arguido BB que reconhece que sabia “que se passava alguma coisa”, mas nunca pensou que “fosse desta envergadura”; tendo em conta a demonstrada actuação deste arguido não restam dúvidas acerca do preenchimento subjectivo dos elementos típicos da sua cumplicidade quanto à actuação do arguido AA.

A convicção do tribunal acerca do arrependimento dos arguidos AA e BB  resultou da sua atitude em audiência de discussão e julgamento ao assumirem parte dos seus comportamentos sem tentarem engara o tribunal quanto às suas actuações[25], mostrando que interiorizaram a gravidade dos seus comportamentos sem procurarem a auto-desculpabilização dos actos praticados[26].

[27]

[28].

[29].

**

B) De direito

[30].

[31],

[32].

[33].

[34].

[35],

[36].

[37].

B) Crime de fraude fiscal qualificada

**

Cumplicidade

….

*

[38][39]

[40].

*

Estado de necessidade desculpante/ conflito de deveres/obediência indevida desculpante

*

*

Cumplicidade

**

[41].

[42].

                                                  *

[43].

[44].

[45].

*

….

[46]

[47].

*

*

Cúmulo jurídico

Assim sendo, o arguido AA deve ser condenado na pena única de cinco anos de prisão.

**

Suspensão da execução da pena de prisão

De modo a promover a reintegração social de ambos os arguidos AA e BB, mostrando-se conveniente e adequado à realização das finalidades da punição, devem ambas as suspensões da execução das penas de prisão ficar subordinadas a regime de prova, nos termos do artigo 53º, nºs 1 e 4.

[48], …

*

***

Recolha de amostra de ADN

O nº 2 do artigo 8º da Lei nº 5/2008, de 12.02 estabelece que a recolha de amostra em arguido condenado por crime doloso com pena concreta de prisão igual ou superior a 3 anos, ainda que esta tenha sido substituída, com a consequente inserção do respectivo perfil de ADN na base de dados, é sempre ordenada na sentença.

[49].

[50], …[51]

No presente caso, o arguido AA vai condenado na pena de cinco anos de prisão suspensa na sua execução.

Tendo em conta a intensidade da actuação em causa coloca-se a existência de grave perigo de continuação criminosa pelo que se justifica ordenar a recolha de amostra de ADN para análise e inserção na base de dados de perfis de ADN, por se mostrar necessária e proporcional para finalidades de investigação criminal.

Além disso, a referida gravidade não contende com a suspensão da execução da pena de prisão por se tratarem de institutos com necessidades diferentes.

[52].

Por isso, se deve ordenar a recolha de amostra para obtenção de perfil de ADN e posterior inserção na base de dados respectiva, nos termos do disposto nos artigos 8º, nº 2 e 18º, nº 3, ambos da Lei nº 5/2008, de 12.02.

*

**

Perda de vantagens

O que está em causa é a vantagem patrimonial obtida pela prática do crime correspondente ao valor não entregue ao Estado dos referidos impostos.

Assim, de tal vantagem indevida apenas foi beneficiário o arguido AA, porquanto o arguido BB, como cúmplice, não obteve qualquer vantagem patrimonial do(s) crime(s) praticado(s) por aquele arguido.

Por isso, uma vez que apenas o arguido AA obteve aquela vantagem patrimonial indevida somente este deve ser condenado no respectivo pagamento.

Nestes termos, segundo aquela disposição legal deve ser declarado perdido a favor do Estado o montante correspondente à vantagem económica directamente resultante do cometimento dos crimes pelos quais o arguido AA vai condenado.

Assim sendo, deve operar a previsão daquele nº 4, devendo este arguido ser condenado no pagamento ao Estado da quantia correspondente àquele valor.

*

Pedido de indemnização civil

DD pretende que os demandados AA, BB e CC sejam condenados a lhe pagar, solidariamente, o montante global de 6.025,00 euros (6.000 a título de danos morais e 25,00 a título de danos patrimoniais), acrescido de juros vencidos contabilizados à taxa legal, deste a citação, até integral pagamento.

No que respeita aos danos patrimoniais, ficou provado que o demandante DD gastou 25,00 euros na deslocação que teve que efectuar devido à actuação dos demandados AA e BB.

Assim, em sede de danos patrimoniais os demandados devem ressarcir tal prejuízo.

A gravidade do dano não patrimonial indemnizável deverá ser aferida por um padrão objectivo (embora tendo em conta as circunstâncias do caso concreto), e não por um padrão subjectivo, derivado de uma sensibilidade especialmente requintada ou exacerbada ou, pelo contrário, particularmente embotada[53].

[54].

…”[55].

[56], …[57].

[58].

[59].

[60].

….

Perante estes critérios e a situação concreta definida nos termos referidos supra, tendo em conta a actuação dos demandados, a gravidade da ofensa e os incómodos sofridos pelo demandante, o tribunal colectivo considera adequada e justa a peticionada indemnização de 6.000,00 euros.

*

A responsabilidade dos demandados é solidária, pois como estabelece o artigo 497º, nº 1, do Código Civil, se forem várias as pessoas responsáveis pelos danos, é solidária a sua responsabilidade; ora, é o que acontece neste caso.

*

[61]».


3. conhecendo os recursos

Apreciemos as questões a resolver.

1. Da inclusão de matéria alegadamente genérica e conclusiva na factualidade provada (recurso de AA)

No entender do recorrente AA o Acórdão recorrido (assim como a acusação) não concretiza a  forma como o arguido ter-se-á apropriado de valores devidos ao Estado em sede de IVA optando (a acusação pública – e, agora, a decisão recorrida) – por fórmulas genéricas, vagas e conclusivas de modo a afirmar que o arguido se «apropriou» de valores relativos ao IVA.

Vejamos.

Como é sabido, a precisa e possível indicação e concretização dos factos necessários à integração no tipo é elemento essencial do julgamento.

Por outro lado, o n º 3 al. b) do artigo 283º do CPP, dispõe que a acusação contém, sob pena de nulidade: «A narração, ainda que sintética, dos factos que fundamentam a aplicação ao arguido de uma pena ou de uma medida de segurança, incluindo, se possível, o lugar, o tempo e a motivação da sua prática, o grau de participação que o agente neles teve e quaisquer circunstâncias relevantes para a determinação da sanção que lhe deve ser aplicada».

Ou seja, não é obrigatória a indicação do lugar e da data dos factos, da motivação e do grau de participação do agente, e das circunstâncias relevantes para a determinação da pena.

Com efeito, como resulta expressamente da letra da lei, tais indicações apenas serão de efetuar no caso de ser possível.

Sem prejuízo, impõe-se que «a indicação dos limites temporais da ação se mostrem suficientemente demarcados, adstritos a um concreto período de tempo, circunstância que conjugada com a descrição dos atos integrantes da atividade, dos respetivos intervenientes e local onde ocorreram não conduz a uma compressão inadmissível do exercício dos direitos de defesa do arguido ou da sua posição processual»[62].

Na verdade, a aceitação das afirmações genéricas, vagas, conclusivas, difusas, como «factos» inviabiliza o direito de defesa que ao arguido assiste, constituindo grave ofensa aos direitos constitucionais (art.º 32.º da Constituição da República Portuguesa, ou CRP) e contraria o princípio do processo justo e equitativo (art.º 6º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem).

Daí que não se pode ter como acusação e muito menos como fundamentação de uma condenação a imputação de factos genéricos, vagos, que nem permita ao acusado ou condenado localizar, no tempo e no espaço, as ações que lhe são atribuídas, nem possibilite a aplicação segura do direito, por forma a se decidir, designadamente, da sucessão de leis no tempo, e das condições de procedibilidade.

O arguido, por outro lado, tem direito a conhecer os eventos imputados, os concretos factos que por que é acusado, bem como os que fundamentam a condenação, não podendo, ainda, o Estado de Direito Democrático permitir o exercício da ação penal fora das condições que a si próprio se fixa.

Na concreta ponderação prática dos interesses em presença será de considerar que a relevância social do crime não pode redundar nem no apagamento das preocupações processuais de investigação, nem na consequente inoperância de certos institutos de direito penal.

«A solução terá de ser encontrada caso a caso, o que passará por ponderar se a factualidade descritiva tem a densidade suficiente para permitir a integração típica e a defesa eficaz por parte do arguido, ao nível do seu exercício do direito ao contraditório»[63].

Sempre que seja de concluir que as afirmações pelo seu caráter vago e genérico não permitem a defesa eficaz por parte do arguido, ou que encerram asserções conclusivas/valorativas que não permitem a defesa eficaz do arguido, deve entender-se que não estão em causa factos materiais.

Como não estamos perante factos, deve considerar-se nesta parte a decisão que respeita à matéria de facto não escrita.

Portanto, nestas situações, a solução a adotar, é de que a matéria de facto deve ser expurgada de afirmações genéricas, conclusivas ou que comportem matéria de direito, e sempre que um ponto da decisão respeitante à matéria de facto integre tal componente deve ser desconsiderado, por não poder ser objeto de prova.

Dito isto.

Lida e relida a factualidade provada (e a pronúncia, que, por sua vez,  deu como reproduzidos os factos descritos na acusação pública) não detetamos que a mesma careça de concretização, designadamente, quanto à a  forma como o arguido se apropriou dos valores devidos ao Estado em sede de IVA.

Aliás, se dúvidas houvesse, ouvidas as declarações prestadas em audiência de julgamento pelo arguido, ora recorrente AA, pudemos constatar que não foi minimamente beliscado o direito de defesa, sendo certo que, este arguido admitiu grande parte dos factos provados, dizendo mesmo que a Autoridade fez um bom trabalho/os inspetores pensa que fizeram um bom trabalho na sua parte, mas não na parte do que respeita a BB «não foi justo». Ou seja, rejeita a intervenção nos «carros de gama alta», referidas no art.º 94 da contestação, que teriam sido importados pelo arguido BB, sendo este que tem toda a responsabilidade nestes carros.

Em audiência de julgamento, respondeu o ora recorrente AA, de forma que se nos afigurou perfeitamente esclarecida a todas as perguntas que detalhadamente lhe foram colocadas.

Tudo considerado, julga-se, nesta parte, improcedente a defesa.

2. Da sindicância da matéria de facto

2.1. Da ilegalidade de utilização de métodos indiretos (recursos dos arguidos AA e BB)

No entender do recorrente AA revela-se ilegal o recurso a métodos indiretos para calcular o IVA não liquidado pelo arguido, por aplicados ao arrepio das exigências legais, designadamente das previstas no artigo 59.º, n.º 7, do Código de Procedimento e Processo Tributário, do artigo 89.º, n.ºs 1 e 2 do Código do IRS, dos artigos 88.º e ss. Código do IVA e do artigo 91.º da Lei Geral Tributária, e por não oferecerem a necessária segurança e garantia probatória, assentando em estimativas insuficientemente documentadas e contraditórias entre si e com os factos efetivamente demonstrados nos autos, incluindo a confissão do arguido.

Por sua vez, alega o recorrente BB que a utilização de métodos indiretos enferma dos vícios de ilegalidade, por violação dos princípios da subsidiariedade (art.º 87.º, n.º 1, al. b) e 88.º LGT), da fundamentação (art.º 77.º LGT) e do contraditório (art.º 60.º LGT). No entender deste recorrente, a Autoridade Tributária não demonstrou ter esgotado todos os meios diretos ao seu alcance (nomeadamente cooperação internacional) antes de recorrer aos métodos indiretos, nem fundamentou de forma clara e objetiva os critérios de estimativa utilizados, nomeadamente quanto ao «valor de mercado» ou à correta determinação dos custos e do lucro líquido, aliás o próprio Sr. Inspetor da AT, Dr. EE, veio para o efeito declarar que apenas se recorreu a este apuramento sem mencionar a consideração de outros métodos mais eficientes e mais próximos da realidade fiscal. Conclui o recorrente que estes vícios no apuramento da matéria tributável comprometem a validade da liquidação do imposto e, consequentemente, a própria existência ou, pelo menos, a qualificação e quantificação do crime de fraude fiscal imputado, devendo conduzir à absolvição.

Vejamos.

O ato de apuramento da situação tributária no âmbito do procedimento penal «não é um acto tributário, por meio do qual seja conferida liquidez à obrigação gerada pela ocor­rência de um facto tributário». Donde que não equivale a uma liquida­ção de imposto. Trata-se antes de um parecer, informação ou relatório (por exemplo, o relatório de inspecção ou um relatório pericial) de natu­reza técnica, não vinculando, de per si, o contribuinte a qualquer dever ou obrigação tributários.

Há uma total autonomia entre a obrigação tributária e a responsabilidade penal tributária, ainda quando fundadas na mesma situação de facto tributariamente relevante. Sendo assim, dum ponto de vista penal, o apuramento da situação tributária apenas se mostrará necessário para efeitos de avaliação da relevância típica da conduta e por ser uma circunstância de fundamental importância para a determinação da medida concreta da pena aplicável, independentemente dos atos tributários de liquidação e de cobrança do imposto.

É sabido que o processo penal se rege, entre outros, pelo princípio da suficiência, o qual se encontra plasmado no artigo 7.º do CPP.

Salvo o devido respeito que é muito, não vislumbramos que com a realização do relatório e a sua valoração em processo penal hajam sido incumpridas as normas dos artigos 59.º, n.º 7[64], do Código de Procedimento e Processo Tributário, do artigo 89.º, n.ºs 1 e 2[65] do Código do IRS, dos artigos 88.º e ss. Código do IVA[66] e do artigo 91.º da Lei Geral Tributária[67] (tal como invocado pelo arguido e recorrente AA) e dos princípios da subsidiariedade (art.º 87.º, n.º 1, al. b)[68] e 88.º[69] LGT), da fundamentação da decisão de procedimento (art.º 77.º LGT) e do contraditório (art.º 60.º LGT) (tal como alegado pelo arguido e recorrente BB).

Não oferece dúvida que são admissíveis em processo penal as provas que não sejam proibidas por lei (art.º 125º do CPP), aí incluídas as presunções judiciais, que são as ilações que o julgador retira de factos conhecidos para firmar outros factos, desconhecidos (art.º 349º do Código Civil), sem que daí resulte prejuízo para o princípio da livre apreciação da prova. Não sendo meio de prova proibido por lei, pode o julgador, à luz das regras da experiência e da sua livre convicção, retirar dos factos conhecidos as ilações que se ofereçam como evidentes ou como razoáveis e firmá-las como factos provados. De resto, este é um mecanismo recorrente na formação da convicção. Basta pensar na prova da intenção criminosa.

A motivação da decisão de facto retrata a análise critica da prova, com a explicitação do processo lógico de formação da convicção, tendo por base os diferentes meios de prova – pessoal e documental – devidamente escalpelizados, os quais lidos conjugadamente, em articulação uns com os outros, de acordo com a livre convicção e as regras de experiência comum (artigo 127.º do CPP), surgem a suportar a decisão.

A determinação da matéria tributável por métodos indiretos, porque resultante de presunções justificadas pela impossibilidade de comprovação e quantificação direta e exata e pelos deveres de cooperação dos contribuintes para efeitos de determinação da matéria coletável (artigo 90.º da LGT), sendo válida para efeitos fiscais não tem efeitos automáticos no preenchimento dos elementos típicos do crime.

Há que diferenciar as situações em que a determinação da matéria coletável é realizada apenas e só por métodos indiretos, e, por isso, presumida, daqueloutra em que o apuramento do valor tributável não resulta da presunção da avaliação indireta realizada pela Autoridade Tributária, mas de outros meios de prova produzidos à luz do direito penal, que confirmam a existência dos valores tributáveis.

A formação da convicção do julgador com base na prova indiciária, quando não existe prova direta, não belisca o princípio da presunção de inocência ou o in dubio pro reo, desde que seja alicerçada em vários indícios que, sem dúvida razoável, conduzam natural e logicamente ao facto presumido.

A fundamentação da formação da convicção do Tribunal recorrido sustenta-se no apelo inequívoco à vasta prova produzida em audiência, à luz de uma análise global, articulada e crítica.

2.2. Da impugnação da factualidade provada sob os pontos 2, 46, 56, 57, 61, 63, 64, 65, 66, 67, 71, 74, 75, 68, 76, 77, 78, 79, 80, 83 (84), 85 86, 87, 88, 89, 90, 2185, 2187, 2188 e 2189 (recurso do arguido AA)

2.2.1 Como é sabido, as relações «conhecem de facto e de direito» (art.º 428.º, n.º 1 do CPP), assim se concretizando a garantia do duplo grau de jurisdição na matéria de facto.

A sindicância à matéria de facto pode ser deduzida ao abrigo do disposto no art.º 410.º n.º 2 do CPP, ou nos termos dos n.ºs 3 e 4 do art.º 412.º do mesmo diploma legal, ou seja, fazendo uso da denominada impugnação ampla da matéria de facto.

Ora, se os erros vício previstos no art.º 410.º n.º 2 do CPP se examinam através da análise do texto da sentença recorrida, já o erro de julgamento da matéria de facto, analisa-se em momento anterior à produção do texto, na ponderação conjugada e exame crítico das provas produzidas do que resulta a formulação de um juízo, que conduz à fixação de uma determinada verdade histórica que é vertida no texto[70].

No caso, a sindicância do recorrente respalda-se, designadamente, em prova gravada e em prova documental, pelo que excede o texto da decisão recorrida, apelando ao conteúdo do que foi dito e do que resulta de tais documentos, mas que não teria sido devidamente ponderado, remetendo, portanto, para o regime previsto no art.º 412.º do CPP, a que se convencionou chamar de impugnação ampla da matéria de facto.

O erro de julgamento que aqui se trata resulta da forma como foi valorada a prova produzida e ocorre quando o tribunal considere provado um determinado facto, sem que dele tenha sido feita prova, pelo que deveria ter sido considerado não provado, ou quando dá como não provado um facto que, face à prova que foi produzida, deveria ter sido considerado provado.

Tal erro pressupõe que a prova produzida, analisada e valorada, não podia conduzir à fixação da matéria de facto provada e não provada nos termos em que o foi (art.º 412.º n.º 3 do CPP).

A intromissão da Relação no domínio factual, nos termos do art.º 412.º cinge-se a uma intervenção cirúrgica e não é um novo julgamento em que a 2.ª Instância aprecia toda a prova produzida e documentada em 1.ª Instância, como se o julgamento ali realizado não existisse; antes se deve afirmar que os recursos, mesmo em matéria de facto, são remédios jurídicos destinados a colmatar erros de julgamento na forma como apreciou a prova, na perspetiva dos concretos pontos de facto identificados pelo recorrente.

Ora, neste tipo de recurso sobre a matéria de facto (de impugnação ampla), se o Tribunal da Relação não se pode eximir ao encargo de proceder a uma ponderação específica e autonomamente formulada dos meios de prova indicados, deverá fazê-lo com plena consciência dos limites ditados pela natureza do recurso e de se tratar de uma apreciação de segunda linha, a que faltam as importantes notas da imediação e da oralidade de que beneficiou o tribunal a quo[71].

Acontece, ainda que, sob pena de inversão da posição das personagens do processo, como seja a de substituir a convicção de quem tem de julgar pela convicção dos que acusam ou dos que esperam a decisão, a crítica à convicção do tribunal a quo, assente na imediação e oralidade e sustentada na livre apreciação da prova e nas regras da experiência (art.º 127.º do CPP) não pode ter sucesso se se alicerçar apenas na diferente convicção do recorrente sobre a prova produzida.

«Acreditar ou não num depoente ou acreditar num depoente e não acreditar noutro é uma questão de convicção. Essencial é que a explicação do tribunal porque é que acredita naquele e já não acredita no outro seja racional e tenha lógica. E quem está numa posição privilegiada para avaliar essa credibilidade é, sem dúvida, o tribunal da 1.ª Instância, que beneficiou da oralidade e da imediação que teve com a prova»[72].

Sem olvidar que a convicção do tribunal é formada não só através dos dados objetivos fornecidos pelos documentos e outras provas produzidas, mas também pela análise conjugada das declarações e depoimentos, em função das razões de ciência, das certezas e, ainda, não menos importante, das lacunas, contradições, hesitações, inflexões de voz, (im) parcialidade, ansiedade, serenidade, olhares, postura corporal, tom de voz, coerência de raciocínio e de atitude, coincidências e inverosimilhanças que, porventura, transpareçam em audiência, de tais declarações e depoimento.

Por isso se diz que o juízo de credibilidade (das provas oralmente produzidas) depende logicamente do carácter, da postura e da integridade moral de quem as presta e não sendo tais qualidades apreensíveis mediante leitura, exame e análise das peças processuais onde as mesmas se encontram documentadas, nem o sendo do mesmo modo, pela audição de prova oral que se encontre gravada, mas sim através do contacto com as pessoas, é notório e evidente que o tribunal superior, salvo algumas exceções, adotará o juízo valorativo formulado pelo e no tribunal a quo; esta linha orientadora de pensamento encontra eco e está hoje traduzida de forma duradoura na jurisprudência dos tribunais superiores.

Acresce que o juiz não é um mero depositário de depoimentos. A atividade judicatória na valoração das declarações  dos depoimentos há-de atender a uma multiplicidade de fatores que tem a ver, designadamente, com as garantias de imparcialidade, as razões de ciência, a espontaneidade dos depoimentos, a seriedade, o raciocínio, as lacunas, as hesitações, a linguagem, o tom de voz, o comportamento, as coincidências, as contradições, a linguagem gestual.

O que é necessário e imprescindível é que, no seu livre exercício de convicção, o tribunal indique «os fundamentos suficientes para que, através das regras da ciência, da lógica e da experiência, se possa controlar a razoabilidade daquela convicção sobre o julgamento do facto como provado ou não provado».

Por essa razão se diz que, se a decisão factual do Tribunal recorrido se baseia numa livre convicção objetivada numa fundamentação compreensível e naquela optou por uma das soluções permitidas pela razão e pelas regras de experiência comum, a fonte de tal convicção (declarações, depoimentos, acareações) – assente que obtida com o benefício da imediação e da oralidade – apenas pode ser afastada se ficar demonstrado ser inadmissível a sua utilização pelas mesmas regras da lógica e da experiência comum.

Para que obtenha sucesso, não basta ao recorrente que pretenda fazer uma «revisão» da convicção obtida pelo tribunal recorrido por via de argumentos que permitam concluir que uma outra convicção «era possível».

Exige-se-lhe que «imponha» uma outra convicção (n.º 3 al. b) do art.º 412.º do CPP).

É imperativo que demonstre que a convicção obtida pelo tribunal recorrido é uma impossibilidade lógica, uma impossibilidade probatória, uma manifesta violação de regras de experiência comum, uma patentemente errada utilização de presunções naturais.

Daí que o erro de julgamento da matéria de facto, tal como resulta do artigo 412º, nº 3, do CPP, reporta-se, normalmente, a situações como as seguintes:

- O Tribunal a quo dar como provado um facto com base no depoimento de uma testemunha e a mesma nada declarou sobre o facto;

- Ausência de qualquer prova sobre o facto dado por provado;

- Prova de um facto com base em depoimento de testemunha sem razão de ciência da mesma que permita a prova do mesmo;

- Prova de um facto com base em provas insuficientes ou não bastantes para prova desse mesmo facto, nomeadamente com violação das regras de prova;

- e todas as demais situações em que do texto da decisão e da prova concretamente elencada na mesma e questionada especificadamente no recurso e resulta da audição do registo áudio, se permite concluir, fora do contexto da livre convicção, que o tribunal errou, de forma flagrante, no julgamento da matéria de facto em função das provas produzidas.

Daí que os julgadores do tribunal de recurso, a quem está vedada a oralidade e a imediação, perante duas versões dos factos, só podem afastar-se do juízo efetuado pelo julgador da 1.ª instância naquilo que não tiver origem naqueles dois princípios, ou seja, quando a convicção não se tiver operado em consonância com as regras da lógica e da experiência comum, reconduzindo-se assim o problema, na maior parte dos casos, ao da fundamentação de que trata o art.º 374.º, n.º 2 do CPP[73].

No presente caso, com algum esforço, é certo, consideramos que se encontra minimamente cumprido por parte do recorrente o ónus de especificação dos factos impugnados (al. a) do n.º 3 do art.º 412.º do CPP) e a indicação da prova que, a seu ver, haveria de ter conduzido a decisão distinta da recorrida, por referência ao relatório nos autos e ao depoimento do senhor inspetor GG no que respeita à qualidade em que interveio nos autos.

Procedemos à audição integral da prova pessoal produzida[74] e à apreciação da restante prova – documental - especificada.

Através da fundamentação constante do Acórdão em crise fica-se ciente do percurso efetuado pelo Tribunal a quo, onde seguramente a racionalidade se impõe, mas onde a livre convicção se afirma com apelo ao que a imediação e a oralidade, e só elas, conseguem conceber.

No entender do recorrente AA, o relatório de 21.03.2021 e o Tribunal recorrido confundem, para efeitos do IVA, obrigação de liquidação com obrigação de entrega, e desconsideram qualquer direito à dedução, típico do IVA, tratando o imposto em causa como se fosse um imposto sobre o património ou sobre o rendimento; e, no que tange ao IRS, o referido relatório estimou o valor de aquisição das viaturas, por parte do arguido AA, com base em critérios diferentes consoante o arguido relevou ou não a aquisição das viaturas na sua contabilidade, ainda que com adulteração do documento de compra.

Em sentido inverso ao que nos parece ser a defesa recursiva do arguido AA, importa considerar o seguinte.

(No que respeita à pretensa desconsideração da dedução do IVA ou do regime de margem)

O direito à dedução faz parte integrante do mecanismo do IVA e não pode, em princípio, ser limitado, exercendo-se imediatamente em relação à totalidade do IVA que incidiu sobre as operações a montante - vide, entre outros, Acórdão do Tribunal de Justiça da União Europeia (TJUE), de 22 de dezembro de 2010, Dankowski, C-438/09, n.ºs 22 e 23.

Nesta acepção do princípio da neutralidade, o regime instituído pela Directiva Imposto sobre o Valor Acrescentado (DIVA) permite aos sujeitos passivos deduzir o IVA que tenha onerado as aquisições de bens e serviços destinados à atividade tributada.

Em suma, o mecanismo do direito à dedução permite ao sujeito passivo expurgar do seu encargo o IVA suportado a montante retirando o efeito cumulativo e a tributação em cascata que caracterizavam sistemas anteriores de tributação do consumo.

Assim, o direito à dedução assenta no designado método da dedução do imposto, método do crédito de imposto, método subtrativo indireto ou ainda método das faturas.

No que ora nos importa, cumpre uma chamada de atenção para a Jurisprudência emanada pelo TJUE, nomeadamente, entre outros, nos acórdãos de 21 de Fevereiro de 2006, Halifax C-255/02, n.ºs 68 e 71; de 27 de Outubro de 2011, Tanoarch, C-504/10, n.ºs 50; de 21 de Junho de 2012, Mahagében e Dávid, C-80/11 e C-142/11, n.º 41; e de 6 de Dezembro de 2012, Bonik, C-285/11, n.ºs 35 e 36, nos quais se vem reiterando que a luta contra a fraude, a evasão fiscal e os eventuais abusos constitui um objetivo reconhecido e incentivado pela DIVA, não podendo os sujeitos passivos, fraudulenta ou abusivamente, aproveitar-se das normas do direito da União.

Incumbe, pois, às autoridades nacionais e aos tribunais dos Estados membros recusar o direito à dedução, se se demonstrar, face a elementos objectivos, que esse direito é invocado fraudulenta ou abusivamente -cfr. acórdãos de 6 de Junho de 2006 Kittel e Recolta Recycling, C-439/04 e 440/04 n.º 55, e acórdãos já referenciados Mahagében e Dávid, n.º 42; Bonik, n.º 37.

Em suma, pode recusar-se o direito à dedução que tenha sido exercido de forma fraudulenta ou quando o sujeito passivo sabia ou devia saber que participava numa fraude ao IVA (ainda que a operação em causa preencha os critérios objetivos em que se baseiam os conceitos de transmissões de bens efetuadas por um sujeito passivo agindo enquanto tal).

O Código do IVA, na esteira do previsto na DIVA, determina, como regra geral, a dedutibilidade do imposto devido ou pago pelo sujeito passivo nas aquisições de bens e serviços feitas a outros sujeitos passivos.

Nos termos do art.º 19.º n.º 2 do CIVA «Só confere direito a dedução o imposto mencionado nos seguintes documentos, em nome e na posse do sujeito passivo:

a) Em faturas passadas na forma legal;

b) No recibo de pagamento do IVA que faz parte das declarações de importação, bem como em documentos emitidos por via eletrónica pela Autoridade Tributária e Aduaneira, nos quais constem o número e a data do movimento de caixa;

c) Nos recibos emitidos a sujeitos passivos enquadrados no «regime de IVA de caixa», passados na forma legal prevista neste regime.

3 - Não pode deduzir-se imposto que resulte de operação simulada ou em que seja simulado o preço constante da fatura».

A dedução do imposto terá obrigatoriamente de ser suportada por uma fatura emitida em nome do sujeito passivo, na sua posse e passada em forma legal nos termos do artigo 36.º e 40.º do CIVA e do artigo 226.º da Diretiva 2006/112/CEE.

«O direito de dedução do IVA pago a montante apenas poderá existir, segundo a própria natureza das coisas, relativamente a imposto efectivamente suportado em operações económicas efectivamente acontecidas. De contrário, estaríamos perante um simples arquétipo intelectual ou virtual e não perante um tributo que visa atingir de forma geral o consumo real de bens e serviços nos diversos estádios do circuito económico. A inadmissibilidade da dedução do imposto relativo a operação simulada ou em que seja simulado o preço, afirmada positivamente no n.º 3 do art.º 19º do CIVA, corresponde, deste modo, a uma conclusão forçosa ou decorrente da própria natureza do imposto, cuja explicitação formal apenas se justifica por questões de clareza»[75].

Dos nºs 1 e 2 do artº 16º do CIVA resulta que, em regra, «o valor tributável das transmissões de bens e das prestações de serviços sujeitas a imposto será o valor da contraprestação obtida ou a obter do destinatário ou de um terceiro».

Desta regra excetuam-se as situações indicadas no nº 2 do mesmo artigo, em que se inclui, na alínea f), a das transmissões de bens em segunda mão, em que o valor tributável será «a diferença, devidamente justificada, entre o preço de venda e o preço de compra», mas exige-se aí que tais transmissões tenham sido «efetuadas de acordo com o disposto em legislação especial».

Para o que ora releva, importa considerar que o DL nº 199/96, de 18 de outubro, resultante da transposição para a ordem jurídica nacional da Diretiva n.º 94/5/CE, do Conselho, de 14 de fevereiro de 1994, instituiu o Regime Especial de Tributação dos Bens em Segunda Mão, Objetos de Arte, de Coleção e Antiguidades (Regime Especial de Tributação pela Margem ).

Este regime tem como finalidade eliminar ou atenuar a dupla tributação ocasionada pela reentrada no circuito económico de bens que já tinham sido definitivamente tributados, traduzindo-se na tributação da margem realizada, isto é, na diferença entre o preço de venda e o preço de compra.

O Regime Especial de Tributação pela Margem determina, em conformidade com os seus artigos 1.º e 3.º, a sujeição a IVA das transmissões de bens em segunda mão (aqui se incluindo as viaturas), efetuadas nos termos do mesmo diploma, por um sujeito passivo revendedor que os tenha, previamente, adquirido no interior da Comunidade, ou a um particular, ou a um sujeito passivo isento ao abrigo do artigo 53.º do CIVA (ou disposição legal idêntica vigente no respetivo Estado Membro), ou a um sujeito passivo que tenha efetuado a transmissão do bem ao abrigo da isenção da alínea 32) do artigo 9.º do CIVA (ou disposição legal idêntica vigente no respetivo Estado Membro) ou a um sujeito passivo revendedor que tenha aplicado o regime da margem à transação (ou idêntica regulamentação vigente no respetivo Estado Membro).

Constituem bens em segunda mão, nos termos do artigo 2.º do mesmo Regime Especial, os bens móveis suscetíveis de reutilização no estado em que se encontram ou após reparação, com exclusão dos especificamente mencionados na própria norma.

Ou seja, na venda de veículos usados, efetuada por um sujeito passivo revendedor (como é o caso) que os tenha adquirido nas condições anteriormente descritas (artigo 3.º do Regime Especial), é aplicável o regime da margem, embora sem prejuízo da possibilidade do sujeito passivo revendedor poder optar pela liquidação do imposto nos termos gerais do CIVA relativamente a cada transmissão sujeita ao regime especial de tributação da margem, em conformidade com o estabelecido no artigo 7.º do Regime Especial.

Como resulta do artigo 4° n.º 1, o valor tributável das transmissões de bens em segunda mão, efetuadas pelo sujeito passivo revendedor, é constituído pela diferença, devidamente justificada, entre a contraprestação a obter do cliente (valor da venda) e o preço de compra dos mesmos bens, com inclusão do IVA, caso este tenha sido liquidado.

Para que as transmissões de bens em segunda mão possam ser efetuadas ao abrigo de tal regime especial, exige-se que as faturas ou documentos equivalentes não discriminem o imposto devido e que contenham, no caso, a menção «IVA – Bens em segunda mão» (art.º3.º n.º 1 al. c)), devendo ainda as operações serem escrituradas de um modo particular (artº 6º, nºs 1 a 3).

Na situação dos autos.

Lendo a factualidade provada e não provada ,constatamos que no apuramento dos valores em falta não foram contabilizadas as viaturas  …

Lendo o relatório nos autos, no seu confronto com a factualidade provada, constatamos que não foram contabilizadas no apuramento do IVA em falta, as viaturas …

Lendo o relatório nos autos, verificamos que, relativamente às viaturas para as quais não foi apresentado qualquer meio de documento comercial de aquisição, nem meio de pagamento que comprove o valor pago, aparecendo na declaração de venda francesa um singular como vendedor foi levado em consideração, por mais favorável o regime de margem.

Foi, designadamente o que aconteceu quanto às viaturas …[76].

Não resulta especificadamente comprovada a alegação recursiva de que o recorrente «relevou na contabilidade, com recurso ao IVA de margem, tendo entregado ao Estado o IVA que, nessas operações, liquidou e recebeu dos clientes» as vendas das viaturas consideradas no apuramento dos valores em dívida.

Relativamente a viaturas contabilizadas no apuramento do IVA em falta e adquiridas a sujeito passivo revendedor, damos nota do seguinte.

Resulta da factualidade provada, no seu confronto com o relatório nos autos, a elaboração de faturas falsas e/ou realização de negócio à margem da contabilidade, e/ou declarações de vendas fictícias, e/ou vendas e compras «fictícias a particulares», e/ou pagamentos fictícios e/ou inscrições em contabilidade de negócios e pagamentos fictícios.

Foi, designadamente o que aconteceu relativamente às viaturas …

Perante as provadas faturas falsas e/ou negócios realizados à margem da contabilidade, e/ou declarações de vendas fictícias, e/ou vendas e compras «fictícias a particulares», e/ou pagamentos fictícios e/ou inscrições em contabilidade de negócios e pagamentos fictícios, visando, precisamente defraudar o Fisco, resulta manifesta a falta de fundamento do arguido em invocar o regime de margem que pressupõe a emissão de faturas a favor do arguido e em nome do arguido que discriminem o imposto devido e que contenham a menção «IVA – Bens em segunda mão», e que as operações sejam escrituradas no modo legalmente previsto. 

Nas circunstâncias provadas, as transmissões dessas viaturas em Portugal não podem ser tributadas segundo o regime da margem, como alude o recorrente, pelo que o IVA deve ser liquidado à taxa de 23% sobre o preço de aquisição (artigo 18.º, n.º 1, alínea c), do Código IVA).

Como expressivamente alega o recorrente «se tivesse efetuado essas operações de acordo com a lei» e acrescentamos, nós, reunidas que fossem as demais condições legais, «poderia deduzir o imposto que tivesse suportado nas compras».

Mas, precisamente, as operações em causa foram realizadas à margem da lei, como aliás, o reconhece o arguido recorrente AA, visando o não pagamento de impostos.

Nestas situações em que as operações fraudulentas foram realizadas para alcançar o dissídio criminoso, fazendo mesmo parte do iter criminis, servindo e integrando a prática da infração, não se vê como poderia o arguido obter a pretendida tutela jurídica – recorrendo ao regime de margem ou o a dedução de iva.

(No que respeita ao alegado não locupletamento com qualquer valor de iva)

O que resulta da prova produzida, e desde logo, das declarações do próprio arguido AA, do relatório nos autos, e do depoimento do senhor Inspetor …, é que foram realizadas operações de venda pelo arguido em que recebeu dinheiro de clientes, sem que tenha efetuado a liquidação e entrega do valor correspondente ao IVA.

No fundo, o arguido fez seus, «por inteiro» os valores recebidos dos clientes, sem ter em consideração os montantes correspondentes ao IVA.

Estes valores encontram-se densificados nos quadros inseridos nos factos provados que ao iva respeitam e a forma pelo qual o arguido se apropriou de tais montantes operou-se, precisamente, com a não liquidação e a não entrega dos valores apurados.

Como assim foi, o arguido enriqueceu com tais quantias que incorporou no seu património.

(No que respeita à utilização de métodos diretos, métodos indiretos ou estimativas no apuramento dos valores em causa)

Como se lê no Acórdão recorrido:

«Ora, neste caso, o senhor inspector tributário … explicou como foram obtidas as informações “ao estrangeiro” relacionadas com as facturas encontradas e a comparação das facturas e apuradas as desconformidades de valores tal como consta dos quadros, confirmando os valores do relatório que elaborou (“relatório de apuramento do prejuízo causado ao Estado por imposto e por períodos de fls. 2453 a fls. 3018 do 9.º volume); explicou como chegou a esses valores “ veículo a veículo e matrícula a matrícula”; nos casos em que não foi possível encontrar os valores, estimou a partir de valor de mercado ou veículo igual.

Em síntese, mostra-se cumprido todo o percurso que permite aceitar a prova indiciária em causa sem colocar em causa os resultados apurados pela Autoridade Tributária.

O arguido AA também sustenta que a AT está em condições de apresentar prova dos reais valores de aquisição, porquanto estabelece, ou pode estabelecer, protocolos internacionais de cooperação, tendentes ao apuramento dos valores concretos de aquisição, pelo que entende não estava impossibilitada de apurar os valores concretos; ora, dentro das disponibilidades possíveis tal foi concretizado tal como referiu a testemunha EE».

Lendo o relatório nos autos, verificamos que foram identificados casos de aquisição de viaturas a um sujeito passivo comunitário não revendedor de viaturas usadas - em que o vendedor da viatura sendo um mero particular não liquida IVA na venda, nem, por sua vez, o português pode deduzir, podendo, todavia, na revenda da viatura em território português, aplicar o regime de margem ou o regime normal de IVA. Nestes casos, por terem sido encontradas evidências documentais, de ser possível a aquisição das viaturas – e posterior revenda –, com base no predito regime da margem,foram usados na quantificação «métodos indiretos».

Nos casos em que as faturas falsas não foram aceites como documento comprovativo do valor pago a título de aquisição dos veículos, o apuramento foi feito à taxa normal de 23%, pelo que, neste caso se recorreu a métodos diretos no apuramento.

A consideração, também constante do relatório, para efeitos de cálculo de IRS, de que «…o arguido AA emitiu faturas falsas com valores superiores ao efetivamente suportado de 19% a 105%, sendo a mediana de 41%”» aplicando tal critério a todas as vendas, designadamente as 127 que tinham sido omitidas à contabilidade, justifica-se porque nos encontramos perante um imposto sobre o rendimento de pessoas singulares e por isso distinto do IVA. Daí que se tenham apurado os ganhos líquidos omitidos às declarações apresentadas.

Ainda no que tange ao IRS, o apuramento no cálculo dos ganhos obtidos consoante o arguido AA relevou ou não na sua contabilidade, ainda que com adulteração do documento de compra, as viaturas, prende-se com a consideração relativamente àquelas, mas não a estas, do que já fora refletido em ganhos.

Encontra-se, portanto, justificada a utilização de diversos métodos no apuramento dos valores em dívida.

(no que respeita à ausência de liquidações oficiosas ou adicionais de irs dos anos de 2013, 2014, 2015 e 2016 ou de iva relativas a qualquer dos períodos declarativos trimestrais de IVA respeitantes aos exercícios em causa, de 2013 a 2016 e à intervenção do senhor inspetor tributário no inquérito crime e no quadro de uma equipa mista)

Como dissemos, de um ponto de vista penal, o apuramento da situação tributária apenas se mostrará necessário para efeitos de avaliação da relevância típica da conduta, sendo também, uma circunstância de fundamental importância para a determinação da medida concreta da pena aplicável, independentemente dos atos tributários de liquidação e de cobrança do imposto.

É sabido que o processo penal se rege, entre outros, pelo princípio da suficiência, o qual se encontra plasmado no artigo 7.º do CPP.

No caso, a apreciação e valoração da prova em processo, o enquadramento jurídico penal e as consequências jurídico-penais e civis a extrair dos factos provados não dependem de liquidações oficiosas ou adicionais de irs ou de iva relativas, e, por outro lado, nada obsta à intervenção do senhor inspetor tributário no inquérito crime e no quadro de uma equipa mista.

Tudo visto e considerado, julgamos que não impõe a prova produzida decisão distinta da proferida, improcedendo o recurso em matéria de facto deduzido pelo arguido e recorrente AA.

2.3 Do erro notório na apreciação da prova (recurso de BB)

Alega este recorrente que:

- A sua atuação, enquanto trabalhador subordinado do coarguido AA, limitou-se ao exercício das suas funções laborais, não tendo sido demonstrado que    agiu com o conhecimento e a vontade específicos de auxiliar na prática da fraude fiscal e em concreto, em que termos a sua atuação comprometeu ou de facto auxiliou o arguido AA na omissão de declarações fiscais, impostos ou rendimentos;

- Não tinha acesso à contabilidade, a dados para o efeito, ao controlo sobre as declarações fiscais do seu empregador, nem obteve qualquer vantagem patrimonial pessoal com a atividade desenvolvida;

-  Os atos materiais elencados no ponto 2190 do Acórdão que respeitam ao recorrente são compatíveis com as funções laborais que exercia e não implicam, por si só, o conhecimento do esquema fraudulento global ou a intenção de lesar o erário público.

Vejamos.

Na sindicância da matéria de facto, o recorrente BB invoca o regime de impugnação da matéria de facto e alega erro na apreciação da prova.

No entanto, face ao manifesto incumprimento do ónus de impugnação especificada, seja na motivação, seja, nas conclusões, rejeita-se o recurso em matéria de facto, sem convite ao aperfeiçoamento (art.º 412.º do CPP e 417.º n.º 3, a contrario, e n.º 4).

Sem prejuízo, a defesa deste recorrente remete para o regime do erro notório na apreciação da prova, vício este que se encontra previsto no n.º 2 al. c) do art.º 410.º do CPP.

Dispõe o n.º 2 do artigo 410.º o seguinte:

«Mesmo nos casos em que a lei restrinja a cognição do tribunal de recurso a matéria de direito, o recurso pode ter como fundamentos, desde que o vício resulte do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum:

a) A insuficiência para a decisão da matéria de facto provada;

b) A contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão;

c) Erro notório na apreciação da prova».

Em qualquer dos casos previstos no n.º 2 do art.º 410.º, encontramo-nos perante defeitos estruturais da decisão penal, de conhecimento oficioso e cuja evidenciação só pode resultar do texto da decisão, por si só, ou conjugado com as regras da experiência comum.

Existe erro notório na apreciação da prova, previsto na alínea c) do n.º 2 do art.º 410.º do CPP, quando o tribunal a valorou contra as regras da experiência comum ou contra critérios legalmente fixados, aferindo-se o requisito da notoriedade pela circunstância de não passar o erro despercebido ao cidadão comum, por ser tão grosseiro, ostensivo, evidente[77].

[78] .

Como se vê, não pode incluir-se no erro notório na apreciação da prova a sindicância que o recorrente possa pretender efetuar à forma como o Tribunal recorrido valorou a matéria de facto produzida perante si em audiência de julgamento – valoração que aquele Tribunal é livre de fazer, ao abrigo do disposto no artigo 127.º do CPP.

Preceitua este artigo: «Salvo quando a lei dispuser diferentemente, a prova é apreciada segundo as regras da experiência e a livre convicção da entidade competente».

Enformado por estes limites, o julgador perante o qual a prova é produzida – e quem se encontra em posição privilegiada para dela colher todos os elementos relevantes para a sua apreciação crítica – dispõe de ampla liberdade para eleger os meios de que se serve para formar a sua convicção e, de acordo com ela, determinar os factos que considera provados e não provados.

[79].

[80].

Lê-se, designadamente, na motivação da decisão de facto:

«O arguido AA declarou querer assumir as responsabilidades, mas que alguns aspectos não são verdade.

Explicou que abriu o stand em 2011, já conhecia o BB (“desde miúdo”) e como começou a adquirir viaturas com ele (falava francês) que ia a França buscar os carros e ele tratava da papelada, depois este começou a importar carros de “gama alta” (BMW série 4, Mercedes CL, Audi A5, A7 – os que constam do artigo 94 da contestação – a fls 4247).

As facturas eram feitas no computador da empresa, o BB também fez algumas com o acordo de ambos; faziam as facturas para ajustar à data em que as viaturas vinham; fazia assinar o modelo 1402 para a inspecção das viaturas; por exemplo, com a viatura 138 a que se refere o facto 1360 da acusação[81], o cliente encomendou o veículo[82].

Foi o BB que trouxe todos os veículos de França, vindo a conduzi-los, depois de ter ido para lá de avião; este recebia o ordenado e mais 250 euros por viagem.

Tudo era feito em nome, com autorização e em nome dos clientes, todos os modelos 1402 foram assinados pelo respectivo cliente, os carimbos eram para dar entrada da última data da última venda; essa documentação só passava pelas mãos quando o carro ia à inspecção, levados por si (muitas vezes) ou pelo BB.

O arguido BB diz que concorda com a acusação “quase na globalidade”, explicando que “desses 236 eu tenho 8 carros”; …

No stand se um cliente se mostrasse interessado nalgum carro, o assunto era tratado pelo arguido AA; no caso do CLS foi pedida a regularização em nome da mãe, tal como disse o AA.

Reconhece que sabia que se passava alguma coisa mas nunca pensou que “fosse desta envergadura”, não tinha a noção dos valores nem sabia da situação do IVA e IRS.

Os pagamentos eram com o AA com os carros dele e com o depoente quando os carros eram deste.

Esclarece que quando ia a França havia factura quando comprava a profissionais e declaração de venda quando era a particulares.

Confirma que usou dados de familiares seus para essas declarações (…).

Diz que o arguido AA lhe pedia para usar as suas contas e ele cedia.

Note-se, desde já, que as declarações do arguido BB em audiência de discussão e julgamento acabam por afastar parte da versão que o mesmo apresentou na contestação; desde logo o mesmo admite em audiência de discussão e julgamento que actuou para além do âmbito da relação laboral, com autonomia em relação a alguns veículos que vendeu por si e para si (fora da actividade do arguido AA); assim, o próprio arguido BB afasta (em audiência de discussão e julgamento) a sua alegação (na contestação) de que a sua conduta se cingia às funções para as quais havia sido contratado e que toda a actividade ou condutas foram praticadas ao abrigo do seu contrato de trabalho.

(…)

No que respeita às assinaturas das declarações de entrada e documentos de habilitação resulta dos depoimentos das testemunhas que não foram assinados pelos compradores dos veículos, mas que foram forjados pelos arguidos AA e BB, o que se pode confirmar pela análise e confronto dos documentos respectivos, tendo em conta as regras normais de reacção e comportamento das pessoas nestas circunstâncias concretas.

[83] .

[84].

Neste caso, o arguido AA admite os factos e declara expressamente que quer “assumir as responsabilidades”, que tinha consciência de que estava a ganhar pela diferença de imposto pois se declarasse que o cliente trazia o carro os impostos eram menores; tinha consciência de que não podia importar carros dessa forma, esses negócios nunca foram declarados e reconhece que está em falta o pagamento de IVA e do IRS e assume que foi para não pagar impostos que fez “este esquema”.

O mesmo acontece com o arguido BB que reconhece que sabia “que se passava alguma coisa”, mas nunca pensou que “fosse desta envergadura”; tendo em conta a demonstrada actuação deste arguido não restam dúvidas acerca do preenchimento subjectivo dos elementos típicos da sua cumplicidade quanto à actuação do arguido AA».

Citando (novamente) o seguinte trecho do Acórdão recorrido:

«Ora, neste caso, o senhor inspector tributário … explicou como foram obtidas as informações “ao estrangeiro” relacionadas com as facturas encontradas e a comparação das facturas e apuradas as desconformidades de valores tal como consta dos quadros, confirmando os valores do relatório que elaborou (“relatório de apuramento do prejuízo causado ao Estado por imposto e por períodos de fls. 2453 a fls. 3018 do 9.º volume); explicou como chegou a esses valores “ veículo a veículo e matrícula a matrícula”; nos casos em que não foi possível encontrar os valores, estimou a partir de valor de mercado ou veículo igual.

».

Aqui chegados, temos por evidente que, atendo-nos ao texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras de experiência comum, não se deteta que no apuramento da matéria de facto o Tribunal a quo haja incorrido em erro ostensivo, segundo o ponto de vista de um cidadão de formação média, por contrariar a lógica mais elementar e as regras de experiência comum.

Concluímos, assim, que o Acórdão recorrido não enferma de erro notório na apreciação da prova.

2.4 Da violação do princípio in dubio pro reo (recursos dos arguidos AA e HH)

[85].

[86].

No caso, lido o Acórdão recorrido verificamos que o Tribunal a quo não manifestou quaisquer dúvidas insanáveis que haja resolvido contra os arguidos sobre a factualidade que julgou provada.

Do texto do Acórdão em crise, o que ressalta é que da conjugação e ponderação de toda a prova produzida, resultou para o Tribunal recorrido a certeza da prática pelos arguidos dos factos dados como assentes, pelo que não cabe falar em violação do princípio in dubio pro reo, que apenas é suscitado quando ocorram dúvidas insuperáveis de prova de determinados factos.

O Tribunal a quo acreditou numa versão dos factos que tinha sustentação na prova produzida em audiência de julgamento e explicou as razões dessa opção, sem que lhe tenha restado qualquer dúvida inultrapassável que devesse conduzir ao funcionamento do princípio in dubio pro reo.

Não colhe a violação do princípio in dubio pro reo, por força da evidência do que natural e logicamente resulta da prova produzida e dos factos conhecidos.

Concluímos pela improcedência das defesas recursivas no que respeita à invocação do princípio in dubio pro reo.

O Tribunal a quo apreciou a prova de modo racional, objetivo e motivado, com respeito pelas regras da experiência comum, não competindo a este tribunal ad quem censurar a decisão recorrida com base na convicção pessoal dos recorrentes sobre a prova produzida, sob pena de se postergar o princípio da livre apreciação da prova, consagrado no artigo 127.º do CPP.

No fundo, o que os recorrentes questionam é a livre convicção do Tribunal recorrido, pretendendo ver a convicção formada pelo Tribunal substituída pela convicção que eles próprios entendem que deveria ter sido retirada da prova produzida.

No entanto, é o Tribunal a entidade competente para apreciar a prova segundo as regras da experiência e a livre convicção (art.º 127.º do CPP).

Ao tribunal de recurso cabe aferir se os juízos de racionalidade, de lógica e de experiência confirmam ou não o raciocínio e a avaliação feita em primeira instância sobre o material probatório constante dos autos e os factos cuja veracidade cumpria demonstrar.

Se o juízo recorrido for compatível com os critérios de apreciação devidos, então significará que não merece censura o julgamento da matéria de facto fixada.

Se o não for, então a decisão recorrida merece alteração.

No caso, o Tribunal a quo apreciou a prova de modo racional, objetivo e motivado, com respeito pelas regras da experiência comum, não competindo a este tribunal ad quem censurar a decisão recorrida com base na convicção pessoal do recorrente sobre a prova produzida, sob pena de se postergar o princípio da livre apreciação da prova, consagrado no artigo 127.º do Código Processo Penal.

Não se verifica erro notório na apreciação da prova, nem aliás, qualquer outro, ou quaisquer outros, dos restantes erros vícios previstos no n.º 2 do art.º 410.º do CPP, os quais embora não invocados são de conhecimento oficioso, uma vez que os factos provados permitem uma decisão conscienciosa da causa (al. a)), e não se deteta contradição insanável ou não na fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão (al. b).

Não se impõe, ainda, a este Tribunal de recurso a conclusão de que o Tribunal recorrido, que não teve dúvidas, as devesse ter tido, e que devia ter ficado num estado de dúvida insuperável, a valorar nos termos do princípio in dubio pro reo.

Tudo considerado, não merece censura a decisão da matéria de facto, que se mostra consolidada nos termos definidos em primeira instância.

3. Do enquadramento jurídico

3.1 Da alteração da subsunção típica do crime de fraude fiscal para a al. b) do nº 2 do artigo 104º do RGIT (recurso do arguido AA)

Pugna o recorrente AA pela alteração da subsunção típica do crime de fraude fiscal para a al. b) do nº 2 do artigo 104º do RGIT, no pressuposto que a matéria de facto apurada nos presentes autos apenas consente concluir que o arguido obteve uma vantagem fiscal de 186.019,27 €.

A defesa recursiva pressupõe a alteração da matéria de facto, a qual, como vimos não ocorreu, pelo que, nesta parte, improcede o recurso.

3.2 Concurso aparente entre o crime de fraude fiscal e o crime de falsificação ou contrafação de documento (recurso de AA)

Nos presentes autos, o arguido, ora recorrente AA foi condenado pela prática, como autor material, na forma consumada e em concurso efectivo, de:

- Um crime de fraude qualificada, previsto e punido pelos artigos 103.º, n.º 1, alíneas a), b) e c) e 104.º n.º 3, do RGIT;

- Um crime de falsificação ou contrafacção de documento, previsto e punido pelo artigo 256.º n.º 1, alíneas a), d), e) e f) do Código Penal.

Alega este recorrente que, ao condená-lo pela prática de crimes de fraude fiscal e de falsificação ou contrafação de documento, o Tribunal recorrido desconsiderou o princípio da especialidade (emergente da conjugação do disposto no artigo 10.º e, no que para o presente caso importa, no n.º 4 do artigo 104.º, ambos do RGIT), uma vez que são os mesmos os bens jurídicos tutelados nos dois crimes e dado que a execução da fraude pressupõe a falsificação.

No entender de AA, verifica-se o «concurso aparente de infrações» entre estes dois crimes com a prevalência do primeiro sobre o segundo, que é, assim, «consumido» pela infração mais grave (a fraude fiscal).

Conclui o recorrente que deve ser absolvido dos crimes de falsificação ou contrafação de documentos sob pena de violação do princípio ne bis in idem.

Vejamos.

Prevê o art.º 103.º do RGIT:

«1. Constituem fraude fiscal, punível com pena de prisão até três anos ou multa até 360 dias, as condutas ilegítimas tipificadas no presente artigo que visem a não liquidação, entrega ou pagamento da prestação tributária ou a obtenção indevida de benefícios fiscais, reembolsos ou outras vantagens patrimoniais susceptíveis de causarem diminuição das receitas tributárias. A fraude fiscal pode ter lugar por:

a) Ocultação ou alteração de factos ou valores que devam constar dos livros de contabilidade ou escrituração, ou das declarações apresentadas ou prestadas a fim de que a administração fiscal especificamente fiscalize, determine, avalie ou controle a matéria colectável;

b) Ocultação de factos ou valores não declarados e que devam ser revelados à administração tributária;

c) Celebração de negócio simulado, quer quanto ao valor, quer quanto à natureza, quer por interposição, omissão ou substituição de pessoas.

2 - Os factos previstos nos números anteriores não são puníveis se a vantagem patrimonial ilegítima for inferior a (euro) 15000.

3 - Para efeitos do disposto nos números anteriores, os valores a considerar são os que, nos termos da legislação aplicável, devam constar de cada declaração a apresentar à administração tributária».

O art.º 104.º do RGIT (Fraude qualificada) dispõe o seguinte:

«1. previstos no artigo anterior são puníveis com prisão de um a cinco anos para as pessoas singulares e multa de 240 a 1200 dias para as pessoas colectivas quando se verificar a acumulação de mais de uma das seguintes circunstâncias:

a) O agente se tiver conluiado com terceiros que estejam sujeitos a obrigações acessórias para efeitos de fiscalização tributária;

b) O agente for funcionário público e tiver abusado gravemente das suas funções;

c) O agente se tiver socorrido do auxílio do funcionário público com grave abuso das suas funções;

d) O agente falsificar ou viciar, ocultar, destruir, inutilizar ou recusar entregar, exibir ou apresentar livros, programas ou ficheiros informáticos e quaisquer outros documentos ou elementos probatórios exigidos pela lei tributária;

e) O agente usar os livros ou quaisquer outros elementos referidos no número anterior sabendo-os falsificados ou viciados por terceiro;

f) Tiver sido utilizada a interposição de pessoas singulares ou colectivas residentes fora do território português e aí submetidas a um regime fiscal claramente mais favorável;

g) O agente se tiver conluiado com terceiros com os quais esteja em situação de relações especiais.

2 - A mesma pena é aplicável quando:

a) A fraude tiver lugar mediante a utilização de facturas ou documentos equivalentes por operações inexistentes ou por valores diferentes ou ainda com a intervenção de pessoas ou entidades diversas das da operação subjacente; ou

b) A vantagem patrimonial for de valor superior a (euro) 50 000.

3 - Se a vantagem patrimonial for de valor superior a (euro) 200 000, a pena é a de prisão de 2 a 8 anos para as pessoas singulares e a de multa de 480 a 1920 dias para as pessoas colectivas.

4 - Os factos previstos nas alíneas d) e e) do n.º 1 do presente preceito com o fim definido no n.º 1 do artigo 103.º não são puníveis autonomamente, salvo se pena mais grave lhes couber».

Ora, em primeiro lugar, não tem aplicação o n.º 4 do art.º 104.º do RGIT, pois, nem o arguido se limitou a «falsificar ou viciar, ocultar, destruir, inutilizar ou recusar entregar, exibir ou apresentar livros, programas ou ficheiros informáticos e quaisquer outros documentos ou elementos probatórios exigidos pela lei tributária» (al. d), nem a «usar os livros ou quaisquer outros elementos referidos no número anterior sabendo-os falsificados ou viciados por terceiro» (al. e), nem a pena aplicável ao crime de fraude fiscal é menos grave do que a aplicável ao crime de falsificação ou contrafação de documento (art.ºs 104.º n.ºs 3 e 4 do RGIT e 256.º n.º 1 do CP).

O acórdão do Supremo Tribunal de Justiça nº 3/2003, de 7/05/2003 - processo 735/1999 -, publicado no Diário da República, I-A Série, n.º 157, de 10-07-2003, pp. 3890 a 3906, fixou a seguinte jurisprudência:

«Na vigência do Regime Jurídico das Infracções Fiscais não Aduaneiras, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 20-A/90, de 15 de Janeiro, com a redacção original e a que lhe foi dada pelo Decreto-Lei n.º 394/93, de 24 de Novembro, não se verifica concurso real entre o crime de fraude fiscal, previsto e punido pelo artigo 23.º daquele RJIFNA, e os crimes de falsificação e de burla, previstos no Código Penal, sempre que estejam em causa apenas interesses fiscais do Estado, mas somente concurso aparente de normas com prevalência das que prevêem o crime de natureza fiscal»[87].

Ou seja, nos termos deste Acórdão de Fixação de Jurisprudência, não só deveria considerar-se que o preenchimento dos tipos legais de fraude fiscal, burla e falsificação de documentos se encontravam numa situação de concurso aparente, como deveria dar-se relevo ao tipo de fraude fiscal, por relação de especialidade.

Mais tarde, com a aprovação e a entrada em vigor do RGIT, o legislador tributário veio a consagrar expressamente a especialidade do Direito Penal Tributário face ao Direito Penal Comum, ao dispor no art.º 10.º do RGIT - com a epígrafe Especialidade das normas tributárias e concurso de infracções – que: «Aos responsáveis pelas infracções previstas nesta lei são somente aplicáveis as sanções cominadas nas respectivas normas, desde que não tenham sido efectivamente cometidas infracções de outra natureza».

Este preceito legal não apenas enuncia o princípio para a resolução do conflito aparente de normas penais (o da especialidade das normas tributárias), como remete, em matéria de concurso de crimes para o CP, sendo, pois, por aplicação das regras do n.º 1 do artigo 30.º deste diploma legal, que se terá de determinar se foram efetivamente cometidas infracções de outra natureza (não tributária).

Dispõe o n.º 1 do art.º 30.º do Código Penal (ou CP) que, o número de crimes determina-se pelo «número de tipos de crime efetivamente cometidos ou pelo número de vezes que o mesmo tipo de crime for preenchido pela conduta do agente».

A consideração do bem jurídico e da pluralidade de juízos de censura, determinada pela pluralidade de resoluções (ou pela renovação de resoluções), como referente da natureza efetiva da violação plural, tem sido indicada jurisprudencialmente como essencial para determinar se, em casos de pluralidade de ações ou pluralidade de tipos realizados, existe, efetivamente, concurso legal ou aparente ou real ou ideal, na linha do pensamento de Eduardo Correia, com a consideração de elementos da posição doutrinária de Figueiredo Dias.

Para este Professor, a consunção equaciona-se não em termos de concurso de normas ou de unidade de lei (a que reconduz o concurso aparente), mas de «unidade de facto», em função do «sentido do ilícito dominante».

O chamado «concurso impuro ou impróprio» corresponde aos casos em que, «apesar do concurso de tipos legais de crime efetivamente preenchidos pelo comportamento global» (artigo 30.º, n.º 1, do Código Penal), «se deva ainda afirmar que aquele comportamento é dominado por um único sentido autónomo de ilicitude», «que a ele corresponde uma predominante e fundamental unidade de sentido dos concretos ilícitos -típicos praticados».

«A referida dominância de um dos sentidos dos ilícitos singulares pode ocorrer em função dos diversos pontos de vista: seja, em primeiro lugar e decisivamente, em função da unidade de sentido social do acontecimento ilícito global; seja em função da unidade de desígnio criminoso; seja em função da estreita conexão situacional, intercedente entre as diversas realizações típicas singulares homogéneas; seja porque certos ilícitos singulares se apresentam, como meros estágios de evolução ou de intensidade da realização típica global»[88].

Aplicando o «critério do crime instrumental ou crime meio», poderá considerar-se que o crime de contrafação ou falsificação de documento se encontra em concurso aparente com o de crime de fraude fiscal desde que o ato de falsificação seja levado a cabo unicamente no contexto situacional da realização do crime-fim, e que nele se esgote a sua danosidade social.

Lê-se nos factos provados do Acórdão recorrido:

«2185. O arguido AA, actuando em execução da sua resolução inicial, ao criar facturas falsas, utilizando em algumas delas carimbos por si fabricados, bem como ao criar declarações de venda falsas, declarações de entrada de viaturas no país falsas, declarações de habilitante falsas, cheques com endossos falsos, agiu de forma livre, voluntária e consciente, com o propósito conseguido de diminuir e omitir valores que sabia ter que entregar em sede de IVA e que haveria de apurar anualmente em relação ao IRS.

2186. O arguido sabia que, ao actuar da forma descrita, punha em causa o valor probatório, segurança e fiabilidade de tais documentos, bem como a transacção e custos comerciais que as facturas se destinavam a certificar e a fé pública que a lei atribui às facturas como documento essencial a emitir por cada transmissão de bens ou prestação de serviços e às declarações de imposto como documento idóneo de autoliquidação do imposto devido assente no compromisso de verdade que o contribuinte assume ao emiti-las e entregá-las e que deste modo lesavam os interesses do Estado, nomeadamente os de natureza fiscal».

Como se vê, apenas relativamente aos endossos falsos – e já não relativamente aos outros documentos - é possível descortinar um sentido autónomo de ilicitude.

Verificamos que, nesta parte, que os factos provados integram objetivamente o crime de falsificação de documentos p.p. nos termos do art.º 256.º n.º 1 als. d), e) e f), embora não de contrafação prevista na al. a) do n.º 1 do art.º 256.º do CP («Fabricar ou elaborar um documento falso ou os seus componentes», i. e., «a feitura ex novo e ex integro de um documento»[89]).

Constatamos que os factos provados próprios do tipo subjetivo de falsificação ou contrafação – incluindo a consciência de que o arguido sabia lesar interesses do Estado, de natureza fiscal, como de outra natureza  – respeitam não apenas a criar «facturas falsas, utilizando em algumas delas carimbos por si fabricados», «declarações de entrada de viaturas no país falsas», e «declarações de habilitante falsas», mas também «cheques com endossos falsos».

Ou seja, os factos provados apenas permitam a conclusão de que o arguido sabia lesar interesses do Estado (e não também de particulares).

No entanto, o dolo não se dirige apenas a interesses fiscais do Estado, mas também ao valor probatório, segurança e fiabilidade que o Estado quer preservar com os cheques com endossos.

Não estão, portanto, apenas em causa, os interesses fiscais do Estado, nem a punição do crime de fraude fiscal esgota nesta parte a danosidade social da falsificação.

Concluímos, assim, que o crime de falsificação p.p. 256.º, n.º 1, alíneas d), e) e f) cometido pelo arguido não se encontra consumido pelo crime de fraude fiscal, embora, como veremos, àquele corresponda uma pena menos grave do que a fixada em primeira instância (por serem em menor número os atos ilícitos[90] a fundamentar uma punição autónoma do que aqueles que foram considerados pelo Tribunal recorrido).

3.3 Do não preenchimento dos elementos próprios da cumplicidade (recurso do arguido BB)

 No entender do recorrente  BB não haveria de ter sido condenado como cúmplice.

Vejamos.

A cumplicidade, definida no art. 27.º do CP é uma forma de participação secundária na comparticipação criminosa, destinada a favorecer um facto alheio, portanto, de menor gravidade objectiva, mas, embora sem ser determinante na vontade do autor e sem participação na execução do crime, traduz-se em auxílio à prática do crime e, nessa medida, contribui para a sua prática, configurando-se como uma concausa do crime.

No que respeita aos elementos subjetivos a cumplicidade exige um apoio doloso a outra pessoa no facto antijurídico doloso cometido por esta, não havendo na cumplicidade domínio material do facto, pois o cúmplice limita-se a favorecer a prática do facto.

A defesa recursiva pressupõe a alteração da matéria de facto provada, que não ocorreu.

Resulta da factualidade provada que se encontram presentes os elementos objetivos e subjetivos da cumplicidade.

Como se lê no Acórdão recorrido:

«Provou-se que o arguido BB, empregado do arguido AA, seguiu ordens deste arguido, no intuito de ocultar rendimentos deste em sede de IVA e IRS, mas agiu, ainda de forma livre, voluntária e consciente, bem sabendo estar a ajudar o arguido AA no desenvolvimento da actividade delituosa, que sabia estar a ser realizada e que ajudou a concretizar.

Com efeito, o arguido BB, ao transportar veículos de França, ao  utilizar a sua conta bancária para transferências para França e para recebimentos de pagamentos de viaturas, ao levantar cheques ao balcão sabendo não corresponder à realidade o seu endosso, ao saber que o seu nome constava de facturas falsas ou em facturas emitidas por vendedores franceses e ao produzir ficheiros nas facturas falsificadas, agiu o arguido de forma livre, voluntária e consciente, bem sabendo que desta forma auxiliava o arguido AA a reduzir ou omitir os impostos nos montantes acima referidos.

Por isso, o arguido BB deve ser condenado pela prática do imputado crime de fraude qualificada, como cúmplice do arguido AA».

Nada a censurar às antecedentes considerações, nas quais nos revemos, improcedendo, nesta parte a defesa.

4. Das penas aplicadas ao arguido AA e ao arguido BB

Pressupondo a alteração da matéria de facto e da sua qualificação jurídica, pretende o recorrente AA:

- A redução da medida da pena aplicada ao crime de fraude fiscal, que, no seu entender, haveria de ser enquadrado como crime de fraude fiscal qualificada, nos termos da al. b) do n.º 2 do artigo 104.º do RGIT;

. Que o condicionamento da suspensão da execução da pena de prisão leve em consideração que a vantagem fiscal é inferior a  200.000,00 €.

Como vimos, nem ocorreu a alteração da factualidade provada, nem se verificou, nesta parte, alteração da qualificação jurídica.

Assim, falece, neste segmento a defesa.

Já no que respeita ao crime de falsificação, importa considerar que são em menor número os atos ilícitos a atender para o seu preenchimento, do que aqueles levados em conta pelo Tribunal recorrido, devendo ser extraídas as conclusões legalmente impostas ao nível do sancionamento (art.º 403.º n.º 3 do CPP).

Por sua vez, alega BB que, sendo cúmplice subordinado, sem benefício próprio, mostra-se excessiva a pena que lhe foi aplicada, no confronto com aquela em que o coarguido AA, organizador e beneficiário da fraude e autor das falsificações foi condenado.

Vejamos.

Na operação de determinação concreta das penas importa considerar que dispõe o art.º 40.º do CP que a aplicação de penas «visa a proteção de bens jurídicos e a reintegração social do agente» (nº 1), não podendo a pena em caso algum «ultrapassar a medida da culpa» (nº 2).

Ora, estabelece o artigo 71.º, n.º 1, do CP, que a determinação da medida da pena, dentro da moldura legal, é feita «em função da culpa do agente e das exigências de prevenção».

O n.º 2 elenca, a título exemplificativo, algumas das circunstâncias, agravantes e atenuantes, relevantes para a medida concreta da pena, pela via da culpa e/ou pela da prevenção, dispondo o n.º 3 que na sentença são expressamente referidos os fundamentos da medida da pena, o que encontra concretização adjetiva no artigo 375.º n.º1 do CPP, ao prescrever que a sentença condenatória especifica os fundamentos que presidiram à escolha e à medida da sanção aplicada.

Doutrinalmente vem-se entendendo que as finalidades da aplicação de uma pena «residem primordialmente na tutela dos bens jurídicos e, na medida possível, na reinserção do agente na comunidade. Por outro lado, a pena não pode ultrapassar, em caso algum, a medida da culpa. Nestas duas proposições reside a fórmula básica de resolução das antinomias entre os fins das penas; pelo que também ela tem de fornecer a chave para a resolução da medida da pena»[91].

Daí que se venha defendendo que o processo de determinação da pena concreta a aplicar refletirá, de um modo geral, a seguinte lógica:

«a partir da moldura penal abstrata procurar-se-á encontrar uma submoldura para o caso concreto, que terá como limite superior a medida ótima de tutela de bens jurídicos e das expectativas comunitárias e, como limite inferior, o quantum abaixo do qual já não é comunitariamente suportável a fixação da pena sem pôr irremediavelmente em causa a sua função tutelar. Dentro dessa moldura de prevenção atuarão, de seguida, as considerações extraídas das exigências de prevenção especial de socialização. Quanto à culpa, compete-lhe estabelecer o limite inultrapassável da medida da pena a estabelecer»[92].

Prescreve o n.º 2 do art.º 71.º do CP que, na determinação concreta da pena «o tribunal atende a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de criem, depuserem a favor do agente ou contra ele, considerando, nomeadamente:

a) O grau de ilicitude do facto, o modo de execução deste e a gravidade das suas consequências, bem como o grau de violação dos deveres impostos ao agente;

b) A intensidade do dolo ou da negligência;

c) Os sentimentos manifestados no cometimento do crime e os fins ou motivos que o determinaram;

d) As condições pessoais do agente e a sua situação económica;

e) A conduta anterior ao facto e posterior a este, especialmente quando esta seja destinada a reparar as consequências do crime;

f) A falta de preparação para manter uma conduta lícita, manifestada no facto quando essa falta deva ser censurada através da aplicação da pena».

As circunstâncias e critérios do artigo 71º do CP «devem contribuir tanto para codeterminar a medida adequada à finalidade de prevenção geral (a natureza e o grau de ilicitude do facto impõe maior ou menor conteúdo de prevenção geral, conforme tenham provocado maior ou menor sentimento comunitário de afectação dos valores), como para definir o nível e a premência das exigências de prevenção especial (as circunstâncias pessoais do agente, a idade, a confissão, o arrependimento), ao mesmo tempo que também transmitem indicações externas e objectivas para apreciar e avaliar a culpa do agente»[93].

Decorre, ainda, da lição da melhor doutrina[94], e constitui jurisprudência uniforme do Supremo Tribunal de Justiça[95], perfilhada em segunda instância[96]  que a intervenção do tribunal de recurso pode incidir na questão do limite ou da moldura da culpa assim como na atuação dos fins das penas no quadro da prevenção; mas já não na determinação, dentro daqueles parâmetros, do quantum exato da pena, salvo se tiverem sido violadas regras de experiência ou se a quantificação se revelar de todo desproporcionada.

No caso.

Lê-se no Acórdão recorrido:

« A determinação concreta da pena deve valorizar as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, militem a favor dos arguidos ou contra ele; assim, impõe-se ponderar:

- grau de ilicitude dos factos: elevado, atendendo aos montantes que não foram entregue ao Estado e à duração dessa actividade bem como a quantidade de actos e as circunstâncias da falsificação dos documentos em causa;

- modo de execução do crime: as circunstâncias em que os arguidos AA e BB (apenas como cúmplice) desenvolveram a actividade de compra e introdução dos veículos em Portugal, criação de facturas falsas, utilizando em algumas delas carimbos por si fabricados, bem como declarações de entrada de viaturas no país falsas, declarações de habilitante falsas, cheques com endossos falsos; tudo para a ocultação de factos à administração tributária, com a finalidade de obter vantagens patrimoniais, resultantes da não entrega ao Estado dos impostos devidos em sede de IRS e IVA;

- gravidade das consequências: os montantes que deixaram de entrar nos cofres do Estado a título de IRS e IVA;

- grau de violação dos deveres impostos ao agente: todo o desrespeito pelo dever de contribuir para as receitas do Estado através do pagamento dos impostos devidos, bem como a perturbação do valor probatório, segurança e fiabilidade de tais documentos, bem como a transacção e custos comerciais que as facturas se destinavam a certificar e a fé pública que a lei atribui às facturas;

- intensidade do dolo: grau mais elevado – dolo directo – artigo 14º, nº 1, representação do facto e actuação com intenção de o realizar;

- sentimentos manifestados no cometimento do crime: os já referidos quanto ao dever de pagar impostos e ao desrespeito pela autenticidade e fiabilidade dos documentos;

- fins ou motivos que o determinaram: enriquecimento à custa do não pagamento de impostos devidos ao Estado;

- condições pessoais do agente e situação económica: o arguido AA vive com a companheira e filha de ambos, em casa própria, beneficia de apoio dos pais, trabalha com a companheira tendo constituído uma empresa imobiliária e dedica-se ao acompanhamento da filha de 14 anos de idade; o arguido BB reside com a mulher e duas filhas, em casa própria, trabalha numa empresa de venda e aluguer de autocaravanas e reparte o seu quotidiano entre o trabalho e as tarefas de apoio às filhas;

- conduta anterior aos factos: nenhum dos arguidos regista antecedentes criminais, trabalhavam nos moldes provados no ramo da aquisição e venda de veículos automóveis;

- conduta posterior aos factos: manifestam arrependimento, sofreram abalo e perturbação em resultado da pendência do presente processo, estão a trabalhar e com inserção familiar.

A partir deste quadro, há que definir cada pena, tendo presente a importância da justa retribuição do ilícito e da culpa, bem como as necessidades da prevenção especial e, depois, da prevenção geral (confirmação da ordem jurídica), chamando a ponderação entre a gravidade da culpa expressa no facto e a gravidade da pena com a graduação da importância do crime para a ordem jurídica violada (conteúdo da ilicitude) e a gravidade da reprovação que deve dirigir-se ao agente do crime por ter praticado o mesmo delito (conteúdo da culpa)».

Nada a censurar às antecedentes considerações, nas quais nos revemos.

Tudo visto, no que respeita ao crime de  falsificação de documento, previsto e punido pelo artigo 256.º n.º 1, alíneas d), e) e f) - (moldura penal de um mês a três anos de prisão), atendendo serem em menor número os atos ilícitos provados, dos que os considerados em primeira instância, fixa-se a pena de dois anos e quatro meses de prisão[97].

Por sua vez, julgamos ajustada às finalidades preventivas e perfeitamente suportada pelo limite da culpa, a medida de dois anos de prisão fixada ao arguido «BB pela prática, como cúmplice, de um crime de fraude qualificada, previsto e punido pelos artigos 103.º, n.º 1, alíneas a), b) e c) e 104.º, n.º 3, do RGIT, por referência ao artigo 27.º, n.ºs 1 e 2 do Código Penal (moldura penal de um mês a cinco anos e 4 meses de prisão)», «tendo em conta a intensidade da sua contribuição para o cometimento do crime», assinalada pelo Tribunal recorrido.

Não se vislumbra que nesta fixação o Tribunal recorrido não tenha considerado a menor intensidade da ilícitude e da culpa do arguido BB, face ao que foi determinado a AA, como não se descortina, aliás, qualquer fundamento para alterar no demais referente à pena o decidido em primeira instância, incluindo a suspensão da execução da pena de prisão, no que respeita ao período, sujeição a regime de prova, e aos concretos deveres fixados.

Importa, ainda decidir do eventual excesso da pena única aplicada ao arguido AA, considerando a redução da pena aplicada ao crime de falsificação ou contrafação de documento.

Quando, como é o caso, «alguém tiver praticado vários crimes antes de transitar em julgado a condenação por qualquer deles é condenado numa pena única» (art.º 77.º n.º 1, 1.ª parte, do CP).

«A pena aplicável tem como limite máximo a soma das penas concretamente aplicadas aos vários crimes, não podendo ultrapassar 25 anos tratando-se pena de prisão e 900 dias tratando-se de pena de multa; e como limites mínimos a mais elevada das penas concretamente aplicadas aos vários crimes» (art.º 77º nº 2 do CP).

No caso, a moldura do concurso tem como limite mínimo 4 anos e seis meses de prisão e como limite máximo 6 anos e 10 meses de prisão.

A pena única é determinada, tal como na concretização da medida das penas parcelares, em função da culpa e da prevenção, mas agora levando em conta um critério específico: a consideração em conjunto dos factos e da personalidade do agente (art.º 77.º n.º 1, 2.ª parte do CP).

Tal como se lê no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 29.02.2024, no processo 37/18.3GGSTB.S1 (rel. Cons. Vasques Osório):

«(…) podemos dizer que o conjunto dos factos indicará a gravidade do ilícito global praticado – sendo particularmente relevante para a sua valoração a conexão que possa existir entre os factos integrantes do concurso –, enquanto a avaliação da personalidade do agente permitirá saber se o conjunto dos factos integra uma tendência desvaliosa ou se, pelo contrário, é apenas uma pluriocasionalidade que não tem origem na personalidade, sendo que, só no primeiro caso, o concurso de crimes deverá ter um efeito agravante, sendo igualmente importante a análise do efeito previsível da pena sobre a conduta futura do agente (Figueiredo Dias, op. cit., pág. 290 e seguintes). No mesmo sentido pode ver-se, entre outros, o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 27 de Fevereiro de 2013, processo nº 455/08.5GDPTM, in www.dgsi.pt, no qual se escreveu, além do mais, «[f]undamental na formação da pena do concurso é a visão de conjunto, a eventual conexão dos factos entre si e a relação desse espaço de vida com a personalidade.».

No caso, devem ser consideradas as circunstâncias temporais, a dinâmica da actividade, a unicidade do bem jurídico protegido por estes crimes e o respectivo enquadramento, reiteração e gravidade dos comportamentos, e os quantitativos em causa.

As condutas do arguido encontram-se umbilicalmente conexionadas - situação que lhe é favorável do ponto de vista dos critérios legalmente previstos para a operação do cúmulo jurídico, pois destes concretos factos não se retira uma especial inclinação criminosa.

Como se lê no Acórdão recorrido:

«Na avaliação da personalidade, tendo em conta a inexistência de condenações anteriores ou posteriores, pode concluir-se que o conjunto global dos factos indicia, não uma tendência criminosa, mas o resultado da distorção da dinâmica empresarial do arguido e atinente organização da sua actividade».

O comportamento global consubstanciado no concurso de crimes e a personalidade neles revelada, demanda uma medida da pena única que, respeitando os limites traçados pela prevenção geral de integração e pela culpa, seja suficiente e adequada a advertir, séria e fortemente o arguido, instando-o a refletir sobre o seu comportamento futuro e, ao mesmo tempo, dando-lhe a oportunidade de se reintegrar na comunidade dos homens fieis ao direito.

Tudo considerado, julgamos adequado fixar ao arguido AA a pena única de quatro anos e dez meses de prisão.

Revemo-nos na fundamentação do Tribunal recorrido que respeita à suspensão da execução e sujeição a regime de prova.

No que se refere ao dever de pagamento ao Estado importa levar em conta a redução da medida da pena única de cinco para quatro anos e dez meses.

Assim, o prazo de suspensão é fixado de quatro anos e dez meses de prisão.

O valor de 60 000,00 deverá ser pago em prestações trimestrais nos 4 primeiros anos e 9 meses do período de suspensão, no valor de 3000,00 , já os remanescentes 3000,00 serão pagos no último mês do período de suspensão.

5. Perda de Vantagens: Ausência de qualquer valor de locupletamento de IVA; inconstitucionalidade material na interpretação da norma da al. b) do n.º 1 e do n.º 4 do artigo 110.º do Código Penal (recurso do arguido AA)

Alega este recorrente que obteve um confesso enriquecimento em sede de IRS, na quantia de  186.019,27 € (montante este inferior ao que resultou provado em primeira instância) e que não se «locupletou» com qualquer valor de IVA, seja porque efetuou vendas que relevou na contabilidade, com recurso ao «IVA de margem», tendo entregado ao Estado o IVA que, nessas operações, liquidou e recebeu dos clientes, seja porque efetuou operações de venda de viaturas à margem da contabilidade – sem qualquer faturação e, portanto, sem qualquer liquidação de imposto.

Conclui que a perda de vantagens nos termos do disposto no n.º 4 do artigo 110.º do CP, fixar-se na quantia de 186.019,27 €, correspondente à coleta apurada para efeitos de IRS.

Ainda no entender do recorrente AA, é materialmente inconstitucional a solução normativa resultante da aplicação conjugada do disposto na al. b) do n.º 1 e do n.º 4 do artigo 110.º do Código Penal, quando interpretada no sentido de que podem ser declaradas perdidas a favor do Estado, como vantagens provenientes de um facto ilícito típico, quantias não liquidadas em sede de IVA, pelo respetivo sujeito passivo, e, assim, não recebidas, e, portanto, sem qualquer apropriação dessas quantias por parte do agente do referido facto ilícito típico, e sem qualquer enriquecimento ou incremento patrimonial do mesmo, por inexistência de qualquer incorporação de tais importâncias no seu património, inconstitucionalidade que, desde já, expressamente se invoca.

Vejamos.

Em primeiro lugar, como vimos, a matéria de facto no que respeita aos valores em dívida manteve-se inalterada.

Não há, portanto, que excluir dos montantes apurados as alegadas entregas ao Estado efetuadas pelo  recorrente com recurso ao «IVA de margem».

Em segundo lugar, dispõe o artigo 110º do Código Penal, sob a epígrafe «Perda de produtos e vantagens»:

«1 - São declarados perdidos a favor do Estado:

a) Os produtos de facto ilícito típico, considerando-se como tal todos os objetos que tiverem sido produzidos pela sua prática; e

b) As vantagens de facto ilícito típico, considerando-se como tal todas as coisas, direitos ou vantagens que constituam vantagem económica, direta ou indiretamente resultante desse facto, para o agente ou para outrem.

2 - O disposto na alínea b) do número anterior abrange a recompensa dada ou prometida aos agentes de um facto ilícito típico, já cometido ou a cometer, para eles ou para outrem.

3 - A perda dos produtos e das vantagens referidos nos números anteriores tem lugar ainda que os mesmos tenham sido objeto de eventual transformação ou reinvestimento posterior, abrangendo igualmente quaisquer ganhos quantificáveis que daí tenham resultado.

4 - Se os produtos ou vantagens referidos nos números anteriores não puderem ser apropriados em espécie, a perda é substituída pelo pagamento ao Estado do respetivo valor, podendo essa substituição operar a todo o tempo, mesmo em fase executiva, com os limites previstos no artigo 112.º-A.

5 - O disposto nos números anteriores tem lugar ainda que nenhuma pessoa determinada possa ser punida pelo facto, incluindo em caso de morte do agente ou quando o agente tenha sido declarado contumaz.

6 - O disposto no presente artigo não prejudica os direitos do ofendido».

A natureza jurídica de tais disposições legais não é consensual, quer na doutrina, quer na jurisprudência.

Temos para nós, seguindo o entendimento maioritário, que o instituto de perda de vantagens:

- Norteia-se para a prevenção geral e especial da criminalidade, visando o Estado que nenhum benefício venha a resultar para o arguido pela prática do ilícito;

- Basta-se com a verificação de um facto típico-ilícito não necessariamente culposo, podendo ter lugar mesmo que o agente seja inimputável, sendo considerada como uma medida sancionatória típica análoga à medida de segurança.

Volvendo ao caso dos autos.

Lê-se no Acórdão recorrido:

«Provou-se que o arguido AA, com a ajuda dos arguidos BB e aproveitando o serviço prestado pelo arguido CC, obteve entre os anos de 2013 a 2016, uma vantagem patrimonial indevida de 775,763,95 euros, pela não entrega ao Estado dos impostos devidos em sede de IRS e IVA.

O arguido AA invoca a confusão entre eventual prejuízo do Estado (em sede tributária) e vantagem obtida (para os efeitos do disposto no artigo 110.º do Código Penal).

Sustenta que o sujeito passivo de IVA que não liquida imposto aos seus clientes pode causar uma lesão patrimonial ao Estado, mas não aufere, ele mesmo, qualquer vantagem patrimonial com esse imposto, dado que não se apropriou de qualquer quantia pertencente ao Estado; reafirmando que “tudo continua a girar em torno desta confusão entre apropriação (vantagem) e não liquidação (prejuízo)”, reitera que não auferiu a vantagem patrimonial global de 775.763,95 euros.

Salvo o devido respeito, neste caso, não existe confusão pois o valor que deveria ter sido liquidado e entregue ao Estado ficou na esfera patrimonial do arguido, directa ou indirectamente, foi uma vantagem que o mesmo obteve (manteve) face à não entrega.

O que está em causa é a vantagem patrimonial obtida pela prática do crime correspondente ao valor não entregue ao Estado dos referidos impostos.

(…)

Por isso, uma vez que apenas o arguido AA obteve aquela vantagem patrimonial indevida somente este deve ser condenado no respectivo pagamento.

Nestes termos, segundo aquela disposição legal deve ser declarado perdido a favor do Estado o montante correspondente à vantagem económica directamente resultante do cometimento dos crimes pelos quais o arguido AA vai condenado.

Assim sendo, deve operar a previsão daquele nº 4, devendo este arguido ser condenado no pagamento ao Estado da quantia correspondente àquele valor».

                Revemo-nos nos extratos que acabamos de citar.

                Reforçando.

Não sofre dúvida que, no caso, ocorreram transmissões de bens que tiveram como contrapartida determinados preços que foram pagos.

                O património do arguido foi incrementado com a não liquidação nem a entrega do IVA ao Estado correspondente ao valor recebido.

Como se vê, ocorreu a apropriação por parte do arguido recorrente.

Não se verifica, salvo o devido respeito, fundamento para a arguida invocação de inconstitucionalidade material, que segundo nos parece, pressuporia que o arguido recorrente não se tivesse apropriado das quantias, nem se tivesse enriquecido ou beneficiado de incremento patrimonial.

Tudo visto e considerado, improcede, nesta parte a defesa.

6. Indemnização Cível

6.1 Ausência dos requisitos da adequação causal e da culpa (Recurso de BB)

Alega o recorrente BB que não se verificam os requisitos do nexo de causalidade e da culpa para a sua condenação solidária no pagamento de danos não patrimoniais sofridos por DD, resultantes da utilização não autorizada dos seus dados pessoais.

Em abono deste seu entendimento, alega o recorrente que desconhecia  a existência desses dados e a própria identidade do demandante, sendo que os dados do demandante foram entregues exclusivamente ao arguido AA em 2006/2008, encontrados na posse deste último e por ele utilizados apenas em 2016.

No entender do recorrente, não se vislumbra, nem o Tribunal o explica, como estas ações específicas do recorrente contribuíram causalmente para o dano sofrido por DD, que decorreu da utilização indevida dos seus dados pessoais por AA (conforme factos 2119, 2227) para a aquisição de veículos em França.

Vejamos.

A indemnização de perdas e danos emergentes de crime, enxertada no processo penal, é regulada pela lei civil (art.º 129º do Código Penal). Assim, tem de buscar-se os seus pressupostos no art.º 483º do Código Civil, que estabelece o princípio geral da responsabilidade por factos ilícitos.

Como é sabido são pressupostos da obrigação de indemnizar: o facto humano; a sua ilicitude; o nexo de imputação do facto ao agente; o dano e o nexo causal entre o facto e o dano.

De acordo com o disposto no n.º 1 do art. 483º e no art. 563º, ambos do Código Civil, o lesante só tem a obrigação de reparar os danos que, em concreto, se tenham verificado como uma consequência necessária do evento danoso e que, em abstrato, se tenham verificado como uma consequência adequada do mesmo. Ou seja, o evento danoso deve ter constituído, simultaneamente, uma causa necessária e uma causa potencialmente idónea da produção daqueles danos - em conexão com as teorias da causalidade naturalística e da causalidade adequada (retius, jurídica). Só os danos que estejam por este modo conexionados com o facto ilícito é que serão reparáveis.

Entendemos que, não fora a comparticipação e, em princípio, as atuações de um cúmplice não seriam passíveis de gerar responsabilidade civil. O auxílio moral ou material concedido ao autor representam, dependendo das circunstâncias, uma antecipação da tutela – sempre que a ajuda é prestada na fase preparatória – ou uma ampliação dos atos de execução passíveis de cimentar um juízo de responsabilidade. Os atos praticados pelo cúmplice, tomados isoladamente, não passariam as mais das vezes pelo crivo do nexo de causalidade. Não obstante, eles são tidos em consideração para fundamentar a imputação da obrigação de indemnizar, enquanto elemento do facto unitário e complexo realizado por todos os comparticipantes.

É o que nos diz o art.º 490.º do Código Civil, ao dispor que:

«Se forem vários os autores, instigadores ou auxiliares do acto ilícito, todos eles respondem pelos danos que hajam causado».

Por sua vez, o n.º 1 do artigo 497.º do Código Civil submete a responsabilidade civil dos comparticipantes ao regime da solidariedade passiva, por mor do qual o lesado pode exigir a qualquer um dos autores ou participantes o cumprimento da integralidade da obrigação de indemnizar, estando este vinculado ao cumprimento. O adimplemento dessa obrigação por um dos comparticipantes determina a extinção dos deveres dos demais consortes.

Entendemos, tudo considerado, e no confronto com a factualidade provada, que a conduta do recorrente BB é dolosa (agiu com culpa) sendo os danos sofridos pelo demandante juridicamente imputáveis a este arguido, improcedendo nesta parte a defesa deste recorrente.

6.2 Excesso do valor fixado pela indemnização dos danos não patrimoniais (recursos dos arguidos AA e BB)

No entender do arguido AA, a quantificação dos danos não patrimoniais é excessiva, atendendo à natureza dos factos, afigurando-se-lhe como adequado o valor de 3.000,00 €, em linha, aliás, com alegada prática jurisprudencial em situações congéneres.

Por sua vez, alega BB que se revela excessivo o montante fixado, pois o Tribunal a quo não deu como provado que a situação causasse transtorno atual ao demandante (Factos Não Provados XXXIII e XXXIV), o que limita a gravidade dos danos a considerar.

Vejamos.

Lê-se no Acórdão recorrido:

«Os demandados AA e BB compraram, em França, os referidos cinco veículos utilizando para o efeito os dados pessoais do demandante DD, que figurava como comprador dos mesmos, sem autorização nem conhecimento deste; esses dados tinham sido confiados a AA na altura em que lhe havia comprado um veículo; o demandante sentiu vergonha por ver o seu bom nome envolvido em tais expedientes usados pelos arguidos, ficou abalado do sistema nervoso, a situação foi tema de conversa entre amigos e pessoas conhecidas, sentiu e ainda sente revolta por uma cópia do seu cartão de identificação civil ter andado a circular nas "mãos" de várias pessoas, quando teve conhecimento e quando foi prestar as primeiras declarações nas noites seguintes, não conseguia descansar, nem dormir, pois pensava constantemente nos actos que poderiam ainda praticar com os seus dados e na possibilidade de ser responsabilizado pelos mesmos; o demandante é uma pessoa séria, que goza de boa reputação, respeito público e dignidade inequívocos».

Encontramo-nos perante danos não patrimoniais que, pela sua gravidade, merecem a tutela do direito (art.º 496º n.º 1 do Código Civil).

Trata-se de prejuízos sem equivalente monetário, e que apenas podem ser «compensados», pela atribuição de uma justa reparação comandada por um juízo equitativo que deve atender às circunstâncias referidas no art.º 494.º do Código Civil.

Efetivamente, no tocante à determinação do quantum indemnizatório, a lei aponta, nitidamente para a ponderação das especificidades e particularidades do caso concreto, orientada por critérios de equidade[98].

Naturalmente que o primeiro dos fatores a ponderar será o dano que fundamenta a compensação, limita o montante a compensar, e cuja gravidade constitui um dos pressupostos da obrigação de indemnizar.

Na aferição da gravidade do dano relevam a natureza da lesão sofrida, a intensidade das suas consequências, e os bens jurídicos ou interesses atingidos.

A culpabilidade do agente afere-se na apreciação da intensidade da violação dos deveres jurídicos ou da omissão dos deveres de diligência, e da intervenção da vontade do agente em tal atuação e causação.

Não deixa, por um lado, de estar aqui presente uma certa função punitiva ou sancionatória da indemnização, podendo, por outro lado, a culpa pouco intensa do agente face à extensão dos danos causados, justificar a redução do montante indemnizatório a atribuir.

O critério da situação económica do lesante e do lesado releva essencialmente para correção de resultados injustos em casos de significativa desproporção entre as condições económicas de ambos. Mostrando-se o lesado detentor de condições económicas muito superiores às do lesante, poderá justificar-se a redução do montante fixado.

«Em qualquer caso, a ponderação sobre a gravidade do dano não patrimonial e, correspondentemente, do valor da sua reparação deve ocorrer sob o signo do princípio regulativo da proporcionalidade – de harmonia com o qual a danos mais graves deve corresponder uma indemnização mais generosa – e numa perspetiva de uniformidade: a indemnização deve ser fixada tendo em conta os parâmetros jurisprudenciais geralmente adotados para casos análogos (art.º 8 nº 3 do Código Civil)»[99].

No caso, entendemos tudo considerado que se revela excessiva a fixação dos danos não patrimoniais sofridos por DD, pelo que se reduz a indemnização fixada para 3000,00 euros, procedendo, nesta parte, as defesas.


*

III. DISPOSITIVO

*


Em face do exposto, acordam os Juízes que compõem a 5ª Secção Criminal do Tribunal da Relação de Coimbra:

1. Em julgar parcialmente procedente na parte crime o recurso do arguido AA, na parte crime, e assim, em:

1.1 - Revogar a condenação do arguido pela prática de um crime de contrafacção de documento; p.p. nos termos da al. a) do n.º 1 do art.º 256.º do Código Penal, mantendo a sua condenação pela prática de um crime de falsificação de documento, previsto e punido pelo artigo 256.º n.º 1, alíneas d), e) e f) do Código Penal;

1.2 - Reduzir a pena de prisão em que foi condenado pela prática de um crime de falsificação de documento, previsto e punido pelo artigo 256.º n.º 1, alíneas d), e) e f) do Código Penal, para dois anos e quatro meses;

1.3 - Reduzir a pena única em que foi condenado para quatro anos e dez  meses de prisão, suspensa na sua execução, pelo período de cinco anos, nos termos do artigo 50º, nºs 1 e 5, do Código Penal, mediante:

a)- regime de prova, nos termos do artigo 53º, nºs 1 e 2, do Código Penal; e

b)- sujeição ao dever de, nos termos conjugados dos artigos 14.º, n.º 1, do RGIT e 51.º, n.º 1, alínea c) e nº 2, do Código Penal, pagar ao Estado a quantia de 60 000,00 € (sessenta mil euros), a contar do trânsito em julgado da decisão, em prestações trimestrais nos 4 primeiros anos e 9 meses do período de suspensão, no valor de 3000,00 € (três mil euros), sendo os remanescentes 3000,00 € (três mil euros) pagos no último mês do período de suspensão;
2. Em julgar improcedente na parte crime o recurso do arguido BB;

3. Em julgar parcialmente procedentes na parte cível os recursos dos arguidos demandados arguido AA e BB, reduzindo a indemnização pelos danos não patrimoniais a pagar ao demandante DD para 3000,00 € (três mil euros);

4. Manter no remanescente o Acórdão recorrido.

Custas criminais pelo arguido BB, fixando a taxa de justiça devida s em 4 UC´s (513.º do CPP e tabela III anexa ao RCP);

Custas cíveis pelos arguidos demandados recorrentes e pelo demandante recorrido na proporção dos respetivos decaimentos (523.º do CPP).

Coimbra,  05.11.2025

(Consigna-se que o acórdão foi elaborado e integralmente revisto pela primeira signatária, sendo ainda revisto pela segunda e pela terceira signatárias – artigo 94º, nº2, do CPP -, com assinaturas eletrónicas apostas na 1.ª página, nos termos do artº 19º da Portaria nº 280/2013, de 26-08, revista pela Portaria nº 267/2018, de 20/09)

Juíza Desembargadora Relatora: Alexandra Guiné

Juíza Desembargadora 2.º Adjunta: Sandra Ferreira

Juíza Desembargadora 3.ª Adjunta: Ana Carolina Cardoso

[1] =  euros 2.236,56 +  euros 1.495,93 (viatura 7 e 9)

[2] =  euros 69.304,93 -  euros 3.732,49

[3] neste sentido: acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 03.06.2014, processo 500/09.7IDSTB.E1.

[4] embora, nesta parte, com declaração de voto em sentido diferente do Senhor Conselheiro Manuel Joaquim Braz e acompanhada pelo Senhor Conselheiro Francisco Manuel Caetano.

[5] vide Cristina Líbano Monteiro, “Perigosidade de inimputáveis e in dubio pro reo”, Coimbra, 1997, p. 13.
[6] Maia Gonçalves, Código de Processo Penal Anotado, 12.ª ed., 2001, p. 339, com citações de Alberto dos Reis, Cavaleiro de Ferreira, Eduardo Correia e Marques Ferreira.
[7] Jornadas de Direito Processual Penal, pág. 228.
[8] para maiores desenvolvimentos sobre a comunicação interpessoal e linguagem não verbal, ver por todos: Ricci Bitti/Bruna Zani, “A comunicação como processo social”, editorial Estampa, Lisboa, 1997, Allan e Barbara Pease, “Linguagem Corporal”, Editora Pergaminho, Lisboa, 2017; James O. Pyle e Maryan Karinch “As perguntas certas”, Editora Pergaminho, Lisboa, 2015; ou Janine Driver, “Como observar as pessoas”, Editora Bizâncio, Lisboa, 2010.

[9] Lair Ribeiro, “Comunicação Global”, Lisboa, 1998, pág. 14; para o antropólogo Ray Birdwhistel as palavras correspondem a 35% da mensagem transmitida e o não verbal (tom de voz e linguagem corporal) será 65% da comunicação porque recebemos as mensagens através do nossos sentidos: na medida de 87% através dos olhos, 9% dos ouvidos e 4% dos outros sentidos: citado por Alexandre Ribeiro, “Os segredos que o nosso corpo revela”, Editora Manuscrito, Lisboa, 4ª edição, 2017, pág. 18.

[10] acórdão de 14JAN1994, do 2º Juízo Criminal de Lx.ª, processo 363/93, 1ª Sec., in Sub Judice n.º 6-91.
[11] Tal opção permite uma melhor percepção dos documentos/depoimentos que suportaram a formação da convicção do tribunal colectivo, sendo que, na maior parte dos casos (aqueles em que o mesmo os admite) apenas servem para confirmar as declarações do arguido AA.
[12] A testemunha II (viatura 4) diz que comprou BMW carrinha (..-NP-..) que encomendou, por fotos, o veículo ainda estava em França.
[13] Por exemplo: acórdão do TCAS de 28.04.2022 (processo 759/16.3 BESNT).
[14] Por exemplo: acórdão do TCAN de 02.06.2022 (processo 00070/10.3BEMDL).
[15] nomeadamente a partir dos acórdãos do STJ de 26.09.2012, pº 101/11.0PAVNO.S1 e de 22.01.2013, pº 184/11.2GCMTJ.L1.S1.
[16] cfr. Marta Morais Pinto , R e v M.º P.º , ano 128 , Outubro Dezembro 2011.
[17] cfr. Camargo Aranha, Da Prova em Processo Penal, ed. 2004, 213.
[18]  cfr. Acs. do STJ, de 9.2.2012, Pº nº 233/08.5PBGDM.P3 .S1 e de 26.1.2011, Pº nº 417/09 .5YRPTR .S2 e estudo subordinado ao tema “Prova indiciária e Novas Formas de Criminalidade”, Macau Novembro de 2011, da autoria do Exm.º Cons.º Santos Cabral (acessível in www.stj.pt).
[19] no seu estudo publicado na Revista Julgar, Ano 2007, nº 2.

[20] acórdão TRC, de 06.02.2013, relator Senhor Desembargador Jorge Dias.

[21] Mittermaier, Tratado de la Prueba em Matéria Criminal.

[22] Analisados os autos, verifica-se que não é “apenso” mas “volume” 10 e o relatório consta de fls 3023 a 3330.
[23] cfr., entre outros, acórdãos: Tribunal da Relação de Évora de 26.02.2013 (processo 9/06.0TAAVS.E1), e de 6.09.2011 (processo 241/07.0PCSTB.E1), Tribunal da Relação de Coimbra de 13.12.2011 (processo 41/10.0JACBR.C1), e de 9.12.2009 (processo 1873/09.7PTAVR.C1).
[24] Professor Cavaleiro Ferreira, “Curso de Processo Penal”, vol. II, 1981, pág. 292.
[25] excepto na parte respeitante às assinaturas, mas tal acaba por se tornar irrelevante tendo em conta a prova produzida.

[26] Acórdãos de 12.07.2012 no processo 456/08.3PTLSB.L1.S1 e de 06.02.2013 no processo 181/12.0JELSB.L1.S1.
[27] “Constituição da República Portuguesa Anotada”, 4.ª edição revista, 519.
[28] Direito Processual Penal, reimpressão, 1984 p. 213.
[29] Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 27.5.2010 e de 15.07.2008; e acórdãos do tribunal da Relação do Porto de 22.6.2011, 17.11.2010, 2.12.2009, 9.9.2009 e de 11.01.2006, todos disponíveis em www.dgsi.pt.
[30] Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 20.12.2011, processo 40/08.1TAPNH.C1, onde são citados, neste sentido, Helena Moniz "Comentário Conimbricense do Código Penal, Tomo II, pág. 667" e acórdãos do Tribunal da Relação de Coimbra, de 13-05-2009, processo 457/07.9TASCD.C1 (JusNet 2903/2009), de 07-02-2007, nº 1540/05.0TAAVR.C1 (JusNet 300/2007) e de 02.03.2011, processo 909/09.6TALRA.C1 e acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 16-11-2009, processo 1289/06.7TAVCT.G1 (JusNet 7567/2009).
[31] acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, proferido no processo 40/08.1TAPNH.C1
[32] Helena Moniz, “Comentário Conimbricense do Código Penal”, 1990, Tomo II, pág. 684, parágrafo 31.
[33] Helena Moniz, “Comentário…”, parágrafo 26.
[34] Recordando o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 11.05.1988 (BMJ 377-431) citado bastamente na doutrina e jurisprudência que se debruçam acerca da questão.
[35] Tratado de Derecho Penal, Parte General, 4a edição espanhola, pág. 650, citado, por exemplo, no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 26.10.2011 (processo 1441/07.8JDLSB.L1).

[36] cfr. Santiago Mir-Puig, " Derecho Penal, Parte General" 657, citado no referido acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 26.10.2011 e também acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 08.03.1984 (BMJ: 335-135: "desde que haja uma única resolução a presidir a toda esta actuação, não existe crime continuado, mas um só crime".
[37] “A Teoria do Concurso em Direito Penal”, Almedina 1996, pág. 16.
[38] Acórdão Venerando Tribunal da Relação de Coimbra de 07.02.2024 (processo 871/19.7JACBR.C2).
[39] Como diz Faria Costa (Formas do Crime, Jornadas de Direito Criminal, O Novo Código Penal Português e Legislação Complementar, pág. 174), «A primeira ideia que ressalta… é a de que a cumplicidade experimenta uma subalternização, relativamente à autoria. Há, pois, uma linha que se projecta não na assunção de todas as consequências… mas que se fica pelo auxílio. Isto é, fazendo apelo a um velho critério…, deparamo-nos aqui com uma causalidade não essencial».
[40] acórdão do Supremo Tribunal de 21 de Novembro de 2001 (processo  2758/01); vide também o acórdão de 31 de Março de 2004 (processo 136/04 e jurisprudência aí citada).
[41] Cf. Conselheiro Gonçalves da Costa, citando Roxin, em estudo publicado na RPCC, ano 3º, nºs 2/4, a págs. 328.
[42]  Wolfgang Nauke, "introdução à parte especial do Direito Penal", AAFDL, 1989.
[43] artigos 205º, nº 1,da Constituição da República Portuguesa, 374º, nº 2 e 375º, nº 1, do Código de Processo Penal e 71º, nº 3, do Código Penal.
[44] Conselheiro A. Robalo Cordeiro, "Escolha e medida da pena", in "Jornadas de Direito Criminal", CEJ, pág. 272.
[45] Anabela Rodrigues, "A determinação da medida concreta da pena...", RPPC, nº 2(1991) e "Sistema punitivo português", SubJudice, 1996, nº 11; e Figueiredo Dias, "Direito Penal Português, as consequências jurídicas do crime", 1993, pág. 243.
[46] Derecho Penal--Parte General", Barcelona, 1996, 4ª ed., pág.750/751.
[47] “Medida Concreta da Pena – Disparidades”, Lisboa, 1998, pág. 36.
[48] por exemplo, acórdão de 21.02.2024 (processo 657/21.9T9AVR.P1).

[49] acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 11.10.2011, processo 721/10.0PHSNT.L1 e acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 16.10.2013, processo 670/11.4PDVNG.P1, onde se apresenta desenvolvido estudo de direito interno e europeu bem como de jurisprudência do TEDH, relativamente a esta temática, nomeadamente quanto ao efeito não automático da recolha apenas com base na condenação.

[50] acórdão nº 333/2018, de 27.06.2018, publicado no DR II, de 08.08.2018, também disponível em https://www.cfbdadosadn.pt, site do “Conselho de Fiscalização da Base de dados de Perfis de ADN”, onde se encontram diversos estudos e jurisprudência nacional e europeia (TEDH, caso “Marper”) acerca do tema.
[51] acórdão de 20.02.2019, no processo 269/16.9GAACB-A.C1.

[52] o Tribunal da Relação de Coimbra, em 19.12.2018, no processo 279/16.6PBCTB.C1, decidiu que o facto de a pena de prisão ter ficado suspensa na sua execução não retira a obrigatoriedade de recolha de ADN ao arguido (no caso, declarou a nulidade da sentença recorrida por omissão de pronúncia quanto a essa questão).
[53] Antunes Varela, Direito das Obrigações, Vol. I, 7ª edição, Livraria Almedina, 576.
[54] António Menezes Cordeiro, O Direito, 122º, p. 272; no mesmo sentido, Almeida Costa, «Reflexões Sobre a Obrigação de Indemnização», RLJ, 134º, p. 299, e Vaz Serra, RLJ, 114º, pág. 310.
[55] acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 13.04.2010, processo nº 109/2002.C1.S1.
[56] segundo Ana Prata “Julgar segundo a equidade significa dar a um conflito a solução que parecer mais justa, atendendo apenas às características da situação e sem recurso à lei eventualmente aplicável. A equidade tem, consequentemente, conteúdo indeterminado, variável de acordo com as concepções de justiça dominantes em cada sociedade e em cada momento histórico”, in Dicionário Jurídico, 4ª ed., 2005, pág. 499.
[57] acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 22.01.2009, processo nº 07B4242.
[58] acórdão de 31.01.2012, processo nº 875/05.7TBILH.CV1.S1.
[59] Abrantes Geraldes, Temas da Responsabilidade Civil, Vol. II, Indemnização dos Danos Reflexos em Geral, 2ª edição, Almedina, pág. 24.
[60] acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, de 16.01.2008, processo nº 555/04.0GTAVR.C1.
[61] o acórdão n° 4/2002, do Supremo Tribunal de Justiça, publicado no Diário da República de 27 de Junho de 2002 fixou jurisprudência nesse sentido: "Sempre que a indemnização pecuniária por facto ilícito ou pelo risco tiver sido objecto de cálculo actualizado, nos termos do n.° 2 do artigo 566.° do Código Civil, vence juros de mora, por efeito do disposto nos artigos 805.°, n.° 3 (interpretado restritivamente), e 806.°, n.° 1, também do Código Civil, a partir da decisão actualizadora, e não a partir da citação".

[62] Cf. Ac. do TRC, datado de 25.02.2015, no processo 369/13.7GAMGL.C1, rel. Ex.ª Des. Maria José Nogueira, disponível in www.dgsi.pt, como o restantes a que, sem especificação nos referiremos no presente Acórdão

[63] - Cf. Acórdão do Tribunal da Relação do Porto datado de 24.11.2021, no processo 340/20.6PAVLG.P1, rel. Ex.º Des. João Pedro Pereira Cardoso
[64] «Sempre que a entidade competente tome conhecimento de factos tributários não declarados pelo sujeito passivo e do suporte probatório necessário, o procedimento de liquidação é instaurado oficiosamente pelos competentes serviços»
[65] «1 - Procede-se a liquidação adicional sempre que, depois de liquidado o imposto, se verifique ser de exigir em virtude de correções efetuadas nos termos do disposto no n.º 2 do artigo 76.º ou de fixação do rendimento tributável, nos casos previstos neste Código, imposto superior ao liquidado.
2 - Procede-se ainda a liquidação adicional, sendo caso disso, em consequência de:
a) Exame à contabilidade do sujeito passivo;
b) Erros de facto ou de direito ou omissões verificadas em qualquer liquidação, de que haja resultado prejuízo para o Estado».
[66] Liquidação oficiosa do imposto pelos serviços centrais
[67] Pedido de revisão da matéria colectável

[68] «1. - A avaliação indirecta só pode efectuar-se em caso de: (…)b) Impossibilidade de comprovação e quantificação directa e exacta dos elementos indispensáveis à correcta determinação da matéria tributável de qualquer imposto»

[69] Casos de impossibilidade de determinação directa e exacta da matéria tributável

[70] Cf. Ac. do TRL datado de 27.04.2022, proc. 342/19.1PBLRS.L1-3, rel. Ex.ªa Des. Florbela Sebastião e Silva

[71] - Cf. Ac. TRG, datado de 06.11.2017, proc. 3671/13.4 TDLSB.G1. rel Ex.ª Des. Ausenda Gonçalves

[72]  - Cf. Acórdão do Tribunal da Relação de Évora, datado de 27.06.2006, processo 2849/05-1, rel. Ex.ª Des. Martinho Cardoso

[73] - Cf. Ac. do Tribunal da Relação de Évora, datado de 03.10.2006, processo 1103/06-1 (rel. Des. Alberto Borges).

[74] - Constatamos a dificuldade de perceção dos depoimentos das testemunhas JJ, KK, LL, MM, NN, OO, PP, QQ, RR, SS, TT, UU e VV (sessão de 17.05.2024, da parte da tarde), sendo certo que não se trata de prova especificada, e que não vislumbra fundamento que nos permita fazer concluir que a sua audição seja relevante para a descoberta da verdade e da boa decisão da causa neste Tribunal de Recurso (art.º 412.º n.º 6 do CPP).
[75] Vide acórdão do STA, proc. n.º 026635, de 17-04-2002
[76] E bem assim quanto à viatura 114 (..-PT-..), de todo o modo, na factualidade provada não contabilizada para efeitos de apuramento do IVA em falta.

[77]  - Cf. Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, Vol. III, 2ª, Edição, Editora Verbo pág. 34

[78] - Cf. Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, datado de 17.12.2014, processo 872/09.3PAMGR.C1, rel. Ex.º Des. Vasques Osório
[79] - Cf. Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, datado de 24.04.2018, processo 1086/17.4T9Fig.c, rel. Exª Des. Helena Bolieiro
[80] - Cf. Sérgio Poças, na obra citada.
[81] Com versão diferente, a testemunha WW (viatura 138) diz que foi ver o carro a casa do arguido AA e ainda tinha matrícula francesa.
[82] A testemunha II (viatura 4) diz que comprou BMW carrinha (..-NP-..) que encomendou, por fotos, o veículo ainda estava em França.
[83] cfr., entre outros, acórdãos: Tribunal da Relação de Évora de 26.02.2013 (processo 9/06.0TAAVS.E1), e de 6.09.2011 (processo 241/07.0PCSTB.E1), Tribunal da Relação de Coimbra de 13.12.2011 (processo 41/10.0JACBR.C1), e de 9.12.2009 (processo 1873/09.7PTAVR.C1).
[84] Professor Cavaleiro Ferreira, “Curso de Processo Penal”, vol. II, 1981, pág. 292.
[85] Cfr. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça datado de 05.07.2007, processo 07P2279, rel. Cons. Simas Santos.
[86] - Cf. Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra datado de 27.02.2019, processo 107/17.5PBCVL.C1 (rel. Des. Belmiro Andrade).
[87] Tal como assinado no Parecer da Digna Procuradora Geral Adjunta, neste Tribunal
[88] - Cf. Jorge de Figueiredo Dias, Direito Penal, Parte Geral, Tomo I, Questões Fundamentais, A Doutrina Geral d Crime, 3.º edição, Gestlegal, pp. 1179 e 1180
[89] Cf. Comentário Conimbricense do Código Penal, Parte Especial, Tomo II, dirigido por Jorge de Figueiredo Dias, Coimbra Editora, 1999, p. 682.
[90] Assim, no que respeita aos falsos endossos v. os factos provados 2, 37, 38, 39, e depois, 436, 444, 479, 528, 537, 774, 815, 881, 945, 995, 1007, 1018, 1107, 1130, 1150, 1158, 1498, 1521, 1563, 1569, 1576, 1615, 1663, 1703, 1762, 1831, 1855, 1880, 1899, 2014, 2059, 2071, e 2099.
[91] Figueiredo Dias, Direito, Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime, 1993, Aequitas, Noticias Editorial, pág. 227.
[92] Cf. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, datado de 15.02.2024, processo 234/10.1T9VLG.P1.S1 (rel. Cons. Jorge Gonçalves)
[93] Cf. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, datado de 25.05.2016, processo 101/14.8GBALD.C1.S1 (rel. Cons. Pires da Graça)
[94] Figueiredo Dias, Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime, Lisboa, 1993, pág. 196-197, §255)
[95] v.g. o Acórdão do STJ de de 27.5.2009, proc.º n.º 09P0484 (rel. Cons.º Raul Borges)
[96] v.g. o Ac. da Rel. de Lisboa de 31.10.2019, proc.º n.º 989/17.0PZLSB.L1-9 (rel. Des. Abrunhosa de Carvalho), os Acs da Rel. do Porto de 6.01.2013, proc.º n.º 201/10.3GAMCD.P1 (rel. Des. Ernesto Nascimento) e de 2-10-2013, proc. n.º 180/11.0GAVLP.P ( rel. Des, Joaquim Gomes), e o Ac. da Rel. de Guimarães de 13-5-2019, proc.º n.º 348/18.7GAVLP.G1 (rel. Des. Ausenda Gonçalves)
[97] Como vimos, falece a defesa recursiva no que respeita à medida da pena do crime de fraude fiscal cometido por este arguido.
[98] art.º 494.º, ex vi art.º 493.º, 1ª parte, do Código Civil - Cf. Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, datado de 21.03.2013, no processo n.º 703/07.4TBAND.C1 rel. Ex.º. Des. Henrique Antunes).
[99] Cf. Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, datado de 21.03.2013, processo 793/07TBAND.C1, rel. Ex.º Des. Henriques Antunes.