Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
1037/10.7TJCBR-B.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: MARIA JOÃO AREIAS
Descritores: EXECUÇÃO
VENDA JUDICIAL
NEGOCIAÇÃO PARTICULAR
PREÇO
VALOR MÍNIMO
Data do Acordão: 03/08/2016
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso:
COMARCA DE COIMBRA - COIMBRA - INST. CENTRAL - SECÇÃO DE EXECUÇÃO - J2
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTS. 812, 821, 832, 886-A, 892 CPC
Sumário: 1. Prosseguindo a venda para negociação particular por inexistência de qualquer proposta aquando da venda por proposta em carta fechada, o valor mínimo pelo qual o agente de execução pode proceder à venda corresponderá a 85% do valor base inicialmente atribuído nos autos.

2. O imóvel poderá ser vendido por valor inferior a 85% do valor base, mediante acordo entre todos os interessados ou autorização do juiz.

3. Tal autorização há de respeitar uma ponderação do interesse dos vários interessados (executados e credores), atendendo-se ao valor das ofertas existentes dentro de um período de tempo considerado razoável.

Decisão Texto Integral:             




                                                                                   

Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra (2ª Secção):

I – RELATÓRIO

Nos presentes autos de execução comum interposta por Banco (…) S.A., contra S (…) e outros, pelo juiz a quo foi proferido o seguinte despacho:

“Admito a venda do imóvel penhorado nestes autos sob a verba nº 1 pela melhor proposta apresentada até ao momento, no valor de € 175.000,00 uma vez que o bem se encontra para venda por negociação particular desde 17.1.2011 (data em que foi efectuada a abertura de propostas e a mesma se frustrou) a circunstância da execução se encontrar pendente desde 14.4.2011 e ter havido apenas a venda de um bem (pelo valor de € 70.000,00) e a quantia exequenda inicial ser de € 362.020,51.

Desta feita, admitida a proposta, deve o Sr. AE proceder em conformidade à transmissão, após trânsito do presente despacho.

Notifique.”


*

Não se conformando com o respetivo teor, os executados S (…) e mulher, M (…) dele interpuseram recurso de apelação, concluindo a sua motivação com as seguintes conclusões:

29. Embora, como foi supra explanado, possa o Juiz autorizar a venda do imóvel por valor inferior a 85% do valor base, isso não quer permitir uma aceitação imediata do valor que está a ser proposto pelo pretenso adquirente.

30. O Sr. Agente de Execução deveria ter diligenciado a procura de interessados para aquisição do imóvel, tendo em conta o valor de mercado do imóvel. Tentando encontrar melhor oferta para a sua venda.

31. Embora esta permissão pretenda aligeirar as exigências das outras modalidades de venda executiva, tornando-a mais dúctil para melhor proteger os interesses do credor. Tal permissão, não pode ser usada sem uma reflexão adequada, com recurso se necessário a ajuda técnica especializada para avaliar o seu real preço de mercado, uma vez que se tratam de bens de valor elevado.

32. A fundamentação que é dada no despacho que autoriza a venda do imóvel pelo valor de € 175.000,00 carece de reflexão adequada e de fundamentação, sendo que, não é de aceitar que se o faça meramente porque é a “melhor proposta até ao momento”.

33. Não há dados suficientes nos autos que permitam ao Douto Juiz indagar se é esse o justo valor do imóvel.

34. Deve a venda ser ordenada por um valor mais próximo daquele que é o valor justo do bem.

35. O Douto Despacho recorrido violou, entre outros, os artigos 812º/3, 816º e 615º nº1 al. b) do CPC.

36. Deve, assim, ser revogado e substituído por outro que reponha a legalidade.


*

Não foram apresentadas contra-alegações.
Dispensados que foram os vistos legais, ao abrigo do disposto no nº4 do artigo 657º do CPC, cumpre decidir do objeto do recurso.
II – DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO
Tendo em consideração que o objeto do recurso é delimitado pelas conclusões das alegações de recurso, sem prejuízo da apreciação de eventuais questões de conhecimento oficioso – cfr., artigos 635º, e 639º, do Código de Processo Civil, a questão a decidir é uma só:
1. Se é de autorizar a venda pelo valor da proposta existente nos autos.
III – APRECIAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO

A Apelante insurge-se contra o despacho que deferiu a venda do imóvel penhorado pelo valor de 175.000,00 €, defendendo que a venda deve ser ordenada por um valor mais próximo daquele que é o valor justo do bem e que o Sr. AE deveria ter diligenciado pela procura de interessados na aquisição do imóvel tendo em conta o seu justo valor.

São os seguintes, os factos, com interesse para a apreciação da questão em causa:

- em Outubro de 2010, para efeitos de venda judicial nos presentes autos, o imóvel terá sido avaliado em 338.857, 14 €;

- o referido imóvel começou por ser posto à venda mediante propostas em carta fechada, por 70% do valor da avaliação, ou seja, pelo valor de 237.199,90 €;

- na ausência de qualquer proposta, prosseguiu-se para a sua venda por negociação particular;

- no âmbito desta, e encontrando-se o imóvel em venda por negociação particular desde 14.04.2011, surgiu a 09.01.2015, uma proposta de compra pelo valor de 175.000,00 €;

- o imóvel não se encontra devoluto, constituindo a residência dos executados;

- a quantia exequenda ascendia inicialmente a 362.020,51 €.

No caso dos autos, após ter sido tentada, sem sucesso, a venda mediante propostas em carta fechada, o imóvel prosseguiu para venda por negociação particular, ao abrigo da alínea d), do artigo 832º do CPC – quando se frustre a venda por propostas em carta fechada, por falta de proponentes, não aceitação das propostas ou falta de depósito do preço pelo proponente aceite.

Até à revisão introduzida pelo DL 329-A/95, de 12 de dezembro, o artigo 887º do CPC, dispunha que, no despacho que a ordenasse, poderia fixar-se logo o preço mínimo da venda e se não tivesse sido fixado um preço mínimo, a respetiva venda não poderia ser realizada por valor inferior àquele pelo qual os bens teriam de ser postos em praça e mais um quarto, salva autorização especial do juiz, ouvidas as pessoas que houverem requerido a venda.

Com o Dec. Lei nº 38/2003, de 8 de março, a matéria respeitante ao valor da venda passou a ser tratada de um modo geral (independentemente da modalidade da venda) pelo artigo 864º A (atual artigo 812º): quando a lei não disponha diversamente, a decisão sobre a venda cabe ao agente de execução, ouvidos o exequente, o executado e os credores com garantia sobre os bens a vender, decisão que tem por objeto, nomeadamente o valor base dos bens a vender.

Assim, segundo Lebre de Freitas e Armindo Ribeiro Mendes[1], exceto no caso de acordo unânime do artigo 904º, als. a) e b), a venda por negociação particular há de ser, tal como a efetuada segundo outra modalidade, feita por preço igual ou superior ao valor-base fixado na decisão sobre a venda (só reduzido, nos termos do artigo 892º, nº2, quando a venda se faz por propostas em carta fechada). Se o valor base não for atingido, só por acordo de todos os interessados ou autorização judicial será possível a venda por preço inferior. Embora a lei nada diga, releva do poder jurisdicional a decisão de dispor do bem penhorado, pertença do executado e garantia dos credores, mediante a obtenção de um preço inferior àquele que, de acordo com o resultado das diligências efetuadas pelo agente de execução (artigo 886º-A-3), corresponde ao valor de mercado do bem; nem faria sentido que, quando o agente de execução é encarregado da venda ou escolha a pessoa que a fará, lhe coubesse baixar o valor base dos bens com fundamento na dificuldade em o atingir. O juiz conserva o poder que já tinha de autorizar a venda por valor inferior ao valor-base.

E se, nada temos a opor a tal entendimento no caso de a venda por negociação particular ter lugar originariamente, já teremos de discordar quando a ela se procede subsidiariamente – depois da tentativa frustrada da utilização de outra modalidade de venda.

Com efeito, sobretudo quando se tenha frustrado a venda por propostas em carta fechada (por falta de proponente, não aceitação das propostas ou falta de depósito aceite) ou no caso de venda em regime de leilão, não faz grande sentido que o encarregado da venda tenha como limite mínimo o valor base do bem a vender, quando o bem já foi à venda por valor inferior (70% do valor base – nº2 do artigo 889º, do anterior CPC igualmente aplicável à venda em leilão, por força do nº 2 do artigo 43º da Portaria 331-B/2008, de 30 de março, e 85% do valor base, face ao nº2 do artigo 816º do NCPC, e artigo 34º da Portaria 282/2013, de 29 de agosto) e se frustrou por falta de interessados para tal valor.

Na fase em que nos encontramos – o imóvel já foi objeto de venda por propostas em carta fechada, sem que tenha surgido qualquer proposta –, entende-se que o valor mínimo pelo qual o agente de execução pode proceder à venda corresponderá a 85% do valor base inicialmente atribuído nos autos, encontrando-se a venda por valor inferior sujeita a autorização do juiz (salvo o caso de existência de acordo entre todos os interessados – nº3 do artigo 821º).

E, no caso em apreço, o agente de execução solicitou tal autorização ao juiz que a concedeu, atentas as circunstâncias que rodeiam as diligências efetuadas para a venda de tal imóvel: depois de o imóvel se encontrar à venda há mais de quatro anos, apareceu um interessado que fez uma proposta de compra. Não foi o agente ou o tribunal que adiantou o valor que aqui se discute: tal valor surgiu através de uma proposta de compra feita por um interessado. Que o tribunal pode aceitar, ou não. E a proposta em causa – no valor de 175.000,00 €, para uma moradia usada no Sebal Grande, Condeixa-a-Nova, que ainda se encontra ocupada pelos executados – só pode ser de aproveitar, sendo que os executados, pela sua parte, não terão encontrado nenhum interessado que cobrisse tal proposta.

A negociação particular, pelo contato direto com o mercado, permite aferir qual o valor a partir do qual há algum ou alguns interessados, tendo de admitir-se ao encarregado (ou mandatário) da venda esta negociação, sob pena de a execução se prolongar indefinidamente sem que surja algum interessado para o valor fixado nos autos com o recurso às regras previstas no nº3 do artigo 812º.

Nesta fase, o imóvel há de ser vendido pelo valor possível, ou seja, pelo valor que vierem a oferecer pelo mesmo dentro de um período de tempo considerado razoável. Com efeito, o valor do bem será precisamente o que resultar do encontro das leis da oferta e da procura, sem prejuízo de se poder esperar um pouco mais, no caso de ausência de propostas ou de as únicas propostas existentes serem absolutamente desajustadas da realidade.

Na venda por negociação particular, a autorização da venda por um valor inferior ao referido no nº2 do artigo 816º, dependerá de uma ponderação dos interesses dos interessados indicados no nº3 do artigo 821º (executados e demais credores), nomeadamente, como se refere no Acórdão do TRP de 24 de setembro de 2015[2], “o tempo já decorrido com a realização da venda, a forma como a conjuntura económica evolui, as qualidades do bem e consequentes potencialidades da sua venda, o interesse manifestado pelo mercador, a eventual desvalorização sofrida, valores de mercado da zona, e quaisquer outros elementos que possam ser levados em conta para um bom juízo acerca da aceitação das ofertas havidas”.

Concluindo, no caso em apreço, arrastando-se as diligências para a venda do imóvel há mais de quatro anos, que o imóvel se encontra ocupado, e na ausência de outras propostas de maior valor (é referenciado nos autos a existência de uma outra proposta, correspondente a quase metade do valor da proposta em apreciação), nenhum juízo de censura nos merece a autorização para venda dada pelo juiz a quo pelo valor de 175.000,00 €.

A apelação é de improceder.

IV – DECISÃO

 Pelo exposto, acordam os juízes deste tribunal da Relação em julgar a apelação improcedente, confirmando-se a decisão recorrida.

Custas a suportar pelos apelantes.          

Coimbra, 08 de fevereiro de 2016

Maria João Areias ( Relatora )

Fernanda Ventura

Fernando Monteiro


V – Sumário elaborado nos termos do art. 663º, nº7 do CPC.
1. Prosseguindo a venda para negociação particular por inexistência de qualquer proposta aquando da venda por proposta em carta fechada, o valor mínimo pelo qual o agente de execução pode proceder à venda corresponderá a 85% do valor base inicialmente atribuído nos autos.
2. O imóvel poderá ser vendido por valor inferior a 85% do valor base, mediante acordo entre todos os interessados ou autorização do juiz.
3. Tal autorização há de respeitar uma ponderação do interesse dos vários interessados (executados e credores), atendendo-se ao valor das ofertas existentes dentro de um período de tempo considerado razoável.


[1] “Código de Processo Civil Anotado”, Vol. 3º, Coimbra Editora 2003, págs. 601 e 602.
[2] Acórdão relatado por Fernando Batista, e ainda, no mesmo sentido, Acórdão do TRC de 16.12.2015, relatado por Arlindo Oliveira, disponíveis in www.dgsi.pt.