Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
822/14.5T8CTB.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: JOSÉ AVELINO GONÇALVES
Descritores: CONTESTAÇÃO
PRINCÍPIO DA CONCENTRAÇÃO DA DEFESA
PRECLUSÃO
FUNDAMENTOS DE EXCLUSÃO DA COBERTURA DO SEGURO
Data do Acordão: 06/28/2022
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: JUÍZO CENTRAL CÍVEL DE CASTELO BRANCO DO TRIBUNAL JUDICIAL DE CASTELO BRANCO
Texto Integral: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTIGO 573.º, N.ºS 1 E 2, DO CÓDIGO PROCESSO CIVIL
Sumário: I – Na eleição das questões de direito, o juiz não pode ir além do que está contido nos factos alegados, não estando, porém, limitado pela enunciação que delas façam as partes.

II – O princípio da concentração da defesa na contestação impõe ao réu o ónus de, nesse articulado, alegar os factos que sirvam de base a qualquer exceção dilatória ou perentória, salvo os casos excecionais legalmente previstos – exceções, incidentes e meios de defesa que sejam supervenientes ou que a lei expressamente admita passado esse momento ou de que se deva conhecer oficiosamente –, com sujeição a efeito preclusivo.

III – É o que ocorre quanto a fundamentos de exclusão da cobertura do seguro não invocados pelo réu (segurador) na sua contestação.

Decisão Texto Integral:

Processo n.º 822/14.5T8CTB
(Juízo Central Cível de Castelo Branco – Juiz 2)


Acordam os Juízes da 1ª secção cível do Tribunal da Relação de Coimbra:

1.Relatório
1ºs - AA e marido BB, residentes na Travessa ..., ... – ... ..., respetivamente, ...46 e ...72; e a
2ª – SOCIEDADE AGRICOLA A..., LDª, com sede em ... – Anexo à Casa Principal – Estrada Nacional ...40, Km 15,3, freguesia ..., ... I..., Nif ..., instauraram a vertente acção declarativa de condenação, sob a forma de processo comum, contra:
1º - V..., Ldª com sede na Herdade ... – E..., Nif ...
2º - F..., SA, com sede no Largo ... – ... ..., Nif ....
Pede-se, através dela, que:
(o pedido)
A R. Seguradora seja condenada a pagar à A. a quantia de 376.050,20€ a que acrescerão juros de mora à taxa legal desde a data da citação até efetivo e integral pagamento.
Em sede de audiência de julgamento, o pedido foi corrigido/adaptado no sentido de ser considerada a matéria do artigo 45.º e 46.º, da petição inicial, ou seja, a distribuição pelas autoras dos valores dos danos em causa em função daquela alegação.
(causa de pedir)
Está em causa nos autos a aferição da Responsabilidade extracontratual da 1º - V..., Ldª (que tinha, à data dos factos, transferido a sua responsabilidade para a ré seguradora), por um dos seus trabalhadores ter feito deflagrar um incêndio aquando de trabalhos de limpeza nas bermas, isto no dia 19 de Julho de 2011, na freguesia ..., Concelho ..., incêndio esse que provocou danos nos terrenos de que são proprietárias e comodatárias as autoras, mormente pela queima/destruição de várias árvores, danos esses que estas calculam em 376.050,20€.
X
A 1ª ré, regularmente citada, não apresentou contestação.
A 2ª ré - F..., SA apresentou contestação, invocando, desde logo, a prescrição do direito de indemnização em causa, prescrição essa já apreciada em sede de despacho saneador e aí julgada improcedente.
No mais, reconhece que, à referida data de 19.07.2011, encontrava-se em vigor um contrato de seguro do ramo Responsabilidade Civil Geral, titulado pela Apólice n.º ...38 e destinado a garantir a responsabilidade civil decorrente da actividade da 1ª R., com a) um limite de capital, por sinistro, de 250.000,00€; e b) uma franquia, a cargo da segurada, de 10% dos prejuízos indemnizáveis, no mínimo de 125,00€ e no máximo de 500,00€. Juntou as conexas condições gerais, especiais e particulares.
Impugnou o sinistro (incêndio) e suas causas por desconhecimento; e impugnou os invocados danos. Foi realizada uma perícia para avaliação dos danos.
Julgada a causa, no Juízo Central Cível ..., foi proferida a seguinte decisão final:
“Julga-se a acção parcialmente procedente:
Reconhecendo-se às autoras o direito às seguintes indemnizações:
À primeira autora, enquanto dona e possuidora/exploradora do Pinho Bravo, Azinho e Olival tradicional ligados ao prédio descrito em 1), o valor de €173.473,24;
À segunda A., enquanto comodatária, explorando o Pinho Manso e tendo procedido à instalação de vedações, o valor de €79.387,00;
Considerando, todavia, que:
O seguro ajuizado tinha associado a) um limite de capital, por sinistro, de 250.000,00€; e b) uma franquia, a cargo da segurada, de 10% dos prejuízos indemnizáveis, no mínimo de 125,00€ e no máximo de 500,00€.
Condena-se a 2ª ré F..., SA a liquidar à primeira autora AA o valor de €171,157,00 (cento e setenta e um mil cento e cinquenta e sete euros);
Condena-se a 2ª ré F..., SA a liquidar à segunda autora SOCIEDADE AGRICOLA A..., LDª, o valor de €78.343,00 (setenta e oito mil trezentos e quarente e três euros).
Serão devidos juros de mora pela mora no pagamento da indemnização fixada nestes autos, a partir do trânsito em julgado da sentença, ou seja, no quadro do retardamento do pagamento da indemnização fixada nestes autos. 
Custas a cargo dos autores e das rés na proporção do decaimento. 
Registe e notifique. 
Texto elaborado em computador e integralmente revisto pelo signatário.
..., 02 de Fevereiro de 2022.”

 F..., SA, 2ª R, não se conformando com tal decisão, interpõe o seu recurso para este Tribunal, alinhavando, assim, as suas conclusões:
A. Vem o presente recurso interposto da, aliás douta, sentença do Juízo Central Cível e Criminal ... – Juiz ..., que condenou a R./recorrente a pagar:
 “à primeira autora AA o valor de €171,157,00”;
 “à segunda autora SOCIEDADE AGRICOLA A..., LDª, o valor de €78.343,00”;
B. A recorrente não concorda com o entendimento do douto Tribunal recorrido que o levou a concluir pela não exclusão da responsabilidade da seguradora “em caso de sinistro causado dolosamente pelo tomador do seguro ou pelo segurado”, bem como pela não exclusão dos “Danos decorrentes de erros ou omissões profissionais”, nem dos danos “Resultantes da inobservância de disposições legais, regulamentares ou não cumprimento de normas técnicas”;
C. Por razões de simplificação e economia processuais, dão-se por integralmente reproduzidos os factos considerados provados na douta sentença recorrida e enumerados em 3. supra;
D. O Tribunal deve subsumir os factos provados à lei e ao direito;
E. Independentemente da alegação das partes, incumbe ao Tribunal, tendo em vista a melhor decisão de direito para o mais justo resultado da acção, analisar a materialidade de facto que ficou demonstrada e, de seguida, proceder à respectiva qualificação jurídica e ao seu enquadramento no correcto regime legal, apreciar as normas aplicáveis e analisar se os factos provados devem subsumir-se a tais normas.
F. O artigo 5º, nº 3, do CPC, estabelece que “O juiz não está sujeito às alegações das partes no tocante à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito” (princípio do conhecimento oficioso de direito);
G. O Juiz deve procurar a norma jurídica adequada à boa decisão da causa e ajustada ao caso concreto em litígio;
H. E deve buscar o significado e o alcance das normas escolhidas, em conformidade com as regras e princípios da hermenêutica jurídica;
I. Deve, ainda, retirar das normas aplicáveis os efeitos e as consequências jurídicas mais justas;
J. Nos presentes autos, está provado, além do mais, que:
 À data de 19.07.2011, se encontrava-se em vigor um contrato de seguro do ramo Responsabilidade Civil, titulado pela Apólice n.º ...38 e destinado a garantir a responsabilidade civil geral decorrente da actividade da 1ª R.;
 No dia 19 de Julho de 2011, pelas 13h:40m, no local de ..., freguesia ..., concelho ..., deflagrou um incêndio;
 Nas circunstâncias de tempo e lugar acabadas de referir, a 1ª R. efetuava trabalhos de limpeza nas bermas da estrada destruindo as ervas e outros combustíveis finos e médios existentes no local, procedendo à limpeza e corte do mato aí existente;
 A 1ª R. encarregara CC e outros seus trabalhadores de executar as respetivas tarefas mediante as ordens, direção e fiscalização da sua gerência;
 As referidas tarefas eram executadas, essencialmente, pelo uso de máquina – moto roçadora movida a motor e composta, além do mais, por discos metálicos, rígidos e cortantes;
 Sendo que tais discos trabalham a rotação;
 Na altura, era época de Verão, verificavam-se temperaturas não concretamente apuradas, sendo que estava tempo quente, seco e fazia vento; e as ervas e outros combustíveis encontravam-se em estado de secos;
 A dado passo, os discos da moto-roçadora usada pelo trabalhador CC, friccionaram numa pedra existente no local, tendo soltado as faíscas que provocaram um incêndio;
 Sendo que, uma vez tornado visível, o incêndio se propagou rapidamente sem que CC e seus companheiros lograssem a sua extinção;
 Enquanto o referido CC efectuava a operação descrita, o fogo alastrou-se à vegetação circundante, não tendo aquele conseguido controlar o fogo.
K. De acordo com as imposições da Lei nº 72/2008, de 16 de Abril (REGIME JURÍDICO DO CONTRATO DE SEGURO), aplicável aos factos em apreço:
 “Por efeito do contrato de seguro, o segurador cobre um risco determinado do tomador do seguro ou de outrem, obrigando- se a realizar a prestação convencionada em caso de ocorrência do evento aleatório previsto no contrato, e o tomador do seguro obriga-se a pagar o prémio correspondente” (negrito e sublinhado nossos) – artigo 1º;
 “o segurador não é obrigado a efectuar a prestação convencionada em caso de sinistro causado dolosamente pelo tomador do seguro ou pelo segurado” (negrito e sublinhado nossos) – artigo 46º, nº 1;
 no âmbito do seguro de responsabilidade civil (como é o invocado pelas AA., levado em conta na sentença), “não se considera dolosa a produção do dano quando o agente beneficie de uma causa de exclusão da ilicitude ou da culpa” (negrito e sublinhado nossos) – artigo 114º;
L. Identicamente e reforçando tais previsões legais, estabeleceram as partes, ao abrigo do princípio da liberdade contratual (artigo 11º do citado diploma) e através de contrato de seguro facultativo (em que, ao contrário dos seguros obrigatórios, não assume tanta prevalência a protecção dos terceiros lesados, relevando mais a autonomia privada e a vontade das partes), que:
 se entende por “SINISTRO” o “Evento ou série de eventos, com carácter súbito e imprevisto, resultantes de uma mesma causa, susceptível de fazer funcionar as garantias do contrato” (negrito e sublinhado nossos) – artigo 1º das Condições Gerais da Apólice (doc. 3 junto com a contestação da recorrente);
 “O presente contrato nunca garante os danos: a) Decorrentes de actos ou omissões dolosos do Segurado ou de pessoas por quem este seja civilmente responsável” (negrito e sublinhado nossos) – artigo 6º, nº 1, alínea a), das referidas Condições Gerais da Apólice;
M. Considerando os factos que ficaram provados e não se podendo deixar de atentar que nos movemos no contexto de um contrato de seguro facultativo, resultou evidenciada a clara intenção da 1ª R./tomadora do seguro e dos seus trabalhadores de actuar, conscientemente, de modo a agravar o risco de incêndio, com a utilização de moto-roçadora movida a motor e composta, além do mais, por discos metálicos, rígidos e cortantes (que trabalham a rotação), na época de Verão, em dia de vento, com tempo quente e seco; e em local em que as ervas e outros combustíveis se encontravam também secos;
N. Trata-se, pois, de conduta fortemente censurável, que denota uma actuação dolosa, se não na vertente de dolo necessário, pelo menos na vertente de dolo eventual, a impor um intenso juízo de reprovação;
O. Exigia-se, à 1ª R. (e seus trabalhadores), uma actuação mais prudente e diligente, não se podendo concluir que a mesma não previu nem podia prever que a sua actuação iria causar o incêndio e os danos que causou;
P. A 1ª R. (e seus trabalhadores) previram que, daquele comportamento, resultariam, com elevada probabilidade, as consequências que resultaram (trata-se de um resultado que já era, à partida – quando a actuação se iniciou – previsível e provável);
Q. Aqueles sabiam bem que, ao actuar como actuaram, era possível/era, na verdade (e naquelas circunstâncias), muito provável que viessem a causar os ditos incêndio e danos; mas nem assim se abstiveram da actuar como actuaram, conformando-se com os resultados (previstos) a que deram causa;
R. De resto, como se constatou no processo-crime, “[quando o fogo alastrou] Acto contínuo, o arguido [CC – trabalhador a executar as respectivas tarefas mediante as ordens, direcção e fiscalização da gerência da ora 1ª R.] escondeu os discos debaixo da viatura, de molde a não ser detectado”;
S. Mostra-se, salvo melhor opinião, excessivo e injusto ter a seguradora/aqui recorrente de suportar todas as consequências dos actos temerários de quem – sabendo-se como se sabe dos efeitos nefastos que os incêndios têm tido, ao longo dos anos e sobretudo no período de Verão, no nosso País – não se coíbe de fazer uso, em bermas com pedras e mato seco, com o tempo quente e seco, de uma moto-roçadora com discos metálicos, rígidos e cortantes (“por ser mais rápido”), que o trabalhador CC, depois, escondeu;
T. A 1ª R. tinha a consciência de que, com o respectivo comportamento, estava a agravar, exponencialmente, os riscos de incêndio, mas, mesmo assim, prosseguiu com as ordens impostas aos trabalhadores, nomeadamente o acima identificado;
U. Se tal trabalhador não tivesse, por ordem da 1ª R., utilizado os discos que utilizou (podia, em alternativa e por exemplo, utilizar cabeças de corte de fio de nylon), não teria ocorrido qualquer incêndio e ter-se- iam evitado todos os danos sofridos pelas AA.;
V. O descrito comportamento propositado da 1ª R. responsabiliza-a (só a ela), de forma directa e dolosa, pela produção dos prejuízos demonstrados, indo muito para além do risco assumido pela seguradora/recorrente quando da celebração do contrato de seguro;
W. Existe, pois, um nexo de causalidade entre o comportamento doloso da 1ª R. e os referidos danos, o que significa que estão verificados, nestes autos e exclusivamente quanto a ela, os pressupostos da responsabilidade civil delitual culposa (artigo 483º do Código Civil);
X. O comportamento da 1ª R. patenteado nos factos provados é doloso e ilícito;
Y. A 1ª R. actuou fora do âmbito do risco contratado com a 2ª R./seguradora.
Z. Tal comportamento, nos termos do Regime Jurídico do Contrato de Seguro exclui a obrigação da seguradora ora 2ª R. de responder pelos danos causados pela tomadora/segurada 1ª R., até porque esta nem beneficia de qualquer causa de exclusão da ilicitude ou da culpa;
AA. O evento invocado pelas AA. (incêndio) não foi aleatório, nem teve carácter súbito e imprevisto, antes se integrando na disponibilidade da tomadora/segurada, que (“para ser mais rápido”) decidiu/optou/escolheu fazer uso de uma máquina que (como bem sabia) não podia utilizar naquelas circunstâncias, por aumentar, ilegitimamente, o risco de incêndio;
BB. Ainda que se entenda que a empresa (1ª R.) não teve a intenção de causar o sinistro (e não actuou com dolo directo), nem assim se admite que à mesma possa ser permitido que, sabedora do seguro de responsabilidade civil que contratou, não cuide, propositadamente, de cumprir as mais elementares regras de prudência, cuidado e diligência que se impunham, e não actue de modo a evitar o notoriamente mais do que provável (para qualquer pessoa colocada naquela situação) deflagrar do incêndio;
CC. Por acção e omissão da 1ª R., o sinistro deixou de ser incerto e passou a ser, pelo menos, altamente provável;
DD. O contrato de seguro celebrado nem teria de excluir, como exclui, os actos e omissões dolosos da 1ª R. porque os riscos situados em território português ou em que Portugal não poderiam envolver a ofensa dos princípios fundamentais da ordem pública internacional do Estado Português e, além disso, o nosso ordenamento jurídico prevê a nulidade das cláusulas contrárias à ordem pública ou ofensivas dos bons costumes, como seria o caso daquela que cobrisse o risco decorrente da utilização, no Verão e durante o “período crítico no âmbito do Sistema de Defesa da Floresta contra Incêndios, no ano de 2011” que vigorou de 1 de Julho a 30 de Setembro e “durante o qual devem ser asseguradas medidas especiais de prevenção contra incêndios florestais” (negrito e sublinhado nossos) – vde. Portaria nº 165/2011, de 19 de Abril – a utilização de moto-roçadoras com discos metálicos, rígidos e cortantes;
EE. A exclusão contratada não surpreende, uma vez que, por um lado, se limita a transpor o que diz a lei a respeito de condutas como a da 1ª R.; e, por outro, a reprovação e proibição do uso do equipamento em causa (que a 1ª R. bem sabia não poder utilizar, o que até levou o respectivo trabalhador a esconder os discos) deverá incluir-se nas medidas de prevenção de incêndios, atentas as respectivas características fortemente potenciadores desses sinistros;
FF. A não ser assim (e a manter-se a decisão de 1ª Instância), estaria a facilitar-se a ofensa ao património (e, como muitas vezes sucede, à vida e à integridade física) que decorreria de se aceitar a cobertura, através de contratos de seguro de responsabilidade civil, dos danos causados a terceiros por comportamentos dos tomadores/segurados como o da 1ª R., para mais no trágico contexto dos incêndios florestais que constantemente fustigam o País; e representaria um intolerável afrouxamento dos necessários incentivos à adopção de comportamentos preventivos da ocorrência de sinistros e à minimização dos seus efeitos negativos;
GG. A óbvia desconsideração, por parte da 1ª R., das suas obrigações de actuar, especialmente no período em causa (“período crítico” de incêndio definido para 2011), por forma a evitar ou, pelo menos, prevenir ao máximo, dentro das suas capacidades e do seu saber, o risco de sinistros como o que provocou, implica (deverá implicar) que a seguradora não possa ser sobrecarregada com a assunção ilegal e injustificadamente acrescida de (também) esse risco;
HH. O entendimento do douto Tribunal a quo redunda num infundado benefício da lesante, que acaba, assim e na prática, quase totalmente desresponsabilizada (apenas suporta o valor da franquia) pelos graves danos que causou;
II. Com o devido respeito, entende a recorrente que traduziria uma solução normativa desconforme aos princípios da justiça e da proporcionalidade a que (como na sentença recorrida) isentasse de qualquer consequência jurídica desfavorável a abusiva e ilícita actuação da 1ª R., levando a que (apesar das normas legais aplicáveis – acima citadas) fosse a recorrente a ter de suportar, definitivamente, o valor (quase total) da consequente indemnização, em injustificado, inadmissível e aberrante benefício da verdadeira lesante;
sem prescindir,
JJ. Devem considerar-se excluídos, das coberturas do contrato de seguro, os danos decorrentes de erros ou omissões profissionais e os danos resultantes da inobservância de disposições legais, regulamentares ou não cumprimento de normas técnicas;
KK. Como acima se deixou explanado, por lhe não ter sido participado (e, por isso, não ter sequer podido solicitar as competentes averiguações), a 2ª R. desconhecia, à data da contestação, as concretas circunstâncias em que o sinistro dos autos teria ocorrido, relatadas, parcialmente, na petição inicial; por isso, não sabendo, também, da posição a adoptar nos autos pela 1ª R. – sua segurada – só podia impugnar tais circunstâncias, nos termos do disposto no artigo 574º, nº 3 – parte final, do CPC, pugnando pela improcedência da acção e pela respectiva absolvição do pedido;
LL. À data da contestação – 16.02.2015 – (em que juntou as Condições da Apólice – docs. 1 a 3), a recorrente ignorava a existência de qualquer processo-crime referente ao mesmo sinistro;
MM. Mas, logo que, quando da resposta das AA. à contestação (07.09.2015), com junção (superveniente) de certidão de decisão instrutória e remessa da mesma ao Ministério Público, nos termos e para os efeitos do artigo 303º, nº 4 do Código de Processo Penal, tomou conhecimento desses concretos factos supervenientes (os quais, de qualquer modo, sempre seriam complementares e, sem dúvida, resultantes da instrução da causa, nos termos do artigo 5º, nº2, alínea b), do CPC, devendo, por isso, ser considerados pelo Juiz), A R. requereu, de imediato (21.09.2015 – portanto muito antes do encerramento da discussão previsto no artigo 588º, nº 1, do CPC; e respeitando a previsão do nº 2 do artigo 573º o mesmo diploma), disso notificando a parte contrária (artigo 221º, nº 1 e artigo 255º, ambos do CPC), em cumprimento do princípio do contraditório:
 “a suspensão da instância, nos termos do disposto no nº 1 do artigo 272º do Código de Processo Civil, em virtude de a decisão da presente causa estar dependente da decisão a proferir no Proc. nº 21/14...., a correr termos pela Instância Local ...”;
 fosse levado em conta que, a demonstrar-se que “o responsável pelo incêndio foi a testemunha CC, nos termos assumidos pelo próprio, enquanto prestava serviços para a empresa V..., Lda.” e “a mando, pelo menos, do Sr. DD, quando eram utilizadas moto-roçadoras com discos, num dia de sol, com elevadas temperaturas, num local propício à deflagração de incêndios, dado a vegetação seca que aí se encontrava”, “aplicar-se-ão as exclusões acordadas entre seguradora (2ª R.) e tomadora do seguro (1ª
R.) segundo as quais não se encontram abrangidos pelas garantias do contrato de seguro os „Danos decorrentes de erros ou omissões profissionais [artigo 3º, nº 1, alínea a) da garantia especial de Responsabilidade Civil Exploração – doc. 1 e doc. 3, página 24, juntos com a contestação da 2ª R.], nem os danos „Resultantes da inobservância de disposições legais, regulamentares ou não cumprimento de normas técnicas[artigo 3º, nº 1, alínea b) da referida garantia especial – docs. citados]”;
NN. E o que sucedeu foi que, tanto no identificado processo-crime, como nos presentes autos, ficou, efectivamente, demonstrada, a mencionada actuação do dito CC (a mando da aqui 1ª R.), integradora das exclusões alegadas pela recorrente;
OO. No despacho saneador, definiram-se os temas da prova, tendo aí sido contemplada, entre outras, a necessidade de discussão dos “factos essenciais controvertidos” “relativos à responsabilidade pela ocorrência do mesmo e suas consequências e pelo pagamento dos danos” (negrito e sublinhado nossos); ou seja uma das questões fundamentais a responder nos autos será sempre a da alegada responsabilidade da 2ª R./seguradora, por força do contrato de seguro (e suas condições contratuais) celebrado com a 1ª R., pelo “pagamento dos danos” sofridos pelas AA.;
PP. O princípio da verdade material (que, como é pacífico, deve sobrepor-se às decisões e conclusões meramente formais) determina que o Tribunal procure a verdade através dos elementos factuais e da análise da situação jurídica em apreço, tal como eles se verificaram realmente;
QQ. Ao utilizar, como consta dos factos provados, a moto-roçadora movida a motor e composta, além do mais, por discos metálicos, rígidos e cortantes (que trabalham a rotação), no Verão, com tempo quente e seco e com vento; junto a ervas e outros combustíveis também secos; E ao consentir/impor (com as ordens transmitidas) que os discos da moto-roçadora usada pelo trabalhador CC friccionassem numa pedra existente no local, tendo soltado as faíscas que provocaram um incêndio,
RR. A 1ª R. cometeu notório erro/omissão profissional e incumpriu as normas técnicas relativas aos riscos associados ao tipo de trabalho em execução e às inerentes condições (nomeadamente ambientais e relativas ao tipo de vegetação, pedregosidade, etc. …);
SS. O que a 1ª R. que devia ter feito era:
 ou abster-se de utilizar os discos metálicos, rígidos e cortantes (que trabalham a rotação) – extremamente perigosos e potenciadores da eclosão de incêndios (como é do conhecimento geral e resulta das regras da experiência) – que deveria ter substituído por cabeças de corte de fio de nylon (como previa o artigo 30º, nºs 3 e 4, do DL nº 124/2006, de 28 de Junho);
 ou abster-se de utilizar, de todo, máquinas moto-roçadoras;
 ou, querendo utilizar tal tipo de máquinas, aguarda pelo fim do “período crítico no âmbito do Sistema de Defesa da Floresta contra Incêndios” e só então executar as tarefas em causa, tudo o que não fez;
TT.Decidindo como decidiu, contrariou a douta sentença recorrida, designadamente, as disposições dos artigos 5º, 573º, nº 2, 588º, nº 1, e 607º, nºs 3 e 4, do CPC; 280º e 483º e seguintes, do Código Civil;
1º, 11º, 46º, nº 1, e 114º, da Lei nº 72/2008, de 16 de Abril; e 192º, nº 1, da Lei nº 94-B/98, de 17 de Abril.
Termos em que deverá dar-se provimento ao recurso, revogando- se a (aliás douta) sentença recorrida, com a consequente absolvição da seguradora/recorrente do pedido, em virtude de os danos sofridos pelas AA./recorridas resultarem de acções e omissões da 1ª R. (tomadora do seguro/segurada), bem como por força das invocadas exclusões previstas no contrato de seguro, assim se fazendo
JUSTIÇA!

 AA e Sociedade A..., LDª apresentam a sua resposta às Alegações de Recurso:
(…).

2. Do objecto do recurso
O objeto do recurso está delimitado pelas conclusões contidas nas alegações dos recorrentes, estando vedado a este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso, sendo que os recursos não visam criar decisões sobre matéria nova, sendo o seu acto, em princípio delimitado pelo conteúdo do ato recorrido - os recursos são meios de impugnação das decisões judiciais através dos quais se visa reapreciar e modificar as decisões tomadas pelos tribunais de inferior hierarquia e não a decidir questões novas que perante eles não foram equacionadas, não podendo confrontar-se o Tribunal ad quem com questões novas, salvo aquelas que são de conhecimento oficioso.
A 1.ª instância fixou, assim, a sua matéria de facto:
1.Factos Provados.
1.A – Factos assentes em virtude das posições assumidas pelas partes nos respectivos articulados e/ou em virtude do teor dos documentos autênticos que instruem os autos:
1) Na Conservatória do Registo Predial ..., sob o n.º1721/da freguesia ..., mostra-se descrito o seguinte:
PRÉDIO MISTO, situado em HERDADE ... – ..., com a área total registada de 413,475 HECT, sendo a coberta registada de ,0614HECT; e a descoberta 413,4136, composto de cultura arvense, solo subjacente de cultura arvense, cultura arvense de regadio, olival, oliveiras, azinhal, prado natural, charcos, linha de curso de água, 3 dependências e 3 casas; anexo; a confrontar do norte e poente com ..., sul com AA, nascente com AA, EE, FF e GG, inscrito, entre outros, na matriz predial rústica da freguesia ... sob o artigo ...1 da Secção A – A1 (parte) – cf. certidão predial permanente de fls.24 a fls.26.
2) Sendo que sobre tal descrição, pende, entre outras, por força da apresentação 4403 de 2009/09/21, a inscrição da respectiva aquisição, por partilha da herança, a favor de AA, casada com BB no regime de Comunhão de adquiridos.
3) Mostra-se inscrito na matriz sob o artigo matricial n.º...1, da secção A-A1, da freguesia ..., concelho ..., um prédio aí designado de HERDADE ..., com a área total aí inscrita (ha) de 536,200000.
4) À data de 19.07.2011, encontrava-se em vigor um contrato de seguro do ramo Responsabilidade Civil, titulado pela Apólice n.º ...38 e destinado a garantir a responsabilidade civil geral decorrente da actividade da 1ª R.
X
B Factos controvertidos que se consideram provados:
i. Da petição inicial.
5) [Relativamente aos artigos 2.º e 3.º] – Provado que: Entre AA E AA, na qualidade de “comodantes” e a SOCIEDADE A..., LDª, na qualidade de “comodatário”, foi ajustado um acordo escrito, intitulado de “contrato de comodato”, datado de 22 de Setembro de 2009, patenteado nos autos a fls.348 a fls.351, cujo teor se dá por reproduzido, por via do qual, entre o mais, as primeiras declararam que “cedem (…) a título gratuito” à segunda, pelo prazo de 15 anos, entre outros, o prédio descrito em 1) e 3), nos termos e condições plasmadas em tal documento.
6) [Relativamente ao artigo 4.º] – Provado apenas que: A R. …, Sociedade Comercial por Quotas, tem por objeto a limpeza de bermas de estrada e terrenos.
7) [Relativamente ao artigo 5.º] – Provado que: No dia 19 de Julho de 2011, pelas 13h:40m, no local de ..., freguesia ..., concelho ..., deflagrou um incêndio pela forma como se passa a descrever.
8) [Relativamente ao artigo 6.º] – Provado que: Nas circunstâncias de tempo e lugar acabadas de referir, a 1ª R. efetuava trabalhos de limpeza  nas bermas da estrada destruindo as ervas e outros combustíveis finos e médios existentes no local, procedendo à limpeza e corte do mato aí existente.
9) [Relativamente ao artigo 8.º] – Provado que: Encarregara CC e outros seus trabalhadores de executar as respetivas tarefas mediante as ordens, direção e fiscalização da sua gerência.
10) [Relativamente ao artigo 9.º] – Provado que: Sendo que as referidas tarefas eram executadas, essencialmente, pelo uso de máquina – moto roçadora movida a motor e composta, além do mais, por discos metálicos, rígidos e cortantes.
11) [Relativamente ao artigo 10.º] – Provado que: Sendo que tais discos trabalham a rotação.
12) [Relativamente ao artigo 11.º] – Provado que: Na altura, era época de Verão, verificavam-se temperaturas não concretamente apuradas, sendo que estava tempo quente, seco e fazia vento; e as ervas e outros combustíveis encontravam-se em estado de secos.
13) [Relativamente ao artigo 12.º] – Provado que: A dado passo, os discos da moto-roçadora usada pelo trabalhador CC, friccionaram numa pedra existente no local, tendo soltado as faíscas que provocaram um incêndio.
14) [Relativamente ao artigo 13.º] – Provado que: Sendo que, uma vez tornado visível, o incêndio se propagou rapidamente sem que CC e seus companheiros lograssem a sua extinção.
15) [Relativamente ao artigo 14.º] – Provado apenas que: Enquanto o referido CC efectuava a operação descrita, o fogo alastrou--se à vegetação circundante, não tendo aquele conseguido controlar o fogo, fogo esse que acabou por atravessar o ... e atingiu o prédio descrito em 1).
16) [Relativamente ao artigo 16.º] – Provado que: Uma vez atingido e propagando-se pelo prédio descrito em 1), o incêndio reduziu o solo e cinzas e queimou:
a) 48ha de Pinho Bravo
b) 40ha de Azinho
c) 27,70ha de Pinho Manso
d) 10,45ha de Olival tradicional
e) 5,850m de Vedações Armadas  - provocando os prejuízos a seguir mencionados (de 17 a 23).
17) [Relativamente aos artigos 18.º e 19.º] – Provado que: Quanto aos 48ha de pinho bravo ardidos, considerando-se uma percentagem de coberto vegetal apurado de 30%, com uma densidade por ha de 1.250 pinheiros, com idade de 29 anos, o respectivo custo de reposição ascende a €86.849,24.
18) [Relativamente aos artigos 20.º, 21.º e 22.º] – Provado que: Quanto aos 40ha de Azinho ardidos, considerando uma densidade apurada de aproximadamente 76 árvores por hectare, um compasso de 12 x 11 m, uma percentagem de coberto vegetal de 50%, com 38 árvores por hectare, sendo que após o incêndio a ocupação do coberto vegetal passou para a ordem dos 10%, tendo por base a destruição apurada de 1200 para os 40ha, o tipo de árvore e conexa cortiça, o valor dos conexos prejuízos ascendeu a €71.148,00.
19) [Relativamente ao artigo 23.º] – Provado que: Quanto aos 27,70ha de Pinho Manso ardidos, considerando a idade da plantação de pinheiro manso de 7 anos, o custo de reposição, isto é o valor do investimento para a área ardida e o prejuízo pela perca de rendimentos dos 7 anos, ascende a €81.397,00, sendo o custo de reposição de €70.597,00; e a perda de rendimentos de €10.800,00.
20) [Relativamente aos artigos 27.º, 28.º, 29.º e 30.º] – Provado que: Quanto aos 10,45ha de Olival tradicional, tendo ardido 730 oliveiras de grande porte, no valor de €8.760,00 (sendo o valor por unidade de 12,00€), a que acrescem os prejuízos pela produção anual de azeitona (em média a produção cifra-se em 23KG/árvore, a um preço de €0.40, líquidos), registou-se um prejuízo de €6.716,00; tudo no montante global de €15.476,00.
21) [Relativamente aos artigos 31.º, 32.º, 33.º, e 34.º] – Provado que: Quanto aos 5,850m de Vedações Armadas ardidas, o seu custo de reposição ascende ao montante de €8.790,00.
22) [Relativamente ao artigo 45.º] – Provado que: Considerando o plasmado em 16) a 21), a primeira autora, enquanto dona e possuidora/exploradora do Pinho Bravo, Azinho e Olival tradicional ligados ao prédio descrito em 1), teve um prejuízo global de €173.473,24.
23) [Relativamente ao artigo 46.º] – Provado que: Considerando o plasmado em 16) a 21), a segunda A., enquanto comodatária, explorando o Pinho Manso e tendo procedido à instalação de vedações, teve um prejuízo global de €79.387,00. 
– ii. Da contestação:
24) [Relativamente ao artigo 6.º] – Provado que: O seguro prevenido em 4), tinha associado a) um limite de capital, por sinistro, de 250.000,00€; e b) uma franquia, a cargo da segurada, de 10% dos prejuízos indemnizáveis, no mínimo de 125,00€ e no máximo de 500,00€.
Nenhum outro (a contestação reveste a natureza essencialmente de mera impugnação).
X
C Factos controvertidos (temas da prova) que se consideram não provados:
I - Da petição inicial.
- A matéria dos artigos 24.º, 25.º e 26.º;
II – Da contestação.
Nenhum (a contestação reveste a natureza de mera impugnação)”.

Cumpre apreciar as seguintes questões:
1.Quanto à exclusão dos danos decorrentes de erros ou omissões profissionais e resultantes da inobservância de disposições legais, regulamentares ou não cumprimento de normas técnicas/Seu (não) conhecimento oficioso.
Nesta particular, decidiu a 1.ª instância:
“Ora, no caso, as autoras lograram demonstrar efectivamente que a actividade desenvolvida pela 1ª ré estava coberta pela 2ª ré no plano da sua responsabilida civil extracontratual, através do sobredito contrato.
Por seu turno, no âmbito da contestação, a ré seguradora não invocou a verificação de qualquer cláusula exclusão de responsabilidade (invocou apenas a prescrição do direito à indemnização).
Dito isto, ulteriormente, como resulta do compulso dos autos que após a junção aos mesmos pelos AA., da certidão de decisão instrutória proferida no âmbito do processo com o n.º22/11...., do Tribunal Judicial ..., patenteada nos autos a fls.79-v e seg., a ré, por via do requerimento de 21-09-2015, ponderando que o Mmo. Juiz de Instrução considerou que “o responsável pelo incêndio foi a testemunha CC, nos termos assumidos pelo próprio, enquanto prestava serviços para a empresa V..., Lda.” e “a mando, pelo menos, do Sr. DD, quando eram utilizadas moto roçadoras com discos, num dia de sol, com elevadas temperaturas, num local propício à deflagração de incêndios, dado a vegetação seca que aí se encontrava”;
Invocou que:
Caso venha a demonstrar-se, nos presentes autos, estes factos (os quais – como deixou dito na contestação – a ora requerente desconhece, até por lhe não terem sido participados), aplicar-se-ão as exclusões acordadas entre seguradora (2ª R.) e tomadora do seguro (1ª R.) segundo as quais não se encontram abrangidos pelas garantias do contrato de seguro os “Danos decorrentes de erros ou omissões profissionais” [artigo 3º, nº 1, alínea a) da garantia especial de Responsabilidade Civil Exploração – doc. 1 e doc. 3, página 24, juntos com a contestação da 2ª R.], nem os danos “Resultantes da inobservância de disposições legais, regulamentares ou não cumprimento de normas técnicas” [artigo 3º, nº 1, alínea b) da referida garantia especial – docs. citados];
Isto é, a alegação da verificação daquelas exclusões deu-se em momento processual posterior à apresentação da contestação, sem que nesta se fizesse qualquer referência àquelas ou a outras exclusões.
Nota-se, aliás, que a factualidade trazida à colação pela ré já constava, no essencial, da própria petição dos autores.
Não havia, sequer, pois, superveniência quanto à materialidade subjacente à alegação.
Ora, em sede de processo civil, afirma-se o princípio da concentração dos meios de defesa e a obrigatoriedade de os alegar, sob pena de perda do direito de invocação, preclusão, estando tais princípios ligados à estabilidade das decisões, o que tem a ver com o instituto do caso julgado, e com o dever de lealdade e de litigar de boa fé (processual).
Com efeito, o princípio da preclusão ou da eventualidade é um dos princípios enformadores do processo civil, decorre da formulação da doutrina e encontra acolhimento nos institutos da litispendência e do caso julgado – art. 580º, nº2, do Código de Processo Civil – e nos preceitos de onde decorre o postulado da concentração dos meios de alegação dos factos essenciais da causa de pedir e as razões de direito – art. 552º, nº1, d) – e das excepções, quanto à defesa – art. 573º, nº1, do Código de Processo Civil.
Ora, como notam ANTÓNIO SANTOS ABRANTES GERALDES, PAULO PIMENTA E LUÍS FILIPE PIRES DE SOUSA - In CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL ANOTADO, VOL.I 2ª edição, almedina, p.670 - “Do princípio da preclusão resulta que todos os meios de defesa não invocados pelo réu na contestação ficam prejudicados, não podendo ser alegados mais tarde. O princípio da eventualidade significa que, dado o risco de preclusão, o réu há de dispor todos os seus argumentos de maneira a que cada um deles seja atendido no caso (ou na eventualidade) de qualquer dos anteriores improceder.”  
Uma das limitações à regra da concentração da defesa na contestação consiste na defesa posterior/superveniente, ao abrigo do disposto nos artigos 588.º e 589.º, do CPC.
Porém, no caso, como vimos, a factualidade em causa nem sequer era superveniente, objectiva ou subjectivamente (pelo menos no plano da sua admissibilidade teórica, que é como quem diz, na acepção da ré, sem conceder o facto, admitindo a sua ocorrência, então…), dado que, como vimos, a materialidade em causa já constava nos seus traços essenciais da petição inicial.
Não foi, de resto, deduzido formalmente qualquer articulado superveniente, nem tal se justificava, dado que era materialidade já alegada pelos autores.
Outro tanto se diga relativamente à exclusão que tem como base a acepção de que o acto em causa assumiu contornos dolosos.
Ora, como se disse, a ré não invocou em sede de contestação a verificação de qualquer cláusula de exclusão de responsabilidade, apenas o tendo vindo a fazer mais tarde no processo.
Ora, admitir-se que ré pudesse invocar, atempadamente, fundamentos de exclusão da sua responsabilidade, seria contornar o efeito preclusivo da invocação factual e de todos os meios de defesa, desconsiderando-se o princípio da concentração da defesa.
Nem se diga contra o supra plasmado que a ré se limitou a salientar a verificação de exclusões que já constavam das condições gerais e/ou especiais por si oportunamente juntas, a que acresce que toda a factualidade necessária à subsunção das exclusões em causa já constava dos próprios termos da petição inicial, bastando, no fundo, confrontar os factos vertidos na petição inicial (e a final dados como provados), com o texto das exclusões constantes das condições contratuais da apólice de seguros juntas aos autos.
Salvo o devido respeito por opinião contrária, assim não o cremos.
Ainda que se considere que se trata apenas de subsumir determinada factualidade já constante dos autos às condições contratuais que regem o seguro ajuizado, tal matéria ou juízo qualificativo sobre mesma nunca poderia deixar de ser oportunamente alegado, dado que se trata de matéria de excepção tout court, obrigando o princípio da preclusão à necessidade (ónus) da alegação de todos os meios de defesa na contestação, sob de impossibilidade de valoração.
A regra da concentração dos meios de defesa tanto vale para a alegação de factualidade e conexa subsunção jurídica no plano das excepções, como para a mera alegação de verificação desta ou daquela excepção, sem mais, a reboque até dos próprios termos da alegação da parte contrária.
Repare-se que se assim não for, fica não só beliscado o princípio da preclusão, como o próprio princípio do contraditório, dado que se o réu não alegar a verificação dalguma excepção, o autor nem sequer tem o ensejo processual de responder à excepção em causa, designadamente no quadro do artigo 3.º/4, do CPC, não tendo, por conseguinte, o ensejo processual de, designadamente, contra-alegar as suas razões de direito, como até de alegar factualidade tendente a afastar a verificação da excepção em causa”.  
Correcta a decisão.
Senão vejamos.
Exige a lei que o juiz “deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras; não pode ocupar-se senão das questões suscitadas pelas partes, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras – n.º 2 do artigo 608.º do CPC.
Ao juiz está cominada a imposição legal de tomar conhecimento de todas as questões que tenham sido trazidas e debatidas pelas partes no processo – Sobre o tema, Alberto dos Reis, in “Código Processo Civil Anotado”, Vol. V, págs. 52-58 e 142-143; Jacinto, Rodrigues Bastos, in “Notas ao Código Processo Civil”, Vol. III, Lisboa, 1972, pág. 247 e 228.
As questões controvertidas que tenham sido objecto de alegação por parte dos sujeitos processuais involucrados na acção - às partes cabe alegar os factos essenciais que constituem a causa de pedir e aqueles em que se baseiam as excepções invocadas -  e que estando contidas na causa de pedir e no pedido devem ser conhecidas pelo tribunal sob pena de não fazendo o tribunal se eximir à sua função de julgamento pleno e total - Jacinto, Rodrigues Bastos, in op. loc. cit., pág. 228.
O pedido de solução de uma determinada questão, de facto ou de direito, solicitada a um órgão jurisdicional contém, de ordinário, um núcleo de factos cuja verificação probatória pode, ou não, vir a ser subsumível a um suposto normativo que encerra uma afirmação preceptiva e da qual o ordenamento jurídico faz derivar uma consequência jurídica. É este núcleo referencial e típico que se constitui como questão a eleger pelo tribunal para solução do litígio que opõe dois ou mais sujeitos.
Ou seja, para que a questão possa ser avaliada, torna-se necessário que se confira uma identidade entre o que é pedido e o que é julgado, entre o que o tribunal elegeu e definiu, na interpretação que fez do conjunto de factos alinhados pelos sujeitos nas respectivas peças processuais, com o que a final veio a tomar conhecimento e a dar pronúncia. Na eleição das questões de direito o juiz não pode ir além do que está contido nos factos aportados pelos sujeitos, não estando, porém limitado pela enunciação que delas façam as parte.
Deve, pois, na decisão ocorrer uma congruência entre as questões que o sujeito trouxe a juízo para obter uma resolução jurisdicional e aquelas que efectivamente devem ser resolvidas pelo tribunal. Esta congruência ou necessidade de coincidência significativa entre o que é pedido e o que é solucionado traduz-se numa concordância de decisão jusprocessual que torna o veredicto assumido conforme às exigências que devem vertidas numa sentença.
Como se escreve no Acórdão do STJ de 19.1.2017, em www.dgsi.pt, “a realização da justiça no caso concreto deve ser conseguida no quadro dos princípios estruturantes do processo civil, como são os princípios do dispositivo, do contraditório, da igualdade das partes e da imparcialidade do juiz, traves- mestras do princípio fundamental do processo equitativo proclamado no artigo 20.º, n.º 4, da Constituição da República. A decisão judicial, enquanto prestação do dever de julgar, deve conter-se dentro do perímetro objetivo e subjetivo da pretensão deduzida pelo autor, em função do qual se afere também o exercício do contraditório por parte do réu, não sendo lícito ao tribunal desviar-se desse âmbito ou desvirtuá-lo. Incumbe ao tribunal proceder a qualificação jurídica que julgue adequada, nos termos do artigo 5.º, n.º 3, do CPC, mas dentro da fronteira da factualidade alegada e provada e nos limites do efeito prático-jurídico pretendido, sendo-lhe vedado enveredar pela decretação de uma medida de tutela que extravase aquele limite, ainda que pudesse, porventura, ser congeminada por extrapolação da factualidade apurada”.
Assim o exige o princípio da concentração da defesa na contestação consagrado no artigo 573º, nº 1, do Código Processo Civil – 1 -Toda a defesa deve ser deduzida na contestação, excetuados os incidentes que a lei mande deduzir em separado; 2 - Depois da contestação só podem ser deduzidas as exceções, incidentes e meios de defesa que sejam supervenientes, ou que a lei expressamente admita passado esse momento, ou de que se deva conhecer oficiosamente. Esta norma, faz recair “sobre os ombros do réu” o ónus de, na contestação, alegar os factos que sirvam de base a qualquer excepção dilatória ou peremptória, que são aquelas que importam a absolvição total ou parcial do pedido e consistem na invocação de factos que impedem, modificam ou extinguem o efeito jurídico dos factos articulados pelo autor. - na contestação deve o réu: a) Individualizar a ação; b) Expor as razões de facto e de direito por que se opõe à pretensão do autor; c) Expor os factos essenciais em que se baseiam as exceções deduzidas, especificando-as separadamente, sob pena de os respetivos factos não se considerarem admitidos por acordo por falta de impugnação -, salvo os casos excepcionais a que alude o n.º 2 do mesmo artigo, ou seja, de excepções, incidentes e meios de defesa que sejam supervenientes, ou que a lei expressamente admita passado esse momento ou de que se deva conhecer oficiosamente, sob pena de preclusão da possibilidade de o fazer posteriormente – neste sentido, por ex., o Acórdão do STJ de 11-03-2021, pesquisável em www.dgsi.pt. /tem o ónus de apresentar em juízo todos os seus argumentos de defesa, na primeira oportunidade que lhe seja concedida para o efeito. Se o não fizer, já não o pode realizar mais tarde.
Ora, tal matéria, foi, desde logo, alegada nos Pontos 9º (Sendo que as referidas tarefas eram executadas, essencialmente, pelo uso de máquina – moto-roçadora movida a motor e composta, além do mais, por discos metálicos, rígidos e cortantes); 10º (Sendo que tais discos trabalham a grande rotação); 11º (Na altura, como era época de Verão, verificavam-se temperaturas que rondavam os 40º C e as ervas e outros combustíveis encontravam-se em estado de muito secos), todos da petição inicial, pelo que, seria a contestação o momento, processualmente falando, para a alegação de tais excepções, o que não aconteceu – a 21.7.2015 foi proferido o seguinte despacho :” A fim de nos pronunciarmos sobre a excepção da prescrição invocada pela Ré “Fidelidade, Companhia de Seguros, SA”, notifique os AA para exercerem o competente contraditório, no prazo de 10 dias.
A concentração dos meios de defesa e a obrigatoriedade de os alegar, sob pena de perda do direito de invocação, preclusão, estão ligados à estabilidade das decisões, o que tem a ver com o instituto do caso julgado, e como o dever de lealdade e de litigar de boa fé (processual). Não faria sentido que a seguradora, impugnando a sua responsabilidade no sinistro, dispondo de factos idóneos a paralisar esse pedido, não concentrasse nessa defesa todos os argumentos de facto e de direito de que dispusesse - deverá por razões de litigância transparente, invocá-los de uma só vez, cooperando para a resolução definitiva do litígio.
Como escrevem os Apelados:
“Está em causa nestes autos, essencialmente, o sinistro de incêndio florestal ocorrido em 17.07.2011 causado pelo uso de uma moto-roçadoura por um trabalhador ao serviço da 1ª R.
- Dão-se por reproduzidos os factos provados, todos eles da petição inicial - Sendo que a contestação, revestindo natureza de mera impugnação, não alega quaisquer factos e apenas invoca a prescrição do direito à indemnização.
- As alegadas exclusões dos “Danos decorrentes de erros ou omissões profissionais” bem como os danos resultantes da inobservância de disposições legais, regulamentares ou não cumprimento de normas técnicas apenas são invocadas por requerimento de 21.09.2015 em momento processual muito para além da contestação (…).
Por isso, como decidiu o Juízo Central Cível ..., “o tribunal não pode atender às invocações/exclusões em causa.
De todo o modo, mesmo que se considerasse que tais meios de defesa sempre seriam atendíveis, nem cremos sequer que tais exclusões tivessem sido alegadas com a devida densidade factual, isto é, não resulta (claro) da alegação da ré em que medida a factualidade em causa (que, de resto, lembre-se, já constatava dos termos da petição inicial), sem mais, constituía matéria de suporte à verificação das exclusões alegadas.
Ou seja, em que medida o salientado enformava “Danos decorrentes de erros ou omissões profissionais” ou danos “Resultantes da inobservância de disposições legais, regulamentares ou não cumprimento de normas técnicas”.
No primeiro caso, nem sequer se alega, ao menos ao de leve, qual o comportamento ou comportamentos que, no fundo, as legis artis ou outro qualquer parâmetro de aferição impunham na situação, que discrepasse do observado, qual porventura do assento (legal, regulamentar ou mesmo contratual) do comportamento que se impunha, para daí concluir pela existência de um erro profissional. Ou tanto se diga quanto à inobservância de disposições legais, regulamentares ou não cumprimento de normas técnicas (quais?).
Ora, tal era um ónus que cabia à ré e que não satisfez (artigo 342.º/2, do Código Civil)”.
E, seguramente, não são questões do conhecimento oficioso do tribunal, a que alude a norma do artigo 5.º - “Às partes cabe alegar os factos essenciais que constituem a causa de pedir e aqueles em que se baseiam as exceções invocadas.
2 - Além dos factos articulados pelas partes, são ainda considerados pelo juiz:
a) Os factos instrumentais que resultem da instrução da causa;
b) Os factos que sejam complemento ou concretização dos que as partes hajam alegado e resultem da instrução da causa, desde que sobre eles tenham tido a possibilidade de se pronunciar;
c) Os factos notórios e aqueles de que o tribunal tem conhecimento por virtude do exercício das suas funções; 3 - O juiz não está sujeito às alegações das partes no tocante à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito”.

2. Os danos decorrentes de actos ou omissões dolosas do Segurado ou de pessoas por quem este seja civilmente responsável;
Alega, ainda, a ré:
“M. Considerando os factos que ficaram provados e não se podendo deixar de atentar que nos movemos no contexto de um contrato de seguro facultativo, resultou evidenciada a clara intenção da 1ª R./tomadora do seguro e dos seus trabalhadores de actuar, conscientemente, de modo a agravar o risco de incêndio, com a utilização de moto-roçadora movida a motor e composta, além do mais, por discos metálicos, rígidos e cortantes (que trabalham a rotação), na época de Verão, em dia de vento, com tempo quente e seco; e em local em que as ervas e outros combustíveis se encontravam também secos;
N. Trata-se, pois, de conduta fortemente censurável, que denota uma actuação dolosa, se não na vertente de dolo necessário, pelo menos na vertente de dolo eventual, a impor um intenso juízo de reprovação”.
Além das razões impeditivas, do conhecimento da questão por este tribunal, supra referidas e aqui aplicáveis “mutatis mutandis”, acrescem estas outras:
Em Acórdão do STJ 21-05-2020 - Relatora – Maria do Rosário Morgado e pesquisável em wwww.dgsi.pt, considera-se que a “(…) expressão “combustão acidental” (…) deve ser interpretada no sentido de o contrato de seguro cobrir o risco de incêndio que não derive, direta ou indiretamente, de ato ou omissão dolosas do tomador do seguro, do segurado ou de pessoas por quem sejam civilmente responsáveis”.
Por isso, também neste particular, teremos de dar razão à 1.ª instância, quando, a dado momento da sua decisão refere:
No mais, quanto à circunstância de estar excluído do âmbito de garantia o sinistro ajuizado, dado que, em suma, se trata de um acto doloso do segurado ou de qualquer dos seus empregados no exercício da sua actividade e ao seu serviço (vide o artigo 2.º do ponto 299 das condições especiais do contrato em causa – p.69), considerando que o prevenido âmbito de garantia garante “o pagamento de indemnizações emergentes de responsabilidade civil extracontratual (…) cuja causa seja devida a: a) Acto ou omissão não doloso do Segurado ou de qualquer dos seus empregados no exercício da sua actividade e ao seu serviço;”
Nesta medida, ao interpretarmos àquela cláusula à luz dos sobreditos princípios hermenêuticos, temos de considerar como “causa que seja devida a acto ou omissão não doloso”, não atomisticamente o acto humano não doloso que está montante do evento danoso (a esmagadora maioria dos actos humanos em si mesmos são intencionais), mas o próprio evento/resultado da acção humana na montante do dano, e a sua relação com o conexo acto naturalístico, em termos de representação e adesão ao mesmo.
Contrapõe-se, aqui, o conceito ou concepção naturalística da acção, que vigorou no passado entre nós tanto no direito penal como no direito civil, à concepção finalística da acção (vide, MENEZES CORDEIRO, Tratado de Direito Civil, VIII, almedina, 2006, p.435 e seg.).
Neste contexto interpretativo, sob pena de esvaziar de sentido social e económico o contrato de seguro ajuizado, por drenagem excessiva e desrazoável do seu âmbito de cobertura, deve adoptar-se numa noção de acto ou de ação finalisticamente orientado.
Neste contexto, apenas ficarão fora do âmbito de cobertura os actos finalisticamente orientados para a causação do evento danoso (no caso orientados finalisticamente para o deflagrar do incêndio), ou seja, a conduta predeterminada a causação do evento danoso (incêndio), e em que pelo menos haja a representação de tal consequência e a conformação com o resultado.
No fundo, a referência a acto ou omissão não doloso por contraposição a acto ou omissão doloso, mais do que remeter o intérprete para conceitos civilísticos, que assenta no conceito de facto voluntário enquanto facto dominável ou controlável pela vontade (visão tradicional), remete o intérprete para os conceitos do direito penal que, entendemos, melhor se adequam ao caso, sendo aqueles que mais pairam na mente do declaratário normal.
Assim, recorrendo aos ensinamentos do direito penal, e ao conceito de dolo e suas variantes, devem considerar-se excluídos do âmbito de cobertura os actos dolosos, tendo presente que no direito penal vale a concepção finalística da acção (muito por influência de WEZEL, ou seja, os actos cujo resultado é representado e há adesão do agente em termos de dolo directo, necessário ou eventual; ou seja, mesmo neste último caso quando o agente não quer directamente o resultado da sua acção, mas se conforma com a possibilidade de tal ocorrer; sendo que já cairão dentro do âmbito da cobertura os actos do segurado ou qualquer um dos seus empregados que ou nem sequer representem o resultado/evento danoso das suas acções (negligência inconsciente), ou, representado, não se conformem com a possibilidade de tal ocorrer (vide os artigos 14.º e 15.º, do Código Penal).
Ora, à luz do supra exposto, havemos de concluir que a ré não só não alegou matéria donde pudesse concluir-se pela existência de dolo por parte do empregado da ré que deflagrou o incêndio, como havemos de notar que no âmbito do processo penal em que o arguido CC foi condenado, conexo com os factos ajuizados (p. 21/14...., da Comarca ... – Juízo local de I... ), o mesmo foi acusado e, a final, condenado, na prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime de incêndio florestal, previsto e punido nos termos do disposto no art. 274.º, n.ºs 1 e 4 do Código Penal, ou seja, sob a forma do crime de incêndio florestal sob a forma de negligência.
Ora, como é consabido, os termos desta condenação penal relativamente a terceiros (como é o caso da seguradora ora ré ou mesmo dos autores), de harmonia com o disposto no artigo 623.º, do CPC, representam uma presunção (ilidível, é certo, sendo que, todavia, a ré não logrou afastar – tão pouco sequer alegou materialidade apta a tanto), mormente quanto à culpa e forma de actuação (também quanto ao facto ilícito e nexo de causalidade), que haverá que ter em conta.
Nesta medida, à míngua de alegação e prova noutro sentido (ou seja, à míngua de alegação e prova de que se tratou de uma actuação dolosa), temos de considerar que se tratou de uma actuação negligente e, como tal, à luz do supra referido, que cai dentro do âmbito de cobertura do seguro ajuizado”.
Efetivamente, o princípio geral da liberdade contratual encontra-se consagrado para a generalidade dos contratos no art. 405.º do Código Civil e o legislador reiterou-o expressamente em matéria de contrato de seguro no art. 11.º da LCS nos seguintes termos: “o contrato de seguro rege-se pelo princípio da liberdade contratual, tendo carater supletivo as regras constantes do presente regime, com os limites indicados na presente seção e os decorrentes da lei geral”; o que significa, aplicando tal princípio da liberdade contratual ao contrato de seguro, que os seguradores e os tomadores de seguro são, em princípio, livres na sua decisão de celebrar ou não um contrato de seguro, na escolha das suas contrapartes e na escolha das cláusulas que pretendem inserir nos contratos que celebrarem.
Mas, nos casos de num contrato de seguro de incêndio se determinar que ficam excluídas do âmbito da cobertura as mais usuais causa de incêndio – curto-circuito, raio, rebentamento de bombas e foguetes, incêndio negligente etc. – podendo assim chegar-se, no limite, a uma situação em que verdadeiramente o contrato de seguro fica sem objeto, pois o que seriam os riscos próprios e típicos de tal seguro de incêndio, a poderem ser consideradas como válidas as exclusões, não se encontrariam cobertos, é situação pacificamente reputada como abusiva.
Mais, não cabe aos tribunais de recurso conhecer de questões novas - o chamado ius novarum -, mas apenas reapreciar a decisão do tribunal a quo, com vista a confirmá-la ou revogá-la.
Na verdade, este fundamento fáctico-substantivo, agora apresentado pela ré apelante, não foi invocado no seu articulado de contestação, e como tal não foi objecto de contraditório pelas autoras apeladas, e, por conseguinte, também não podia ser objecto de conhecimento e apreciação por parte deste tribunal de recurso.
Trata-se, por isso, de questão nova posta em recurso que nunca poderia ser conhecida neste tribunal de apelação. Como é de todos sabido, e já foi dito e redito, infindavelmente, quer pela doutrina quer pela jurisprudência, os recursos ordinários são, entre nós, recursos de reponderação e não de reexame, visto que o tribunal superior não é chamado a apreciar de novo a acção e a julgá-la, como se fosse pela primeira vez, indo antes controlar a correcção da decisão, proferida pelo tribunal recorrido, face aos elementos averiguados por este último.
Improcedem, pois, as conclusões do Apelante e, em consequência mantemos o decidido pela 1.ª instância.
As conclusões (sumário):
(…).

3.Decisão
Na improcedência do recurso, mantemos a decisão proferida pelo Juízo Central Cível de Castelo Branco – Juiz 2.
Custas a cargo da apelante.
Coimbra, de 28 de Junho de 2022
(José Avelino Gonçalves - Relator)
( Arlindo Oliveira- 1.º adjunto)
(Emidio Francisco Santos – 2.º adjunto)