Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
2611/21.1T8CBR.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: ALCINA DA COSTA RIBEIRO
Descritores: DECISÃO ADMINISTRATIVA
ASSINATURA
FALTA DA ASSINATURA
NULIDADE INSANÁVEL
NULIDADE SANÁVEL
IRREGULARIDADE
(IN)CONSTITUCIONALDIADE MATERIAL DO ARTIGO 181º N.º 1 DO CÓDIGO DA ESTRADA
Data do Acordão: 11/09/2022
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COIMBRA (JUÍZO LOCAL CRIMINAL DE COIMBRA – J1)
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO CRIMINAL
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTS. 33.º, 34.º, N.º 1, E 41.º DO REGIME GERAL DAS CONTRAORDENAÇÕES; ARTS. 132.º, 169.º, N.º 3, E 169.º-A, DO CÓDIGO DA ESTRADA; ARTS. 119.º, 120.º E 123.º DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL
Sumário: I – Não contendo a decisão administrativa qualquer assinatura autógrafa ou digital qualificada de pessoa a quem foram, nos termos do disposto no n.º 3 do artigo 169.º do Código da Estrada, delegados poderes, pelo Presidente da Autoridade Nacional de Segurança Rodoviária, para preferir decisões administrativas no âmbito de contraordenações rodoviárias, mas tão só a indicação de um nome gerado por processo de digitalização ou através de outro meio digital, não foi observado o prescrito no artigo 169-A do referido diploma legal.

II – O vício da falta da assinatura da decisão administrativa não constitui nulidade insanável, mais sim irregularidade ou, quando muito, nulidade sanável.

II – O artigo 181.º, n.º 4, do Código da Estrada, não padece de inconstitucionalidade material.

Decisão Texto Integral:

Acordam, os Juízes que compõem a 5ª Secção Criminal do Tribunal da Relação de Coimbra

I. RELATÓRIO

1. A sentença proferida em 1 de setembro de 2021 manteve a decisão proferida pela Autoridade Nacional de Segurança Rodoviária (ANSR) que condenou a arguida AA na sanção acessória de inibição de conduzir especialmente atenuada, pelo período de 30 dias, pela prática de uma contra-ordenação p. e p. pelas disposições conjugadas dos arts. 69º, nº 1 do e 76º, al. a) do Regulamento de Sinalização do Trânsito, aprovado pelo Decreto Regulamentar nº 22-A/98, de 01.10, e arts. 136º, 138º, e 146º, al. l) do Código da Estrada.

2. Inconformada com esta condenação, impugna-a a Arguida, com as conclusões que se transcrevem:

1- Vem o presente recurso interposto da douta sentença proferida nos autos que decidiu manter a decisão administrativa nos seus exactos termos, ou seja, aplicou à ora recorrente a sanção acessória de inibição de conduzir pelo período de 30 dias e a subtracção de 4 pontos.

2- Alegou o ao recorrente que, ao contrário do constante da decisão administrativa imediatamente antes da aposição do nome “BB”, não se confirma a delegação de competências do Presidente da Autoridade Nacional de Segurança Rodoviária, através do Despacho nº 1244/2019 de 17/01, publicado no DR nº 25, Série II de 05 de Fevereiro de 2019, porquanto “BB” não é nenhum dos Licenciados e/ou Técnicos Superiores referidos no referido Despacho.

3- Entendeu o douto tribunal a quo que “constando da decisão administrativa a assinatura autógrafa de “BB, Directora da ..., a quem o presidente da ANSR delegou através do despacho 1244/2019 de 17 de Janeiro, a competências que lhe estão atribuídas pela alínea c) do nº 1 do artigo 4º do Decreto Regulamentar nº 28/2012 de 12 de março, para proferir decisões administrativas no âmbito dos processos de contraordenações rodoviárias, nomeadamente no que se refere à aplicação de coimas, sanções acessórias, outras medidas disciplinadoras e deveres previstos no Código da estrada e demais legislação aplicável, foi tal decisão proferida por quem tinha legitimidade/competência (legalmente delegada) para tanto.”

4- Ora e salvo o devido respeito, partiu a douta sentença recorrida de errados pressupostos de facto e de direito, uma vez que da decisão administrativa não consta “a assinatura autógrafa de “BB””.

5- Na verdade, da mesma consta apenas um carimbo de uma assinatura, não sendo uma “assinatura autógrafa”, mas apenas uma reprodução mecânica de uma assinatura, que pode ser utilizada por qualquer pessoa, sem que seja possível aferir da legitimidade de tal pessoa para “assinar” – na verdade, carimbar – a decisão administrativa.

6- Basta, aliás, comparar ambas as “assinaturas” constantes da decisão administrativa, a aposta na carta dirigida ao arguido e a aposta na decisão propriamente dita: são EXACTAMENTE IDÊNTICAS, com exactamente o mesmo espaço entre as letras, com as letras ligadas exactamente no mesmo sítio e exactamente da mesma maneira, sendo certo que o “risco” do que é suposto ser o “s” de “BB” tem exactamente a mesma medida (comprimento) em ambas (como aliás, em outras decisões administrativas).

7- Ora, não é irrelevante saber quem tomou a decisão posta em crise, tal como não é irrelevante que uma qualquer sentença seja proferida pelo Sr. Juiz ou pelo Sr. Escrivão.

8- A resposta à pergunta: “Quem tomou a decisão em causa?” afecta o valor do acto praticado, pelo que, não sendo possível responder-lhe, estamos perante uma nulidade, que podia e devia ter sido declarada pelo douto tribunal a quo.

9- Se é certo que as nulidades insanáveis estão taxativamente previstas no artigo 119º do Código de Processo Penal, não menos certo é que devem tais regras ser adaptadas ao processo contra-ordenacional - onde não existe Ministério Público, nem juízes ou jurados - sob pena de ser letra morta o disposto, quer no artigo 132º do Código da Estrada, quer no artigo 41º do RGCO, que estipulam que são aplicáveis, “devidamente adaptados” os preceitos reguladores do processo criminal.

10- Ponto é que tenha obrigatoriamente que ser a pessoa competente para aplicar a coima (seja o Ministério Público, se aquela for encarada como acusação; ou o juiz, se aquela for encarada como decisão) quem a aplique – se assim não for (e no caso concreto não sabemos quem foi), temos uma verdadeira ausência de decisão, por falta de legitimidade, que tem necessariamente que ser encarada – face à sua gravidade – como uma nulidade, que deve ser declarada.

11- A não ser assim, isto é, a entender-se que não é relevante aferir a competência de quem profere a decisão administrativa posta em crise, estará o douto Tribunal a fazer uma interpretação inconstitucional dos artigos 169º e 169º-A do Código da Estrada, por violação dos artigos 20º e 32º da Constituição da República Portuguesa e dos princípios do acesso ao direito e a uma tutela jurisdicional efectiva.

12- Entendeu também o douto tribunal a quo que se não verificava a nulidade do auto, por falta dos elementos relevantes da contra-ordenação, ”a saber: os factos que lhe são imputados e a sanção em que incorre”, sendo que um dos factos imputados à ora recorrente é o desrespeito pela obrigação de parar imposta pela luz vermelha da regulação de trânsito, pelo que se impunha e impõe saber SE existia no local indicado no auto/decisão administrativa um sinal luminoso de regulação de trânsito. Existindo mais do que um, impõe-se ao agente autuante que explicite QUAL o local concreto, na Rua, onde se verificou a alegada infracção – em frente ao nº 10?, ao lado da Escola Superior de Educação? Ao pé do Pavilhão do ...? – por forma a que que o arguido possa identificar o local e defender-se.

13- E não é irrelevante saber o local concreto da localização do sinal luminoso alegadamente violado, porquanto tem o arguido o direito de poder, nomeadamente, ir procurar aferir e provar se, no dia e hora da autuação, tal semáforo estaria, por exemplo, avariado, ou desligado, ou intermitente – o que não pode, nem pôde, fazer, por falta de indicação do concreto sinal alegadamente violado.

14- Não sendo possível à ora recorrente, nem a quem quer que seja, colocado na sua posição, defender-se da contra-ordenação que lhe é imputada e pela qual foi condenada, porquanto dizer-se que a arguida não parou “perante a luz vermelha de regulação de trânsito na Rua ...” – quando aí há, pelo menos, 3 semáforos - sem dizer EM QUE luz vermelha de regulação de trânsito não parou, é o mesmo que dizer que “matou outra pessoa”, sem dizer que pessoa matou e onde e como o fez – não permite à ora recorrente defender-se do que a acusam...

15- Tal indicação não pode, nem deve ser omitida ao abrigo daquele nº 4 do artigo 181º do Código da Estrada, motivo pelo qual podia e devia o douto tribunal a quo ter declarado a sua inconstitucionalidade e desaplicado a referida norma.

16- Sendo certo que, se tal indicação não consta do Auto de Notícia – para onde remeteu a decisão administrativa – falta-lhe um elemento essencial para permitir a defesa do agente, designadamente, da ora recorrente, estando tal auto e, consequentemente, a decisão administrativa, ferido de nulidade, o que também podia e devia ter sido declarado.

17- Pelo que entende a ora recorrente que nº 4 do artigo 181º do Código da Estrada é uma norma inconstitucional por directamente violadora dos artigos 18º, nº 2, 20º, nº 1 e 32º, nº 10 da Constituição da República Portuguesa e dos princípios, penal, contra-ordenacional e constitucionalmente consagrados da proibição da indefesa, do direito ao acesso ao direito e a uma tutela jurisdicional efectiva, o que expressamente se requer seja declarado, devendo ser desaplicada a referida norma no caso concreto.

18- Mas mesmo que se não entenda que a própria norma é inconstitucional – como entende a ora recorrente – sempre terá de considerar-se inconstitucional a interpretação do nº 4 do artigo 181º do Código da Estrada que faz a entidade autuante, de que a ”remissão da fundamentação” permite a absoluta ausência de indicação da concreta infracção cometida, designadamente, do concreto local onde a mesma foi alegadamente cometida, por violadora dos artigos 18º, nº 2, 20º, nº 1 e 32º, nº 10 da Constituição da República Portuguesa e dos princípios, penal, contra-ordenacional e constitucionalmente consagrados da proibição da indefesa, do direito ao acesso ao direito e a uma tutela jurisdicional efectiva, pois não permite ao arguido defender-se na fase de recurso, inconstitucionalidade esta que, à cautela, ora expressamente se invoca para todos os devidos e legais efeitos.

19- Ao decidir da forma expendida na douta decisão de que se recorre, violou o douto Tribunal a quo, entre outros, os artigos 169º e 169º-A do Código da Estrada, 119º, 123º, 379º, nº 1, alínea c) do Código de Processo Penal e 20º, nº 1, 30º, nº 4 e 32º, nºs 1 e 10 da Constituição da República Portuguesa e os princípios penal e constitucionalmente consagrados da legalidade, da tipicidade, do acusatório, do contraditório, da proibição da indefesa e do acesso ao direito e a uma tutela jurisdicional efectiva

Termos em que e nos mais de direito, deve o presente recurso ser julgado procedente por p provado e, em consequência, declarada nula a decisão proferida, ou, caso assim se não entenda, ser a ora recorrente absolvida da contra- ordenação por que foi condenada.

3. O Ministério Público, em primeira instância, respondeu ao recurso do arguido, defendendo a manutenção da sentença recorrida:
4. O Digno Procurador-Geral Adjunto, no parecer fundamentado que doutamente emite, concluiu pela total improcedência do recurso.
5. Cumprido o disposto no artigo 417º, nº2, do Código de Processo Penal e junta a resposta do recorrente, foram colhidos os vistos legais, nada obstando ao conhecimento de mérito do recurso.

II. QUESTÕES A DECIDIR

Sendo o objecto do recurso delimitado pelas Conclusões do recorrente, as questões a decidir consistem em saber:

-  A decisão administrativa é nula por ter sido proferida por quem não tem competência ou legitimidade para o efeito?

- O auto de noticia é omisso nos factos integrantes da do elemento objectivo da contra -ordenação imputada à arguida?

- O artigo 181.º, n.º 4, do Código da Estrada é inconstitucional?

III. A SENTENÇA RECORRIDA

A sentença recorrida tem o seguinte teor:

I. (…)

QUESTÕES PRÉVIAS

Da arguida nulidade da decisão da autoridade administrativa por a mesma ter sido proferida por quem não tinha legitimidade/competência para a proferir

Aduz a arguida que a decisão administrativa ora impugnada não é válida, porquanto a mesma foi proferida por quem não tinha legitimidade ou competência para tanto, sendo, consequentemente, nula e sem produzir quaisquer efeitos, alegando para tanto que “BB” não é nenhum dos Licenciados e/ou Técnicos Superiores referidos no Despacho nº 1244/2019 de 17/01, publicado no DR nº 25, Série II de 05 de Fevereiro de 2019.


*

Apreciando e decidindo:

Vista a decisão administrativa impugnada, constante dos autos, datada de 23 de Novembro de 2019, da mesma consta, a final, a seguinte indicação:

«Por delegação de competências do Presidente da Autoridade Nacional de Segurança Rodoviária (despacho nº 1244/2019, de 17 de janeiro, publicado no DR nº 25, Série II, de 5 fevereiro de 2019).

A Directora da Unidade de ... BB».

Constando na referida decisão, em suporte de papel, aposta a assinatura autógrafa “BB”.

Nos termos do disposto no n.º 2 do art. 169º do Código da Estrada, “a competência para aplicação das coimas e sanções acessórias pertence ao presidente da ANRS”, estatuindo o n.º 3 do mesmo preceito, que “O presidente da ANRS pode delegar a competência a que se refere o número anterior nos dirigentes e pessoal da carreira técnica superior da Autoridade Nacional de Segurança Rodoviária”.

À data da prolação da decisão administrativa ora impugnada, estava em vigor o despacho nº 1244/2019, de 17 de Janeiro, publicado no DR nº 25, Série II, de 5 Fevereiro de 2019, relativo à “Delegação de competências nos dirigentes e pessoal da carreira técnica  superior da ANSR”, proferido pelo Presidente da ANSR, e cujo texto, no que ora importa é do seguinte teor:

“O Código da Estrada, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 114/94, de 3 de maio, no artigo 169.º, atribui ao presidente da Autoridade Nacional de Segurança Rodoviária a competência para a aplicação de coimas e sanções acessórias no âmbito do processamento das contraordenações rodoviárias, prevendo a possibilidade de delegação desta competência nos dirigentes e pessoal da carreira técnica superior da Autoridade Nacional de Segurança Rodoviária.

Também o decreto Regulamentar n.º 28/2012, de 12 de março, que aprovou a orgânica da Autoridade Nacional de Segurança Rodoviária, prevê no n.º 3 do seu artigo 4.º, a possibilidade de delegação daquela competência nos dirigentes e pessoal da ANSR.

Assim, nos termos do n.º 3 do artigo 169.º do Código da Estrada e nos termos do n.º 2 do artigo 4.º do Decreto Regulamentar n.º 28/2012, e ainda dos artigos 44.º a 47.º do Código de Procedimento Administrativo:

1 - Delego na Diretora da Unidade de ..., licenciada BB:

a) As competências que me estão atribuídas pela alínea c) do n.º 1 do artigo 4.º do Decreto Regulamentar n.º 28/2012, de 12 de março, para proferir decisões administrativas no âmbito dos processos de contraordenações rodoviárias, nomeadamente no que se refere à aplicação de coimas, sanções acessórias, outras medidas disciplinadoras e deveres previstos no Código da estrada e demais legislação aplicável.

(…)”.

Isto posto, e revertendo ao caso sub iudice, vista a decisão administrativa constante do processo em suporte de papel, verifica-se que a mesma está assinada, manualmente, por BB, ou seja, que na mesma está aposta a assinatura autógrafa “BB”.

Face à assinatura autógrafa aposta na decisão administrativa, e ao estatuído no art. 169º, nº 3 do Código da Estrada e no despacho nº ...19, de 17 de Janeiro, publicado no DR nº 25, Série II, de 05 de Fevereiro, resulta à saciedade, contrariamente ao propugnado de forma inverídica pela arguida, que a decisão administrativa foi proferida por quem tinha legitimidade/competência para a proferir, porquanto pelo referido despacho, o presidente da Autoridade Nacional de Segurança Rodoviária, delegou na Diretora da Unidade de ..., licenciada BB, as competências que lhe estão atribuídas pela alínea c) do n.º 1 do artigo 4.º do Decreto Regulamentar n.º 28/2012, de 12 de março, para proferir decisões administrativas no âmbito dos processos de contraordenações rodoviárias, nomeadamente no que se refere à aplicação de coimas, sanções acessórias, outras medidas disciplinadoras e deveres previstos no Código da estrada e demais legislação aplicável.

Temos pois, que constando da decisão administrativa a assinatura autógrafa de “BB”, Diretora da Unidade de ..., a quem o presidente da ANSR delegou através do despacho nº 1244/2019, de 17 de Janeiro, as competências que lhe estão atribuídas pela alínea c) do n.º 1 do artigo 4.º do Decreto Regulamentar n.º 28/2012, de 12 de março, para proferir decisões administrativas no âmbito dos processos de contraordenações rodoviárias, nomeadamente no que se refere à aplicação de coimas, sanções acessórias, outras medidas disciplinadoras e deveres previstos no Código da estrada e demais legislação aplicável, foi tal decisão proferida por quem tinha legitimidade/competência (legalmente delegada), para tanto.

Pelo exposto, jugo improcedente a arguida “nulidade” da decisão administrativa. ***

Das arguidas nulidades do auto de notícia por contra-ordenação e da decisão administrativa, e     concomitantemente da violação do direito de defesa e inconstitucionalidade da norma do nº 4 do art. 181º do Código da Estrada e/ou, da interpretação que a autoridade administrativa dele fez na decisão administrativa

Nos presentes autos de recurso de contra ordenação veio a arguida recorrer da decisão da autoridade administrativa que lhe aplicou a sanção acessória de inibição de conduzir, especialmente atenuada nos termos do art. 140º do Código da Estrada, pelo período de 30 (trinta) dias, pela prática de uma contra-ordenação, p. e p. pelas disposições conjugadas dos arts. 69º, nº 1 do e 76º, al. a) do Regulamento de Sinalização do Trânsito, aprovado pelo Decreto Regulamentar nº 22-A/98, de 01.10, e arts. 136º, 138º, e 146º, al. l) do Código da Estrada, arguindo a nulidade da decisão administrativa, que quanto à fundamentação a que se refere a alínea b) do n.º 1 do art. 181º do CE (“descrição sumária dos factos, das provas e das circunstâncias relevantes para a decisão.”), o fez por simples remissão para o auto de notícia, nos termos do nº 4 do citado preceito, por completa omissão dos elementos da infracção cometida, designadamente, do local onde a mesma foi (alegadamente) praticada, coartando-lhe assim o seu direito de defesa, tando mais que a infracção pela qual foi condenada terá ocorrido há mais de um ano, à data da decisão, não fazendo a arguida ideia onde é que guardou (se é que guardou) o auto de contra-ordenação, não se recordando sequer de ter recebido o “auto nº ...55”, nem quando, e muito menos se recordando da concreta contra-ordenação que lhe é imputada.

Mais alega que, “no dia 02/10/2018, na “Rua ... (e em nenhuma outra, por isso é que a ora recorrente tem a certeza absoluta do que afirma), o agente autuante que levantou o auto de contra-ordnação referido na decisão de que se recorre não a mandou parar, não apitou, não gesticulou, não se identificou, ou por qualquer outra forma tentou mostrar à ora recorrente que havia praticado um infracção estradal”, como o poderia ter feito, enviando posteriormente o auto para a ora recorrente (que se não recorda do receber), coarctando-lhe assim, o direito de nesse auto indicar as testemunhas que eventualmente a acompanhavam, ou de se recusar a assiná-lo, por com ele não concordar, aproveitando-se assim, de forma grave e abusiva, da presunção legal que sabia assistir-lhe e que, assim, dificilmente poderia já a ora recorrente vir a elidir, como permite a lei.

Que tal comportamento consubstancia um gritante abuso de poder/autoridade/direito por parte do Sr. Agente Autuante e uma brutal injustiça e desigualdade de armas, proibida por lei, pelo que estão o auto de notícia e a decisão de que se recorre feridos de nulidade.

E nem sequer consegue a ora recorrente identificar onde é que terá tal alegada infracção teve lugar, uma vez que a Rua ... (que teve de ir pesquisar para perceber de que Rua ... conjuntos de semáforos em 3 pontos diferentes da rua, desconhecendo inteiramente a ora recorrente, sem qualquer obrigação de conhecer, porquanto nada sobre isso é referido na decisão administrativa, a que “luz vermelha de regulação de trânsito” se quer a decisão administrativa referir, desconhecendo se terá percorrido essa rua ..., ... ou se terá percorrido apenas parte dela, porquanto passou mais de um ano.

Que a falta de indicação de elementos essenciais da alegada infracção, designadamente a falta de indicação do concreto local da alegada infracção e de testemunhas que, sendo possível indicar, se omitiu, determinam também a nulidade do auto de contra-ordenação e da decisão proferida, consubstanciando ainda violação do princípio da legalidade e uma grave diminuição de garantias de defesa do arguido, penal e constitucionalmente consagradas.

Arguiu ainda a inconstitucionalidade da norma do nº 4 do art. 181º do Código da Estrada, por directamente violadora dos artigos 18º, nº 2, 20º, nº 1 e 32º, nº 10 da Constituição da República Portuguesa e dos princípios, penal, contra-ordenacional e constitucionalmente consagrados da proibição da indefesa, do direito ao acesso ao direito e a uma tutela jurisdicional efectiva, o que expressamente se requer seja declarado, devendo ser desaplicada a referida norma no caso concreto.

Ou, a assim se não entender, que se terá de considerar inconstitucional a interpretação do nº 4 do artigo 181º do Código da Estrada que faz a entidade autuante, de que a “remissão da fundamentação” permite a absoluta ausência de indicação da concreta infracção cometida, designadamente, do concreto local onde a mesma foi alegadamente cometida, por violadora dos artigos 18º, nº 2, 20º, nº 1 e 32º, nº 10 da Constituição da República Portuguesa e dos princípios, penal, contra-ordenacional e constitucionalmente  consagrados da proibição da indefesa, do direito ao acesso ao direito e a uma tutela jurisdicional efectiva, pois não permite ao arguido defender-se na fase de recurso.


*

Apreciando e decidindo:

O processamento em matéria de contra-ordenações rodoviárias obedece ao estatuído nos artigos 170.º e seguintes do Código da Estrada.

Prescreve o art. 170º do Código da Estrada que:

“1. Quando qualquer autoridade ou agente de autoridade, no exercício das suas funções de fiscalização, presenciar contraordenação rodoviária, levanta ou manda levantar auto de notícia, o qual deve mencionar:

a) Os factos que constituem a infração, o dia, a hora, o local e as circunstâncias em que foi cometida, o nome e a qualidade da autoridade ou agente de autoridade que a presenciou, a identificação dos agentes da infração e, quando possível, de, pelo menos, uma testemunha que possa depor sobre os factos;

(…)

2 - O auto de notícia é assinado pela autoridade ou agente de autoridade que o levantou ou mandou levantar e, quando for possível, pelas testemunhas.

3 - O auto de notícia levantado e assinado nos termos dos números anteriores faz fé sobre os factos presenciados pelo autuante, até prova em contrário.

(…)

5 - A autoridade ou agente de autoridade que tiver notícia, por denúncia ou conhecimento próprio, de contraordenação que deva conhecer levanta auto, a que é correspondentemente aplicável o disposto nos n.os 1 e 2, com as necessárias adaptações.”.

Prescreve o art. 175º do Código da Estrada (em termos similares ao estatuído no art. 50º do RGCO) que:

“1 - Após o levantamento do auto, o arguido deve ser notificado: a) Dos factos constitutivos da infração;

b) Da legislação infringida e

c) Da que sanciona os factos;

d) Do prazo concedido e do local para a apresentação da defesa, bem como do prazo e local para apresentação do requerimento para atenuação especial ou suspensão da sanção acessória;

e) Da possibilidade de pagamento voluntário da coima pelo mínimo nos termos e com os efeitos estabelecidos no artigo 172.º, da possibilidade de prestação de depósito nos termos e efeitos referidos do artigo 173.º, do prazo e do modo de o efetuar, bem como das consequências do não pagamento;

f) Da possibilidade de requerer o pagamento da coima em prestações, no local e prazo indicados para a apresentação da defesa;

g) Do prazo para identificação do autor da infração, nos termos e com os efeitos previstos nos n.os 3 e 5 do artigo 171.º

2 - O arguido pode, no prazo de 15 dias úteis, a contar da notificação:

a) Proceder ao pagamento voluntário da coima, nos termos e com os efeitos estabelecidos no artigo 172.º;

b) Apresentar defesa e, querendo, indicar testemunhas, até ao limite de três, e outros meios de prova;

c) Requerer atenuação especial ou suspensão da sanção acessória e, querendo, indicar testemunhas, até ao limite de três, e outros meios de prova;

d) Requerer o pagamento da coima em prestações, desde que o valor mínimo da coima aplicável seja igual ou superior a 2 UC.

3 - A defesa e os requerimentos previstos no número anterior devem ser apresentados por escrito, em língua portuguesa e conter os seguintes elementos:

a) Número do auto de contraordenação;

b) Identificação do arguido, através do nome;

c) Exposição dos factos, fundamentação e pedido;

d) Assinatura do arguido ou, caso existam, do mandatário ou representante legal. 4 - O arguido, na defesa deve indicar expressamente os factos sobre os quais incide a prova, sob pena de indeferimento das provas apresentadas.

5 - O requerimento previsto na alínea d) do n.º 2, bem como os requerimentos para consulta do processo ou para identificação do autor da contraordenação nos termos do n.º 3 do artigo 171.º, devem ser apresentados em impresso de modelo aprovado por despacho do presidente da ANSR.

Estatui o art. 176º do mesmo diploma legal que: “1 - As notificações efetuam-se:

a) Por contacto pessoal com o notificando no lugar em que for encontrado;

b) Mediante carta registada com aviso de receção expedida para o domicílio ou sede do notificando;

c) Mediante carta simples expedida para o domicílio ou sede do notificando;

d) Por via eletrónica, para a morada única digital, através do serviço público de notificações eletrónicas.

2 - A notificação por contacto pessoal é efetuada, sempre que possível, no ato da autuação ou, em qualquer outro momento, quando o notificando for encontrado pela entidade competente, independentemente do ato procedimental a notificar.

3 - Na notificação pessoal o arguido pode assinar através de assinatura autógrafa em suporte de papel ou digital, bem como através da leitura de dados biométricos.

4 - A notificação por via eletrónica é efetuada para a morada única digital das pessoas singulares e coletivas que tenham aderido ao serviço público de notificações eletrónicas, nos termos do disposto no Decreto-Lei n.º 93/2017, de 1 de agosto.

5 - Se não for possível, no ato de autuação, proceder nos termos do n.º 2 ou se estiver em causa qualquer outro ato, a notificação pode ser efetuada através de carta registada com aviso de receção, expedida para o domicílio ou sede do notificando”.

O processo de contra-ordenação rodoviária inicia-se oficiosamente mediante participação das autoridades policiais ou fiscalizadoras, procedendo, após, a entidade competente, no caso a ANSR, à sua investigação e instrução, finda a qual arquivará o processo ou aplicará uma coima e/ou sanção.

Ou seja, a participação ou auto de notícia, dá início à investigação e instrução do processo, com vista à eventual aplicação da sanção.

É durante a instrução que tem aplicação o disposto no artigo 50º, do RGCO, sobre o direito de audição e defesa do arguido, normativo que no âmbito das contraordenações rodoviárias tem a sua densificação no art. 175º, nº 1 e 2, al. b) do Código da Estrada.

Finda a instrução, se se concluir pela condenação, então deve ser proferida decisão pela entidade administrativa, decisão que deve observar, no caso, o formalismo do artigo 181º do Código da Estrada.

Dispõe o artigo 50.º do RGCO que “Não é permitida a aplicação de uma coima ou de uma sanção acessória sem antes se ter assegurado ao arguido a possibilidade de, num prazo razoável, se pronunciar sobre a contra-ordenação que lhe é imputada e sobre a sanção ou sanções em que incorre”, normativo que no âmbito das contraordenações rodoviárias tem a sua densificação no art. 175º, nº 1 e 2, al. b) do Código da Estrada.

Os direitos de audiência e de defesa do arguido em processo de contra-ordenação estão expressamente assegurados pelo n.º 10 do artigo 32.º da CRP.

Como referem Simas Santos e Jorge Lopes de Sousa, em Contra-Ordenações – Anotações ao Regime Geral, artigo 50º, “o arguido tem direito de pronunciar-se não só sobre os factos que lhe são imputados, mas também sobre o seu enquadramento jurídico e sobre a sanção ou sanções que lhe podem ser aplicadas (…)”.

Garantem-se nestes preceitos legais o direito de audição e defesa do arguido, em suma, o exercício do contraditório.

Um efectivo direito de defesa pressupõe o conhecimento pelo arguido de todos os elementos relevantes, a saber, os factos que lhe são imputados e a sanção em que incorre.

O conteúdo obrigatório do auto de notícia por contra-ordenações rodoviárias está definido no art. 170º do CE acima transcrito.

Como se exara no acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 06.12.2017, in www.dgsi.pt., no auto de notícia “devem ser relatados os factos materiais sensorialmente perceptíveis que constituem a contra-ordenação, especificando-se o dia, a hora, o local, e as circunstâncias em que foram cometidos, bem como a identificação do arguido, dos ofendidos e do autuante. Devendo do mesmo ainda constar a referência às disposições legais que prevêem e punem a infracção, bem como a coima e sendo caso a sanção acessória (…).

O que o agente autuante deve verter no auto de notícia é o que observa, o que verifica e atesta, isto é, factos, comportamentos, situações”.

O auto de notícia deve, por conseguinte, considerar-se perfeito com a relação dos factos da infração e os elementos constantes dos normativos violados.

Ora visto o auto de notícia nº ...55 que deu origem à instauração dos presentes autos de contra-ordenação, no qual consta que a infracção foi presenciada pelo agente autuante, verifica-se que o mesmo contém todos os elementos exigidos pelo citado art. 170º do Código da Estrada.

Com efeito, no mesmo se identificam as circunstâncias de modo, tempo e lugar da ocorrência dos factos, que nele vem identificado, pela matrícula, e tipo, o veículo, que nele vem identificada a arguida, o agente autuante e a testemunha, e nele vêm descritos os factos que constituem a contra-ordenação cuja prática se indicia, e ainda, as normas legais violadas e a coima e sanção acessória aplicáveis.

Com efeito nele se exara, no que ora interessa: “INFRACÇÃO”:

“Data: 02/10/2018

Local: Rua ... COM A RUA ... -...

Comarca: ...          Distrito: ...

Descrição Sumária: Por à data, hora e local acima mencionados, ter desrespeitado a obrigação de parar imposta pela luz vermelha de regulação do trânsito (…)».

As indicações exigidas pelo art. 170º do Código da Estrada foram feitas, em termos precisos e concretos, constando no auto de notícia descriminados os factos materiais, sensorialmente percepcionados pela autoridade autuante, que constituem a imputada contra-ordenação, especificando-se o dia, a hora, o local, e as circunstâncias em que foram cometidos, bem como a identificação do veículo, da arguida, e do autuante, e ainda a referência às disposições legais que prevêem e punem a infracção, e a coima e sanção acessória aplicáveis, sendo o plasmado no auto de notícia o necessário e suficiente para permitir à arguida o exercício do seu direito de defesa.

Documenta-se nos autos, que a arguida foi notificada por carta registada com aviso de recepção assinado pela própria no dia 21.05.2019, ademais, para apresentar a sua defesa na fase preliminar do procedimento contra-ordenacional, com envio da cópia do auto de contraordenação nº ...55, não tendo a mesma usado da faculdade que lhe assistia de apresentar defesa (tendo pago voluntariamente a coima), tendo-se assim dado cumprimento ao disposto no art. 175º, nºs 1 e 2, al. b), do Código da Estrada (e art. 50º do RGCO).

E, tal notificação foi válida e regularmente efectuada.

Com efeito, documenta-se nos autos que a arguida foi notificada mediante carta registada com aviso de receção expedida para o seu domicilio, nos termos estatuídos e permitidos pelo art. 176º, nº 1, al. b) do Código da Estrada, tendo a própria assinado o respectivo aviso de recepção, em 21.05.2019, como se documenta nos autos.

Não se verifica, pois, violação do direito de audição e de defesa da arguida, em suma, ofensa do direito de defesa (contraditório) da arguida, nem qualquer violação dos princípios da legalidade, e de direito ao acesso ao direito e a uma tutela jurisdicional efectiva.

O facto de a arguida, como alega, não se recordar da concreta contra-ordenação que lhe é imputada, de não fazer ideia onde é que guardou o auto de contra-ordenação, nem se recordar sequer de ter recebido o “auto nº ...55”, como é evidente, é irrelevante para a questão.

O que é relevante para o efectivo direito de defesa do arguido, é conhecer todos os factos que lhe são imputados, bem como toda e qualquer circunstância relevante para a determinação da sanção aplicável, na comunicação prévia da imputação destinada a assegurar a defesa do arguido, ou seja a notificação do auto de noticia, que contenha as menções prescritas no art. 170º do CE, como no caso sucede.

O que legalmente, e constitucionalmente, se impõe à autoridade administrativa, na fase de investigação e instrução em processo contraordenacional é dar ao conhecimento ao arguido dos factos que lhe são imputados, bem como toda e qualquer circunstância relevante para a determinação da sanção aplicável, ou seja do auto de notícia, dando-lhe assim a oportunidade para apresentar a sua defesa, requerendo a prática de diligências que considere necessárias caso o pretenda, designadamente arrolando testemunhas.

Por outro lado, cumpre referir que o facto de o infractor não ser interceptado pelo agente autuante no momento da prática da infracção, não o notificando do auto de notícia no momento da autuação, em nada contende, como é óbvio, com qualquer violação do direito de defesa da arguida, nem consubstancia qualquer “gritante abuso de poder/autoridade/direito por parte do Sr. Agente Autuante e uma brutal injustiça e desigualdade de armas, proibida por lei”.

O que a lei impõe, é que quando qualquer autoridade ou agente de autoridade, no exercício das suas funções de fiscalização, presenciar contraordenação rodoviária, levante ou mande levantar auto de notícia, com as menções prescritas no art. 170º, nº 1, al. a) do CE, como decorre do disposto no citado normativo legal, e não que “mande parar” o infractor, que lhe “apite”, que “gesticule”, ou que “por qualquer outra forma tente mostrar ao infractor que praticou uma infracção estradal”, tanto mais, acrescente-se, que nem sempre é possível ao agente autuante que presencia infração rodoviária (nomeadamente, ante as regras da experiência comum, em situações de desrespeito da obrigação de parar imposta pela luz vermelha de regulação do trânsito), mandar parar o infractor e notificá-lo no acto da autuação do auto de notícia.

Ademais, decorre à saciedade do preceituado no art. 176º, nº 1 do CE, que as notificações nos termos e para os efeitos do disposto no art. 175º do mesmo diploma, podem efectuar-se pelas seguintes formas:

a) Por contacto pessoal com o notificando no lugar em que for encontrado;

b) Mediante carta registada com aviso de receção expedida para o domicílio ou sede do notificando;

c) Mediante carta simples expedida para o domicílio ou sede do notificando;

d) Por via eletrónica, para a morada única digital, através do serviço público de notificações eletrónicas.

Dispondo o nº 2 do mesmo preceito que a notificação por contacto pessoal é efetuada, sempre que possível, no ato da autuação ou, em qualquer outro momento, quando o notificando for encontrado pela entidade competente, independentemente do ato procedimental a notificar; e, se não for possível, no ato de autuação, proceder nos termos do n.º 2, a notificação pode ser efetuada através de carta registada com aviso de receção, expedida para o domicílio ou sede do notificando, conforme dispõe o nº 5 do mesmo preceito.

Resulta, pois à saciedade dos citados normativos legais, que a lei não impõe a obrigatoriedade da notificação por contacto pessoal no ato da autuação (dispondo o nº 2 do art. 176º que “a notificação por contacto pessoal é efetuada, sempre que possível, no ato da autuação”, e o seu nº 5 que “se não for possível, no ato de autuação, proceder nos termos do n.º 2, a notificação pode ser efetuada através de carta registada com aviso de receção, expedida para o domicílio ou sede do notificando”).

No caso, tenho a arguida sido notificada do auto de notícia, e nos termos e para os efeitos do disposto no art. 175º do CE, por carta registada com viso de recepção, que a própria assinou, tal notificação é válida e regular, não consubstanciando a notificação assim efectuada, qualquer violação do direito de defesa da arguida, nem abuso de poder/autoridade/direito por parte do agente autuante, nem qualquer violação da lei, pois com tal notificação, legalmente válida e regular, foi dada à arguida, como o impõe a lei e a constituição, a oportunidade para apresentar a sua defesa, requerendo a prática de diligências que considerasse necessárias caso o pretendesse, designadamente arrolando testemunhas, o que optou por não fazer.

Não ocorre, pois, qualquer nulidade do auto de notícia, nem qualquer violação do direito de audição e defesa da arguida, legal e constitucionalmente consagrados, nem qualquer ilegalidade, nem qualquer abuso de poder/direito.

Isto posto.

Finda a instrução, se se concluir pela condenação, então deve ser proferida decisão pela autoridade administrativa, decisão que, em caso de contra-ordenação rodoviária, deve observar o formalismo do artigo 181º do Código da Estrada.

No caso vertente foi elaborado auto de contra-ordenação relativamente a infracção rodoviária punível com coima e sanção acessória de inibição de conduzir, sendo que a arguida, notificada nos termos e para os efeitos do disposto nos art. 175º, e 176º do CE, com envio de cópia de tal auto, não apresentou defesa, mas procedeu ao pagamento voluntário da coima.

O processo prosseguiu nos termos do disposto no art. 172º, nº 4 do Código da Estrada, que dispõe que o pagamento voluntário da coima determina o arquivamento do processo, salvo se à contra-ordenação for aplicável sanção acessória, caso em que prossegue restrito à aplicação da mesma, ou se for apresentada defesa, tendo a autoridade administrativa competente proferido decisão condenatória, que aplicou à arguida a sanção acessória de inibição de conduzir pelo período de 30 dias.

Dispõe o artigo 181º do Código da Estrada que:

“1 - A decisão que aplica a coima ou a sanção acessória deve conter: a) A identificação do infrator;

b) A descrição sumária dos factos, das provas e das circunstâncias relevantes para a decisão;

c) A indicação das normas violadas; d) A coima e a sanção acessória;

e) A condenação em custas.

2 - Da decisão deve ainda constar que:

a) A condenação se torna definitiva e exequível se não for judicialmente impugnada por escrito, constando de alegações e conclusões, no prazo de 15 dias úteis após o seu conhecimento e junto da autoridade administrativa que aplicou a coima;

b) Em caso de impugnação judicial, o tribunal pode decidir mediante audiência ou, caso o arguido e o Ministério Público não se oponham, mediante simples despacho.

3 - A decisão deve conter ainda:

a) A ordem de pagamento da coima e das custas no prazo máximo de 15 dias úteis após a decisão se tornar definitiva;

b) A indicação de que, no prazo referido na alínea anterior, pode requerer o pagamento da coima em prestações, nos termos do disposto no artigo 183.º

4 - Não tendo o arguido exercido o direito de defesa, a fundamentação a que se refere a alínea b) do n.º 1 pode ser feita por simples remissão para o auto de notícia”.

Tem o seguinte teor, no que ora importa, a decisão administrativa proferida nos presentes autos:

«1. Conforme auto de contra-ordenação nº ...55, que aqui se dá por integralmente reproduzido para os devidos efeitos legais, nos termos do disposto no nº 4 do art. 181º do Código da Estrada, levantado pela Polícia da Câmara Municipal ..., o (a) arguido (a) AA (…) vem acusado (a) do seguinte:

No dia 2018/10/02, pelas 10:32 no local Rua ..., ... (C) – ... (…) ..., mediante a condução do veículo ..., com a matrícula ..-PS-.., foi praticada a seguinte infracção: o condutor não parou perante a luz vermelha de regulação do trânsito antes de atingir a zona regulada pelo sinal.

2. No dia 2019/05/21 foi o (a) arguido(a) notificado (a) conforme resulta dos autos nos termos dos arts. 175º e 176º do Código da Estrada. O (A) arguido(a) não apresentou defesa mas efectuou o pagamento voluntário da coima.

(…)

4. O auto de contra-ordenação faz fé em processo de contra-ordenação, até prova em contrário, quanto aos factos presenciados pela autoridade autuante, quando levantado nos termos dos nºs 1 e 2 do artigo 170º do Código da Estrada (…)

No caso verifica-se que os pressupostos daquela disposição legal foram observados.

5. Face aos elementos existentes no processo, consideram-se provados os factos constantes do auto de contra-ordenação.

6. Os factos descritos e provados levam a concluir que a infração foi praticada a título de negligência, nos termos do art. 133º do Código da Estrada, porquanto não agiu com o cuidado a que estava legalmente obrigado (…)”.

Por uma questão de precedência lógica começar-se-á por apreciar a arguida inconstitucionalidade da norma do nº 4 do art. 181º do CE, e/ou a interpretação que dele fez a autoridade administrativa na decisão, já que a ocorrer tal inconstitucionalidade, tal terá como consequência a recusa de aplicação de tal norma.

Como supra expendido, o artigo 181.º, do Código da Estrada, incluindo o seu nº 4, regula o conteúdo obrigatório da decisão administrativa condenatória em matéria de contra-ordenações rodoviárias.

No citado artigo 181º do Código da Estrada, enunciou-se o conteúdo obrigatório da decisão administrativa condenatória, nomeadamente a necessidade de a mesma conter a descrição sumária dos factos, das provas e das circunstâncias relevantes para a decisão (nº 1, al. b).

Tal exigência visa garantir os direitos de defesa do arguido, designadamente a possibilidade efectiva de impugnação judicial da decisão administrativa.

Permite o nº 4 do citado art. 181º, do Código da Estrada, que “não tendo o arguido exercido o direito de defesa, a fundamentação a que se refere a alínea b) do n.º 1 pode ser feita por simples remissão para o auto de notícia.”

Ora, como se decidiu no acórdão do Tribunal Constitucional de , in www.dgsi.pt, que julgou não inconstitucional a norma constante do artigo 181.º, n.º 4, do Código da Estrada (certo é que por questão diversa da dos presentes autos, mas cuja fundamentação no caso vertente tem inteira aplicabilidade) «Esta forma de fundamentação da decisão administrativa de aplicação duma coima, no plano restrito da matéria de facto, continua a permitir que o acoimado tenha um conhecimento perfeito e completo dos factos e das provas que foram considerados para o condenar, uma vez que do auto de notícia devem constar “os factos que constituem a infracção, o dia, a hora, o local e as circunstâncias em que foi cometida, o nome e a qualidade da autoridade que a presenciou, a identificação dos agentes da infracção e, quando possível, de, pelo menos uma testemunha que possa depor sobre os factos”, (artigo 170.º, do C.E.), elementos que são notificados ao arguido para este apresentar a sua defesa perante a entidade administrativa competente para a aplicação da coima (artigo 175.º, do C.E.). A fundamentação das decisões efectuada por remissão para outras peças do processo é uma técnica que se tem vindo a introduzir nos mais diferentes regimes processuais e que visa evitar o desperdício de tempo com a reprodução de textos que já constam do processo onde a decisão é proferida, sem prejuízo do respeito pelo dever de fundamentação e da sua cognoscibilidade pelo interessado».

A exigência do conteúdo da decisão administrativa constante do art. 181º, nº 1, al. b) do Código da Estrada (“descrição sumária dos factos, das provas e das circunstâncias relevantes para a decisão.”), não se estende à forma pela qual ela deve ser cumprida, desde que a forma escolhida não ponha em causa as finalidades visadas com essa exigência: a possibilidade do acoimado conhecer quais os factos por cuja prática lhe foi aplicada a coima e as respectivas provas (vide acórdão citado).

Assim, e não tendo o arguido exercido o direito de defesa, a “descrição sumária dos factos, das provas e das circunstâncias relevantes para a decisão”, pode ser feita através de remissão para outra peça processual donde conste essa descrição, no caso, o auto de notícia, uma vez que deste devem constar “os factos que constituem a infracção, o dia, a hora, o local e as circunstâncias em que foi cometida, o nome e a qualidade da autoridade que a presenciou, a identificação dos agentes da infracção e, quando possível, de, pelo menos uma testemunha que possa depor sobre os factos”, (artigo 170.º, do C.E.), elementos que são notificados ao arguido para este apresentar a sua defesa perante a entidade administrativa competente para a aplicação da coima (artigo 175.º, do C.E.), permitindo assim, o normativo ínsito no nº 4 do art. 181º do Código da Estrada, que o arguido tenha um conhecimento perfeito e completo dos factos e das provas que foram considerados para o condenar, sendo a fundamentação das decisões efectuada por remissão para outras peças do processo uma mera técnica que se tem vindo a introduzir nos mais diferentes regimes processuais e que visa evitar o desperdício de tempo com a reprodução de textos que já constam do processo onde a decisão é proferida.

Temos, pois, que contrariamente ao propugnado pela arguida, a norma do nº 4 do art. 181º do Código da Estrada, respeita as garantias de defesa do arguido, os direitos de audição e defesa do arguido, e controlo jurisdicional efectivos, não restringindo quaisquer direitos, liberdades e garantias, nem direitos adquiridos, em respeito, portanto, com as normas constitucionais, designadamente as invocadas pela arguida - arts. 18º, nº 2, 20º, nº 1 e 32º, nº 10 da Constituição da República Portuguesa, pelo que se julga improcedente a arguida inconstitucionalidade.

E igual forma, e revertendo aqui as precedentes considerações, a interpretação que a autoridade administrativa na pessoa do seu decisor fez na decisão administrativa da norma do nº 4 do art. 181º não padece de qualquer inconstitucionalidade, designadamente das invocadas pela arguida, pois respeitou o dever de fundamentação que a mesma impõe, e a sua cognoscibilidade pela arguida, pelo que se julga improcedente a arguida inconstitucionalidade.

Isto posto.

Vista a decisão em causa proferida pela autoridade administrativa competente, resulta que a mesma observa todos os requisitos impostos por lei, pois, cumpre os requisitos estabelecidos no artigo 181º, do Código da Estrada.

Relativamente à falta de indicação concreta e precisa do local da prática da imputada infracção, recorde-se que preceitua o art. 181º, nº 4 do CE que “Não tendo o arguido exercido o direito de defesa, a fundamentação a que se refere a alínea b) do n.º 1 pode ser feita por simples remissão para o auto de notícia”.

No caso, a arguida notificada para tanto pela autoridade administrativa, não exerceu o direito de defesa, pelo que, face ao estatuído no art. 181º, nº 4 do CE, estava a ANSR legitimada, na decisão que proferiu quanto à fundamentação a que se refere a al. b) do nº 1 do citado preceito legal, a fazê-lo por remissão para o auto de notícia.

E, foi o que fez como resulta da leitura dessa decisão onde se plasmou, no que ora interessa: «Conforme auto de contra-ordenação nº ...55, que aqui se dá por integralmente reproduzido para os devidos efeitos legais, nos termos do disposto no nº 4 do art. 181º do Código da Estrada, levantado pela Polícia da Câmara Municipal ..., o (a) arguido (a) AA (…) vem acusado (a) do seguinte:

No dia 2018/10/02, pelas 10:32 no local Rua ..., ... (C) – ... (…) ..., mediante a condução do veículo ..., com a matrícula ..-PS-.., foi praticada a seguinte infracção: o condutor não parou perante a luz vermelha de regulação do trânsito antes de atingir a zona regulada pelo sinal.».

E, mais adiante, consignou: «Face aos elementos existentes no processo, consideram-se provados os factos constantes do auto de contra-ordenação».

Ora, no auto de contra-ordenação plasmou-se: “INFRACÇÃO”:

“Data: 02/10/2018

Local: Rua ... COM A RUA ... -...

Comarca: ...          Distrito: ...

Descrição Sumária: Por à data, hora e local acima mencionados, ter desrespeitado a obrigação de parar imposta pela luz vermelha de regulação do trânsito (…)».

No caso concreto, a decisão administrativa, descreve os factos que são imputados à arguida, e remete expressamente para o auto de contra-ordenação, cujo conteúdo nessa decisão deu por integralmente reproduzido, “nos termos do disposto no nº 4 do art. 181º do Código da Estrada”, ou seja, deu como provados os factos que resultam do auto de notícia, no qual vem identificado o local da prática da imputada infracção.

Temos, pois, que a decisão administrativa contém narração completa da materialidade da infracção, mostrando-se integralmente cumprida a fundamentação de facto exigida pela alínea b), do n.º 1, do artigo 181.º, do Código da Estrada: a descrição sumária dos factos, ainda que por remissão para o auto de notícia como é permitido pelo art. 181º, nº 4 do CE, as provas e das circunstâncias relevantes para a decisão.

O plasmado no auto de contra-ordenação, e reproduzido por remissão (parcialmente) na decisão administrativa em questão era suficiente para permitir à arguida o exercício do seu direito de defesa.

Cumpre, ademais salientar, que quanto ao direito de mera ordenação social, uma decisão proferida num processo de carácter contra-ordenacional não pode ser avaliada sob a mesma perspectiva ou com o mesmo crivo que seria utilizado para a apreciação de uma sentença criminal. Neste tipo de processos «o que deverá ser patente para o arguido são as razões de facto e de direito que levaram à sua condenação, possibilitando-lhe um juízo de oportunidade sobre a conveniência da impugnação judicial e, simultaneamente, e já em sede de impugnação judicial possibilitar ao tribunal conhecer o processo lógico da formação da decisão administrativa» (Ac. do Tribunal da Relação de Coimbra, de 04/06/2003, in Colectânea de Jurisprudência, 2003, Tomo III, pág. 40).

Ora, o plasmado na decisão administrativa em questão, e auto de notícia, era suficiente para permitir à arguida o exercício do seu direito de defesa, que assim não foi coarctado.

Concluindo, temos que na decisão administrativa se mostra integralmente cumprida a fundamentação de facto exigida pela alínea b), do n.º 1, do artigo 181.º, do Código da Estrada (A descrição sumária dos factos, das provas e das circunstâncias relevantes para a decisão), satisfazendo a decisão administrativa todos os demais requisitos discriminados no artigo 181.º, do Código Estrada.

Pelo exposto, julgo improcedente a arguida nulidade da decisão administrativa. ***

Da alegada falta de fundamento legal para a aplicação da subtração de pontos prevista no artigo 148º do Código da Estrada, e concomitantemente, inconstitucionalidade desta norma.

Alega a arguida que, sem razão ou fundamento legal, foi duplamente sancionada com duas sanções acessórias - inibição de conduzir, e subtração de 4 pontos - sanções que ultrapassam largamente a medida da sua culpa (que, na verdade, nem existe).

Que a subtracção determinada configura uma verdadeira sanção acessória, que foi aplicada automaticamente e em simultâneo com a única sanção acessória fixada para a prática das contra-ordenações graves e muito graves, que é a inibição de conduzir, para além da pena de multa, o que é completamente desproporcional face à infracção cometida, ultrapassando

largamente a medida da culpa da recorrente, não havendo qualquer justificação ou fundamento para a acumulação das duas sanções – inibição de conduzir e subtracção de pontos.

Que a aplicação de pena de multa e a acumulação das duas sanções, previstas, respectivamente, nos artigos 147º e 148º do Código da Estrada é ilegal e inconstitucional, por violação dos princípios da proporcionalidade e da adequação, pelo que não podem, nem devem ser aplicadas ambas as sanções.


*

Cumpre previamente referir, que contrariamente ao aduzido pela arguida, a ANSR na decisão administrativa que proferiu, não aplicou à arguida qualquer subtração de pontos prevista no art. 148º do CE., limitando-se, no final da decisão a advertir a arguida de que a definitividade dessa decisão, determina a subtracção de 4 pontos, nos termos do disposto no art. 148º do Código da Estrada.

Dispõe o art. 138º, nº 1 do Código da Estrada que “As contraordenações graves e muito graves são sancionáveis com coima e com sanção acessória”, sendo que nos termos do disposto no art. 147º, nº 1 do mesmo diploma, “A sanção acessória aplicável aos condutores pela prática de contraordenações graves ou muito graves previstas no Código da Estrada e legislação complementar consiste na inibição de conduzir”.

Dispõe o artigo 148.º do Código da Estrada, sob a epígrafe “Sistema de pontos e cassação do título de condução”:

“1 - A prática de contraordenação grave ou muito grave, prevista e punida nos termos do Código da Estrada e legislação complementar, determina a subtração de pontos ao condutor na data do caráter definitivo da decisão condenatória ou do trânsito em julgado da sentença, nos seguintes termos:

a) A prática de contraordenação grave implica a subtração de três pontos, se esta se referir a condução sob influência do álcool, excesso de velocidade dentro das zonas de coexistência ou ultrapassagem efetuada imediatamente antes e nas passagens assinaladas para a travessia de peões ou velocípedes, e de dois pontos nas demais contraordenações graves;

b) A prática de contraordenação muito grave implica a subtração de cinco pontos, se esta se referir a condução sob influência do álcool, condução sob influência de substâncias psicotrópicas ou excesso de velocidade dentro das zonas de coexistência, e de quatro pontos nas demais contraordenações muito graves.

2 - A condenação em pena acessória de proibição de conduzir e o arquivamento do inquérito, nos termos do n.º 3 do artigo 282.º do Código de Processo Penal, quando tenha existido cumprimento da injunção a que alude o n.º 3 do artigo 281.º do Código de Processo Penal, determinam a subtração de seis pontos ao condutor.

3 - Quando tiver lugar a condenação a que se refere o n.º 1, em cúmulo, por contraordenações graves e muito graves praticadas no mesmo dia, a subtração a efetuar não pode ultrapassar os seis pontos, exceto quando esteja em causa condenação por contraordenações relativas a condução sob influência do álcool ou sob influência de substâncias psicotrópicas, cuja subtração de pontos se verifica em qualquer circunstância.

4 - A subtração de pontos ao condutor tem os seguintes efeitos:

a) Obrigação de o infrator frequentar uma ação de formação de segurança rodoviária, de acordo com as regras fixadas em regulamento, quando o condutor tenha cinco ou menos pontos, sem prejuízo do disposto nas alíneas seguintes;

b) Obrigação de o infrator realizar a prova teórica do exame de condução, de acordo com as regras fixadas em regulamento, quando o condutor tenha três ou menos pontos;

c) A cassação do título de condução do infrator, sempre que se encontrem subtraídos todos os pontos ao condutor.

(…)”.

Como se expende no acórdão do TR do Porto, de 09 de maio de 2018, in www.dgsi.pt. das normas dos nºs 1 e 2 do citado preceito resulta claramente «que é a prática de contraordenações graves ou muito graves que determina a perda de pontos para efeitos de uma possível cassação do título de condução, a que alude o nº 4, al. c), do mesmo artigo. Por isso só também com o caráter definitivo da decisão condenatória ou o trânsito em julgado da sentença é que esse efeito de perda de pontos ocorre. Sendo bom de ver, portanto, que o efeito de perda de pontos, decorre diretamente da verificação, num plano jurídico-substantivo, de uma determinada contraordenação, isto é, da prática de um facto ilícito típico, censurável no qual se comine uma coima – art.º 1º do Regime Geral das Contraordenações, aprovado pelo DL nº 433/82, de 27/10 – independentemente da coima concretamente aplicada ou do grau de culpa do respetivo condutor concretamente apurado.

Em perfeita harmonia com os preceitos citados, diz o nº 2 do mesmo artigo que a condenação em pena acessória de proibição de conduzir e o arquivamento do inquérito, nos termos do n.º 3 do artigo 282º do Código de Processo Penal, quando tenha existido cumprimento da injunção a que alude o n.º 3 do artigo 281.º do Código de Processo Penal, determinam a subtração de seis pontos ao condutor.

Ou seja, mais uma vez, agora de uma forma implícita, a perda de pontos é consequência da prática de uma infração, com reflexos na condução estradal, agora de natureza penal. Daí também a perda de pontos ser maior do que relativamente às contraordenações graves e muito graves. Circunstância que na projeção futura que os efeitos de tais condenações possam vir a ter, numa eventual cassação da carta de condução, evidencia o respeito que na atribuição de perda de pontos se teve pelo princípio da proporcionalidade, e nomeadamente na relação que resulta estabelecida entre a quantidade e qualidade das infrações cometidas, enquanto fundamento possível daquela cassação.

(…)

Ora, o sistema de pontos traduz apenas uma técnica utilizada pelo legislador para sinalizar em termos de perigosidade os efeitos que determinadas condutas ilícitas penais ou contraordenacionais podem vir ou não a ter no futuro, no que toca a uma eventual reavaliação da autorização administrativa habilitante ou licença de condução de veículos automóveis, atribuída a um determinado particular, reavaliação essa que poderá culminar com a aplicação de uma medida de segurança, mais precisamente com a decisão de cassação da respetiva carta de condução. Decisão esta que tem caráter administrativo e pressupõe um juízo prévio de inaptidão para o exercício da condução, assente fundamentalmente no número e gravidade daquelas condutas ilícitas e do decurso do tempo que sobre elas se vier a verificar, nomeadamente e também para efeitos de recuperação ou não de pontos, nos temos do disposto no art.º 121º-A e 148º, nºs 5 e 7, do CE. Visando assim tal sistema apenas registar e evidenciar, através de um registo central, com um sentido claramente pedagógico, de satisfação de necessidades de prevenção, fundamentalmente de ressocialização, os efeitos penais ou contraordenacionais das infrações cometidas, segundo a respetiva gravidade, tendo fundamentalmente em conta, não as sanções aplicadas, mas as próprias infrações, como vimos supra. Sendo que o efeito que possam ter para a determinação da cassação da carta, em virtude de uma eventual perda total de pontos, nos termos do art.º 148º, nº 4, al. c), do CE, é  apenas o de facilitação do cálculo do número de infrações cometidas e da sua gravidade, sendo certo que um tal resultado nunca será à partida certo, porquanto o próprio decurso do tempo e a posterior conduta do condutor tornarão contingentes os efeitos que daquelas infrações possam materialmente resultar, designadamente para a tal eventual cassação da carta, já que é a própria lei a prever que aos 12 pontos de que dispõe cada condutor, poderão ainda acrescer mais três, até ao limite máximo de 15 pontos, sempre que no final de cada período de três anos não exista registo de contraordenações graves ou muito graves ou crimes de natureza rodoviária no registo de infrações, ou ainda um ponto mais em cada período correspondente à revalidação da carta de condução, sem que exista registo de crimes de natureza rodoviária, não podendo ser ultrapassado o limite máximo de dezasseis pontos, sempre que o condutor de forma voluntária proceda à frequência de ação de formação, de acordo com as regras fixadas em regulamento.

Quer dizer, o sistema de pontos tem um sentido essencialmente pedagógico, seja pela subtração de pontos efetuada proporcionalmente em função da gravidade de uma infração concretamente cometida, seja pela sua concessão, nos termos supra referidos, estimulando desse modo o condutor para comportamentos estradais de índole positiva, sendo que aquela subtração, (…), ocorre como efeito automático da infração cometida, sem que assuma, no entanto, em si, qualquer natureza sancionatória, sendo apenas reflexo ou um índice da gravidade da infração cometida e do relevo que esta possa ter no somatório de outras, tendo em vista aferir a dada altura a perigosidade do titular da licença de condução, em termos de saber se esta última se deve ou não manter, nos termos em que foi concedida pela administração. O sistema de pontos será assim também um sistema que permitirá à administração aferir se o titular da licença de condução reúne ou não as condições legais para poder continuar a beneficiar dela. Inserir-se-á, portanto, tal desidrato, no âmbito dos poderes de administração do Estado. Aliás, tanto a atribuição da licença de condução, em função da qual a lei faz conceder ao respetivo titular os referidos 12 pontos, como a sua cassação, pela perda de todos os pontos, mas perda esta que tem materialmente subjacente a condenação ou a verificação prévia de infrações contraordenacionais ou penais, nos termos supra referidos, traduzem decisões de caráter administrativo: a primeira um ato administrativo permissivo de  conteúdo positivo,[2] ou mais precisamente autorização permissiva expressa na licença ou carta de condução, ou habilitação, relativa a direito cujo exercício “pode importar em sacrifícios especiais para um quadro de interesses públicos que convém acautelar”, entendendo o legislador introduzir limitações no exercício da liberdade individual de modo a garantir em certas atividades um determinado padrão de competência técnica, fazendo-o através de atos que são pressuposto da atribuição daquela licença de condução[3]; enquanto que a segunda se traduz numa medida de segurança, também de caráter administrativo, que pressupõe um juízo prévio de inaptidão para o exercício da condução, relativamente a alguém que já havia obtido a concessão de autorização-habilitação para conduzir, mas cujas condutas, material e processualmente determinadas, com respeito pela estrutura acusatória do processo, assim como pelas garantias de defesa e controlo jurisdicional efetivos, vieram revelar a existência daquela inaptidão, e em respeito, portanto, das normas constitucionais, designadamente das invocadas pelo recorrente - art.ºs 2º, 18º, nº 2, 20º, nº 1, 29º, nº 1, 30º, nº 4, 32º, nºs 1, 4, 5 e 10, 202º, nº 2, e 219º, nº 1, da CRP. E sendo tais condutas o fundamento material da cassação que eventualmente venha a ser determinada e não propriamente a atribuição de pontos, sendo estes somente o índice ou uma tradução numérica daquela gravidade, ainda por cima de um modo que resulta ser proporcionado àquela gravidade, não vislumbramos onde possa estar a inconstitucionalidade das normas dos artºs 148º, nºs 1 e 2, 149º, nºs 1, al. c), e 2, do CE, 281º, nº 3, do Código de Processo Penal, bem como dos art.ºs 4º, nº 1, al. e), f), nº 3, al. e) e aa), 6º, nºs 2, 5 e 6 do DL nº 317/94».

Como se plasma no mesmo acórdão, a perda de pontos não reveste a natureza de pena/sanção acessória.

E no acórdão proferido pelo mesmo Tribunal da Relação do Porto, em 12.05.2021, in www.dgsi.pt, se acrescenta que “a perda de pontos não é uma coima, nem uma sanção acessória, mas apenas um sinal decorrente da condenação sofrida de que o condutor se revela perigoso no exercício da condução”

Neste acórdão mais se expende, que “(…) o legislador no referido sistema de pontos procurou um regime adequado ao princípio da proporcionalidade e adequação à gravidade da infracção, sendo a subtracção de pontos efectuada em termos proporcionais à gravidade da infracção cometida

(…)

o direito de conduzir viaturas automóveis em vias públicas não é um direito inato e absoluto, e por isso, carece de regulamentação e só pode ser exercido por quem se encontra habilitado para o efeito.

Trata-se de uma actividade que pode tornar-se perigosa para a segurança dos restantes utentes das estradas e por esse motivo, tem de ser sujeita a um, permanente e justificado, controlo das condições da sua manutenção.

A conservação do título de condução fica, pois, sujeita à adopção de um correcto comportamento rodoviário.

A ANSR é a entidade competente para a emissão das licenças que habilitam ao exercício da condução e também para a fiscalização de que as condições para esse exercício se mantêm inalteradas.

Verificando-se a perda de pontos o Presidente da ANSR actua sem qualquer discricionariedade na emissão da declaração de cassação, uma vez que tal perda operada em consequência das condenações sofridas, sinaliza o condutor em causa como detentor de um grau de perigosidade tal que o impede de continuar a exercer o direito a conduzir. Não se trata de perder um direito adquirido, porque tal direito nunca foi absoluto e incondicional, estando sujeito a condições e a controlo perpétuo.  Assim, não se verifica a violação do citado art. 30 nº4 da CRP».

Concluindo, de novo parafraseando o expendido nos citados acórdãos:

É a prática de contraordenações graves ou muito graves, a condenação em pena acessória de proibição de conduzir e o arquivamento do inquérito, nos termos do n.º 3 do artigo 282º do Código de Processo Penal, quando tenha existido cumprimento da injunção a que alude o n.º 3 do artigo 281.º do Código de Processo Penal, que determinam a perda de pontos para efeitos de uma possível cassação do título de condução, ocorrendo o efeito da perda de pontos, independentemente da coima concretamente aplicada ou do grau de culpa do respetivo condutor concretamente apurado.

Só com o caráter definitivo da decisão condenatória ou o trânsito em julgado da sentença é que esse efeito de perda de pontos ocorre.

O legislador no referido sistema de pontos procurou um regime adequado ao princípio da proporcionalidade e adequação à gravidade da infracção, pois a subtracção de pontos é efectuada em termos proporcionais à gravidade da infracção cometida, como decorre do disposto no art. 148º, nº 1 e 2 do Código da Estrada.

A menor ou maior perda de pontos, consoante se trate do cometimento de contra-ordenação grave ou muito grave, ou na prática de facto ilícito típico culposo criminal, em conformidade com o prescrito no art. 148º, nºs 1 e 2, em termos de projecção futura que os efeitos de tais condenações possam vir a ter, numa eventual cassação da carta de condução, evidencia o respeito que o legislador na atribuição de perda de pontos teve pelo princípio da proporcionalidade e da adequação.

O sistema de pontos tem um sentido essencialmente pedagógico, seja pela subtração de pontos efetuada proporcionalmente em função da gravidade de uma infração concretamente cometida, seja pela sua concessão, nos termos supra referidos, estimulando desse modo o condutor para comportamentos estradais de índole positiva, sendo que a perda de pontos ocorre como efeito automático da infração cometida, sem que assuma, no entanto, em si, qualquer natureza sancionatória, sendo apenas reflexo ou um índice da gravidade da infração cometida e do relevo que esta possa ter no somatório de outras, tendo em vista aferir a dada altura a perigosidade do titular da licença de condução, em termos de saber se esta última se deve ou não manter, nos termos em que foi concedida pela administração. O sistema de pontos será assim também um sistema que permitirá à administração aferir se o titular da licença de condução reúne ou não as condições legais para poder continuar a beneficiar dela. Inserir-se-á, portanto, tal desidrato, no âmbito dos poderes de administração do Estado.

A perda de pontos não é, pois, uma coima, nem uma sanção acessória, mas apenas um sinal decorrente da condenação sofrida de que o condutor se revela perigoso no exercício da condução, tendo o legislador no referido sistema de pontos adoptado um regime adequado ao princípio da proporcionalidade e adequação à gravidade da infracção, sendo a subtracção de pontos efectuada em termos proporcionais à gravidade da infracção cometida.

O direito de conduzir viaturas automóveis em vias públicas não é um direito inato e absoluto, e por isso, carece de regulamentação e só pode ser exercido por quem se encontra habilitado para o efeito. Trata-se de uma actividade que pode tornar-se perigosa para a segurança dos restantes utentes das estradas e por esse motivo, tem de ser sujeita a um, permanente e justificado, controlo das condições da sua manutenção, ficando a conservação do título de condução, sujeita à adopção de um correcto comportamento rodoviário, não se traduzindo a perda de pontos, e mormente a cassação da carta de condução, na perda de um direito adquirido, porque tal direito nunca foi absoluto e incondicional, estando sujeito a condições e a controlo perpétuo. Assim, não se verifica a violação do citado art. 30 nº4 da CRP

Tendo a perda de pontos materialmente subjacente a condenação prévia por infrações contraordenacionais ou penais, nos termos supra referidos, entendendo o legislador introduzir limitações no exercício da liberdade individual de modo a garantir em certas atividades um determinado padrão de competência técnica, fazendo-o designadamente através de um juízo prévio de inaptidão para o exercício da condução, relativamente a alguém que já havia obtido a concessão de autorização-habilitação para conduzir, mas cujas condutas, material e processualmente determinadas, vieram revelar a existência daquela inaptidão, ainda por cima de um modo que resulta ser proporcionado àquela gravidade, não vislumbramos onde possa estar a inconstitucionalidade das normas dos artºs 148º, nºs 1 e 2, do CE, designadamente, a violação dos princípios da proporcionalidade e da adequação, ou a violação do art. 30º, nº 4 da CRP, nem se vislumbra que o sistema instituído no art. 148 do CE viole qualquer preceito ou princípio com consagração constitucional.

E, por maioria de razão, não se vislumbra como possa ser ilegal a aplicação (diga-se, posteriormente ao trânsito em julgado da decisão administrativa, já que nesta, como não o poderia ser, não foi decidido a perda de pontos), pela autoridade administrativa do estatuído legalmente no art. 148º, nº 1 do Código da Estrada.

Pelo exposto, julgo improcedentes as arguidas ilegalidade da aplicação do art. 148º do CE, e a inconstitucionalidade

(…)


***

FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

FACTOS PROVADOS

1. No dia 02/10/2018, pelas 10.32, a ora arguida conduzia o veículo ..., com a matrícula ..-PS-.., na Rua ... com a Rua ..., em ....

2. Nessas circunstâncias de tempo e lugar, durante essa condução, a arguida desrespeitou a obrigação de parar imposta pela luz vermelha de regulação do trânsito, que se lhe apresentava.

3. Com a conduta supra descrita, a arguida não agiu com o cuidado a que estava legalmente obrigada.

4. A arguida efectuou o pagamento voluntário da coima.

5. A arguida não tem averbado no seu certificado individual de condutor a prática de qualquer contra-ordenação rodoviária.

(…)».

IV. APRECIAÇÃO DO RECURSO

1. Questão prévia

Previamente ao conhecimento do objecto do recurso, cumpre esclarecer que, tal como decidido na primeira instância, a decisão administrativa não aplicou à arguida qualquer subtracção de pontos, limitando-se a advertir de que a efectividade da decisão determina a subtracção de 4 pontos, nos termos do artigo 148.º, do Código da Estrada.

Pelo que, a afirmação exarada no final da Conclusão primeira não corresponde ao decidido pela autoridade administrativa.

2. Nulidade da decisão por falta de competência/ilegitimidade do decisor da contra-ordenação administrativa

Sustenta o Recorrente que a pessoa que assinou a decisão administrativa não tem legitimidade ou competência para proferir decisão, sendo por isso nula.

Vejamos se assim é:

O artigo 33.º do Regime Geral das Contraordenações (RGCO) aprovado pelo Decreto Lei n.º 433/82, de 27 de outubro, atribui competência das autoridades administrativas para o processamento das contra-ordenações e a aplicação das coimas e das sanções acessórias, ressalvadas as especialidades previstas no presente diploma.

A competência em razão da matéria definida pelo artigo 34.º, n.º 1, do RGCO pertencerá às autoridades determinadas pela lei que prevê e sanciona as contra-ordenações.

O regime legal das contra-ordenações rodoviárias encontra-se regulado no Código da Estrada, que, sobre a competência para o processamento e aplicação de contra-ordenações rodoviárias, dispõe no seu artigo 169.º:

1.Sem prejuízo do disposto no n.º 7:

a) O processamento das contraordenações rodoviárias compete à ANSR;

b) A competência para aplicação das coimas e sanções acessórias pertence ao presidente da ANSR

(…)

3. O presidente da ANSR pode delegar a competência a que se refere a alínea b) do n.º 1 nos dirigentes e pessoal da carreira técnica superior da ANSR, exceto para decidir sobre a verificação dos respetivos pressupostos e ordenar a cassação do título de condução.

(…)

7. A competência para o processamento e aplicação de coimas nas contraordenações rodoviárias por infrações leves relativas a estacionamento proibido, indevido ou abusivo nos parques ou zonas de estacionamento, nas vias e nos demais espaços públicos quer dentro das localidades, quer fora das localidades, neste caso desde que estejam sob jurisdição municipal, é da respetiva câmara municipal.

A ANSR, correspondente à sigla de Autoridade Nacional de Segurança Rodoviária, criada através do Decreto-Lei n.º 203/2006, de 27 de outubro (cf. ainda, Decreto-Lei n.º 77/2007, de 29 de março e  Decreto Regulamentar n.º 28/2012, de 12 de março),  estrutura-se em duas unidades orgânicas nucleares: a) Unidade de Prevenção e Segurança Rodoviária (UPSR); e b) Unidade de ... (UFTC), dirigidas por directores de unidade, cargos de direção intermédia de 1.º grau (artigo 1.º , n.º 1 e 2 da Portaria n.º 163/2017, de 16 de maio).

O processamento das contra-ordenações abrangidas pelo Código da Estrada sanções compete, assim, por regra à ANSR (da qual são excepcionados os casos de competência atribuída à Câmara Municipal), enquanto a aplicação das coimas e sanções acessórias pertence ao Presidente da ANSR, podendo este delegar tais poderes dirigentes e pessoal da carreira técnica superior da ANSR, excepto para decidir sobre a verificação dos respetivos pressupostos e ordenar a cassação do título de condução.

No caso vertente, o presidente da ANSR, por despacho n.º 12744/2019, de 17 de janeiro, n.º 1, publicado no Diário da República n.º 25, Série II, de 5 de fevereiro de 2019, relativo à Delegação de competências nos dirigentes e pessoal da carreira técnica superior da ANSR, decidiu:

«O Código da Estrada, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 114/94, de 3 de maio, no artigo 169.º, atribui ao presidente da Autoridade Nacional de Segurança Rodoviária a competência para a aplicação de coimas e sanções acessórias no âmbito do processamento das contraordenações rodoviárias, prevendo a possibilidade de delegação desta competência nos dirigentes e pessoal da carreira técnica superior da Autoridade Nacional de Segurança Rodoviária.

Também o decreto Regulamentar n.º 28/2012, de 12 de março, que aprovou a orgânica da Autoridade Nacional de Segurança Rodoviária, prevê no n.º 3 do seu artigo 4.º, a possibilidade de delegação daquela competência nos dirigentes e pessoal da ANSR.

Assim, nos termos do n.º 3 do artigo 169.º do Código da Estrada e nos termos do n.º 2 do artigo 4.º do Decreto Regulamentar n.º 28/2012, e ainda dos artigos 44.º a 47.º do Código de Procedimento Administrativo:

1 - Delego na Diretora da Unidade de ..., licenciada BB:

a) As competências que me estão atribuídas pela alínea c) do n.º 1 do artigo 4.º do Decreto Regulamentar n.º 28/2012, de 12 de março, para proferir decisões administrativas no âmbito dos processos de contraordenações rodoviárias, nomeadamente no que se refere à aplicação de coimas, sanções acessórias, outras medidas disciplinadoras e deveres previstos no Código da estrada e demais legislação aplicável.

(…).».

Ora, constando da decisão administrativa que foi elaborada pela Directora da Unidade de ..., identificada pelo seu nome (BB) e um dos seus Apelidos (...) (fls. 16 e 17) nenhuma dúvida se levanta sobre a competência desta pessoa para aplicar a sanção acessória de inibição de conduzir especialmente atenuada nos termos do artigo 140.º, do Código da Estrada, pelo período de 30 dias (…)».

Consequentemente, a entidade identificada na decisão como a competente para a proferir tem, por via da delegação de poderes, competência para aplicar a sanção acessória à arguida, improcedendo, assim, a pretensão da Recorrente.

Questão diferente, é a de saber, se a decisão administrativa cumpre os requisitos formais estabelecidos no artigo 169.º A, do Código da Estrada.

Dispõe este precito:

1. Os atos processuais podem ser praticados em suporte informático com aposição de assinatura digital qualificada, nomeadamente através do Cartão de Cidadão e da Chave Móvel Digital, podendo ser utilizado o Sistema de Certificação de Atributos Profissionais.

2. Os atos processuais e documentos assinados nos termos do número anterior substituem e dispensam para quaisquer efeitos a assinatura autografa no processo em suporte de papel.

A decisão administrativa deve, além do mais, ser assinada pela pessoa que a elaborou.

A assinatura é o acto pelo qual o autor do documento faz seu o conteúdo deste, o meio de que a parte dispõe para reconhecer a autoria de um determinado documento e para se vincular ao seu conteúdo, sendo por isso, uma exigência de ordem formal sem a qual não se pode afirmar que a declaração de vontade constante do texto foi proferida por quem o mesmo a imputa.

Como refere Vaz Serra, a assinatura é o acto pelo qual o autor do documento faz seu o conteúdo deste, o acto, portanto, que lhe confere a sua autoria e que justifica a força probatória o mesmo documento (Provas, BMJ n.º 111, págs. 155 e 161; cfr., ainda, J. Gonçalves Sampaio, A Prova por Documentos Particulares, Coimbra, págs. 74-82, com importantes dados de direito comparado e amplas referências doutrinais nacionais e estrangeiras).

A assinatura é feita pelo próprio punho do signatário (artigo 95.º n.º 2, do Código de Processo Penal, ex vi artigo 132.º do Código da Estrada   e artigo 41.º, n.º 1, do RGCO), podendo esta ser substituída com a aposição da assinatura digital qualificada (artigo 169.º A, n.ºs 1 e 2, do Código de Estrada).

Inexiste imposição legal a exigir que a assinatura manual contenha o nome completo do seu autor sendo, por isso, admissível, que o seu autor inscreva na declaração apenas o primeiro nome e/ou um dos sobrenomes, para que a assinatura se considere válida.

No que respeita à assinatura digital qualificada, há que ter em atenção o regime jurídico dos documentos electrónicos regulado à data – 23 de novembro de 2019 –  pelo Decreto Lei n.º 290-D/99, de 2 de Agosto, alterado pelos Decretos  Lei n.º n.ºs 62/2003 de 3 de Abril, n.º 165/2004 de 7 de Junho, n-º 116-A/2006 de 16 de Junho e n.º 88/2009 de 9 de Abril  (c.f Regulamento (EU) n.º 910/2014,  Decreto Lei n.º DL n.º 12/2021, de 09 de Fevereiro, artigos 36.º e 37.º e artigo 5.º do Código de Processo Penal, ex vi artigo 132.º do Código de Estrada e 41.º, do RGCO).

O documento electrónico que, para efeitos do disposto no diploma citado [artigo 2.º, alínea a)], é um «documento elaborado mediante processamento electrónico de dados»  tem sido distinguido pela doutrina entre documento electrónico em sentido restrito e documento electrónico em sentido amplo (Miguel Teixeira de Sousa, O valor probatório dos documentos eletrónicos, in Direito da sociedade da Informação, Vol. II, Coimbra Editora, 2001, p. 172 e Miguel Pupo Correia, Assinatura eletrónica e certificação digital, in “Direito da sociedade da Informação”, Vol. VI, Coimbra Editora, 2006, pp. 277-317, p. 286).

Entende este último autor que os «documentos eletrónicos em sentido estrito, que são memorizados em forma digital em memórias magnéticas ou óticas e são destinados apenas a ser lidos pelo computador, pelo que não podem ser lidos ou apercebidos directamente pelo homem; e documentos eletrónicos em sentido amplo, ou simplesmente documentos informáticos, que são todos os gerados através dos equipamentos periféricos do computador — impressora, plotter, etc. — de modo a serem lidos ou interpretados pelo homem».

A decisão administrativa inserta a fls. 16 e 17, integra-se neste último conceito. Trata-se de uma impressão de um documento gerado no computador.

A assinatura correspondente a BB não foi colocada pelo punho do autor no suporte de papel junto aos autos, mas digitalizada ou gerada por outro meio em documento elaborado no computador, não podendo, por isso, considerar-se como considerou o tribunal recorrido que a decisora autografou a sua assinatura na decisão administrativa.

Mas pode considerar-se uma assinatura digital?

Em termos gerais, poder-se-ia entender que sim. Todavia, não é qualquer assinatura digital que equivale à assinatura manuscrita em papel. É necessário que a assinatura digital seja qualificada, ou como dita a alínea g) do artigo 2º do DL n.º 290-D/99, satisfaça as exigências de segurança idênticas às da assinatura digital baseadas num certificado qualificado e criadas através de um dispositivo seguro de criação da assinatura, nomeadamente, através do Cartão de Cidadão e da Chave Móvel Digital, podendo ser utilizado o Sistema de Certificação de Atributos Profissionais.

Os certificados digitais qualificados são ficheiros electrónicos autenticados com assinatura digital qualificada (ou seja, uma assinatura electrónica emitida por uma entidade certificadora credenciada), que garantem a identificação de pessoas, bem como a realização das transacções electrónicas com segurança.

Assim, se a aposição de uma assinatura electrónica qualificada num documento electrónico equivale à assinatura autógrafa dos documentos com forma escrita sobre suporte de papel (artigo 169.º A, do Código de Estrada e artigo  7º, n.º 1, do Decreto Lei n.º 290-D/99), no caso de um documento digital, a assinatura electrónica só pode ser confirmada no ficheiro electrónico que contenha tal documento.

Ora, não é o que sucede no nosso caso.

É manifesto que o suporte de papel da decisão administrativa de fls. 16 e 17 não contém qualquer assinatura autógrafa ou digital qualificada de BB, mas apenas uma cópia e uma assinatura gerada no computador, não observando, assim, o disposto no artigo 169.º A, do Código da Estrada, assistindo, neste particular razão à Recorrente.

A decisão administrativa não contém a assinatura da pessoa que proferiu a decisão.

Como qualificar este vicio e quais os seus efeitos?

O Código da Estrada e o RGCO não dispõem de previsão legal que regule os efeitos da preterição dos requisitos referenciados, havendo, por isso, que recorrer ao direito subsidiário, o Código de Processo Penal.

As decisões administrativas sobre as contra-ordenações rodoviárias, à semelhança do que sucede nas decisões administrativas proferidas no âmbito do disposto no artigo 58.º, do RGCO,  não constituem efectivamente verdadeiras sentenças e a aplicação subsidiária das disposições processuais penais tem de ser analisada de harmonia com a natureza dos processos contra-ordenacionais e da sua especificidade, de forma a que sejam adequadamente compreendidas as exigências contidas nos artigos 169.º A e 181.º, do Código da Estrada e no citado artigo 58º.

Preceitua o artigo 62º, n.º 1, do RGCO que recebidos os autos de contra-ordenação pelo Ministério Público, os apresentará ao juiz, valendo esta acto como acusação.

Tanto não significa que a estrutura da decisão administrativa deva seguir o regime da acusação, mormente no que respeita às nulidades a que alude o artigo 283º do Código de Processo Penal, consagrado nos artigos 119º e 120º do mesmo diploma.

Com efeito, para além dos requisitos previstos para acusação previstos no artigo 283º citado – a identificação do infractor; a descrição sumária dos factos, das provas e das circunstâncias relevantes para a decisão e a indicação das normas violadas – exige-se uma decisão sobre a aplicação de uma coima ou sanção acessória, devidamente fundamentada de facto e de direito, o que se afasta da acusação em processo penal e se aproxima de uma sentença penal.

Neste sentido, se pronuncia, Paulo Pinto de Albuquerque - Comentário do Regime Geral das Contra-Ordenações à luz da Constituição da República e da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, UCE,  p. 150), para o qual a estrutura da sentença penal se aplica à decisão final do processo de contra-ordenação, atento o disposto nos artigos 374.º, n.º 3, alínea e), 379.º, n.º 1, a contrario, e 380.º, n.º 1, alínea a), todos do Código de Processo Penal, aplicáveis ex vi do artigo 132.º, do Código da Estrada e artigo 41.º, n.º 1, do RGCO.

Também Oliveira Mendes e Santos Cabral  - Notas ao Regime Geral das Contra-Ordenações e Coimas, página 157 e 159 - consideram que «a polémica deverá ser resolvida com apelo às razões que levaram à consagração da necessidade de fundamentação da sentença penal, pois, a decisão administrativa proferida em processo contra-ordenacional segue a estrutura da sentença em processo penal – cfr. artigo 374º do CPP – embora de uma forma simplificada e proporcionada à fase administrativa daquele processo. (…)

Importa, porém, salientar que nos encontramos no domínio de uma fase administrativa, sujeita às características da celeridade e simplicidade processual, pelo que o dever de fundamentação deverá assumir uma dimensão qualitativamente menos intensa em relação à sentença penal. O que de qualquer forma deverá ser patente para o arguido são as razões de facto e direito que levaram à sua condenação, possibilitando ao arguido um juízo de oportunidade sobre a conveniência da impugnação judicial e, simultaneamente, e já em sede de impugnação judicial permitir ao tribunal conhecer o processo lógico de formação da decisão administrativa. Tal percepção poderá resultar do teor da própria decisão ou da remissão por esta elaborada.».

Em sentido contrário, cf. António Beça Pereira - Regime Geral das Contra-Ordenações e Coimas Anotado, Almedina, página 109 – defendendo que, «a inobservância de alguns dos requisitos estabelecidos no n.º 1 do citado artigo 58º consubstancia uma irregularidade, e será segundo as regras deste instituto (art. 123º do CPP) que se apurará da possibilidade de aproveitamento (ou não) do processado desde a decisão administrativa (inclusive)

(…) Não se afigura correcto aplicar, subsidiariamente (ex vi art. 41º), o disposto no artigo 379º do CPP (nulidades da sentença), uma vez que, se o arguido interpuser recurso da decisão condenatória/administrativa, esta, nos termos do n.º 1, do artigo 62º do RGCO, converte-se em acusação. Mais acrescentando que não se afigura como correcto aplicar, subsidiariamente, o disposto no n.º 3 do artigo 283º do CPP (nulidades da acusação) uma vez que, se não for interposto recurso da decisão condenatória, esta não se converte em acusação».

Porém, seja qual for o entendimento sobre esta questão, a omissão da assinatura na decisão administrativa não constitui uma das causas das nulidades insanáveis previstas no artigo 119.º, do Código de Processo Penal.

É o que resulta do modo como a lei adjectiva penal estabeleceu o sistema fechado das nulidades insanáveis e dependentes de arguição, configurando as normas relativas a nulidades como normas excepcionais, dado o seu carácter taxativo, e, portanto, insusceptíveis de aplicação analógica (cf. o artigo 11.º do Código Civil). –  [cf. Conde Correia, in Contributo para a Análise da Inexistência e das Nulidades Processuais Penais; Paulo Pinto de Albuquerque, Comentário do Código de Processo Penal, página 302. No mesmo sentido da taxatividade, mas designando-as por nulidades insanáveis gerais (as do artigo 119º) e nulidades insanáveis especiais (as do artigo 321º nº 1 e artigo 330º nº 1), c.f. Simas Santos e Leal-Henriques, Código de Processo Penal Anotado, páginas 740 a 744].

O vicio da falta omissão da assinatura da decisão administrativa na enumeração das diversas alíneas do artigo 119º do Código de Processo Penal, não fica sujeito ao regime das nulidades insanáveis, mas ao regime de nulidades sanáveis (artigo 120.º do Código de Processo Penal) ou irregularidades (artigo 123.º, do Código de Processo Penal), conforme o entendimento que se siga sobre esta questão.

No sentido de que a falta de assinatura do Ministério Público na acusação integra nulidade revista no artigo 120.º, do Código de Processo Penal, pronunciaram-se, entre outros, Maia Costa (Código de Processo Penal Comentado, obra colectiva, em anotação ao artigo 283.º, página 993) e o Tribunal da Relação de Évora, no Acórdão de 26 de junho de 2021 (Processo n.º 5028/18.1T9LSB.E1, www.dgsi.pt).

No sentido de que a omissão na sentença das indicações [com excepção da alínea b)] previstas no n.º 3, do artigo 374.º, do Código de Processo Penal, onde se inclui a falta de assinatura [alínea e)]  é  causa de mera irregularidade,  cf. Oliveira Mendes,  (Código de Processo Penal Comentado, obra colectiva, em anotação ao artigo 374.º, página 1167)  e Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 8 de março de 2015, (Processo n.º 3259/07, www.dgsi.pt), que decidiu: A sentença, visto o seu dispositivo, carece de ser assinada (artigos 374.º, n.º 3, alínea e), do CPP), mas a falta de assinatura dos seus subscritores não se integra nas nulidades, mas sim no vicio da irregularidade.

No nosso caso, a recorrente não arguiu a nulidade ou a irregularidade por falta de assinatura perante a entidade que a cometeu, nem suscitou tal questão na impugnação judicial de fls. 20 e 21, encontrando-se a mesma, nos termos dos artigos 118.º, 120.º e 123.º, do Código de Processo Penal.

Pelo que, neste particular, não assiste razão à Recorrente.

3. Nulidade do auto de noticia por omissão do local da infracção

Defende a recorrente que a omissão no auto de noticia e, consequentemente na decisão administrativa, do local concreto onde se verificou a infracção, a coloca na impossibilidade de se defender, com violação dos princípios de proibição da indefesa, do direito ao acesso ao direito e uma tutela jurisdicional efectiva.

Vejamos se assim é:

As contra-ordenações rodoviárias são reguladas pelo disposto no Código da Estrada, pela legislação rodoviária complementar ou especial que as preveja e, subsidiariamente, pelo regime geral das contraordenações (artigo 132.º, do Código da Estrada).

Esquematizando o processamento de tais contra-ordenações, temos os seguintes passos:

O processo inicia-se com o levantamento do auto de noticia, que deve conter as menções, no que, ao caso interessa, relativas aos factos que constituem a infração, o dia, a hora, o local e as circunstâncias em que foi cometida, o nome e a qualidade da autoridade ou agente de autoridade que a presenciou, a identificação dos agentes da infração e, quando possível, de, pelo menos, uma testemunha que possa depor sobre os factos; (artigo 170.º, n.º 1, do Código da Estrada).

Segue-se-lhe a fase da Defesa, com a notificação ao arguido, entre outros, dos factos constitutivos da infração; da legislação infringida e da que sanciona os factos e das sanções aplicáveis, com indicação do prazo concedido e do local para a apresentação da defesa, bem como do prazo e local para apresentação do requerimento para atenuação especial ou suspensão da sanção acessória (artigo 175.º n.º 1 do Código da Estrada).

Mais se informa o arguido, que tem o prazo de 15 dias úteis, a contar da notificação, para, querendo, proceder ao pagamento voluntário da coima, nos termos e com os efeitos estabelecidos no artigo 172.º; apresentar defesa e, querendo, indicar testemunhas, até ao limite de três, e outros meios de prova;  requerer atenuação especial ou suspensão da sanção acessória e, querendo, indicar testemunhas, até ao limite de três, e outros meios de prova e requerer o pagamento da coima em prestações, desde que o valor mínimo da coima aplicável seja igual ou superior a 2 UC (artigo 175.º, n.º 2, do Código da Estrada), podendo, para o efeito, consultar o processo (artigo 175.º, n.º 5, do Código da Estrada).

Decorrido o prazo da defesa, prossegue o processo para instrução e decisão final.

Todos estes passos foram cumpridos nos presentes autos.

O auto de noticia foi levantado pela entidade competente, a arguida foi notificada com total observância do disposto no artigo 175.º, tendo optado por não pagar voluntariamente a coima e nada mais dizer a seu favor.

No que respeita aos factos, é claramente perceptível que no dia 2 de outubro de 2018, pelas 10H32M, a arguida conduzia o veiculo de marca ..., matricula ..-PS.., na Rua ... e na intercepção com a Rua ..., não parou no sinal vermelho que se lhe apresentava, o que aliás, a arguida compreendeu, ainda antes da notificação nos termos e para efeitos do disposto no artigo 175.º, do Código da Estrada.

Na verdade, no dia 29 de janeiro de 2019, a arguida, na posse daqueles factos; preencheu a informação de fls. 8, onde declara que era ela arguida, quem conduzia o veiculo no dia, hora e local indicados, não tendo, por isso, qualquer dúvida sobre o local exacto onde ocorreram os factos.

O auto de notícia contém, assim, o dia, hora e local da infracção, não lhe podendo ser assacada qualquer irregularidade, sendo, por isso, manifesta a falta de razão da Recorrente.

Diante do contexto factual, não se descortina (nem a recorrente explica) em que medida foram violados os princípios constitucionais que alude no recurso.

Recorde-se que, foi a arguida quem, em 29 de janeiro de 2019, informou os autos que, no dia 2 de outubro de 2018, pelas 10:32, conduzia o veiculo ..., de matricula ..-PS-.., na Rua .../Rua ..., em ....

A arguida teve oportunidade de se defender, nos termos que bem entendesse, em 21 de maio de 2019, tendo sido informada de todos os direitos que lhe assistiam e do modo de os exercer.  

A arguida foi, também, notificada por carta registada com aviso de recepção da decisão condenatória, com a informação de que lhe assistia o direito de a impugnar judicialmente, direito esse que concretizou.

Deste modo, não se vislumbra que ilegalidade foi cometida de molde a beliscar os direitos de defesa do arguido ou o direito de acesso ao direito ou à tutela jurisdicional efectiva ou qualquer principio de direito constitucional invocado no recurso, improcedendo, assim, as Conclusões n.ºs 12 a 16.

4. Inconstitucionalidade do artigo 181.º, n.º 4, do Código da Estrada

É sabido, que o dever de fundamentação das decisões judiciais se encontra constitucionalmente consagrado no artigo 205.º, nº 1, da Constituição da República Portuguesa, devendo obedecer às formas previstas na lei.

Aí se estipula que «as decisões dos tribunais que não sejam de mero expediente são fundamentadas na forma prevista na lei».

Nas contra-ordenações rodoviárias, a forma que a lei prevê para cumprir o dever de fundamentação da decisão administrativa é a que consta na previsão do artigo 181.º, do Código da Estrada.

De acordo com este normativo, a decisão que aplica a coima ou a sanção acessória deve conter:

1. a) A identificação do infrator;

b) A descrição sumária dos factos, das provas e das circunstâncias relevantes para a decisão;

c) A indicação das normas violadas;

d) A coima e a sanção acessória;

e) A condenação em custas.

2. Da decisão deve ainda constar que:

a) A condenação se torna definitiva e exequível se não for judicialmente impugnada por escrito, constando de alegações e conclusões, no prazo de 15 dias úteis após o seu conhecimento e junto da autoridade administrativa que aplicou a coima;

b) Em caso de impugnação judicial, o tribunal pode decidir mediante audiência ou, caso o arguido e o Ministério Público não se oponham, mediante simples despacho.

3. A decisão deve conter ainda:

a) A ordem de pagamento da coima e das custas no prazo máximo de 15 dias úteis após a decisão se tornar definitiva;

b) A indicação de que, no prazo referido na alínea anterior, pode requerer o pagamento da coima em prestações, nos termos do disposto no artigo 183.º

4. Não tendo o arguido exercido o direito de defesa, a fundamentação a que se refere a alínea b) do n.º 1 pode ser feita por simples remissão para o auto de notícia”.

Temos por assente que as exigências de fundamentação da decisão administrativa são menores que as exigências de fundamentação da sentença penal estabelecidas no artigo 374.º, n.º 2, do Código de Processo Penal, entendimento que vem sendo sufragado pelo Tribunal Constitucional, nomeadamente no Acórdão n.º 612/2014, in www.tribunalconstitucional.pt, nele se consignando:

«São diferentes (…) os princípios jurídico-constitucionais, materiais e orgânicos, a que se submetem entre nós a legislação penal e a legislação das contraordenações», porque, como expressivamente se afirmou no preâmbulo do Decreto-Lei n.º 232/79, de 24 de julho, que pela primeira vez institui o regime geral do ilícito de mera ordenação social, «entre os dois ramos de direito medeia uma autêntica diferença: não se trata apenas de uma diferença de quantidade ou meramente formal, mas de uma diferença de natureza.

A contraordenação ‘é um aliud que se diferencia qualitativamente do crime na medida em que o respetivo ilícito e a reações que lhe cabem não são diretamente fundamentáveis num plano ético jurídico, não estando, portanto, sujeitas aos princípios e corolários do direito criminal’ (Eduardo Correia, ‘Direito pena e direito de mera ordenação social’, in Boletim da Faculdade de Direito, Coimbra, 1973, p. 268)».

As características de celeridade e simplicidade processual tornam conferem ao dever de fundamentação da decisão administrativa uma dimensão qualitativamente menos intensa em relação à sentença penal.

«O que de qualquer forma deverá ser patente para o arguido são as razões de facto e direito que levaram à sua condenação, possibilitando ao arguido um juízo de oportunidade sobre a conveniência da impugnação judicial e, simultaneamente, e já em sede de impugnação judicial permitir ao tribunal conhecer o processo lógico de formação da decisão administrativa. Tal percepção poderá resultar do teor da própria decisão ou da remissão por esta elaborada.» (acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, de 4 de Junho de 2003, CJ, Tomo III, página 40).

No caso em apreço, a admissibilidade da fundamentação da decisão administrativa por remissão para o auto de noticia, prevista no n.º 4, do artigo 181.º, do Código da Estrada, depende de dois pressupostos garantes dos direitos de defesa do acoimado: a) ser notificado, nos termos e para efeitos do disposto do artigo 175.º do mesmo diploma e b) não apresentar defesa.

O arguido, na comunicação prévia, toma conhecimento dos factos imputados, da qualificação jurídica e das sanções que lhe correspondem e bem assim, de toda a informação necessária para exercer o direito de defesa, é livre de se pronunciar sobre a imputação conforme lhe aprouver, e, decidindo nada dizer, não fica impedido de reagir contra a decisão administrativa, por impugnação judicial.

Desta feita, temos por conforme à Constituição a fundamentação de facto da decisão administrativa por remissão para o auto de noticia, desde que, verificadas as duas circunstâncias supra referidas, o arguido fique ciente dos factos que lhe são imputados, permitindo-lhe a impugnação judicial.

Neste sentido, decidiu o Tribunal Constitucional, no Acórdão n.º 221/2008:

«(…) O artigo 181.º, n.º 4, do Código da Estrada, vem permitir que “não tendo o arguido exercido o direito de defesa, a fundamentação a que se refere a alínea b) do n.º 1 pode ser feita por simples remissão para o auto de notícia.

 A fundamentação mencionada na alínea b), do n.º 1, deste artigo diz respeito “à descrição sumária dos factos, das provas e das circunstâncias relevantes para a decisão.” Esta forma de fundamentação da decisão administrativa de aplicação duma coima, no plano restrito da matéria de facto, continua a permitir que o acoimado tenha um conhecimento perfeito e completo dos factos e das provas que foram considerados para o condenar, uma vez que do auto de notícia devem constar “os factos que constituem a infracção, o dia, a hora, o local e as circunstâncias em que foi cometida, o nome e a qualidade da autoridade que a presenciou, a identificação dos agentes da infracção e, quando possível, de, pelo menos uma testemunha que possa depor sobre os factos”, (artigo 170.º, do C.E.), elementos que são notificados ao arguido para este apresentar a sua defesa perante a entidade administrativa competente para a aplicação da coima (artigo 175.º, do C.E.).

A fundamentação das decisões efectuada por remissão para outras peças do processo é uma técnica que se tem vindo a introduzir nos mais diferentes regimes processuais e que visa evitar o desperdício de tempo com a reprodução de textos que já constam do processo onde a decisão é proferida, sem prejuízo do respeito pelo dever de fundamentação e da sua cognoscibilidade pelo interessado.

Assim, se o referido regime primário impõe que a decisão administrativa condenatória indique os factos e as provas que fundamentam a aplicação da coima, já a forma pela qual essa indicação pode ser feita, nomeadamente através de remissão para outra peça processual donde conste essa descrição (v.g., auto de notícia) (…).».

No caso vertente, atestam os autos, que a arguida, notificada dos factos imputados, da qualificação jurídica e das sanções aplicáveis e, informada de todas as informações necessárias para o exercício cabal do contraditório e sua defesa, optou por não apresentar qualquer defesa, legitimando, assim, a autoridade administrativa a fundamentar a decisão de facto por remissão para o auto de noticia, nos precisos termos do artigo 181.º, n.º 4, do Código da Estrada.

Por conseguinte, não se julga inconstitucional a norma do nº 4 do artigo 181º do Código da Estrada, por violação dos princípios constitucionais, designadamente os consagrados nos artigos 18º, nº 2; 20º, nº 1 e 32º, nº 10 da Constituição da República Portuguesa, soçobrando as Conclusões 12 a 17.

Por último, diga-se que a entidade autuante, a entidade administrativa e o tribunal recorrido não interpretaram o artigo 181.º, n.º 4, do Código da Estrada, de que a remissão da fundamentação permite a absoluta ausência de indicação da concreta infracção cometida, designadamente, o concreto local onde a mesma foi alegadamente cometida, não fazendo qualquer sentido apelar à violação das normas constitucionais referenciadas na Conclusão n. 8.

V. DECISÃO

Por todo o exposto, acordam os juízes da Secção Penal desta Relação em julgar improcedente o recurso interposto por AA.

Custas pela arguida, com taxa de justiça que se fixa em 3 UCS.

Coimbra, 9 de novembro de 2022

Alcina da Costa Ribeiro (Relatora)

Cristina Branco (Adjunta):

Alexandra Guiné (Adjunta)