Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
2831/06.9TBGRD.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: MARIA INÊS MOURA
Descritores: ACIDENTE DE VIAÇÃO
ATROPELAMENTO
PEÃO
CULPA
RESPONSABILIDADE OBJECTIVA
Data do Acordão: 03/05/2013
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: GUARDA 1º J
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTS.483, 487, 503, 505 CC, 24 C ESTRADA
Sumário: 1. Não há culpa do condutor do veículo na produção do acidente, que se ficou a dever ao facto de, no início da curva, ao anoitecer, numa estrada sem iluminação pública, se ter deparado com um vulto na faixa de rodagem por onde ele circulava, o que para qualquer condutor é totalmente imprevisível.

2. É o peão que não age com a prudência e diligência a que está obrigado enquanto tal, não cumprindo os deveres de cuidado e pondo em perigo a circulação rodoviária ao ir para a faixa de rodagem, no início de uma curva.

3. Fica excluída a responsabilidade objectiva do proprietário do veículo LC, estabelecida no artº 503 nº1 do C. Civil, na medida em que o artº 505 determina tal exclusão quando o acidente for imputável ao próprio lesado, o que é o caso.

Decisão Texto Integral: Acordam na 2ª secção cível do Tribunal da Relação de Coimbra

I. Relatório

J (…) veio intentar a presente acção declarativa, inicialmente com processo sumário, contra a ré “Companhia de Seguros B..., S.A.” pedindo a condenação desta a pagar-lhe o montante de € 32.500, sendo € 30.000 a título de danos patrimoniais e € 2.500 a título de danos não patrimoniais.

Alega, em síntese, que: no dia 18 de Dezembro de 2003, pelas 17h 30m ocorreu um acidente de viação, na Estrada Nacional 18, ao Km 1,190, em Vale de Estrela, em que foram intervenientes um veículo automóvel conduzido por (…) e o veículo conduzido pelo autor J (…), tendo existido uma colisão entre os espelhos de ambos os veículos, o que levou a que ambos os condutores parassem na berma, a fim de apurarem responsabilidades. Os veículos permaneceram parados com as luzes médias acesas e com os quatro piscas ligados, tendo, assim, os condutores salvaguardado os deveres de diligência a que estavam adstritos. Nestas circunstâncias, acabou por ocorrer um novo sinistro, em que foram intervenientes o veículo matrícula 89-69-LC, que circulava no sentido Guarda-Vale de Estrela, conduzido por (…) funcionário da “Auto Electro Brás” e o aqui autor, que estava na berma da estrada, que acabou por ser colhido pelo mencionado veículo, que circulava a grande velocidade, pelo que foi o único responsável pela ocorrência do acidente, ao conduzir de forma irresponsável e imprudente, para além de existir uma presunção de culpa, em virtude da relação comintente/comissário. Em consequência do embate o autor acabou por rebolar por cima do capot e sofreu as lesões que descreve, em virtude do que deverá ser a seguradora, para a qual se encontrava transferida a responsabilidade civil emergente de acidente de viação relativa ao identificado veículo, condenada a título de indemnização por danos patrimoniais e não patrimoniais.

Regularmente citada, veio a ré “Companhia de Seguros B..., S.A.” apresentar contestação, sustentando que na hora em que ocorreu o acidente já era escuro, não existia luz pública, tendo a faixa de rodagem 5,80m, existindo pinhais de ambos os lados, pelo que a visibilidade era muito reduzida.

Assim, o condutor do LC, ao efectuar uma curva com visibilidade muito reduzida, surge-lhe, de forma repentina, o autor a atravessar a EN da direita para a esquerda, atento o sentido de marcha do LC, pelo que o condutor desta, apesar de ter ainda travado, não conseguiu evitar o embate. Acrescenta que o LC circulava a velocidade não superior a 60 km/h e com os faróis dianteiros e demais sistema de iluminação em funcionamento, sendo que foi o autor quem atravessou a estrada em local não permitido e sem ter atenção ao tráfego rodoviário, tendo o acidente ocorrido por sua exclusiva culpa. No que respeita aos danos, impugna o alegado e entende serem exageradas as verbas reclamadas.

A R. requer a intervenção provocada da “Companhia de Seguros C...”, dado que o acidente ocorrido foi também um acidente de trabalho, existindo, à data, um contrato de seguro de acidentes de trabalho válido. Conclui ter esta Companhia de Seguros um interesse igual ao do autor, pelo que requer a sua intervenção ao abrigo dos disposto nos artigos 320º e 325º do CPC, bem como a sua absolvição do pedido com a improcedência da acção.

            Foi ordenada a correcção da espécie, em virtude de se ter entendido dever a presente acção correr termos sob a forma ordinária e não sumária, tendo sido também admitida a intervenção principal provocada da Companhia de Seguros C....

Citada a interveniente, esta veio formular pedido contra a ré Companhia de Seguros B.... Alega que tem um interesse igual ao do autor e reclama o crédito que, em seu entender, tem sobre a seguradora aqui ré. Acrescenta que, relativamente ao modo como ocorreu o acidente, acolhe a versão do autor. Por outro lado, assumiu este acidente como de trabalho, pelo que, tendo corrido termos no Tribunal do Trabalho um processo que terminou na fase conciliatória, com um acordo celebrado com o autor e a interveniente, obrigou-se ao pagamento de determinada pensão, para além das despesas que teve de pagar. Assim, por força de sub-rogação legal, peticiona o pagamento de tais

montantes pelo responsável que causou o prejuízo, no caso a seguradora ré.

Tendo sido proferido despacho de aperfeiçoamento, veio o autor apresentar nova petição inicial, concretizando os factos já anteriormente alegados e a ré veio contestar nos mesmos termos em que o havia já feito nos autos.

Foi proferido despacho saneador e seleccionada a matéria de facto assente e a base instrutória, que não foi objecto de qualquer reclamação

            Realizou-se a audiência de discussão e julgamento, com observância do

legal formalismo, tendo-se respondido à matéria de facto conforme consta de fls. 347- 363, a qual não foi objecto de reclamação.

            Foi proferida sentença que julgou totalmente improcedentes os pedidos formulados pelo A. e pela interveniente, absolvendo a R. dos mesmos.

            Inconformados com esta decisão vêm dela interpor recurso quer o A., quer a interveniente.

O A. vem impugnar a decisão proferida sobre a matéria de facto e também a decisão de direito, formulando as seguintes conclusões:

(…)

A interveniente vem igualmente interpor recurso da matéria de facto e de direito, formulando as seguintes conclusões:

(…)

A R. não veio apresentar contra-alegações.

II. Questões a decidir

Tendo em conta o objecto dos recursos delimitado pelos recorrentes nas suas conclusões (artº 684 nº 3 e 685 A nº 1 a 3 do C.P.C.), salvo questões de conhecimento oficioso- artº 660 nº 2 in fine:

- do erro de julgamento quanto à matéria de facto constante dos artigos 1, 2, 3, 6, 8, 36, 37 e 38 da base instrutória.

- da verificação dos pressupostos da responsabilidade extracontratual de que depende a obrigação de indemnizar, com culpa efectiva do condutor do LC na produção do acidente, ou pelo menos com a culpa presumida a que alude o artº 503 nº 3 do C.Civil,

- da existência de responsabilidade objectiva ou pelo risco, nos termos do artº 503 nº 1 do C.Civil por o atropelamento ter resultado do risco próprio da utilização do veículo.

 III. Fundamentação de facto

- do erro de julgamento quanto à matéria de facto constante dos pontos artigos 1, 2, 3, 6, 8, 36, 37 e 38 da base instrutória.

(…)

Assim e nos termos do disposto nos artº 712 nº 1 e nº 2 e 713 nº 2 do C.P.C, são os seguintes os factos provados:

1. Em 18-12-2003, pelas 17h30m, na Estrada Nacional nº 18, ao Km 1,190, em Vale de Estrela, concelho da Guarda, o veículo automóvel conduzido por (…) e o veículo automóvel conduzido pelo autor colidiram entre si, tendo embatido um no outro com os espelhos respectivos (alínea A) dos Factos Assentes).

2. Devido ao embate referido em A), os condutores dos veículos pararam e saíram das respectivas viaturas, tendo estacionado os veículos na berma da estrada, no sentido de apurarem responsabilidades e alcançarem uma resolução para o assunto (alínea B) dos Factos Assentes).

3.  Após a ocorrência dos factos descritos em A) e B), o veículo com a matrícula (...)LC, conduzido por (…), que circulava no sentido Guarda – Vale de Estrela, embateu contra o corpo do autor (alínea C) dos Factos Assentes).

4.  O piso da EN 18, onde circulavam os veículos descritos em A) e C), era, nas circunstâncias de tempo referidas em A) a C), em asfalto e encontrava-se em bom estado de conservação (alínea D) dos Factos Assentes).

5.  Com o embate referido em C), o autor perdeu a consciência, tendo-se mantido nesse estado durante cinco dias (alínea E) dos Factos Assentes).

6.  Após o embate, o autor foi transportado para o Hospital Sousa Martins, na Guarda, onde permaneceu internado, tendo-lhe sido diagnosticada uma fractura na perna esquerda e no ombro direito, bem como um traumatismo craniano (alínea F) dos Factos Assentes)

7.  Foi submetido a diversas intervenções cirúrgicas, primeiro no Hospital da Guarda e, depois, no Hospital da Arrábida no Porto, nomeadamente à perna esquerda e ao braço direito (alínea G) dos Factos Assentes).

8.  Teve de efectuar diversos tratamentos, tendo sido sujeito a exercícios de fisioterapia, tratamentos de ortopedia, tratamentos devido ao atraso de consolidação da fractura da tíbia esquerda, o que implicou, em 01/03/2004, a colocação de um excerto (alínea H) dos Factos Assentes).

9.  Em 19/04/2004 constatou-se a existência de um processo infeccioso, tendo o autor sido submetido a nova intervenção cirúrgica em 20/04/2004, procedendo-se à limpeza dos tecidos desvitalizados e à colocação de novos excertos (alínea I) dos Factos Assentes).

10.  Em 18/05/2004, houve necessidade do autor ser submetido a nova intervenção cirúrgica para “correcção dos alinhamentos” (alínea J) dos Factos Assentes).

11.  Durante cerca de dois anos, o autor foi submetido a vários exames médicos, designadamente a exames ortopédicos e neurológicos, devido às lesões sofridas, e, ainda, a tratamentos e exames ao nível do foro psicológico (alínea K) dos Factos Assentes).

12.  Em 29 de Dezembro de 2005, o A. foi submetido ao último exame médico (alínea L) dos Factos Assentes).

13.  Na data do embate descrito em C), o autor trabalhava por conta e à ordem de (…), Lda, encontrando-se, nesse momento, a prestar serviços de electromecânico para a referida sociedade (alínea M) dos Factos Assentes).

14.  Nessa data, a (…, Lda tinha transferido para a chamada Companhia de Seguros C..., S.A. a responsabilidade emergente de acidente de trabalho em relação ao autor, pela apólice nº 1200703499 (alínea N) dos Factos Assentes).

15.  Até 13-02-2008, a chamada pagou ao autor, em virtude do embate descrito em C), as seguintes quantias:

a. Salários € 7.992,56

b. Despesas de farmácia € 7,40

c. Despesas hospitalares € 14.319,89

d. Honorários médicos € 1.652,19

e. Consultas (por avença) € 2.449,09

f. Pensões € 5.426,25

g. Despesas de deslocação e hospedagem € 3.308,06

h. Despesas judiciais € 354,90 (alínea O) dos Factos Assentes).

            16. Quando os condutores dos veículos referidos em A) os estacionaram, nos termos descritos em B), o A. ligou as luzes da sua viatura e o condutor (…) os da sua viatura na posição de mínimos (resposta ao facto 1º da base instrutória).

            17. Assim se mantiveram as viaturas com as luzes ligadas até ao embate referido em C). (resposta ao facto 3º da base instrutória).

            18. O piso encontrava-se seco (resposta ao Facto 7º da Base Instrutória).

19. Nas circunstâncias de tempo e lugar referidas em C), (…), circulava por conta e segundo as ordens e orientações da oficina Auto Electro Brás, prestando os seus serviços de electromecânico (resposta ao Facto 9º da Base Instrutória).

20. Durante cerca de um ano o autor esteve privado de trabalhar (resposta ao Facto 10º da Base Instrutória).

21. Durante o período referido em 10º o autor tinha dificuldade em se deslocar sozinho (resposta ao Facto 17º da Base Instrutória).

22. E esteve impedido de conduzir (resposta ao Facto 18º da Base Instrutória).

23. De tomar banho sozinho (resposta ao Facto 19º da Base Instrutória).

24. Dependendo sempre de terceiros, nomeadamente da esposa (resposta ao Facto 20º da Base Instrutória).

25. Os factos descritos em 17) a 20) causaram tristeza, desgosto e amargura ao autor (resposta ao Facto 21º da Base Instrutória).

26. Durante o período de internamento e das intervenções cirúrgicas que teve de efectuar, o autor sentiu dores (resposta ao Facto 22º da Base Instrutória).

27. Do embate referido em C) e das lesões descritas em F), resultaram para o autor sequelas permanentes e irreversíveis, como fractura consolidada da tíbia esquerda, com deformidade moderada (resposta ao Facto 23º da Base Instrutória).

28. Encurtamento do membro inferior esquerdo em cerca de 2 centímetros (resposta ao Facto 24º da Base Instrutória).

29. Dor residual no ombro direito, por rotura do músculo supra espinhoso (resposta ao Facto 25º da Base Instrutória).

30. Dor residual do polegar esquerdo (resposta ao Facto 26º da Base Instrutória).

31. Síndrome pós traumático, devido a perturbações cognitivas acentuadas (resposta ao Facto 27º da Base Instrutória).

32. Perturbação do sono (resposta ao Facto 28º da Base Instrutória).

33. As sequelas descritas em 23) a 28) provocam sofrimento ao autor (resposta ao Facto 29º da Base Instrutória).

34. Devido às deslocações para efectuar exames e tratamentos médicos, o autor sentiu cansaço (resposta ao Facto 30º da Base Instrutória).

35. Quando ocorreu o embate descrito em C) estava a anoitecer (resposta ao Facto 31º da Base Instrutória).

36. No local, não existia luz pública (resposta ao Facto 32º da Base Instrutória).

37. A faixa de rodagem tinha a largura de 5,80 metros (resposta ao Facto 33º da Base Instrutória).

38. De ambos os lados da estrada existiam pinhais e não existia qualquer edificação (resposta ao Facto 34º da Base Instrutória).

39. O veículo (...)LC circulava com os faróis dianteiros ligados (resposta ao Facto 35º da Base Instrutória).

40. Nas circunstâncias de tempo e lugar descritas em C) o autor encontrava-se na faixa de rodagem da EN 18, no início de uma curva (resposta ao Facto 36º da Base Instrutória).       

IV. Razões de direito

- da verificação dos pressupostos da responsabilidade extracontratual de que depende a obrigação de indemnizar, com culpa efectiva do condutor do LC na produção do acidente, ou pelo menos com a culpa presumida a que alude o artº 503 nº 3 do C.Civil.

No que se refere à verificação dos pressupostos da responsabilidade civil previstos no artº 483 do C.Civil, a discordância de ambos os Recorrentes quanto à decisão sob recurso, refere-se ao facto de a mesma não ter considerado a existência de acto ilícito culposo, nem a culpa presumida, do condutor do veículo LC na ocorrência do acidente.

Alega o A. Recorrente que o responsável pela produção do acidente/atropelamento do A., foi o condutor do veículo LC pois que, agiu de forma negligente na condução e com desatenção, não tendo agido com a diligência e prudência de um bom pai de família, de acordo com o artº 487 C.Civil. Refere que, ainda que não tivesse ficado provada a sua culpa, o que por mera hipótese admite, não ficou provada a culpa do A. e a responsabilidade sempre recairia no condutor do LC que o conduzia por conta e sob as ordens e orientações da sua entidade patronal, presumindo-se a culpa, nos termos do artº 503 nº 3 do C.Civil.

A Seguradora Recorrente invoca a conduta ilícita do condutor do veículo LC que, alega, circulava em velocidade excessiva atenta a existência de uma fonte de perigo na estrada, violando o artº 24 do C.Estrada e a sua culpa na medida em que não tomou as precauções necessárias para evitar o acidente, sempre havendo lugar à presunção de culpa estabelecida no artº 503 nº 3 do C.Civil.

Estipula o artº 483 do C.Civil que: “Aquele que com dolo ou mera culpa violar ilicitamente o direito de outrem ou qualquer disposição legal destinada a proteger interesses alheios, fica obrigado a indemnizar o lesado pelos danos resultantes dessa violação.”

            Temos assim que se torna necessária a verificação cumulativa de cinco requisitos, para que haja responsabilidade civil : o facto; a ilicitude; um vínculo de imputação do facto ao lesante; o dano e o nexo de causalidade entre o facto e o dano- Vd. neste sentido, Antunes Varela, in. Das Obrigações em Geral, pág. 355 ss.

Vejamos então, se podem considerar-se verificados os pressupostos da responsabilidade civil previstos no artº 483 nº 1 do C.Civil, centrando-nos nas discordâncias dos Recorrentes quanto à sentença sob recurso, havendo por isso que apurar, em concreto, se os factos provados nos permitem dizer que o condutor do LC foi negligente por não ter tomado as precauções necessárias para evitar o embate, naquilo que é exigível a um bom pai de família, conforme dispõe o artº 487 nº 2 ou se foi violado o artº 24 do C.Estrada.

O artº 487 nº 2 do C.Civil dispõe que: “A culpa é apreciada, na falta de outro critério legal, pela diligência de um bom pai de família, em face das circunstâncias de cada caso.”

Por seu turno, o artº 24 do C.Estrada estabelece, no seu nº 1 que: “O condutor deve regular a velocidade de modo que, atendendo às características e estado da via e do veículo, à carga transportada, às condições meteorológicas ou ambientais, à intensidade do trânsito e a quaisquer outras circunstâncias relevantes, possa, em condições de segurança, executar as manobras cuja necessidade seja de prever e, especialmente, fazer parar o veículo no espaço livre e visível à sua frente.”

No caso em presença, os factos apurados não nos permitem concluir que o condutor do LC teve, a algum título, uma conduta reprovável, ou que, naquelas circunstâncias podia ou devia ter agido de outro modo, observando outros cuidados que lhe eram exigíveis, por seguir desatento, ter desrespeitado algum sinal existente no local ou regra estradal, nomeadamente, por não ter regulado a velocidade do seu veículo às condições de tempo e da via.

Tal como nos diz o Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, de 03/06/2008, in. www.dgsi.pt , o conceito de condutor normalmente diligente, equivalente ao bom pai de família, toma como modelo de aferição um cuidado assente na antecipação preventiva dos riscos normais da condução, e não de riscos excepcionais, assentes num exacerbamento das cautelas para além daquilo que usualmente, naquelas condições concretas, chega para evitar acidentes. É neste sentido que se pode afirmar, que a um condutor normalmente diligente não se pede que conte, à partida, “com a actuação leviana e ilegal” dos outros, sejam eles condutores ou peões.

Os factos revelam-nos que o condutor do LC seguia pelo lado direito da via, que não tinha iluminação pública, ao anoitecer, com os faróis dianteiros do seu veículo ligados e o A. encontrava-se na faixa de rodagem, desse lado direito, no início da curva que aquele veículo se preparava para executar.

Nada se provou também que permita concluir pela alegada desadequação da velocidade do veículo às circunstâncias de tempo e da via, já que não se apurou que o A., no início da curva e na faixa de rodagem, ao anoitecer e sem iluminação pública, pudesse ser avistado com antecedência, pelo condutor de um veículo que nela circulasse, de modo a permitir a paragem do veículo de forma segura, não sendo naturalmente previsível, para quem circulasse na estrada, a existência de um obstáculo na via, ao início da curva, que acabou por ser o A. na faixa de rodagem. Não se constata que haja qualquer outro comportamento do condutor que pudesse ser susceptível de evitar o embate; só o embate que é previsível é que pode levar-nos a dizer que admite a imposição de comportamento que possa evitá-lo.

            Em conclusão, os factos apurados não permitem ao tribunal determinar que o condutor do LC, em face daquelas circunstâncias não tomou todas precauções necessárias a uma condução segura, nomeadamente aquelas que são exigidas a um condutor prudente, não se lhe podendo imputar qualquer culpa efectiva na produção do acidente, nem a violação de qualquer regra estradal que a pode fazer presumir, designadamente do artº 24 do C.Estrada.

Afastada a existência de culpa efectiva por parte do condutor do veículo LC, vejamos agora a questão da culpa presumida invocada por ambos os Recorrentes.

O artº 503 nº 3 do C.Civil, na sua primeira parte estabelece que aquele que conduzir veículo por conta de outrem responde pelos danos que causar, salvo se provar que não houve culpa da sua parte.

No caso em presença, resultou provado que o condutor do LC, quando da ocorrência do sinistro, circulava por conta e segundo as ordens e orientações da oficina Auto Electro Brás, no âmbito dos seus serviços de electromecânico, funcionando por isso a presunção de culpa estabelecida nesta norma.

Vejamos então se podemos dizer que não houve culpa do condutor do veículo na verificação do acidente, no sentido de saber se foi ilidida tal presunção, ou seja, se os factos provados permitem concluir que não houve culpa do condutor do veículo na verificação do acidente, conforme entendeu a sentença sob recurso.

Atento o que já se referiu, a propósito da dinâmica do acidente que ficou apurada e da questão da culpa efectiva, podemos constatar que não houve culpa do condutor do veículo LC na produção do acidente, que antes se ficou a dever ao facto de, no início da curva, ao anoitecer, se ter deparado com o vulto do A. na faixa de rodagem por onde ele circulava, o que para qualquer condutor é totalmente imprevisível, não podendo deixar de entender-se que este foi o elemento causal do acidente. O A. encontrava-se em plena faixa de rodagem, do lado direito, atento o sentido de circulação do veículo, ao anoitecer, numa estrada nacional, sem iluminação pública, ao início de uma curva, tendo um comportamento ilegal e leviano e com tal conduta originou o acidente. Verifica-se antes que foi o A. que não agiu com a prudência e diligência a que estava obrigado enquanto peão, não cumprindo os deveres de cuidado e pondo em perigo a circulação rodoviária ao comportar-se da forma como o fez.

Não se vislumbra que o condutor do LC pudesse ter qualquer comportamento adequado para evitar o embate, nem outro factor em desabono a sua condução, sendo forçoso concluir que não houve culpa da sua parte na ocorrência do sinistro, ficando assim afastada a presunção de culpa a que alude o artº 503 nº 3 do C.Civil.

- da existência de responsabilidade objectiva ou pelo risco, nos termos do artº 503 nº 1 do C.Civil por o atropelamento ter resultado do risco próprio da utilização do veículo.

Embora a invocada obrigação de indemnizar da R. tenha sido desenhada no âmbito da responsabilidade civil extracontratual, instituto previsto no artº 483 do C.Civil, tem sido jurisprudência constante a que aceita que, não se fazendo prova da culpa, o tribunal possa avaliar o pedido indemnizatório à luz da responsabilidade pelo risco- vd. neste sentido, entre outros, Acórdão do STJ de 04/10/2007, in. www.dgsi.pt

A responsabilidade pelo risco ou independente de culpa é excepcional, apenas existindo nos casos que a lei expressamente consagra, conforme resulta do disposto no artº 484 nº 2 do C.Civil.

Esta forma de responsabilidade objectiva assenta, essencialmente, na ideia de risco que deve ser suportado por aqueles que retiram as utilidades ou benefícios das coisas, ou seja, quem cria ou mantém o risco em proveito próprio, deve suportar as consequências prejudiciais que daí possam advir.

O artº 503 nº 1 do C.Civil estabelece que: “Aquele que tiver a direcção efectiva de qualquer veículo de circulação terrestre e o utilizar no seu próprio interesse, ainda que por intermédio de comissário, responde pelos danos provenientes dos riscos próprios do veículo, mesmo que este não se encontre em circulação.”

A responsabilidade objectiva aqui prevista funda-se na ideia de que o risco da coisa deve ser suportado por quem dela tira utilidade ou benefício, devendo por isso assumir os prejuízos que daí resultam.

A este respeito importa ainda ter em conta o que dispõe o artº 505 do C.Civil que exclui a responsabilidade prevista no artº 503 nº 1 quando o acidente for imputável ao próprio lesado ou a terceiro ou quando resulte de causa de força maior, estranha ao funcionamento do veículo.

A questão que aqui se põe é então a de saber se a sentença sob recurso julgou mal ao ter decidido que o acidente foi imputável ao A., de modo a excluir a responsabilidade pelo risco prevista no artº 503 nº 1 do C.Civil

 Ora, em face dos factos que resultaram provados e conforme já se referiu antes, temos de concluir que o A. não usou dos cuidados devidos ao ir para a faixa de rodagem, no início de uma curva, onde se encontrava quando ocorreu o embate, ao anoitecer, sendo o acidente imputável a ele próprio, numa ocorrência que o condutor do veículo não pôde evitar, por ser totalmente imprevisível para ele deparar-se com tal obstáculo na via.

Neste caso, o acidente não ficou a dever-se aos particulares riscos de circulação do veículo, mas antes à conduta do A. que, nas circunstâncias já mencionadas, se colocou na faixa de rodagem, numa estrada nacional, no início de uma curva, quando estava já a anoitecer e num local sem iluminação pública.

Conclui-se por isso que o acidente se ficou a dever unicamente à violação dos deveres de cuidado por parte do A., cujo comportamento foi causal para a verificação do acidente, que por isso lhe é imputável, sendo ele o único culpado. Nestes termos, fica excluída a responsabilidade objectiva do proprietário do veículo LC, estabelecida no artº 503 nº1 do C. Civil, na medida em que o artº 505 determina tal exclusão quando o acidente for imputável ao próprio lesado, o que é o caso.

Assim, a sentença sob recurso, na sua decisão de direito, não merece censura, confirmando-se a mesma.

V. Sumário:

1. Não há culpa do condutor do veículo na produção do acidente, que se ficou a dever ao facto de, no início da curva, ao anoitecer, numa estrada sem iluminação pública, se ter deparado com um vulto na faixa de rodagem por onde ele circulava, o que para qualquer condutor é totalmente imprevisível.

2. É o peão que não age com a prudência e diligência a que está obrigado enquanto tal, não cumprindo os deveres de cuidado e pondo em perigo a circulação rodoviária ao ir para a faixa de rodagem, no início de uma curva.

3. Fica excluída a responsabilidade objectiva do proprietário do veículo LC, estabelecida no artº 503 nº1 do C. Civil, na medida em que o artº 505 determina tal exclusão quando o acidente for imputável ao próprio lesado, o que é o caso.

VI. Decisão:

Em face do exposto, julgam-se improcedentes os recursos interpostos, confirmando-se a decisão recorrida.

Custas pelas Recorrentes.

Notifique.

*

                                  

                                               Maria Inês Moura (relatora)

                                               Luís Cravo (1º adjunto)

                                               Maria José Guerra (2º adjunto)