Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
55/22.7GAOHP.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: MARIA TERESA COIMBRA
Descritores: DESPACHO DE NÃO PRONÚNCIA
DECISÃO ABSOLUTÓRIA
FUNDAMENTAÇÃO POR REMISSÃO
Data do Acordão: 11/22/2023
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE COIMBRA – JUÍZO DE INSTRUÇÃO CRIMINAL DE COIMBRA – JUIZ 3
Texto Integral: N
Meio Processual: RECURSO DECIDIDO EM CONFERÊNCIA
Decisão: NEGADO PROVIMENTO AO RECURSO
Legislação Nacional: ARTIGOS 400.º, N.º 1, ALÍNEA D), E 425.º, N.º 5, DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL/C.P.P.
Sumário:
I – O acórdão da relação que, em recurso, confirma a decisão de não pronúncia, por insuficiente indiciação dos factos acusados, constitui decisão absolutória, ainda que formal, visto que determina a absolvição da instância, não admitindo, consequentemente, recurso para o Supremo Tribunal de Justiça.

II – Neste caso, havendo confirmação do despacho recorrido, a relação pode limitar-se a negar provimento ao recurso, remetendo para os fundamentos da decisão impugnada, ao abrigo do disposto no artigo 425.º, n.º 5, do C.P.P.

Decisão Texto Integral:

            I.

            … foi proferida a seguinte decisão: (…) “não pronuncio o arguido … pela prática dos factos que lhe são imputados no requerimento para abertura de instrução … determinando, consequentemente, o oportuno arquivamento dos autos”.

            Inconformada, interpôs a assistente … recurso, …

    


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            …

                                                                       *

            II.

            Cumpre apreciar e decidir tendo em conta que são as conclusões do recurso que delimitam o seu âmbito, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso e que analisando a síntese conclusiva se impõe decidir se o arguido deveria ter sido pronunciado pela prática de um crime de burla p.p. artigo 217º nº 1 do Código Penal.


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            É a seguinte a decisão recorrida:

…, apresentou queixa contra:

… imputando-lhe a prática de factos, prima facie, susceptíveis de o constituírem autor material de um crime de burla, previsto e punido pelo art.º 217.º, n.º 1, do Código Penal.


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Findo o inquérito, o Ministério Público proferiu despacho de arquivamento, por, no seu entender, inexistirem indícios da prática de crime, …

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Inconformada com o arquivamento, admitida a intervir nos autos como assistente, … requereu a abertura da instrução, pugnando pela pronúncia …

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II

Quando inquirida, a ora assistente confirmou o que dissera aquando da apresentação da queixa, acrescentando que, em Janeiro de 2022, após se deslocar ao serviço de Finanças, para pagar o IUC, é que se apercebeu que a matrícula se encontrava cancelada, após o que confrontou o arguido, que a informou que era ela que tinha de ter tratado da mudança de propriedade, visto que os documentos do carro se encontravam na sua posse; Mais acrescentou que, sempre que falava deste assunto ao arguido, este dizia que os documentos deviam estar a chegar; Para ser possível regularizar a situação do veículo, este teria de ser submetido a uma inspecção, na qual não passaria, tendo em conta as avarias então existentes, pelo que considerava que tais despesas deveria ser suportadas pelo arguido por ter sido ele a dar origem ao problema.

Da cópia de “declaração de circulação”, a fls. 5, consta que o arguido possuía os documentos do veículo com vista à transferência de propriedade, estando aposta em tal declaração a validade de 90 dias.

Quando interrogado, o arguido, …, disse:   

Acordou com a assistente que seria esta a suportar o custo da mudança de registo de propriedade; No entanto, aquela nunca procedeu ao pagamento de tal valor, pelo que lhe entregou os documentos da viatura e a declaração de venda para que fosse esta a regularizar a situação; Contactou várias vezes a assistente para que esta regularizasse a situação do veículo e que se terá oferecido para tratar da situação, mediante o pagamento do custo que tal acarretaria.

Posto isto, temos que, consoante já referido pelo Ministério Público no despacho de arquivamento, ainda que se pudesse afirmar a existência de um eventual prejuízo patrimonial na esfera da assistente, este não consistiria na disposição patrimonial respeitante ao dispêndio do montante pago para a aquisição do veículo (€ 2.000,00), mas, quando muito, no montante que a assistente teria de desembolsar para regularizar a situação, a renovação da matrícula e a inspecção do veículo.

Contudo, o que resulta dos elementos probatórios supra mencionados é que não foi o arguido quem deu, directamente, azo à situação em que o veículo se encontra, pois foi o antigo proprietário do veículo quem solicitou a apreensão do veículo e o cancelamento da matrícula (embora, é certo, pela inércia do arguido em proceder ao registo da propriedade em seu nome, quiçá na perspectiva de uma rápida venda do automóvel, que não veio a suceder e pela corrente prática negocial de alguns negociantes de veículos automóveis usados não registarem os veículos em seu nome, com a perspectiva de que quanto maior o número de proprietários registrais, menos valor comercial terão os automóveis futuramente).

Ademais, não se descortina o dolo específico da intenção de obter para si ou para terceiro enriquecimento ilegítimo, já que, na compra e venda do veículo, a obtenção do pagamento do preço (e com o respectivo lucro), apresenta-se como legítima, tendo, aliás, como correspectivo, a real transferência da propriedade e da posse do bem objecto do contrato para a assistente, na esfera de quem, desde então, se encontra, e, também, não se descobre a existência de um qualquer ganho ou vantagem patrimonial para o arguido com a não transferência do registo de propriedade ou com o cancelamento da matrícula.

Destarte, não se descortina a indiciação dos elementos típicos objectivos e subjectivos do crime de burla, antes se desenhando a situação trazida a juízo no âmbito juscivilístico – na eventualidade da existência de responsabilidade do vendedor – a dirimir em sede própria, que não no âmbito do Direito Penal.

 Existem indícios da seguinte factualidade descrita no douto requerimento para abertura da instrução e que ora se transcreve:

1 – O Arguido, em 08/03/2021, vendeu, à Assistente, o veículo automóvel …

2 – E entregou-lhe o documento denominado “Declaração de Circulação”;

3 – Desde 07/2019, o Arguido, não promoveu a prévia transferência da propriedade da viatura para seu nome provinda do anterior proprietário e vendedor da viatura.

4 – A data de validade da “Declaração de Circulação”, que era por 90 dias, terminava a 08/06/2021;

5 – A 31/05/2021, já o anterior proprietário havia requerido o cancelamento da matrícula, o que veio a suceder a 04/06/2021.

Não existem indícios da seguinte factualidade descrita no douto requerimento para abertura da instrução e que ora se transcreve:

1 – O Arguido, com intenção de obter para si um enriquecimento ilegítimo (vantagem patrimonial de €2.000,00);

2 – Por meio de engano que astuciosamente provocou …

3 – Determinou a Assistente a celebrar negócio consigo na compra e venda da viatura automóvel …

4 – Que lhe causou um prejuízo patrimonial equivalente ao valor pago pelo carro, uma vez que o mesmo não podia circular na via pública, …

5 – O Participado agiu sempre de forma livre, voluntária e consciente, bem sabendo que todas as suas descritas condutas eram proibidas e punidas por lei.


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Em conclusão, não se descobre uma razoável probabilidade de uma futura condenação do arguido, em sede de julgamento, pelos factos que lhe são imputados pela assistente no seu douto requerimento para abertura da instrução e com a respectiva qualificação jurídica.

Restará, pois, concluir pela não pronúncia. *

III DECISÃO:

Pelo exposto, não pronuncio o arguido, …, (…) pela prática dos factos que lhe são imputados no requerimento para abertura da instrução, susceptíveis de, alegadamente, o constituírem autor material de um crime de burla, previsto e punido pelo art.º 217.º, n.º 1, do Código Penal, determinando, consequentemente, o oportuno arquivamento dos autos.


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            (…).

            Apreciação do recurso.

          Como é pacífico na jurisprudência e vem sendo dito de modo uniforme desde há vários anos e que agora se repete, usando as palavras e as referências doutrinais constantes do acórdão da Relação de Guimarães de 15 de dezembro de 2016, proferido no processo 340/12.6JABRG.G2 (Des. Cruz Bucho), o Supremo Tribunal de Justiça, em Acórdão de 11 de Outubro de 2001, publicado na Coletânea de Jurisprudência (CJSTJ, Ano III, pp. 196- 198), decidiu que o acórdão da Relação que, em recurso, confirmar a decisão de não pronúncia, por insuficiente indiciação dos factos acusados, constitui decisão absolutória, ainda que formal, visto que determina a absolvição da instância, não admitindo, consequentemente, recurso para o Supremo Tribunal de Justiça. E repetiu este julgamento em acórdãos de 29 de Novembro de 2000 (Processo n.º 2113/2000-3), de 5 de Abril de 2001 (Processo n° 870/01-5), de 15 de Novembro de 2001 (Processo nº 3652/01-5), de 6 de Fevereiro de 2002, de 7 de Fevereiro de 2002, de 12 de Dezembro de 2002 (Processo n.° 4414/02- 5), de 8 de Julho de 2003 (Processo nº 2304/03-5) e de 2 de Maio de 2006 (Processo n° 849/2006-5), entre outros.

Pode, então, dizer-se com segurança que constitui jurisprudência uniforme a que caracteriza o acórdão confirmatório de uma decisão de não pronúncia como acórdão absolutório para os efeitos previstos no artigo 400º, n.º1, alínea d) e, consequentemente, no artigo 425.° do Código de Processo Penal.

Por isso, havendo confirmação do despacho recorrido, a Relação pode limitar-se a negar provimento ao recurso, remetendo para os fundamentos da decisão impugnada ao abrigo do disposto no artigo 425.º, n.º 5 do Código de Processo Penal (cfr. neste sentido, entre outros, os Acs. da Rel. de Lisboa de 2-5-2006 proferido no proc. n.º 849/2006-5, da Rel. de Coimbra de 11-3-2015 proferido no proc. n.º 202/11.4TALNH.C1, da Rel. de Guimarães de 6-12-2010 proferido no proc. n.º 1250/07.4TABCL.G2 e de 8-3-2021 proferido no processo 138/16.2 T9VRL.G2 e mais recentemente, o Acórdão desta Relação de Coimbra de 25-10-2023, proferido no processo 3671/22.3T9CBR.C1, acessíveis in www.dgsi.pt).

No caso em apreço a decisão recorrida é de não pronúncia, confirmativa de anterior decisão de arquivamento e dela consta uma análise exaustiva fáctica e jurídica da inexistência de indícios da prática pelo arguido do imputado crime de burla, análise esta que se configura correta, completa e clara, razão pela qual, resta apenas a este tribunal, remetendo para os fundamentos que dela constam, confirmá-la.


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III.

DECISÃO.

Em face do exposto decidem os juízes da secção criminal do Tribunal da Relação de Coimbra julgar improcedente o recurso interposto pela assistente e confirmar a decisão recorrida.

          Custas pela recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 3Ucs.

Notifique.

                                             Coimbra, 22 de novembro de 2023


Maria Teresa Coimbra

Maria José Guerra

Rosa Pinto