Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
11/08.8PEFIG.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: JOSÉ EDUARDO MARTINS
Descritores: JULGAMENTO
GRAVAÇÃO DA PROVA
DEFICIENTE
NULIDADE
ARGUIÇÃO
Data do Acordão: 03/10/2010
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COMARCA DA FIGUEIRA DA FOZ – 3º J
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTIGO 32º CRP ,118º, N.º 2 E 123º, N.º 1, 363º DO CPP, 9.º, DO DECRETO-LEI 39/95, DE 15/2
Sumário: Outra interpretação que não seja a de se admitir a arguição da nulidade da gravação no recurso interposto da matéria de facto (até ao final do respectivo prazo), viola o artigo 32º, nº 1, da Constituição, que consagra o direito ao recurso como uma das garantias de defesa em processo penal, pois lhe restringe excessiva e desproporcionadamente o direito de impugnar as nulidades ocorridas na gravação de uma anterior sessão de julgamento.
Decisão Texto Integral: I. Relatório:

No âmbito do processo comum (tribunal singular) n.º 11/08.8PEFIG que corre termos no 3.º Juízo do Tribunal Judicial da Figueira da Foz, foi imputada ao arguido O..., devidamente identificado nos autos, a prática de um crime de condução sem habilitação legal, p. e p. pelo artigo 3º, nº 1 e nº 2, do D.L. 2/98, de 3 de Janeiro, com referência ao artigo 121.º, n.º 1. do Código da Estrada.             Realizado o julgamento, por sentença de 6 de Julho de 2009, foi decidido condenar o arguido como autor do citado crime, na pena de um ano e dois meses de prisão.

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Inconformado com a decisão, dela recorreu o arguido, em 7/9/2009, defendendo, por um lado, a nulidade de todo o processado por impossibilidade de sindicância do depoimento do arguido, e, por outro lado, a sua absolvição por falta de prova, e, ainda, caso o tribunal opte pela condenação, a aplicação de uma pena não privativa de liberdade, ou, ainda, por último, a redução da pena aplicada, extraindo da respectiva motivação do recurso as seguintes conclusões:
a. O arguido requereu a entrega das gravações das duas sessões de julgamento, para poder recorrer da matéria de facto, tendo-lhe sido entregues 2 CDs com as referidas gravações, sendo certo que apenas um deles – contendo a primeira sessão de julgamento em 23/04/2009 – estava audível, sendo que o 2º CD (contendo a sessão de 20/05/2009), precisamente com as declarações do arguido, não se conseguia ouvir em aparelho algum;
b. Impossivel é, pois, a sindicância do depoimento prestado pelo arguido, em 20/05/2009, e bem assim o apuramento da contradição entre o seu depoimento e o depoimento das testemunhas J... e A…;
c. Tratando-se claramente de uma deficiente (ou mesmo inexistente) documentação das declarações prestadas oralmente na audiência de discussão e julgamento, o vício cominado para estas situações é, indubitavelmente a nulidade (ainda que sanável) que deverá ser de imediato declarada, nos termos do que consta expressamente no artigo 363º do CPP, tornando inválida toda a prova produzida (cfr. artigo 122º, n.º 1 do CPP);
Quanto aos factos:
d. Da audição do depoimento das duas testemunhas resulta contradição quanto à cor do veículo em que alegadamente seguia o arguido, sendo que a testemunha A... diz que o carro era preto e a testemunha J… afirma ser verde ou cinzento;
e. Resulta ainda dos mesmos testemunhos que não foi ordenada a imobilização do veículo, tendo o “reconhecimento” do arguido sido efectuado por conhecimento do utilizador habitual do mesmo!!!, ao que acresce o facto de o auto ter sido elaborado por semelhança com outros anteriores existentes na esquadra...!!! (04.42 min. do seu depoimento, gravado em 23.04.2009);
f. E de ter sido ajudado no seu depoimento pelo Ilustre Magistrado do Ministério Público que se encarregou de justificar aquilo que a testemunha não conseguia (aos 04.50 min. do depoimento da testemunha José Borges, gravado na sessão do dia 23.04.2009)
g. A rua onde foi visto o veículo é de sentido único e o sentido de circulação é virado para nascente (de Oeste para Este) pelo que atendendo à hora da ocorrência dos factos– 10h18m - e o local onde se encontravam as testemunhas, o sol estaria a incidir de frente sobre o pára-brisas do veículo, impossibilitando a identificação do seu condutor;
h. Torna-se evidente que o testemunho dos agentes policiais não podia sustentar sem quaisquer dúvidas o teor da douta acusação pública;
i. Tais depoimentos teriam ainda sempre de ser confrontados com o depoimento do arguido que, pelos motivos já expostos não pode ser sindicado por este Venerando Tribunal.
j. Assim, e por manifesta falta de prova consistente que permita corroborar o conteúdo da douta acusação pública, deverá vigorar o princípio “in dubio pro reo”, devendo este ser absolvido, por manifesta falta de provas.
k. O arguido foi condenado a um ano e dois meses de prisão pela prática do crime de condução de veículo sem se encontrar habilitado, uma pena tão exemplar com a qual, salvo o devido respeito por opinião contraditória, o ora Recorrente não se pode conformar.
l. Trata-se de uma severa condenação penal que é contraditória com a constatação de que o arguido começou recentemente, a alcançar algum juízo crítico em relação à sua conduta e no que concerne à prática de crime de condução sem carta;
m. O que se confirma pelo facto de o arguido se encontrar a tirar a carta de condução (conforme docs. junto aos autos);
n. O Tribunal considera que o arguido não fez prova de que este objectivo era certo, ou de que o arguido venha a conseguir concretizar esse seu objectivo, ora, sempre teríamos de afirmar que tal facto é insusceptível de prova porquanto, e como diz o povo, “o futuro a Deus pertence”;
o. A pena aplicada é também contraditória com o facto de o tribunal reconhecer que o agregado familiar do arguido necessita do seu apoio: “dois filhos menores de 2 e 4 anos de idade, a mãe e a companheira desempregadas e um irmão mais novo (de 27 anos) com paralesia cerebral” (fls. 154 dos autos).
p. Além de contraditória tal decisão é ilegal porquanto estipula o artigo 70º do CP que, se ao crime forem aplicaveis, em alternativa, pena privativa e pena não privativa da liberdade deverá ser dada preferência à pena não privativa;
q. Poderia e deveria o Tribunal ter optado por uma pena suspensa, com imposição de regras de conduta, ou obrigações (como a de obter o título de condução num determinado prazo), ou mesmo optar por uma pena de prestação de trabalho a favor da comunidade, sanções que sancionariam também de forma severa o arguido e não penalizariam a sua família,
r. Concluindo-se assim que a ponderação dos factores que determinaram a aplicação de uma pena privativa da liberdade não foi feita de forma equilibrada e muito dificilmente atingirá os fins a que se propõe.
s. Por último, o Tribunal refere ter chegado a esta medida da pena, de um ano e dois meses, por considerar que o Arguido actuou com dolo directo, apesar de não ter considerado o dolo como intenso, pelo que se considera ter sido manifestamente severo na determinação concreta da pena.
t. A Sentença recorrida faz errada aplicação do disposto nos art.os 122º, 363º e 364º, do Código do Processo Penal e também dos artigos 51º, 58º, 70º e 71º do Código Penal.
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O Ministério Público junto do Tribunal recorrido respondeu, em 21/9/2009, defendendo a improcedência total do recurso, argumentando, sem apresentar conclusões, em resumo, o seguinte:

1. As declarações do arguido são perceptíveis.

2. Existe prova no sentido da condenação do arguido.

3. A pena é adequada.

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O recurso foi admitido, 16/10/2009.

Nesta Relação, o Exmo. Procurador-Geral Adjunto, em 3/11/2009, emitiu parecer no sentido da improcedência total do recurso.

 Cumpriu-se o disposto no artigo 417º, nº 2, do Código de Processo Penal, não tendo sido usado do direito de resposta.

Efectuado o exame preliminar e colhidos os vistos, teve lugar conferência, cumprindo apreciar e decidir.


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II. Decisão recorrida:

II – Fundamentação.

A) De Facto:

                1- Discutida a causa encontram-se provados os seguintes factos:

               

                1 - No dia 04.03.2008, pelas 10H18, no cruzamento da Rua Cândido dos Reis com Passeio Infante D. Henrique, em São Julião, Figueira da Foz, O..., conduzia o veículo automóvel ligeiro de passageiros de marca “ Alfa Romeo”, de cor cinzento-escuro e com a matrícula …., quando foi detectado por agentes da Polícia de Segurança Pública que se encontravam a exercer funções pedonalmente.

2 - O arguido O... não possui licença de condução de veículos automóveis, nem qualquer outro elemento que legalmente o habilitasse a conduzir.

3 - Agiu o arguido de forma livre, com o propósito de exercer a condução do veículo automóvel em via rodoviária, bem sabendo que não tinha documento que o habilitasse a conduzir e que, nessas condições, a condução de veículos a motor na via lhe estava vedada, resultado esse que representou.

4 - Sabia ainda o arguido que a sua conduta era proibida e punida por lei.

5 - O arguido tem averbado no seu certificado de registo criminal as seguintes condenações:

                --- por factos praticados em 1997, foi o arguido condenado por decisão proferida em 16.07.99, como autor de um crime de traficante/consumidor, previsto no art. 26º, nº. 1 do DL 15/93, na pena de sete meses de prisão, suspensa na sua execução pelo período de um ano.

                              

- por factos praticados em 5.02.99, foi o arguido condenado por decisão proferida em 29.03.00, transitada em julgado, como autor de dois crimes de furto qualificado, p. e p. pelo art. 203º, nº. 1 e art. 204º, nº. 2, al. e) do CP, na pena de 2 anos e 6 meses de prisão, cuja execução foi suspensa pelo período de dezoito meses.

- por factos praticados em Março de 1999, foi o arguido condenado por decisão proferida em 14.06.00, como autor de crime de furto qualificado, p. e p. pelo art. 203º, nº. 1 e art. 204, nº. 2, al. e) do Código Penal, na pena de dois anos de prisão, suspensa na sua execução pelo período de dois anos.

- por factos praticados em 16.10.2003, foi o arguido condenado por decisão proferida em 24.10.2003, transitada em julgado em 10.11.2003, como autor de um crime de condução de veículo sem habilitação legal, p. e p. pelo art. 3º, nº. 1 e 2 do DL 2/98 de 3 de Janeiro, na pena de 150 dias de multa, à razão diária de € 4,5

- por factos praticados em 13.07.2007, foi o arguido condenado por decisão proferida em 13.07.2007, transitada em julgado em 30.07.2007, como autor de um crime de condução de veículo sem habilitação legal, p. e p. pelo art. 3º, nº. 1 e 2 do DL 2/98 de 3 de Janeiro, na pena de 80 dias de multa, à razão diária de € 4,00.

- por factos praticados em 28.01.2005, foi o arguido condenado por Acórdão proferido em 6.11.2007, transitado em julgado em 26.11.2007, como autor de um crime de ofensa à integridade física grave, p. e p. pelo art. 146º, nº. 1 e 2 do Código Penal; como autor de um crime de coacção na forma tentada, p. e p. pelo art. 155º, nº. 1, al. a) e por um crime de ameaça, p. e p. pelo art. 155, nº. 1 e 2 do Código Penal, na pena única de 3 anos, suspensa na sua execução pelo período de 3 anos.

- por factos praticados em 3.01.2008, foi o arguido condenado por decisão proferida em 4.01.2008, transitada em julgado em 13.02.2008, como autor de um crime de condução de veículo sem habilitação legal, p. e p. pelo art. 3º, nº. 1 e 2 do DL 2/98 de 3 de Janeiro, na pena de 8 meses, suspensa na sua execução pelo período de 1 ano.

- por factos praticados em 17.09.2007, foi o arguido condenado por decisão proferida em 29.01.2008, transitada em julgado em 28.02.2008, como autor de um crime de condução de veículo sem habilitação legal, p. e p. pelo art. 3º, nº. 1 e 2 do DL 2/98 de 3 de Janeiro, na pena de 150 dias de multa, à razão diária de € 5,00.

- por factos praticados em 10.04.2008, foi o arguido condenado por decisão proferida em 18.04.2008, transitada em julgado em 8.05.2008, como autor de um crime de condução de veículo sem habilitação legal, p. e p. pelo art. 3º, nº. 1 e 2 do DL 2/98 de 3 de Janeiro, na pena de 1 ano de prisão, suspensa na sua execução pelo período de 1 ano, com a condição de se inscrever em escola de condução e a frequentar assiduamente as aulas.

- por factos praticados em 20.09.2007, foi o arguido condenado por decisão proferida em 10.12.2008, transitada em julgado em 22.01.2009, como autor de um crime de condução de veículo sem habilitação legal, p. e p. pelo art. 3º, nº. 1 e 2 do DL 2/98 de 3 de Janeiro, na pena de 1 ano de prisão, substituída por trabalho a favor da comunidade.

6 - O arguido confessou os factos e declarou estar arrependido.

7 - O arguido está inscrito em escola de condução.

8 - O arguido tem um irmão que sofre de paralisia cerebral.

9 - De acordo com o teor do relatório social o arguido “ integra o sistema familiar constituído pela mãe, inactiva profissionalmente, pela companha, desempregada, um irmão mais novo, 27 anos, com paralisia cerebral e por duas filhas menores de idade, com quatro e dois anos de idade. A nível habitacional o presente sistema familiar reside em casa de renda com razoáveis condições de habitabilidade. Inactivo há cerca de um ano, O... beneficia, tal como outros elementos da família, do rendimento social de inserção. O sistema familiar surge economicamente dependente de prestações dos Serviços de Segurança Social, nos quais inclui pensão de sobrevivência atribuída ao irmão mais novo, no valor de 300€ e subsídio familiar das duas filhas, no montante de 100,00 euros. Toxicodependente, o arguido sinaliza os primeiros consumos aditivos na fase de adolescência, os quais se foram progressivamente agravando, com introdução de heroína. Após nova fase de reincidência, O... efectuou recentemente processo de desintoxicação física, no Centro Hospitalar Psiquiátrico de Coimbra, efectuando, no momento tratamento com antagonista de heroína, no IDT da Figueira da Foz. O arguido com duas filhas, com quatro e dois anos de idade, vive maritalmente com a sua companheira, denotando, contudo, imaturidade ao nível do seu funcionamento individual”.

Apesar das dificuldades identificadas, associadas, nomeadamente, à problemática da toxicodepência e aparentes fragilidades de ordem emocional, a mãe de O... valoriza o seu apoio no que se refere aos cuidados prestados ao irmão mais novo, em situação de total dependência de outrem. Com baixo nível de escolaridade e sem qualificação profissional consistente, O... com duas filhas menores de idade traduz ausência de hábitos de trabalho regulares. Integrando um sistema familiar de baixos recursos sócio-económicos, dependente de apoio dos Serviços de Segurança Social, o arguido denota um modo de funcionamento tendencialmente imaturo, situação que não parece surgir dissociada da problemática de toxicodependência que tem vindo a evidenciar.(…) O arguido começa a denotar algum nível de consciência crítica, salientando a actual preocupação em respeitar valores sociais subjacentes aos bens e regras juridicamente estabelecidos, contrariando situações que justificaram prévias condenações.”

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2. Não se provaram outros factos com relevância para a decisão da causa e que estejam em contradição com os assentes.


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 3. Motivação:

A convicção do tribunal formou-se com base nas declarações prestadas pelo arguido que assumiram a forma de confissão integral e sem reservas.

Importante foi o depoimento prestado pelas testemunhas A...  e J…, ambos agentes da PSP, os quais declararam de forma convincente e sem qualquer dúvida,  que na data indicada nos factos dados como provados viram o arguido conduzir. Ambas as testemunhas declararam que estavam a pé e perto do local onde o arguido passou de carro e que viram o arguido ao volante, a conduzir a viatura mencionada na acusação. Referiram ainda que o veículo utilizado pelo arguido já era conhecido e que o mesmo já anteriormente tinha sido identificado por diversas vezes, pela mesma situação, ou seja, por conduzir sem estar habilitado. No dia em causa não foi possível mandar parar o arguido, nem seguir o mesmo, uma vez que estavam sem viatura, razão pela qual foi elaborado o auto de notícia onde relataram a circunstância que presenciaram

Para a determinação das condições económicas, familiares e profissionais atendeu o tribunal ao teor do relatório social junto aos autos a fls. 128 a 133.

No que se refere à determinação dos antecedentes criminais atendeu o tribunal ao certificado de registo criminal do arguido junto aos autos a fls. 135 – 142.


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B) Enquadramento Jurídico – Legal.

Vem imputada ao arguido a prática de um crime de condução de veículo sem habilitação legal, p. e p. pelo art. 3º, n.º 1 e 2 do D.L. 2/98.

Determina a disposição legal em apreço que " Quem conduzir veículo a motor na via pública, ou equiparada, sem para tal estar habilitado nos termos do Código da Estrada é punido com pena de prisão até 1 ano ou pena de multa até120 dias."                                                                                                                                       De acordo com o n.º 2 do citado preceito legal “ Se o agente conduzir, nos termos do número anterior, motociclo ou automóvel a pena é de prisão até 2 anos ou multa até 240 dias “

De acordo com o disposto no art. 121º do Código da Estrada “ só pode conduzir um veículo a motor na via Pública quem estiver legalmente habilitado para o efeito “.
Tratando-se de automóveis o documento que titula a habilitação para a condução dos mesmos, designa-se carta de condução – artigo 122º, n.º 1, do mesmo Código.

Com a disposição legal em apreço pretende o legislador a prevenção de condutas que atentas as suas características colocam em risco bem jurídicos como sendo os da vida e integridade física dos demais utentes da via pública.

A condução de veículo, em via pública, sem que o agente se encontre habilitado, ou seja, sem que o mesmo tenha sido sujeito a processo prévio de ensino e de aprendizagem, constitui um factor de risco, atento que o exercício de condução por si mesmo se revela uma actividade perigosa e quando não exercida com o respeito pelas regras estradais é susceptível de causar danos materiais e pessoais de relevo.

 Ora, atenta a factualidade dada como provada, dúvidas não restam de que o arguido no dia 4 de Março de 2008, conduziu o veículo de matrícula 41-06-EZ, sem para tal estar habilitado.

O arguido sabia ainda que a sua conduta era proibida e punida por Lei.

Pelo exposto, dúvidas não existem de que o arguido praticou o crime pelo qual vinha acusado.


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III – DA DETERMINAÇÃO DA PENA:

O Crime de Condução de Veículo automóvel sem habilitação legal, é punido com pena de prisão até 2 anos ou pena de multa até 240 dias.

Determina o art. 70º do C. P. que “ Se ao crime forem aplicáveis, em alternativa, pena privativa e pena não privativa da liberdade, o tribunal dá preferência à segunda sempre que esta realizar de forma adequada e suficiente as finalidades da punição “.

                Finalidades da punição que de acordo com o art. 40º do C. P. visam “ a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade “.

Para Figueiredo Dias são “ as finalidades exclusivamente preventivas, de prevenção especial e de prevenção geral, não finalidades de compensação da culpa, que justificam a preferência por uma pena alternativa ou por uma pena de substituição e a sua efectiva aplicação”.[1]

Ora, no caso concreto, o arguido quando praticou este crime, ou seja, em 4 de Março de 2008, já tinha sido condenado pela prática de crime de idêntica natureza, em três processos, com sentença transitada em julgado. Sendo de sublinhar que no processo nº. 3/08, processo sumário, a correr termos no 3º juízo deste tribunal judicial, o arguido por sentença transitada em julgado em 13.02.2008 foi condenado pela prática de um crime de condução sem habilitação legal, na pena de prisão de 8 meses, suspensa na sua execução pelo período de um ano.

Da análise destes factos resulta que o arguido praticou o crime a que se reportam estes autos no período da suspensão da execução da referida pena de prisão.

Da análise do certificado de registo criminal resulta que ao arguido, pela prática de diversos crimes já foi por diversas vezes suspensa execução da pena de prisão aplicada, circunstância que não o demoveu de voltar a praticar crimes posteriormente a tais condenações. Do seu certificado de registo criminal constam já seis condenações pela prática de crime de condução de veículo sem habilitação legal, por factos praticados em 16.10. 2003; 13.07.2007; 3.01.08; 17.09.2007; 20.09.2007 e 10.04.2008.

Posteriormente à prática destes factos, o arguido voltou a cometer outros de idêntica natureza, tendo sido condenado em pena de prisão suspensa na sua execução.

Considerando o comportamento do arguido e as condenações averbados no seu certificado de registo criminal, o tribunal considera que a pena de multa não é suficiente para assegurar a realização do fim das penas, e decide aplicar ao arguido a pena de prisão.

Assim sendo, opta-se por aplicar ao arguido uma pena de prisão.

A pena de prisão tem como limite mínimo um mês e máximo dois anos.

                Na determinação da medida concreta da pena a aplicar ao arguido ter-se-ão em consideração os vectores básicos enunciados no artigo 71º, a saber: a culpa do agente e as exigências de prevenção, bem como as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo, deponham a favor do agente ou contra ele.

Assim, e face aos factos provados, considera-se que é elevada a ilicitude do facto, pois o arguido empreendeu a condução do veículo sem ser possuidor da necessária carta de condução.

Contra o arguido milita a circunstância de o mesmo ter actuado com dolo directo, bem como o facto de o mesmo ter antecedentes criminais e pela prática de factos de idêntica natureza.

O comportamento do arguido revela, assim, um censurável sentimento de impunidade, bem como uma personalidade irresponsável e inconsequente.
A favor do arguido apenas importa considerar o esforço que o mesmo fez ao inscrever-se em escola de condução, bem como o facto de estar integrado numa família que carece do seu apoio, nomeadamente para prestar assistência a um irmão que é deficiente profundo.
Contudo, não se pode esquecer que neste domínio são prementes as exigências de prevenção geral positiva, traduzida esta na necessidade de repor o respeito pela segurança rodoviária.

Pelo exposto, decide-se aplicar ao arguido a pena de 1 (um) ano e 2 (dois) meses de prisão.


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                Importa agora apreciar se será de aplicar ao arguido uma pena de substituição e qual a mais adequada.

                O nº. 1 do art. 43º do Código Penal (fruto da alteração introduzida pela Lei nº. 59/2007 de 4 de Setembro), embora prevendo a obrigatoriedade da substituição da pena de prisão aplicada em medida não superior a um ano por pena de multa ou por outra pena não privativa de liberdade, não nos fornece um critério de preferência por qualquer uma das penas de substituição não privativas de liberdade.

Leal Henriques e Simas Santos no Código Penal Anotado, 1.ª vol., pag. 405 e 406, em anotação ao artigo 44º, com a redacção que lhe foi dada pelo DL nº. 48/95, refere que “ A Comissão de Revisão considerou a questão de saber a que pena de substituição deve ser dada preferência mas não chegou a definir um critério de preferência entre as penas de substituição”.

O Professor Figueiredo Dias, in “ As Consequências Jurídicas do Crime”, pag. 365, a propósito da escolha da pena de substituição não privativa de liberdade, refere que “ para uma tal escolha continuam decisivas, em exclusivo, considerações de prevenção, devendo o tribunal eleger aquela espécie de pena de substituição que, em concreto, se revele mais adequada à realização das exigências preventivas que no caso se façam sentir”.

Ora, no caso concreto e atendendo à personalidade do arguido, à sua situação económica e familiar e levando-se em consideração as condenações que o mesmo já sofreu não se considera que a substituição da pena de prisão por multa, nem por prestação de trabalho a favor da comunidade sejam adequadas a afastar do arguido do cometimento de novos crimes.

Ao arguido foi dada anteriormente essa possibilidade e embora tendo o mesmo cumprido as obrigações impostas não deixou de posteriormente voltar a cometer crime de idêntica natureza (ficha nº. 10 do certificado de registo criminal).

 

O arguido apesar de já se encontrar inscrito em escola de condução e apesar de ter sofrido várias condenações ainda não conseguiu ter sucesso no sentido de conseguir obter a necessária carta de condução que o habilite a conduzir.

O arguido não fez prova nos autos do estado em que se encontra a sua aprendizagem, nem se o mesmo se encontra a frequentar as aulas de condução.

Pelo exposto, é incerto que o arguido venha a ter sucesso nesse seu objectivo, o que se revelava fundamental para  que se pudesse por essa via acautelar as exigências de prevenção especial que no caso presente são prementes.


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Determina o art. 50º do C. P. que o “ tribunal suspende a execução da pena de prisão aplicada em medida não superior a cinco anos se, atendendo à personalidade do agente, às condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste, concluir que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades de punição”.

O pressuposto material da aplicação do instituto em apreço é que o tribunal, atendendo à personalidade do agente e às circunstâncias do facto, conclua por um prognóstico favorável relativamente ao comportamento do arguido.

A finalidade política criminal que a lei visa com o regime da suspensão é o afastamento do arguido, da prática de novos crimes.

Ora, o arguido nunca desenvolveu qualquer actividade profissional estável e remunerada.

Como consta do relatório social junto aos autos o mesmo ao longo do seu percurso de vida revelou sempre alguma instabilidade e imaturidade. O mesmo começou recentemente a alcançar algum juízo crítico em relação à sua conduta e no que concerne à prática de crime de condução de veículo sem habilitação legal. No entanto, tal não se revela suficiente para que o tribunal sustente, apenas nesse facto e na necessidade de o arguido prestar apoio ao seu agregado familiar, um juízo de prognose favorável no sentido de que o arguido não voltará a cometer crimes.

Assim e face ao exposto, nada na personalidade do arguido ou nas suas condições de vida fornecem ao tribunal garantias que permitam sustentar um juízo de prognose favorável no sentido de que o mesmo não voltará no futuro a cometer novos crimes.

Pelo exposto, o tribunal decide não suspender a pena de prisão aplicada ao arguido.

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III. Apreciação do Recurso:

De harmonia com o disposto no n.º1, do artigo 412.º, do C.P.P., e conforme jurisprudência pacífica e constante (designadamente, do S.T.J. –  Ac. de 13/5/1998, B.M.J. 477/263, Ac. de 25/6/1998, B.M.J. 478/242, Ac. de 3/2/1999, B.M.J. 477/271), o âmbito do recurso é delimitado em função do teor das conclusões extraídas pelos recorrentes da motivação apresentada, só sendo lícito ao tribunal ad quem apreciar as questões desse modo sintetizadas, sem prejuízo das que importe conhecer, oficiosamente por obstativas da apreciação do seu mérito, como são os vícios da sentença previstos no artigo 410.º, n.º 2, do mesmo diploma, mesmo que o recurso se encontre limitado à matéria de direito (Ac. do Plenário das Secções do S.T.J., de 19/10/1995, D.R. I – A Série, de 28/12/1995).

                São só as questões suscitadas pelo recorrente e sumariadas nas conclusões, da respectiva motivação, que o tribunal ad quem tem de apreciar – artigo 403.º, n.º 1 e 412.º, n.º1 e n.º2, ambos do C.P.P. A este respeito, e no mesmo sentido, ensina Germano Marques da Silva, “Curso de Processo Penal”, Vol. III, 2ª edição, 2000, fls. 335, «Daí que, se o recorrente não retoma nas conclusões as questões que desenvolveu no corpo da motivação (porque se esqueceu ou porque pretendeu restringir o objecto do recurso), o Tribunal Superior só conhecerá das que constam das conclusões». 

Sendo o objecto do recurso delimitado pelas conclusões extraídas da correspondente motivação (artigos 403.º, n.º 1 e 412.º, n.º 1, do Código de Processo Penal), as questões colocadas pelo recorrente à apreciação deste tribunal são as seguintes:

1) Saber se há a nulidade prevista no artigo 363.º, do CPP, por deficiência da gravação respeitante ás declarações do arguido;

                2) Saber se existe erro de julgamento, por manifesta falta de prova, devendo vigorar o princípio in dubio pro reo, com a consequente absolvição do arguido;

                3) Saber se a pena é adequada e equilibrada.

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                1 – Nulidade do artigo 363.º, do CPP, por deficiente gravação:

                Não é pacífica entre a jurisprudência a abordagem desta questão, no que tange ao momento até ao qual pode ser suscitada.

                 A documentação deficiente das declarações prestadas oralmente constitui hoje, para a maioria da jurisprudência, uma nulidade sanável – artigo 363º do CPP, na redacção que lhe foi conferida pela Lei n.º 48/2007 de 29 de Agosto –, ficando prejudicada a jurisprudência fixada no acórdão do STJ n.º 5/2002, que entendia existir irregularidade neste caso e cuja não inconstitucionalidade foi confirmada pelo acórdão do TC n.º 208/2003.          Caracteriza-se tal deficiência pela documentação que não permite ou impossibilita a captação do sentido das palavras dos declarantes.                                                                                                                                        As disposições da referida Lei n.º 48/2007 – aplicáveis in casu - relativas à eliminação da transcrição da audiência de julgamento no caso de gravação magnetofónica ou audiovisual (artigos 364º n.º 1 e 412º, n.º 4 do CPP) aplicam-se imediatamente aos processos pendentes, incluindo as audiências de julgamento em curso na primeira instância, assim como as disposições relativas ao dever do recorrente referir as passagens das gravações que impõem decisão diversa da recorrida (artigo 412º n.º 4) e ao dever do Tribunal superior ouvir ou visualizar as passagens indicadas e outras que considere relevantes (artigo 412º, n.º 6) – Comentário ao CPP de Paulo Pinto Albuquerque – 2ª edição actualizada – página 1014).               

                Acontece que, para uns, tal nulidade esta sujeita ao regime de arguição e de sanação dos art.º 105º n.º 1, 120º, n.º1 e 121º do CPP.                                                                                                                                                             Em conformidade, tem-se entendido que o termo inicial do prazo de 10 dias ocorre no dia em que os suportes técnicos com o registo das gravações ficam à disposição dos sujeitos processuais, visto que só nesta data poderão os interessados tomar conhecimento da omissão ou deficiência da gravação do registo da prova, estando a partir desta data habilitados a arguir o respectivo vício.                                                                                                           De acordo com a citada posição, esta nulidade sana-se se não for tempestivamente arguida, contando-se o prazo de dez dias (artº 105º, n.º 1 do CPP) a partir da audiência, acrescido do tempo que mediou entre a entrega do suporte técnico pelo sujeito processual interessado ao funcionário e a entrega da cópia do suporte técnico ao sujeito processual que a tenha requerido.                                                                                                                                Se a audiência de julgamento se prolongar por várias sessões, o prazo conta-se a partir de cada sessão da audiência, acrescido do tempo que mediou entre a entrega do suporte técnico pelo sujeito processual interessado ao funcionário e a entrega da cópia do suporte técnico ao sujeito processual que a tenha requerido.                           

Assim:                                                                                                                                                                               · é uma nulidade a que se refere o artigo 363º do CPP e não uma irregularidade de acordo com os artigos 118º, n.º 2 e 123º, n.º 1 do CPP, ou uma irregularidade conforme o n.º 2 daquele artigo 123º do CPP (no fundo, a parcial deficiência de um determinado depoimento, com suficiente relevância para não permitir a sua completa percepção, gera nulidade);                                                                                                          · a nulidade deve ser invocada em 10 dias perante o tribunal de 1ª instância, a contar do dia em que se entregaram as cópias das gravações à parte requerente;                                                                                              · pode ainda ser arguida em sede de recurso, se os 10 dias em causa ainda se contiverem dentro do prazo normal de recurso, contado a partir dos momentos temporais do artigo 411º/1 do CPP;                               · pode a Relação conhecer de tal nulidade, não a devendo remeter à 1ª instância para conhecimento da nulidade.

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                Para outros, todavia, deve ser considerado essencialmente que, em matéria de gravação de audiência, estabelece o artigo 9.º, do Decreto-Lei 39/95, de 15/2 (aplicável ex vi artigo 4.º, do CPP):

                 «Se, em qualquer momento se verificar que foi omitida qualquer parte da prova ou que esta se encontra imperceptível, proceder-se-á à sua repetição sempre que esta for essencial ao apuramento da verdade».

                Relembre-se o teor do artigo 363.º, do CPP:

                “As declarações prestadas oralmente são sempre documentadas na acta, sob pena de nulidade”.

                Há, pois, uma nulidade, dependente de arguição. Existe acordo nesta parte com a orientação antes referida.

                Mais, tal convergência de ideias continua quanto ao momento em que é proferida a decisão. Este  será «aquele em que se configura o exercício do direito de dela recorrer, no pressuposto de que só depois de conhecida a decisão final surge na esfera jurídica dos sujeitos processuais por ela afectados, na decorrência de um abstracto direito constitucional ao recurso, o concreto 'direito material' em determinado prazo, deste ou daquele recurso ordinário ou extraordinário» (cf., v. g., José António Barreiros, Sistema e Estrutura do Processo Penal Português, I, p. 189).

                Deste modo, anteriormente à decisão final sobre o objecto do processo, no termo da fase do julgamento em 1.ª instância, não estão concretizados, nem se sabe se processualmente vão existir, os pressupostos de exercício do direito ao recurso, que como «direito a recorrer» de «decisão desfavorável», concreto e efectivo, apenas com aquele acto ganha existência e consistência processual.

                No que respeita ao arguido, o momento relevante do ponto de vista do titular do direito ao recurso só pode ser, assim, coincidente com o momento em que é proferida a decisão de que se pretende recorrer, pois é esta que contém e fixa os elementos determinantes para formulação do juízo de interessado sobre o direito e o exercício do direito de recorrer.

                Aliás tal interpretação é a que melhor se harmoniza com o transcrito artigo 9.º, do Decreto-Lei 39/95, no qual se prevê expressamente a repetição, para o caso de “em qualquer momento” se verificarem deficiências e falhas na gravação, ou se a gravação for inaudível ou deficiente (o sublinhado é nosso).

                E, se tais deficiências, por razões alheias ao recorrente, influenciadoras do exame da decisão da causa, pois impossibilitam não só o recorrente de estruturar o seu recurso sobre a matéria de facto, como o de este tribunal de recurso reavaliar a apreciação dos meios de prova, conforme dispõe o artº 412º nº 6 CPP, são apenas reveladas durante o prazo do recurso devem ser conhecidas pelo tribunal superior.

                Outra interpretação que não seja a de se admitir a arguição da nulidade da gravação no recurso interposto da matéria de facto (até ao final do respectivo prazo), viola o artigo 32º, nº 1, da Constituição, que consagra o direito ao recurso como uma das garantias de defesa em processo penal, pois lhe restringe excessiva e desproporcionadamente o direito de impugnar as nulidades ocorridas na gravação de uma anterior sessão de julgamento.

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                Neste momento, e com todo o respeito pela posição contrária, perfilhamos a segunda tese apresentada, por entendermos ser a que melhor se coaduna com os direitos do arguido, em matéria de recursos.

                Qualquer que seja a orientação a seguir, tendo em conta que o arguido foi ouvido em audiência, no dia 20/5/2009 (fls. 126), e, ainda, que a leitura da sentença ocorreu, no dia 6/7/2009 (fls. 161), sendo certo que o recorrente só pediu a gravação das sessões de julgamento, no dia 24/7/2009 (fls. 163), a qual lhe foi entregue em 7/8/2009 (fls. 165), há que conhecer da questão, a partir do momento em que os prazos processuais apenas foram retomados em 1/9/2009.

                Pois bem, as declarações do arguido, constantes do CD junto aos autos, conforme constatou este Tribunal da Relação de Coimbra, são perfeitamente audíveis e perceptíveis.

                A qualidade da gravação é, até, superior ao normal dos casos. Tudo o que foi dito é perfeitamente compreendido.

                Trata-se, aliás, de uma curta inquirição, na qual o arguido admite a prática dos factos constantes da acusação.  

                Não é sequer compreensível a razão que leva o recorrente a suscitar a presente questão, a menos que tenha existido uma incompatibilidade entre o sistema de gravação e reprodução usado no tribunal recorrido e o sistema doméstico utilizado pelo Ilustre Defensor Oficioso do arguido.

                Pelo exposto, improcede, nesta parte, o recurso.

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                2 – Erro de julgamento, na apreciação da matéria de facto/violação do in dubio pro reo:                 Há erro de julgamento, ínsito no artigo 412.º, n.º 3, do CPP, quando o tribunal considere provado um determinado facto, sem que dele tivesse sido feita prova pelo que deveria ter sido considerado não provado ou quando dá como não provado um facto que, face à prova que foi produzida, deveria ter sido considerado provado.        Na situação de erro de julgamento, o recurso deve reapreciar a prova gravada em 1ª instância, havendo que a ouvir em 2ª instância.                                                                                                                                                      Neste caso, a apreciação não se restringe ao texto da decisão, alargando-se à análise do que se contém e pode extrair da prova (documentada) produzida em audiência, mas sempre dentro dos limites fornecidos pelo recorrente no estrito cumprimento do ónus de especificação imposto pelos n.º 3 e 4 do art. 412.º, do CPP. Nos casos de impugnação ampla, o recurso da matéria de facto não visa a realização de um segundo julgamento sobre aquela matéria, agora com base na audição de gravações, antes constituindo um mero remédio para obviar a eventuais erros ou incorrecções da decisão recorrida na forma como apreciou a prova, na perspectiva dos concretos pontos de facto identificados pelo recorrente.                                                                           Por outras palavras, o recurso que impugne (amplamente) a decisão sobre a matéria de facto não pressupõe, por conseguinte, a reapreciação total do acervo dos elementos de prova produzidos e que serviram de fundamento à decisão recorrida, mas antes uma reapreciação autónoma sobre a razoabilidade da decisão do tribunal a quo quanto aos «concretos pontos de facto que o recorrente especifique como incorrectamente julgados.  Para esse efeito, deve o tribunal de recurso verificar se os pontos de facto questionados têm suporte na fundamentação da decisão recorrida, avaliando e comparando especificadamente os meios de prova indicados nessa decisão e os meios de prova indicados pelo recorrente e que este considera imporem decisão diversa (sobre estas questões, os Acórdãos do S.T.J., de 14 de Março de 2007, Processo 07P21, e de 23 de Maio de 2007, Processo 07P1498, a consultar em www. dgsi.pt)».                                                                                                                             E é exactamente porque o recurso em que se impugne (amplamente) a decisão sobre a matéria de facto não constituiu um novo julgamento do objecto do processo, mas antes um remédio jurídico que se destina a despistar e corrigir, cirurgicamente, erros in judicando ou in procedendo, que o recorrente deverá expressamente indicar, é que se impõe a este o ónus de proceder a uma tríplice especificação, estabelecendo o artigo 412.º, n.º3, do C.P.Penal:                                                                                                                                                      “3.Quando impugne a decisão proferida sobre a matéria de facto, o recorrente deve especificar:            a)- Os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados;                                                       b)-As concretas provas que impõem decisão diversa da recorrida;                                                                     c)-As provas que devem ser renovadas.”                                                                                                                A dita especificação dos «concretos pontos de facto» traduz-se na indicação dos factos individualizados que constam da sentença recorrida e que se consideram incorrectamente julgados, só se satisfazendo tal especificação com a indicação do conteúdo especifico do meio de prova ou de obtenção de prova e com a explicitação da razão pela qual essas «provas» impõem decisão diversa da recorrida.

                Além disso, o n.4, do citado artigo 412.º contempla o seguinte:

                “Quando as provas tenham sido gravadas, as especificações previstas nas alíneas b) e c) do número anterior fazem-se por referência ao consignado na acta, nos termos do disposto no n.º 2 do artigo 364.º, devendo o recorrente indicar concretamente as passagens em que se funda a impugnação.”

                Ora, no caso em apreço, o recorrente, pura e simplesmente, não observou os requisitos dos n.ºs 3 e 4, do artigo 412.º, do CPP, limitando-se a referir que os depoimentos das testemunhas Borges e Simões (agentes policiais) não foram assertivos quanto a sustentar sem quaisquer dúvidas o teor da acusação pública, devendo, então, funcionar o princípio in dubio pro reo.

                Que consequências retirar do exposto?                                                                                                                      Resulta, como já vimos, das conclusões, como da própria motivação do recurso, que o arguido/recorrente não cumpriu, na sua plenitude, as referenciadas exigências normativas, porquanto não especificou os pontos de facto que considera incorrectamente julgados e as provas que impõem decisão diversa da recorrida por referência aos respectivos suportes técnicos de gravação e, por via disso, está este Tribunal de Relação impossibilitado de proceder à modificação da decisão proferida em sede de matéria de facto pelo Tribunal a quo (v. g., art. 431.º do CPP).

Tenhamos presente, nesse sentido, o Ac. do S.T.J. de 24/10/2002, proferido no Processo n.º 2124/02, em que pode ser lido o seguinte: “(…) o labor do tribunal de 2.ª Instância num recurso de matéria de facto não é uma indiscriminada expedição destinada a repetir toda a prova (por leitura e/ou audição), mas sim um trabalho de reexame da apreciação da prova (e eventualmente a partir dos) nos pontos incorrectamente julgados, segundo o recorrente, e a partir das provas que, no mesmo entender, impõem decisão diversa da recorrida – art.º 412.º, n.º 3, als. a) e b) do C.P.P. e levam à transcrição (n.º 4 do art.º 412.º do C.P.P.).

Se o recorrente não cumpre esses deveres, não é exigível ao Tribunal Superior que se lhe substitua e tudo reexamine, quando o que lhe é pedido é que sindique erros de julgamento que lhe sejam devidamente apontados com referência à prova e respectivos suportes”.                                                                                           Consideremos, ainda, que é posição constante da jurisprudência, quer a do STJ, quer a do TC, aquela que entende que “as menções a que aludem as alíneas a), b) e c) do n.º 3 e o n.º 4 do artigo 412º do Código de Processo Penal não traduzem um ónus de natureza puramente secundária ou formal que sobre o recorrente impenda, antes se conexionando com a inteligibilidade e concludência da própria impugnação da decisão proferida sobre a matéria de facto. É o próprio ónus de impugnação da decisão da matéria de facto que não pode considerar-se minimamente cumprido quando o recorrente se limite a, de uma forma vaga ou genérica, questionar a bondade da decisão proferida sobre a matéria de facto” – v.g. ac. TC 140/2004.

E não se diga que o caso justifica a prolação de despacho dirigido aos recorrentes no sentido de aperfeiçoarem as motivações de recurso.

Como adverte a jurisprudência do Tribunal Constitucional, não está aqui em causa apenas uma certa insuficiência ou deficiência formal das conclusões apresentadas pelo arguido recorrente, isto é, relativa à forma de exposição ou condensação de uma impugnação que é, quanto ao mais, apreensível pela motivação do recurso - falta, essa, para a qual a rejeição liminar do recurso, sem oportunidade de correcção dos vícios formais detectados, constitui exigência desproporcionada.

Antes, a indicação exigida pela al. b) do n.º 3 e pelo n.º 4 do art. 412.º do CPP - repete-se, das provas que impõem decisão diversa da recorrida, por referência aos suportes técnicos - é imprescindível logo para a delimitação do âmbito da impugnação da matéria de facto, e não um ónus meramente formal. O cumprimento destas exigências condiciona a própria possibilidade de se entender e delimitar a impugnação da decisão proferida sobre a matéria de facto, exigindo-se, pois, referências específicas, e não apenas uma impugnação genérica da decisão proferida em matéria de facto.

Importa, aliás, recordar, por um lado, que da jurisprudência do T.C. não pode retirar-se uma exigência constitucional de convite ao aperfeiçoamento sempre que o recorrente não tenha, por exemplo, apresentado motivação, ou todos ou parte dos fundamentos possíveis da motivação (e que, portanto, o vício seja substancial, e não apenas formal). E ainda, por outro lado, que o legislador processual pode definir os requisitos adjectivos para o exercício do direito ao recurso, incluindo o cumprimento de certos ónus ou formalidades que não sejam desproporcionados e visem uma finalidade processualmente adequada, sem que tal definição viole o direito ao recurso constitucionalmente consagrado.                                                                                                                                       Ora, é manifestamente este o caso das exigências constantes do artigo 412.º, n.ºs 3, alínea b) e 4, do CPP, cujo cumprimento (incluindo a referência aos suportes técnicos, com indicação da cassete em causa e da localização nesta da gravação das provas em questão) não é desproporcionado e antes serve uma finalidade de ordenamento processual claramente justificada. Aliás, o modo de especificação por referência aos suportes técnicos é deixado em aberto pelo n.º 4 do art. 412.º do CPP, não tendo, porém, no presente caso, existido sequer qualquer esboço dessa referência.

O despacho de aperfeiçoamento neste caso equivaleria, no fundo, à concessão de novo prazo para recorrer, que não pode considerar-se compreendido no próprio direito ao recurso.

Enfatizemos, sendo este o caso, falta de indicação, na motivação e nas conclusões do recurso, das menções contidas nos n.ºs. 2 e 3, do artigo 412.º, do CPP, não há que convidar o recorrente a corrigir o seu requerimento de recurso. (vide os acórdãos do TC. n.ºs 259/02 e 140/2004).                                                                                                            É o que resulta, igualmente, da jurisprudência exarada no STJ. No que tange a esta matéria, vide o Acórdão do STJ, 15-12-2005 (Processo Nº 05P2951, sendo relator o conselheiro Simas Santos): “1 - São inconstitucionais, por violação dos direitos a um processo equitativo e do próprio direito ao recurso, as normas dos n.ºs 3 e 4 do art. 412.º do CPP na interpretação segundo a qual o incumprimento dos ónus aí fixados, conduz à rejeição do recurso, sem a possibilidade de aperfeiçoamento, pelo que a Relação não pode sem mais rejeitar o recurso em matéria de facto, nem deixar de o conhecer, por ter por imodificável a matéria de facto, nos termos do art. 431.º do CPP (cfr. Ac. n.º 320/2002 do T. Constitucional, DR-IA, 07.10.2002); 2 - Em tal caso a Relação deve tomar posição sobre a suficiência ou insuficiência das conclusões das motivações, sobre a posição assumida pelos recorrentes face à notificação ordenada ao abrigo do n.º 2 do art. 417.º do CPP e ordenar, se for caso disso, a notificação dos recorrentes para corrigirem/completarem as conclusões das motivações de recurso, conhecendo, depois, desses recursos; 3 - Mas isso apenas quando as deficiências se encontrem nas conclusões, sendo insanável a deficiência resultante da omissão na motivação dessas especificações, pois o conteúdo do texto da motivação constitui um limite absoluto que não pode ser extravasado através do convite à correcção das conclusões da motivação.”                                                                                                                                                Por conseguinte, não há que conhecer, nesta parte, do recurso, considerando-se definitivamente assente a matéria de facto dada como provada.               

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            Perante o exposto, tendo em conta a matéria de facto em causa que consta da sentença recorrida, não há que falar em violação do princípio in dubio pro reo.

O recorrente considera que não existem elementos de prova seguros que permitam a sua condenação, tendo sido violado o princípio in dubio pro reo, corolário do princípio da presunção de inocência do arguido, consagrado no artigo 32.º, n.º 2, da CRP. 

Há que deixar, desde já, bem claro que não assiste qualquer razão ao recorrente, a menos que o citado princípio seja interpretado de uma forma incorrecta.

Não estamos perante qualquer violação do princípio da presunção de inocência, consagrado no artigo 32.º, n.º 2, da CRP.

De acordo com Cavaleiro Ferreira, «Lições de Direito Penal», I, pág. 86, este princípio respeita ao direito probatório, implicando a presunção de inocência do arguido que, sendo incerta a prova, se não use um critério formal como resultante do ónus legal de prova para decidir da condenação do arguido que terá sempre de assentar na certeza dos factos probandos.                                                                                                                                               O julgador deve decidir a favor do arguido se, face ao material probatório produzido em audiência, tiver dúvidas sobre qualquer facto. Como todos sabem, um non liquet na questão da prova tem de ser sempre valorado a favor do arguido, conforme ensina Figueiredo Dias, “Direito Processual Penal”, I, pág. 213 – já Ulpiano dizia “é melhor um crime impune do que um inocente castigado”…                                                                                                     Todavia, não é qualquer dúvida sobre os factos que autoriza sem mais uma solução favorável ao arguido. Na realidade, a dúvida tem que assumir uma natureza irredutível, insanável, sem esquecer que, nos actos humanos, nunca se dá uma certeza contra a qual não haja alguns motivos de dúvida – cfr., a este propósito, Cristina Monteiro, “In Dubio Pro Reo”, Coimbra Editora, 1997.                                                                                       O princípio geral do processo penal ora em análise é aplicável apenas nos casos em que, apesar de toda a prova recolhida, continuam os factos relevantes para a decisão a não poderem considerar-se como provados por continuar a subsistir dúvida razoável do Tribunal.

No caso vertente, o Tribunal a quo não se quedou por um non liquet de facto, ou seja, não permaneceu na dúvida razoável sobre os factos relevantes à decisão, pelo que não há lugar a qualquer aplicação do princípio in dubio pro reo (a dúvida reside apenas no recorrente e não no Tribunal).

Em resumo, improcede, também nesta parte, o recurso.

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3) Medida da pena:

Façamos uma breve análise sobre as finalidades legais das penas com reflexos no seu doseamento e nos critérios legais concretos a observar neste doseamento, por forma a decidir se a sanção acessória se deve situar no mínimo legal, como pretende o recorrente.

Como dispõe o artigo 40º, nº 1 do Código Penal a aplicação de penas visa a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade. As finalidades das penas, na previsão, na aplicação e na execução, são assim na filosofia da lei penal vigente a protecção de bens jurídicos e a integração do agente do crime nos valores sociais afectados.

Na protecção de bens jurídicos está ínsita uma finalidade de prevenção de comportamentos danosos que afectem tais bens e valores (prevenção geral) como também a realização de finalidades preventivas que sejam aptas a impedir a prática pelo agente de futuros crimes (prevenção especial negativa).

As finalidades das penas na sua vertente de prevenção positiva geral e de integração ou prevenção especial de socialização conjugam-se na prossecução do objectivo comum de, por meio da prevenção de comportamentos danosos, proteger bens jurídicos comunitariamente valiosos cuja violação constitui crime.

No caso concreto a finalidade de tutela e protecção de bens jurídicos há-de constituir o motivo fundamento da escolha do modelo e da medida da pena, da tutela da confiança das expectativas da comunidade na validade das normas e especificamente na validade e integridade das normas e dos correspondentes valores concretamente afectados.

Por seu lado, a finalidade de reintegração do agente na sociedade há-de ser em cada caso prosseguida pela imposição de uma pena cuja espécie e medida, determinada por critérios derivados das exigências de prevenção especial, se mostre adequada e seja exigida pelas necessidades de ressocialização do agente, ou pela intensidade da advertência que se revele suficiente para realizar tais finalidades.

Nos limites da prevenção geral de integração e de prevenção especial de socialização será encontrada a medida concreta da pena, sempre de acordo com o princípio da culpa que, nos termos do artigo 40º, nº 2 do Código Penal, constitui limite inultrapassável da prevenção a realizar através da pena (cfr. nomeadamente Jorge de Figueiredo Dias, Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime, 1ª edição, pags. 238 a 255).

Postas estas considerações gerais, que devem estar presentes no juízo conducente à pena concreta e adequada, o artigo 71º, nº 1 do Código Penal preceitua, na senda do citado artigo 40º, que a determinação concreta da pena, dentro dos limites legalmente definidos, é feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção e o nº 2 do mesmo artigo determina que o tribunal atenda a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, depuserem a favor ou contra o agente, enumerando algumas a título exemplificativo, circunstâncias estas que nos darão a medida das exigências de prevenção em concreto a realizar porque indicadoras do grau de violação do valor em causa e da prognose de no futuro o agente se poder determinar com o respeito pelo valor penalmente protegido (a necessidade da pena revela-se desse modo em função da menor ou maior exigência do exercício da prevenção e da reintegração).

A moldura penal aplicável ao caso concreto define-se, em boa verdade, entre o mínimo imprescindível à estabilização das expectativas comunitárias e o máximo que a culpa do agente consente, situando-se, entre esses limites, o espaço possível de resposta às necessidades da reintegração social.

Note-se o teor da sentença, na parte que passamos a transcrever:

Ora, no caso concreto, o arguido quando praticou este crime, ou seja, em 4 de Março de 2008, já tinha sido condenado pela prática de crime de idêntica natureza, em três processos, com sentença transitada em julgado. Sendo de sublinhar que no processo nº. 3/08, processo sumário, a correr termos no 3º juízo deste tribunal judicial, o arguido por sentença transitada em julgado em 13.02.2008 foi condenado pela prática de um crime de condução sem habilitação legal, na pena de prisão de 8 meses, suspensa na sua execução pelo período de um ano.

Da análise destes factos resulta que o arguido praticou o crime a que se reportam estes autos no período da suspensão da execução da referida pena de prisão.

Da análise do certificado de registo criminal resulta que ao arguido, pela prática de diversos crimes já foi por diversas vezes suspensa execução da pena de prisão aplicada, circunstância que não o demoveu de voltar a praticar crimes posteriormente a tais condenações. Do seu certificado de registo criminal constam já seis condenações pela prática de crime de condução de veículo sem habilitação legal, por factos praticados em 16.10. 2003; 13.07.2007; 3.01.08; 17.09.2007; 20.09.2007 e 10.04.2008.

Posteriormente à prática destes factos, o arguido voltou a cometer outros de idêntica natureza, tendo sido condenado em pena de prisão suspensa na sua execução.

Considerando o comportamento do arguido e as condenações averbados no seu certificado de registo criminal, o tribunal considera que a pena de multa não é suficiente para assegurar a realização do fim das penas, e decide aplicar ao arguido a pena de prisão.”

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No que tange à pena aplicada nos autos, a mesma não merece qualquer censura.

A sinistralidade em Portugal atinge números assustadores. Todos os dias morrem pessoas nas estradas portuguesas e a condução de veículos automóveis a cargo de pessoas sem a respectiva habilitação legal tem, necessariamente, um peso considerável nessa realidade.

O recorrente entende que a pena aplicada não é adequada – ver alíneas k) a s) das conclusões.

Afirma que o tribunal recorrido não respeitou o artigo 70.º, do Código Penal, pois este consagra o princípio de que deve ser dada preferência a uma pena não privativa da liberdade, nos casos previstos na lei.

Nada na lei impõe, como é líquido, que, sendo aplicáveis penas alternativas (privativa ou não privativa de liberdade), o tribunal deva optar sempre pela não privativa.

A sentença recorrida explica, de forma cristalina, os motivos pelos quais optou por uma determinada pena de prisão, sendo certo que não vislumbra este Tribunal da Relação como seja possível discordar da mesma, já que o arguido tem sido insensível a todas as condenações anteriores (seis, por condução de veículo sem habilitação legal), persistindo numa conduta ilícita, o que denota falta de respeito pelas regras sociais.

Assim, e em resumo, a medida da pena está contida no limite da culpa e cumpre os requisitos do princípio da proporcionalidade.

O recorrente entende, ainda, que a pena aplicada poderia ser suspensa na sua execução.

Uma vez mais, a sentença recorrida é bastante clara, no que diz respeito a ter excluído a suspensão da execução da pena.

Preceitua o artigo 50º, do Código Penal, que o tribunal decretará a suspensão da execução da pena de prisão aplicada em medida não superior a cinco anos se, atendendo à personalidade do agente, às condições de sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste, concluir que a simples censura do facto e a ameaça da pena de prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.

Encontramo-nos face a um poder-dever, sendo certo que a suspensão da execução da pena de prisão é uma medida de conteúdo reeducativo e pedagógico.

A suspensão da execução da pena «une o juízo de desvalor ético-social contido na sentença penal ao chamamento, pela ameaça de executar no futuro a pena, à própria vontade do condenado para reintegrar-se na sociedade».É uma pena, porque oriunda de condenação produtora de antecedentes criminais. É uma medida de correcção, enquanto busca, v.g., a reparação do delito ou «prestações socialmente úteis». Aproxima-se das medidas de ajuda social, se no domínio respectivo se desenham instruções que «afectam o comportamento futuro do condenado». E tem uma coloração sócio-pedagógica activa, pelo «estímulo ao condenado para que seja ele mesmo quem com as suas próprias forças possa durante o regime de prova reintegrar-se na sociedade» (Jescheck, Tratado, versão espanhola, vol. II, págs. 1152 e 1153. ).

Ora, a suspensão da execução de uma pena só tem razão de ser, quando for possível fazer um juízo de prognose favorável ao arguido.         

Tal juízo não está presente no caso em apreço, como resulta da sentença. Adiantar algo mais a tal propósito seria redundante.

                De qualquer dos modos, mesmo que pudesse ser feito um juízo de prognose favorável, em virtude do que consta dos factos provados 6 a 9, o que não se concede, sempre o tribunal se confrontaria com um limite inultrapassável que é a defesa do ordenamento jurídico.

                Conforme ensina Figueiredo Dias, “Direito Penal Português – As Consequências Jurídicas do Crime”, 1993, pág. 344. “Apesar da conclusão do tribunal por um prognóstico favorável – à luz, consequentemente, de considerações exclusivas de prevenção especial de socialização – a suspensão da execução da prisão não deverá ser decretada se a ela se opuserem as necessidades de reprovação e prevenção do crime (…) estão em questão não quaisquer considerações de culpa, mas exclusivamente considerações de prevenção geral sob a forma de exigências mínimas e irrenunciáveis de defesa do ordenamento jurídico. Só por estas exigências se limita – mas por elas se limita sempre – o valor da socialização em liberdade que ilumina o instituto ora em análise.”

                Acontece que, no caso presente, essa afectação seria evidente.

                A comunidade não poderia manter “razoáveis expectativas na validade das normas, se visse suspender, mais uma vez, a execução da pena de prisão aplicada ao recorrente por virtude da prática, pela sétima vez, de um crime de condução de veículo sem habilitação legal”, como bem é referido, a fls. 220, pelo Exmo. Procurador-Geral Adjunto. 

                O recorrente defende, por último, que o tribunal a quo poderia ter optado por uma pena de prestação de trabalho a favor da comunidade.                                                                                                                                                      A pena de prisão não superior a 2 anos, que deva ser aplicada ao arguido, pode ser substituída pela pena de prestação de trabalho a favor da comunidade (art.58.º do C.P.), desde que se verifiquem os respectivos pressupostos.                                                                                                                                                                                     O tribunal não é livre de aplicar ou deixar de aplicar as penas de substituição previstas no Código Penal.    A aplicação das penas de substituição não traduz um poder discricionário, mas antes um poder-dever ou um poder vinculado, tal como reconhecidamente sucede com a pena de suspensão de execução da prisão, tendo o tribunal sempre de fundamentar especificamente, quer a concessão quer a denegação da suspensão – cfr, entre outros os acórdãos do STJ de 04-06-1996, CJ., ASTJ, ano IV, tomo 2, pág. 186; de 27-06-1996, CJ, ASTJ ano IV, tomo 2, pág. 204; de 24-05-01, CJ., ASTJ ano IX, tomo 2, pág. 201; de 20-02-2003, CJ., ASTJ ano X, tomo1, pág. 206; de 09-11-2005, CJ., ASTJ , ano XIII, tomo 3, pág. 209; de 08-03-2006, CJ., ASTJ ano XIV, tomo 1, pág. 203; e de 10-10-2007, CJ., ASTJ 2007, ano XV, tomo 3, pág. 210.                                                                       A não ponderação da aplicação de qualquer das penas de substituição previstas no Código Penal é uma questão de conhecimento oficioso, que integra a nulidade por omissão de pronúncia prevista na alínea c), n.º 1, do art.379.º do Código de Processo Penal – cfr., entre outros, os acórdãos do STJ de 21 de Junho de 2007, CJ., ano XV, tomo 2, pág.228; e de 10 de Outubro de 2007, in www.dgsi.pt; e acórdãos da Relação de Coimbra, de 1 de Abril de 2009 e de 6 de Maio de 2009, ambos in www.dgsi.pt.

                Acontece que a sentença recorrida, também nesta matéria, não deixa margem para dúvidas quanto à exclusão desta pena substitutiva, no que não merece qualquer reparo ou aditamento, sob pena de este ser um mero exercício tautológico.

                Mais, conforme consta do facto provado n.º 9, o arguido “traduz ausência de hábitos de trabalho regulares”, o que, desde logo, coloca entraves á colocação em prática desta pena de substituição, quanto à sua eficácia.

                 Por conseguinte, entende-se que o recurso interposto, também aqui, não merece provimento.


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                IV. Decisão:

Nestes termos, em face do exposto, acordam os Juízes que compõem a Secção Criminal deste Tribunal em declarar improcedente o recurso interposto e, em consequência, confirmar a sentença recorrida.

Custas pelo arguido, fixando-se a taxa de Justiça em cinco UC.


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                (elaborado e revisto pelo relator, antes de assinado)

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Coimbra, 10 de Março  de 2010
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       (José Eduardo Martins)

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             (Isabel Valongo)



[1] In Consequências Jurídicas do Crime, pag. 331..