Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
947/15.0T8CBR-B.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: MARIA JOÃO AREIAS
Descritores: EXECUÇÃO
PENHORA
DIREITO À MEAÇÃO
PATRIMÓNIO COMUM
DIVÓRCIO
Data do Acordão: 06/28/2017
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso:
TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE COIMBRA - COIMBRA - JUÍZO EXECUÇÃO - JUIZ 1
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTS.740, 743, 781, 786 CPC
Sumário: 1. A penhora do “direito à meação nos bens comuns do casal” não abrange qualquer um (ou uma quota parte) dos bens que, em concreto, integram o património comum.

2. Embora após a dissolução do casamento os bens comuns mantenham essa qualidade até à liquidação e partilha, cada um dos cônjuges passa a poder dispor da sua meação, podendo a mesma ser alienada ou objeto de penhora.

3. A penhora do “direito à meação” no património comum do dissolvido casal realiza-se pela notificação do facto ao ex-cônjuge, sem que a sua oponibilidade a terceiros se encontre dependente de registo (ainda que dele façam parte imóveis ou móveis sujeitos a registo).

4. Apesar do nº1 do artigo 740º (anterior 825º) do CPC se referir à “execução movida contra um só dos cônjuges”, tal dispositivo abrange igualmente os casos em que, decretado o divórcio, exista uma comunhão conjugal por não se ter procedido ainda à partilha.

Decisão Texto Integral:                      








                                                                          

Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra:

I – RELATÓRIO

Nos autos de execução de decisão judicial condenatória que a Clínica (…), Lda., move contra S (…)

por indicação da exequente, o Agente de Execução (AE) redigiu um auto penhora, onde consta a penhora da “meação da executada no património comum do casal dissolvido por divórcio, o qual é constituído, além do mais, pelo prédio urbano, composto de casa de habitação com o nº100 (…), descrito no registo predial sob o nº 633”.

Da certidão de registo predial junta aos autos, constata-se que na descrição respeitante ao identificado prédio foram efetuados os seguintes averbamentos:

1. Ap. 46 de 2006/07/11, Hipoteca voluntária a favor do Banco (…), S.A., para garantia de um empréstimo, sendo o montante máximo assegurado de 83.668,20 €.

2. Ap. 1642 de 2015/12/07, penhora a favor da Clínica (…), Lda., para garantia da quantia de 84.828,70 €.

Tendo sido citado para os termos do art. 788º CPC, o Banco (…)S.A., veio, por apenso, reclamar o seu crédito no montante de 10.747,00 €.

Notificada de tal reclamação de créditos, a exequente vem requerer a anulação da citação do credor Banco (…) S.A., alegando que o bem penhorado, como resulta do auto de penhora anexo à referida citação, é o “direito da executada à meação no património comum do casal”, do qual faz parte o identificado imóvel, e que sobre esse direito não incide qualquer garantia real a favor do mencionado banco.

O Juiz a quo proferiu o seguinte despacho, de que agora se recorre:

“Comunicação da AE de 03-02-2017:

Afigura-se-nos que a AE deveria ter determinado a penhora do imóvel, que ainda pertence à comunhão impartilhada do ex casal: a executada e seu ex cônjuge, devendo citar este último para o disposto no arto. 740, do CPC.

Assim sendo, procedendo às d.n., determino que a AE elabore outro auto de penhora de imóvel – bem comum do ex casal, pois na ausência de bens próprios da executada, devem ser penhorados os bens comuns, no qual se integra o prédio descrito no auto de 08/01/2016, procedendo à citação do ex cônjuge – pois a partilha desse bem ainda não foi efectuada.

COMUNIQUE, devendo a AE juntar todo o expediente relativo à questão da penhora do bem imóvel e posterior citação do ex cônjuge dentro de 20 dias.”


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Inconformada com tal decisão, a exequente dela interpõe recurso de apelação, concluindo a sua motivação com as seguintes conclusões:  

1ª Tendo sido penhorado o direito da executada à meação nos bens comuns do casal em virtude desta estar divorciada e não ter sido ainda partilhado o património comum não há lugar à citação para reclamação de créditos do credor que tenha hipoteca inscrita sobre um imóvel que faça parte da comunhão conjugal. Na verdade,

2ª São coisas distintas o direito à meação e o direito de propriedade sobre os imóveis que compõem a comunhão.

3ª Sendo certo que sobre o direito à meação não pode sequer incidir qualquer hipoteca ( artº 686º do C. Civil). Assim,

4ª A citação do Banco (…), SA, para reclamar o seu crédito hipotecário sobre o imóvel que faz parte do direito penhorado é ilegal por violar o disposto no artº 786º do CPC.

5ª Por sua vez o despacho que indeferiu implicitamente os requerimentos apresentados pela exequente e pela AE no sentido de ser anulada a citação efetuada e a reclamação de créditos apresentada na sequência dessa citação e que ordenou que a AE elabore outro auto de penhora do imóvel bem comum do casal, é também ilegal a vários títulos.

6ª Primeiro, porque não compete à Srª Juíza de Execução nomear bens à penhora e muito menos substituir por outros os que tiverem sido nomeados pelo exequente e já penhorados (artºs 5º, 724º, nº 3 e 723º (a contrario), todos do CPC).

7ª Segundo, é também ilegal porque estando o casal da executada já dissolvido, o direito à meação é exequível e essa meação incide sobre a totalidade dos bens que a compõem e não sobre cada um dos bens concretos que integram a comunhão conjugal ( artºs 1688º, 1788º e 1689º do C. Civil; Ac. TRP de 30-5-2016, P. 692/12.0T0VLG.P1 e de 16-3-2010, P. 3275/06.8TBPVZ.P1., TRL P. 2448/13.1TALMB.L1-2).

8ª E é ainda ilegal porque considera que é aplicável ao caso o disposto no artº 740º do CPC, quando na verdade o preceito aplicável é o artº 743º do mesmo código, como resulta evidente dos precisos termos deste último artigo e é aceite pela Doutrina, de acordo, ao que supomos, com a generalidade dos autores. Nesse sentido, veja-se Antunes Varela. Direito de Família, p.455, Joel Timóteo, Prontuário de Formulários e Trâmites, volume IV- Processo Executivo, 787, Lebre de Freitas, A Acção Executiva, 5ª ed., p. 251, Mário Pinto, Manual de Execução e Despejo, p. 654).

9ª As ilegalidades cometidas, quer com a citação do banco, quer com alteração do objeto da penhora, têm manifesta influência no exame e decisão da causa, pois pela primeira é chamado a pagar-se pelo produto da venda do bem penhorado quem não tem que ser convocado para esse efeito, e pela segunda deixa de ser penhorado e posteriormente vendido o direito à meação, com todas as alterações processuais que isso envolve, implicando por isso nulidade desses atos e dos praticados com base neles (artº 195º do CPC). Assim,

10ª O despacho recorrido fez uma incorreta interpretação e aplicação das disposições atrás citadas, as quais devem ser interpretadas e aplicadas nos termos defendidos nestas conclusões.

11ª Deve, pois, ser revogado e substituído por outro que defira anulação da citação do Banco de Investimento Imobiliário para reclamar o seu crédito e a reclamação por este apresentada e ordene o prosseguimento da execução para venda do direito penhorado.


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Não foram apresentadas contra-alegações.

Cumpridos que foram os vistos legais, ao abrigo do disposto no nº2 do artigo 657º, do CPC, cumpre decidir do objeto do recurso.
II – DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO
Tendo em consideração que o objeto do recurso é delimitado pelas conclusões das alegações de recurso, sem prejuízo da apreciação de eventuais questões de conhecimento oficioso – cfr., artigos 635º, e 639º, do Novo Código de Processo Civil –, as questões a decidir são as seguintes:
1. Indeferimento implícito do pedido de anulação da citação do credor hipotecário.
2. Determinação de elaboração de novo auto de penhora – prosseguimento da execução relativamente à penhora do imóvel.
III – APRECIAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO

Dos elementos constantes dos autos, conseguimos apurar os seguintes os factos, a ter em consideração para a decisão a proferir na presente apelação:

1. A execução em causa foi instaurada contra A (…), divorciada, tendo por base uma sentença condenatória pela qual a executada foi condenada a pagar à aqui exequente Clinia (…), Lda.;

2. À data da instauração da ação declarativa e da dedução da contestação, a Ré ora executada, encontrava-se ainda casada (cfr. procuração junta com a contestação).

3. A 01.08.2016 foi elaborado um auto de penhora onde consta a penhora da “meação da executada no património comum do casal dissolvido por divórcio, o qual é constituído, além do mais, pelo prédio urbano, composto de casa de habitação com o nº100 (…), descrito no registo predial sob o nº 633”.

4. Da certidão de registo predial junta aos autos respeitante ao identificado prédio, constam as seguintes inscrições e averbamentos:

1. Ap. 44 de 2006/07/11, Aquisição. Causa: compra. Sujeito ativo: J (…), casado com A (…)no regime de comunhão de adquiridos.

2. Ap. 45 de 2006/07/11, Hipoteca voluntária a favor do Banco (…), S.A., para garantia de um empréstimo, sendo o montante máximo assegurado de 190.155,00 €.

3. Ap. 46 de 2006/07/11, Hipoteca voluntária a favor do Banco (…), S.A., para garantia de um empréstimo, sendo o montante máximo assegurado de 83.668,20 €.

4. Ap. 1642 de 2015/12/07, penhora a favor da Clínica (…), Lda., para garantia da quantia de 84.828,70 €.

5. Citado o Banco (…), S.A., na qualidade de credor hipotecário, para os termos previstos nos arts. 786º e 788º do CPC, o mesmo veio apresentar reclamação de créditos.


*

1. Indeferimento implícito do pedido de anulação da citação do credor hipotecário

Tem razão a exequente quando, nas 1ª a 3ª conclusões das suas alegações de recurso, afirma que a penhora do “direito à meação nos bens comuns do casal” não implica a citação dos credores que sejam titulares de um direito real de garantia sobre algum dos bens que fazem parte desse património comum.

A penhora do direito à meação não abrange qualquer um (ou a quota parte) dos bens que em concreto fazem parte do património comum. Até à partilha, o cônjuge é titular do direito a uma fração ideal do conjunto, ignorando-se sobre qual ou quais do bens, se concretizará essa direito, podendo acontecer que os bens que integram o conjunto venham até a ser adjudicados só a algum, sendo o outro cônjuge compensado com tornas[1].

Assim sendo, penhorado o “direito à meação no património comum”, e ainda que dele façam parte bens imóveis ou móveis sujeitos a registo, não há que proceder à citação dos credores que sejam titulares de direito real de garantia, registado ou conhecido sobre estes bens (nº 3 do artigo 786º).

Sendo penhorado o “direito do executado à meação nos bens comuns”, é este direito que é executado e, eventualmente vendido, no processo executivo, deixando intocados os bens que em concreto compõem esse património comum e as respetivas garantias.

Assim como, tem razão a exequente quando afirma que, encontrando-se o casal da executada já dissolvido por divórcio, tal direito pode ser objeto de execução.

Embora a extinção do vínculo conjugal implique o fim das relações patrimoniais entre os cônjuges, os bens comuns mantêm essa qualidade até à liquidação e partilha, pois só ela põe termo à comunhão[2].

Contudo, a indivisão que permanece no período que medeia entre a dissolução do casamento e a partilha tem uma natureza e um regime distintos da comunhão conjugal que a antecedeu. Após a dissolução do casamento cada ex-cônjuge pode dispor da sua meação, podendo a mesma ser alienada ou ser objeto de penhora[3].

Ora, se as premissas de que parte a apelante se encontram corretas, já não o são as ilações que daí retira relativamente ao caso em apreço.

Antes de avançarmos diretamente na apreciação das questões suscitadas pela Apelante nas suas alegações de recurso, haverá que precisar que bem ou direito se encontra efetivamente penhorado na execução.

Salientamos tratar-se de execução de sentença condenatória a prosseguir unicamente contra a executada A (…) que, pelas referências constantes dos autos, se encontra divorciada.

Da consulta dos elementos fornecidos no presente apenso constata-se que, se por indicação da exequente, o A.E. elaborou um auto de penhora no qual consta a “penhora da meação da executada no património comum do casal dissolvido por divórcio, o qual é constituído, além do mais, pelo prédio urbano, composto de casa de habitação com o nº100 (…), descrito no registo predial sob o nº 633”, não foi esta a realidade levada a registo.

Com efeito, o que se encontra registado e, pasme-se, com registo definitivo, é a penhora do próprio imóvel que constituirá um bem comum do casal[4].

Ou seja, com base num auto em que se fez constar, como verba nº1, a “penhora da meação da executada no património comum do casal e dissolvido por divórcio”, foi levada a registo definitivo a penhora do próprio imóvel, quando a aquisição de tal imóvel se encontra a registada a favor de um terceiro que não a executada (a favor do alegado ex-marido), sem que os serviços de registo tenham, sequer, exigido o comprovativo da citação do cônjuge do executado nos termos do artigo 740 do CPC.

Perante a penhora do próprio imóvel, registada como definitiva, tal como foi levada a registo pela Ap. 07.12.2015, e a manter-se esta, outra coisa não poderia ter feito o AE se não proceder à citação dos credores, em obediência ao disposto no artigo 786º, nº1, al. b) – citação dos credores que sejam titulares de garantia, registado ou reconhecido, sobre os bens penhorados, para reclamarem o pagamento dos seus créditos.

Penhorado o próprio imóvel, torna-se obrigatória a citação dos credores nos termos da citada norma, sob pena de nulidade posterior do processado nos termos do nº6 do art. 786º, e estes são obrigados a reclamar os seus créditos na execução (ainda que não se encontrem vencidos), sob pena de perderem a garantia real de que gozam.

Incidindo sobre o imóvel penhorado uma hipoteca a favor do Banco de (…) S.A., a execução não poderia prosseguir relativamente a tal bem, sem que se mostrasse efetuada a sua citação.

Aqui chegados, está respondida a 1ª questão colocada pela apelante nas suas alegações de recurso. Tal como se mostra efetivado o registo da penhora – registo definitivo da penhora do imóvel –, impunha-se a citação do credor hipotecário.

2. Determinação da elaboração de um novo auto de penhora – prosseguimento da execução relativamente à penhora do imóvel

Passamos à 2ª questão, colocada pela Exequente/Apelante – se o despacho recorrido é ilegal porque “não compete à Srª Juíza de Execução nomear bens à penhora e muito menos substituir por outros os que tiverem sido nomeados pelo exequente e já penhorados”.

Não competindo ao juiz de execução “nomear” bens à penhora ou, oficiosamente, substituí-los por outros, incumbe-lhe aferir da validade dos atos que forem sendo realizados na execução, removendo dúvidas ou resolvendo questões que forem sendo levantadas pelo Agente de Execução ou pelas partes.

E, no caso em apreço, o juiz a quo nem sequer interveio oficiosamente. Foi na sequência do requerimento do exequente, expressamente dirigido ao “Juiz de Direito da Secção de Execução de Coimbra, que a secção de processos lhe abriu conclusão nos autos.

Para apreciar o requerimento do exequente e a questão aí levantada – pedido de nulidade da citação do credor hipotecário – o juiz a quo teve necessariamente de consultar o processo e aquilatar dos termos em que a penhora se veio a concretizar. E, o certo é que, apesar de a exequente ter indicado à penhora “ a meação da executada no património comum do dissolvido casal, do qual faz parte o imóvel (…)”, e de ter sido elaborado um auto de penhora no qual se identifica como verba nº1, “a meação da executada no património comum, do qual faz parte o imóvel (…)”, o certo é que o que se encontra penhorado nos autos é o próprio imóvel.

Com efeito, embora a elaboração do auto de penhora constitua uma das formalidades a cumprir no âmbito da execução da penhora, a penhora realiza-se:

- no caso de imóveis ou móveis sujeitos a registo (ou de direito de compropriedade ou outro direito real menor sobre bem imóvel ou móvel sujeito a registo), por comunicação eletrónica do agente de execução ao serviço de registo competente (nº1 do artigo 755º e nº1 art. 768º do NCPC)[5];

- quando tenha por objeto um quinhão em património autónomo (ex., quinhão do executado a uma herança indivisa ou meação do executado no património comum do casal) e ainda que desta façam parte imóveis, móveis ou direitos sujeitos a registo, a diligência consiste unicamente na notificação do facto ao administrador dos bens e aos contitulares (co-herdeiros e meeiro sobrevivo), considerando-se a penhora efetuada com tal notificação (artigo 781º, nº1 do CPC).
Em tal caso, ainda que do quinhão penhorado façam parte imóveis, móveis ou direitos, sujeitos a registo, tal penhora não se encontra sujeita a registo[6], no sentido em que tal registo não é necessário à sua oponibilidade perante terceiros, por não se concretizar em bens certos e determinados, integrando assim a exceção consagrada na al. c), do nº2, do artigo 5º do Código de Registo Predial[7].
A penhora da “meação do executado no património comum”, a realizar-se, teria de o ser através da notificação de tal penhora ao cônjuge do executado nos termos do artigo 781º. E tal penhora não se mostra realizada (pelo menos, dos elementos que constituem o presente apenso de apelação em separado, não consta a notificação de tal penhora ao contitular dos bens comuns).

Por fim, a apelante sustenta ainda a ilegalidade do despacho no facto de considerar aplicável ao caso o disposto no artigo 740º do CPC, quando na verdade o preceito aplicável seria o artigo 743º do mesmo Código.

  Dispõe o nº1 do artigo 743º, sob a epígrafe, “Penhora em caso de comunhão ou compropriedade”:

“1. Sem prejuízo do disposto no nº4 do artigo 781º, na execução movida contra algum ou alguns dos contitulares de património autónomo ou bem indiviso, não podem ser penhorados os bens compreendidos no património comum ou uma fração de qualquer deles, nem uma parte especificada do bem indiviso.”

 Em consonância com a regra geral de que só os bens do executado se encontram sujeitos à execução, o nº 1 do artigo 743º dispõe que não podem ser penhorados, a menos que a execução seja movida contra todos os contitulares:

a) no caso de compropriedade de um bem indiviso, uma parte especificada desse mesmo bem;

b) no caso de comunhão num património autónomo (ex., herança ou bens comuns do casal), os bens nele compreendidos ou uma fração de qualquer um deles.

Tal norma afirma a impenhorabilidade dos próprios bens ou de uma fração dos mesmos (no caso de uma universalidade ou património coletivo), ou de uma parte especificada de um bem (no caso de bens indivisos).

O direito do cônjuge à meação dos bens comuns do casal é também ele, um direito a uma universalidade.

Contudo, o artigo 743º, já não abarca ou surge hoje esvaziado de conteúdo na parte que toca ao património comum[8], uma vez que, com a reforma introduzida pelo DL 329-Q/95, o artigo 825º (atual 740º) deixou de se referir à penhora na meação nos bens comuns do casal, passando a prever a penhora imediata dos bens comuns do casal[9].

O nº1 do artigo 740º consagra um regime de exceção à regra da impenhorabilidade prevista no artigo 743º para a generalidade dos patrimónios autónomos.

E se o regime de bens termina com a dissolução do casamento, a existência de um património comum permanece até ao momento da partilha, continuando a aplicar-se o regime da responsabilidade por dívidas dos cônjuges às dívidas contraídas na pendência do casamento (nº2 do art. 1690º)[10].

Até à partilha aplicam-se todas as regras legais que pressupõem a existência de tal património comum, quer de direito substantivo quer de direito processual[11].

Assim, os nossos tribunais vêm entendendo que apesar do nº1 do artigo 740º (anterior 825º) do CPC se referir à “execução movida contra um só dos cônjuges”, tal dispositivo não abrange unicamente os casos de sociedade conjugal em vigor, mas igualmente os casos em que, apesar do divórcio, exista uma comunhão conjugal por não se ter procedido ainda à partilha[12].

Regressando ao caso em apreço, tendo a presente execução sido instaurada unicamente contra um dos cônjuges, divorciado mas sem que tenha havido lugar à partilha do património comum do casal, em caso de insuficiência ou inexistência de bens próprios, tanto lhe era legítimo proceder à penhora do “direito à meação no património comum”, como optar pela penhora imediata de algum dos bens comuns do casal (esta, seguida da citação do ex-cônjuge nos termos do art. 740º).

Seguindo as indicações do exequente e em obediência ao disposto no nº1 do 751º do CPC[13], o Agente de Execução optou pela penhora da “meação da executada no património comum do casal”, tal como resulta do auto de penhora por si elaborado.

Contudo, ao tentar proceder ao registo da penhora de tal direito, o facto que vem a ser registado é a penhora do próprio imóvel. E, uma vez penhorado o próprio imóvel, a execução não poderia prosseguir sem a citação dos credores e do cônjuge prevista no nº1 do artigo 786º.

Como tal, o juiz de execução ao ser confrontado com o estado dos autos – em que o que se mostra efetivamente penhorado é um imóvel que faz parte do património comum do ex-casal, ainda por partilhar – limitou-se a determinar a adequação dos restantes termos do processo a tal penhora, indeferindo implicitamente a anulação da citação do credor hipotecário e determinando a citação do cônjuge do executado.

Nenhuma censura nos merece, assim, tal despacho.

Se o exequente, ainda assim, preferir que a execução prossiga com a penhora e venda do direito à meação da executada no património comum do dissolvido casal – e, em nosso entender, conforme o já anteriormente afirmado, encontrando-se o casamento dissolvido por divórcio, nada obsta a que se proceda à penhora de tal direito –, terá de desistir da penhora do imóvel que se mostra efetuada a seu favor.

Com efeito, não se vê qualquer inconveniente em que o exequente requeira a substituição da penhora no imóvel pela penhora do referido direito, desde que tenha a noção de que uma vez penhorado (penhora a efetuar nos termos do nº1 do artigo 781º, CPC), é este direito que irá ser alienado na execução e que, quem o vier a adquirir só através da posterior partilha dos bens comuns do ex-casal verá concretizado tal direito.

A apelação é de improceder.

IV – DECISÃO

 Pelo exposto, acordam os juízes deste tribunal da Relação em julgar a apelação procedente, confirmando-se a decisão recorrida.

Custas a suportar pela Apelante.        

                                                                              Coimbra, 28 de junho de 2017

    Relatora: Maria João Areias

1º Adjunto: Vítor Amaral

2º Adjunto: Luís Cravo


V – Sumário elaborado nos termos do art. 663º, nº7 do CPC.
1. A penhora do “direito à meação nos bens comuns do casal” não abrange qualquer um (ou uma quota parte) dos bens que, em concreto, integram o património comum.
2. Embora após a dissolução do casamento os bens comuns mantenham essa qualidade até à liquidação e partilha, cada um dos cônjuges passa a poder dispor da sua meação, podendo a mesma ser alienada ou objeto de penhora.
3. A penhora do “direito à meação” no património comum do dissolvido casal realiza-se pela notificação do facto ao ex-cônjuge, sem que a sua oponibilidade a terceiros se encontre dependente de registo (ainda que dele façam parte imóveis ou móveis sujeitos a registo).
4. Apesar do nº1 do artigo 740º (anterior 825º) do CPC se referir à “execução movida contra um só dos cônjuges”, tal dispositivo abrange igualmente os casos em que, decretado o divórcio, exista uma comunhão conjugal por não se ter procedido ainda à partilha.
5. Se o facto levado a registo é a penhora do próprio imóvel que faz parte do património comum, é obrigatória a citação do credor hipotecário nos termos do nº1 do art. 786º CPC.


[1] Neste sentido, Amâncio Ferreira, Curso de Processo de Execução, 11ª ed., Almedina, p. 224, e José Alberto dos Reis, Processo de Execução, Vol. I, p.. 277.
[2] Neste sentido, Cristina M. Araújo Dias, “Do Regime da Responsabilidade por Dívidas dos Cônjuges, Problemas, Críticas e Sugestões”, Coimbra Editora, pp.886 e 910-921, e, entre outros, Acórdão do TRC de 15-11-2005, relatado por Hélder Roque, e Acórdão do TRL de 10-01-2008, relatado por Nelson Borges Carneiro, disponíveis in www.dgsi.pt.
[3] Neste sentido, entre outros, Esperança Pereira Mealha, “Acordos Conjugais para Partilha dos Bens Comuns”, Almedina 2005, p.74, e Cristina M. Araújo Dias, obra citada, p.922.
[4] Da certidão de registo predial consta o registo de aquisição a favor de J (…), casado com A (…)(aqui executada), no regime de comunhão de adquiridos, pela Ap. 44 de 2006/07/11.
[5] Daí que alguns autores, como Mouteira Guerreiro, vêm defender que, realizando-se a penhora através do registo, este é constitutivo da penhora – “Temas de Registos e de Notariado”, Almedina 2010, p.31.
[6] No sentido de que tal penhora não é registada, visto que o titular desse direito ainda não sabe em que bens virá a ser concretizada a sua quota ou quinhão, se pronuncia Remédio Marques, “Curso de Processo Executivo Comum à face do Código Revisto”, Almedina, pág. 217. Também José Alberto dos Reis, considerando que o direito à meação e o direito à herança são exemplos característicos de direitos a bens indeterminados, conclui que a transmissão e penhora de tais direitos não se encontram sujeitas a registo – “Se está sujeita a registo a penhora do direito e ação de um cônjuge à meação do casal”, em anotação ao acórdão do TRC de 20 de novembro de 1940, in RLJ Ano 74º, págs. 209 a 214. No sentido de que tal penhora não está sujeita a registo, cfr., Acórdãos do TRL de 21-04-2005, relatado por Moreira Camilo, e do STJ de 29-05-2012, relatado por Salazar Casanova, disponíveis in www.dgsi.pt.
[7] Contudo, o facto de tal quinhão ou direito não se encontrar sujeito a registo, não significa que não seja registável, nada obstando a que, uma vez penhorado o direito do executado a determinada herança indivisa ou a meação em comunhão conjugal dissolvida, se proceda à sua inscrição no registo relativamente a cada um dos bens imóveis que dela fazem parte. Tal registo encontra o seu fundamento no artigo 101º, nº1, al. e), do Código de Registo Predial. Ao prescrever que é por averbamento à respetiva inscrição que se faz “o registo da penhora que tenha por objeto o direito de algum ou alguns dos titulares da inscrição de bens integrados em herança indivisa”, está-se a contemplar a genérica registabilidade dos factos jurídicos atinentes à quota-parte que cada herdeiro possua na herança – neste sentido, Parecer do IRN, Pº nº R.P. 52/2010 SJC-CT, nomeadamente a declaração de voto nele constante, de João Guimarães Gomes Bastos.
[8] A tal respeito, e embora reportado à vigência do casamento, afirma Remédio Marques: “podendo penhorar-se imediatamente (mas subsidiariamente) bens comuns do casal, concretos e determinados – uma vez que foi abolida a moratória nas execuções movidas contra um dos cônjuges –, nenhum interesse prático tem para o exequente a penhora do direito à meação, posto que o seu único efeito será o de dar preferência ao exequente sobre o produto dos bens comuns que, havendo dissolução, venham a caber ao executado, relativamente a credores com penhoras subsequentes sobre os concretos bens que, pela partilha, sejam adjudicados ao cônjuge do executado – “Curso de Processo Executivo à Face do Código Revisto”, Almedina, p. 215, nota 592.
[9] Dispõe o nº1 do artigo 740º, sob a epígrafe “Penhora de bens comuns em execução movida contra um dos cônjuges”: 1. Quando, em execução movida contra um só dos cônjuges, forem penhorados bens comuns do casal, por não se conhecerem bens próprios do executado, é o cônjuge do executado citado para, no prazo de 20 dias, requerer a separação de bens ou juntar certidão comprovativa da pendência da ação em que a separação tenha sido requerida, sob pena de a execução prosseguir nos bens comuns.
[10] Cristina M. Araújo Dias, “Do regime da responsabilidade por dívidas dos cônjuges (…)”, pp.919-921.
[11] Cfr., Acórdãos do STJ de 15.12.1998, e do TRL de 12-07-2001, relatado por Salvador da Costa, disponíveis in www.dgsi.pt.
[12] Neste sentido, Acórdãos STJ de 15-01-2013, relatado por Sebastião Póvoas, do Tribunal da Relação do Porto de 21-05-2009, relatado por Teles Menezes, de 18-11-2013, relatado por Alberto Ruço, do Tribunal da Relação Lisboa de 11-03-2010, relatado por Ezaguy Martins, de 10-01-2008, relatado por Nelson Rodrigues Carneiro, de 04-03-2004, relatado por Francisco Magueijo, do Tribunal da Relação de Coimbra de 15-11-2005, relatado por Hélder Roque, disponíveis in www.dgsi.p
[13] Segundo o qual, “o agente de execução deve respeitar as indicações do exequente sobre os bens que pretende ver prioritariamente penhorados, salvo se elas violarem norma legal imperativa, ofenderem o princípio da proporcionalidade da penhora ou infringirem manifestamente a regra estabelecida no artigo anterior”