Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
869/22.8T8GRD.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: PAULA MARIA ROBERTO
Descritores: JUSTA CAUSA DE DESPEDIMENTO
REQUISITOS
TRABALHADORA BANCÁRIA
ASSOCIAÇÃO DE CARTÃO CONTINENTE A CONTAS DE CLIENTES
APROPRIAÇÃO INDEVIDA
Data do Acordão: 01/26/2024
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: JUÍZO DO TRABALHO DA GUARDA DO TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DA GUARDA
Texto Integral: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA
Legislação Nacional: ARTIGOS 128.º, 330.º, N.º 1, 351.º, N.ºS 1 A 3, DO CÓDIGO DO TRABALHO, 74.º DO REGIME GERAL DAS INSTITUIÇÕES DE CRÉDITO E SOCIEDADES FINANCEIRAS E 799.º DO CÓDIGO CIVIL
Sumário:
I – A justa causa de despedimento compreende três elementos: o comportamento culposo do trabalhador; comportamento grave em si mesmo e de consequências danosas e o nexo de causalidade entre este comportamento e a impossibilidade de subsistência da relação laboral face àquela gravidade, ou seja, o comportamento tem de ser imputado ao trabalhador a título de culpa (com dolo ou negligência) e a gravidade e impossibilidade devem ser apreciadas em termos objetivos e concretos relativamente à empresa.

II – A confiança entre o empregador e o trabalhador desempenha um papel essencial nas relações de trabalho, tendo em consideração a forte componente fiduciária daquelas; com efeito, a relação juslaboral pressupõe a integridade, lealdade de cooperação e absoluta confiança da/na pessoa contratada.

III – A trabalhadora que procedeu à associação do cartão continente do seu marido a contas caixa de clientes, na sequência da qual foram emitidos e rebatidos cinco vouchers, no valor total de € 160,00 e dos quais se apropriou indevidamente, adotou um comportamento culposo, voluntário e intencional, violador dos seus deveres, comportamento grave, em si mesmo, e nas suas consequências, desde logo, porque se trata de uma trabalhadora bancária sobre a qual impende um especial grau de confiança.

IV – A presunção de culpa da responsabilidade contratual (artigo 799.º do CC) não é aplicável na responsabilidade disciplinar.


(Sumário elaborado pela Relatora)
Decisão Texto Integral:
Apelação n.º 869/22.8T8GRD.C1

_________________________________

Acordam[1] na Secção Social (6ª secção) do Tribunal da Relação de Coimbra:

I - Relatório

AA, residente na ...

intentou a presente ação especial de impugnação da regularidade e licitude do despedimento, contra

Banco 1..., S.A., com sede em ....

Para tanto, apresentou o formulário de fls. 3, opondo-se ao despedimento de que foi alvo e requerendo que seja declarada a ilicitude ou a irregularidade do mesmo, com as legais consequências.

                                                             *

Procedeu-se à realização de audiência de partes e a empregadora, notificada para apresentar articulado motivador do despedimento veio fazê-lo alegando, em síntese, que:

A trabalhadora associou o Cartão ... do seu marido a cinco contas Caixa subscritas por clientes, associação efetuada aquando das subscrições às mesmas contas; na sequência desta associação foram emitidos cinco vouchers, no valor total de € 160,00, do qual a trabalhadora se apropriou; em 08/10/2021 a trabalhadora procedeu ao reembolso à Banco 1... do valor de € 160,00 correspondente aos vouchers rebatidos indevidamente; a trabalhadora violou de forma grave os deveres de honestidade, respeito, obediência, lealdade, de velar pela boa utilização dos bens relacionados com o trabalho e de realizar o trabalho com zelo e diligência, comportamento que compromete a viabilidade da subsistência da relação laboral existente, sendo suscetível de consubstanciar uma quebra definitiva na relação de confiança que tem necessariamente de existir entre a trabalhadora e a entidade patronal; a conduta da arguida consubstancia um comportamento culposo que pela sua gravidade e consequências tornou imediata e praticamente impossível a subsistência da relação de trabalho, constituindo justa causa de despedimento.

Termina, dizendo que:

Termos em que e nos demais de direito, mui respeitosamente se requer a V. Exa., seja declarada a regularidade e licitude do despedimento, sendo a presente ação julgada totalmente improcedente por não provada, e a ser absolvida de todos os pedidos formulados pela Autora.

A não se entender assim não concedendo às retribuições vencidas e vincendas, que venham a ser reconhecidas à Autora, deverão deduzir-se, sem prejuízo do disposto no artigo 98.º-N do Código de Processo do Trabalho, as quantias previstas nas alíneas a), b) e c) do n.º 2 do artigo 390.º do Código do Trabalho, designadamente, desde logo, as importâncias pagas pela a título de sucedâneo de subsídio de desemprego.”

*

A trabalhadora apresentou contestação alegando, em síntese, que:

No ano de 2015 foi diagnosticada com endometriose profunda grave que exigiu a realização de 13 cirurgias e por força da qual lhe foi atribuída uma IPP de 73%; a Ré desvaloriza todos os prémios e promoções profissionais da trabalhadora e ocultou todo o historial clínico da mesma; quanto aos factos que lhe são imputados, tratou-se dum lapso operacional decorrente dum estado de saúde e resistência fragilizada, também a nível mental, e não de uma estratégia “continuada, premeditada, reiterada e dolosa” como alega a Ré; foi por mero lapso e infeliz equívoco que inadvertidamente associou o Cartão ... do marido às contas bancárias subscritas pelos clientes da Ré; a trabalhadora sempre teve uma conduta exemplar reconhecida e premiada, sem qualquer infração disciplinar; o despedimento é manifestamente desproporcionado e excessivo e terá de ser considerado ilícito.

Termina pedindo que:

Nestes termos e nos melhores de Direito, sempre com o mui douto Suprimento de V. Exa., deve a presente contestação ser recebida, julgada procedente por provada e em consequência ser o despedimento aplicado pela Ré à Autora julgado ilícito e irregular por falta de justa causa, com todas as legais consequências, nomeadamente:

a) Ser a Ré condenada a reintegrar a Autora, sem prejuízo da sua categoria e antiguidade;

b) Ser a Ré condenada a restituir à Autora todas as remunerações que esta deixou de auferir desde o despedimento até ao trânsito em julgado da sentença que declare a ilicitude do despedimento;

c) Ser a Ré condenada a ressarcir a Autora pelos danos patrimoniais sofridos com o despedimento, relacionados com o corte de serviços sociais e de assistência e com descontos em conta e pagamentos realizados para liquidação imediata de créditos contraídos pela Autora e não vencidos, a apurar a final;

d) Ser a sanção aplicada pela Ré à Autora declarada abusiva com todas as consequências legais;

e) Ser a Ré condenada no pagamento das custas e demais encargos com o processo.”

                                                             *

A empregadora veio apresentar resposta à contestação, concluindo nos termos constantes do articulado motivador.

                                                             *

Foi proferido despacho saneador, identificado o objeto do litígio e enunciados os temas da prova.

                                                           *

Procedeu-se à realização da audiência de discussão e julgamento.

                                                           *

Posteriormente foi proferida a sentença de fls. 474 e segs., cujo dispositivo tem o seguinte teor:

“Por tudo o exposto, e ao abrigo das disposições legais citadas:

1 – Julga-se improcedente, por não provada, a presente ação relativamente ao pedido formulado pela ré empregadora “Banco 1..., S.A.” no articulado motivador, absolvendo-se a trabalhadora AA do pedido aí formulado.

2 – Julga-se parcialmente procedente, por parcialmente provado, o pedido formulado pela trabalhadora AA no formulário inicial e contestação e, em consequência:

Declara-se a ilicitude do despedimento da autora/trabalhadora AA promovido pela ré/empregadora “Banco 1..., S.A.” e, consequentemente, condena-se a ré empregadora a:

a) reintegrar a autora/trabalhadora AA no seu posto de trabalho, sem prejuízo da sua categoria e antiguidade;

b) a pagar à autora/trabalhadora as retribuições que esta deixou de auferir desde a data do despedimento, ou seja, desde 18.05.2022, até ao trânsito em julgado da presente decisão, ou à data da reintegração se esta for inferior, incluindo-se em tais retribuições todos os componentes retributivos que a autora auferia à data do despedimento, sendo que, a tais retribuições, terão, contudo, que ser feitas as deduções previstas nas alíneas a) e c) do artigo 390.º do CT, e;

c) a ressarcir a autora dos danos patrimoniais sofridos com o corte de serviços sociais e de assistência e com os descontos em conta e pagamentos realizados para liquidação imediata de créditos contraídos pela autora e não vencidos, em montante a liquidar nos termos do disposto nos artigos 609.º, n.º 2, e 716.º do Código de Processo Civil.

3 – Absolve-se a ré/empregadora do demais peticionado pela autora/trabalhadora.”

                                                           *                                                        

A empregadora Banco 1..., SA, notificada desta sentença, veio interpor o presente recurso que concluiu da forma seguinte:

(…)

Termos em que, concedendo provimento à Apelação e, consequentemente, julgando a acção totalmente improcedente, farão V. Exas, JUSTIÇA!”

*

A trabalhadora veio apresentar resposta e requerer a ampliação do âmbito do recurso, concluindo, nos seguintes termos:

(…)

Nestes termos e nos melhores de direito, sempre com o mui douto suprimento de V. Exas., deve ser negado provimento ao recurso interposto pela Recorrente, e mantida a douta sentença recorrida, sempre se requerendo, por mera cautela que mesmo não sendo mantida a fundamentação da douta sentença recorrida, que a Ação sempre seja julgada procedente e mantida a douta sentença condenatória da Recorrente, Ré nos Autos, com os demais fundamentos arguidos pela Recorrida nos Autos, nomeadamente, o não ter praticado qualquer infração disciplinar, por os factos terem sidos praticados por erro lapso operacional, não censurável, sem culpa da Recorrida, ou com fundamento na inaplicabilidade da presunção de culpa prevista no art.º 799.º do Código Civil, por estar em causa trabalhadora com uma incapacidade de 73% e doença crónica, com o que farão V. Exas. JUSTIÇA.”

*

O Exm.º Procurador-Geral Adjunto emitiu o douto parecer de fls. 552 e segs., no sentido de que a apelação deverá ser julgada procedente.    

                                                             *

A trabalhadora veio responder a este parecer, concluindo como na resposta ao recurso.

                                                             *

Colhidos os vistos, cumpre, agora, apreciar e decidir.

                                                             *

                                                             *

II – Questões a decidir

Como é sabido, a apreciação e a decisão dos recursos são delimitadas pelas conclusões da alegação do recorrente (art.º 639.º do C.P.C.), com exceção das questões de conhecimento oficioso.

Assim sendo, cumpre apreciar as questões suscitadas pela empregadora recorrente e pela trabalhadora recorrida no âmbito da requerida ampliação do recurso (artigo 636.º, n.º 1 do CPC), quais sejam:

Recurso da empregadora:

1ª – Se existe justa causa para o despedimento da trabalhadora.

Ampliação do recurso

1ª – Reapreciação da matéria de facto.

2ª – Se a trabalhadora não praticou qualquer infração disciplinar.

3ª – Se a trabalhadora não agiu com culpa.

                                                             *

III – Fundamentação

a) - Factos provados e não provados constantes da sentença recorrida:

1. A autora foi admitida ao serviço da ré, em 01.07.2002, para prestar a sua força de trabalho à ré, sob orientação, direção e fiscalização desta, com o n.º de funcionária ..., detendo à data da elaboração da nota de culpa, a categoria profissional de “Gestor de Clientes”, exercendo funções de Gestor de Clientes Particulares na Agência da ... (...) da ré.

2. Em 03.09.2021, a Direção de Auditoria Interna (Monitorização Contínua) identificou uma suspeita de operativa irregular relacionada com a associação do Cartão ... n.º ...30 a cinco contas Caixa subscritas por Clientes, efetuadas pela autora, associação essa efetuada aquando das subscrições às cinco contas Caixa:

• Conta Caixa (M) n.º ...75, associada à conta de depósitos à ordem n.º ...00, subscrita em 16/07/2021 pelo Cliente n.º ...27, BB;

• Conta Caixa (M) n.º ...75, associada à conta de depósitos à ordem n.º ...30, subscrita em 16/07/2021 pelo Cliente n.º ...44, CC;

• Conta Caixa (Azul) n.º ...75, associada à conta de depósitos à ordem n.º ...00, subscrita em 06/08/2021 pelo Cliente n.º ...57, DD;

• Conta Caixa (M) n.º ...75, associada à conta de depósitos à ordem n.º ...30, subscrita em 20/08/2021 pelo Cliente n.º ...00, EE, e n.º ...22, FF;

• Conta Caixa (Azul) n.º ...75, associada à conta de depósitos à ordem n.º ...00, subscrita em 27/08/2021 pelo Cliente n.º ...15, GG, e n.º ...42, HH.

3. A Campanha Conta Caixa – Parceria com o Cartão ..., em vigor entre 1 de julho e 21 de dezembro de 2021, premeia as novas adesões às Contas Caixa de maior valor – Conta Caixa M, Azul e Platinum, com a oferta de um cupão Continente (Conta Caixa M – cupão de 20,00€; Conta Caixa Azul e Platinum – cupão de 50,00€), podendo os mesmos ser rebatidos na rede de hipermercados daquela marca.

4. Os custos com os cupões atribuídos aos clientes foram suportados pela Banco 1..., S.A., nos termos do Acordo de Parceria celebrado, em 03/08/2020, entre o A..., S.A. e a Banco 1... S.A.

5. Nas condições da Campanha, publicadas no “...” em 30/06/2021, consta o seguinte aviso:

Esta campanha prevê a existência de um benefício a atribuir ao Cliente caso associe o Cartão ... à Conta Caixa. Nos casos em que a associação é feita a um Cartão ... do Colaborador (ou seu relacionado), o benefício não será usufruído pelo Cliente, mas sim pelo Colaborador ou relacionados, constituindo infração disciplinar”.

6. O Cartão ... n.º ...30 pertence ao marido da autora (Cliente B..., n.º ...58).

7. Na sequência da aludida associação, foram emitidos e rebatidos cinco Vouchers, no valor global de 160,00€.

8. Ao associar o Cartão ... n.º ...30, titulado pelo seu marido, às cinco contas Caixa referenciadas, a autora, apropriou-se indevidamente dos benefícios que se destinavam aos Clientes, causando prejuízo à ré no montante total de 160,00€, respeitante ao valor dos Vouchers rebatidos.

9. Tal ocorreu depois da publicação do aviso no “...”, em 30.06.2021, e que advertia para a proibição de tal prática.

10. Não se apuraram outras associações a Contas Caixa subscritas por Clientes, entre 01/09/2020 e 30/09/2021, dos C... titulados pela autora e pelo seu marido.

11. Não se identificaram irregularidades na adesão às Contas Caixa em análise, uma vez que os contratos se encontram subscritos pelos Clientes e as assinaturas são visáveis.

12. Em 12/01/2022, a Comissão Executiva da ré, tendo tomado conhecimento do conteúdo do Relatório de Auditoria Interna n.º ...01, de 07/01/2022 (processo n.º ...21), elaborado pela DAI – Direção de Auditoria Interna, bem como do conteúdo da proposta da Direção da DAI – Direção de Auditoria Interna, deliberou instaurar processo disciplinar, com intenção de despedimento, à trabalhadora AA, bem como a sua suspensão preventiva e imediata de funções.

13. Em 14/01/2022 foi entregue, pela ré, comunicação à autora na qual, entre o mais, se comunicava à mesma que lhe havia sido instaurado um processo disciplinar, com intenção de despedimento, bem como que havia sido decidido pela ré suspender preventivamente a mesma, tendo em conta nomeadamente a gravidade dos factos e a inconveniência da sua presença no local de trabalho.

14. A Nota de Culpa foi deduzida em 03/02/2022, tendo no dia 04/02/2022 sido remetida à autora, acompanhada de comunicação com intenção de despedimento, por carta registada com A/R (registo n.º ...), tendo a mesma sido rececionada em 08/02/2022.

15. No dia 04/02/2022 foi entregue na Comissão de Trabalhadores da ré, duplicado da Nota de Culpa deduzida no âmbito do processo disciplinar, bem como cópia da carta que seria entregue à autora (que acompanhou a nota de culpa).

16. Em 25/02/2022 a autora apresentou por correio registado (registo CTT n.º ...) resposta à nota de culpa, tendo requerido a inquirição de cinco testemunhas.

17. Em 03/05/2022 a Comissão de Trabalhadores da ré emitiu parecer, concluindo que “considera existirem alternativas mais adequadas em detrimento da sanção proposta”.

18. Por decisão datada de 18/05/2022, a Comissão Executiva da ré decidiu aplicar à autora a sanção disciplinar de despedimento sem indemnização ou compensação, tendo a comunicação de despedimento sido expedida no dia 26/05/2022 por carta registada com aviso de receção, tendo a mesma comunicação sido rececionada pela autora em 30/05/2022.

19. À autora nunca foi aplicada qualquer sanção disciplinar pela ré.

20. Os trabalhadores da ré abrangidos pelo regime da CGA, como era o caso da autora, não tinham acesso ao regime do subsídio de desemprego, pelo que, a ré instituiu em favor desse universo de trabalhadores um regime sucedâneo do subsídio de desemprego, conferindo a mesma proteção nas mesmas condições aplicáveis no regime geral de segurança social.

21. A ré outorgou com a autora, em 21/06/2022, já após o despedimento da autora, o documento designado por “Sucedâneo do Subsídio de Desemprego”.

22. Neste contexto, a ré atribuiu à autora uma prestação mensal de 1.108,00€, durante o máximo de 23 meses.

23. A autora restitui à ré o valor de € 160,00.

24. Decorrido o estágio e na sequência de vários contratos, passou a autora a trabalhadora efetiva da ré em janeiro 2007, na Agência da ..., com o gerente II, onde foi promovida por mérito.

25. Em 24/03/2009, foram atribuídas à autora as funções de Comercial-Multi-Segmento, equivalente a Caixa Mais.

26. Em 2010, a autora foi promovida por mérito com o gerente JJ, com quem voltaria a trabalhar como diretor, anos mais tarde.

27. Em 28.12.2010, a Direção de Particulares de Negócios do Centro da ré, comunicou à autora o seguinte: “É com agrado que registamos os negócios por si fechados no período entre Janeiro e Setembro de 2010 e que lhe permitiram a atribuição de um Voucher no montante de 450,00 €, que temos o prazer de juntar a esta comunicação. Na expectativa de que continue a aproveitar da melhor forma todas as oportunidades de negócio, apresentamos os nossos melhores cumprimentos e votos dos melhores sucessos pessoais e profissionais”.

28. Em 01/01/2012 a autora foi promovida por mérito.

29. A autora frequentou Curso de Especialização em Alta Performance no Negócio Bancário ministrado pelo ISGB, durante o período compreendido entre 15.02.2013 e 10.01.2014, no qual a autora obteve a nota final de 14 valores, tendo a ré suportado as respetivas despesas.

30. A Autora exerceu funções na Agência ..., na ..., no período compreendido entre 17/11/2014 e 02/11/2015.

31. Em 2018 (5.º ciclo comercial, respeitante ao período de 16/09/2018 a 31/12/2018), a autora exerceu funções de Gestor de Cliente Caixa Azul, tendo ficado em 1.º lugar no Índice de Grau de Desempenho.

32. Em 01/01/2019 a autora foi promovida por mérito.

33. Entre 2020 e 2022, a autora esteve em funções na Agência da ... sob a chefia do gerente KK.

34. A autora esteve ausente, com faltas classificadas como Internamento Hospitalar, de 01/01/2018 a 16/02/2018.

35. Atendendo ao seu bom desempenho profissional, a autora foi convidada para um almoço com a hierarquia comercial, no qual estiveram presentes os três trabalhadores com melhor desempenho da Direção Comercial Norte.

36. Em 2021, a autora ultrapassou os objetivos comerciais que lhe foram propostos.

37. A autora teve as seguintes avaliações de desempenho:

- 2008 a 2010: BOM

- 2011 a 2012: MUITO BOM

- 2013 a 2014: BOM

- 2015: MUITO BOM

- 2016: COMPETENTE

- 2017 A 2019: COM POTENCIAL

- 2020: DENTRO DA EXPECTATIVA

- 2021: ABAIXO DA EXPECTATIVA.

38. Em 2021, a autora ficou nos seguintes lugares dos “sprints” mensais da agência e da região:

1º ciclo comercial 2021

Sprint Janeiro – último lugar da agência e da região com GRO 0% – este resultado está relacionado com uma baixa por internamento hospitalar da autora, entre 29/10/2020 e 28/01/2021.

Sprint Fevereiro – 4ª lugar da Região e 1ª da agência

Sprint Março – 7º lugar da Região e 4ª da agência

2ª ciclo comercial 2021

Sprint Abril – 1ª lugar da Região e 1ª da agência

Sprint Maio – 9ª lugar da Região e 2ª da agência

Sprint Junho – 1ª lugar da Região e 1ª da agência

3ª ciclo comercial 2021

Sprint Julho – 3ª lugar da Região e 2ª da agência

Sprint Agosto – 7ª lugar da Região e 2ª da agência

Sprint Setembro – 1ª lugar da Região e 1ª da agência

4ª ciclo comercial 2021

Sprint Outubro – 3ª lugar da Região e 1ª da agência

Sprint Novembro – 1ª lugar da Região e 1ª da agência

Sprint Dezembro – 2ª lugar da Região e 2º da agência

39. No dia 10 janeiro de 2022, a autora recebeu um email da Diretora Central da ré, LL, com o seguinte teor: “No seguimento da mensagem anexa, enviada para o universo de Carteiras Caixazul, venho agora endereçar-lhe diretamente o meu reconhecimento e agradecimento pelos resultados alcançados. Em 2022 continuaremos a contar consigo para ir mais além. Obrigada.”, a que se seguiu um email da Diretora Comercial, MM, dizendo-lhe “Muitos Parabéns, AA”.

40. A autora foi eleita, em abril de 2019, Delegada dos Serviços Sociais da ré, pela Delegação ....

41. A autora foi eleita, em janeiro de 2020, Delegada Coordenadora dos Serviços Sociais da ré, para a região da ... e ....

42. A autora foi diagnosticada, em 2015, com doença crónica de endometriose profunda grave, resultando de fls. 300 a 409 a respetiva informação clínica da autora (conforme documento n.º 5 junto com a contestação, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido).

43. Em 04/11/2016, foi conferida à autora, no âmbito de Junta Médica, uma Incapacidade Permanente Global de 73%.

44. Resulta do Relatório Clínico-Psiquiátrico datado de 26 de julho de 2022, elaborado pelo Médico Psiquiatra Dr. NN, que a autora “apresenta um quadro psiquiátrico compatível com um Distúrbio de Stresse Pós-Traumático de assinalável intensidade clínica, associado a sintomatologia de tipo fóbico e obsessivo. O referido quadro foi precipitado, de forma inequívoca, pelo processo que conduziu ao seu despedimento laboral, após 20 anos de carreira, em 31/05/2022. Apesar do seguimento e do tratamento instituídos, a doente continua a apresentar um equilíbrio emocional precário e a evolução clínica é de desfecho incerto e imprevisível”.

45. A progenitora da autora faleceu no dia .../.../2019, causando um desgosto profundo à autora.

46. Resulta de fls. 294v. o histórico da autora de ausências por doença/internamento hospitalar desde 2015 (conforme documento n.º 8 junto com a contestação cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido).

47. Por carta registada com aviso de receção, datada de 11.07.2022, a ré, na sequência da cessação do vínculo contratual, comunicou à autora o vencimento antecipado do crédito pessoal contratado pela autora, tornando imediatamente exigível a totalidade da dívida (€ 7.505,54); a cessação da sua qualidade de sócia dos Serviços Sociais da ré, tendo-lhe debitado a quantia de € 1.249,81, a título de dívida por encargo/despesas médicas por utilização de tais serviços, e; o processamento dos créditos laborais (férias não gozadas, proporcionais de subsídio de Natal, proporcional de remuneração de férias e proporcional de subsídio de férias), tendo sido regularizado, por compensação destes, o valor de € 2.633,12, mantendo-se, à data da missiva, em dívida, e segundo a ré, o valor de € 4.604,37 (conforme documento n.º 10 junto com a contestação e cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido).

48. A situação de saúde da autora causou-lhe grande nervosismo e ansiedade.

Factos não provados:

Não resultou provado que os factos tenham ocorrido noutro circunstancialismo ou com outras motivações/consequências que não os supra descritos, designadamente não se tendo provado que nas circunstâncias de tempo e lugar descritas em 2) a 8) a autora tenha agido por lapso operacional involuntário/erro, decorrente de um estado de saúde e resistência fragilizada, também a nível mental, sem intenção de prejudicar a ré.

MOTIVAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO

(…).”.

                                                             *

b) - Discussão

Se existe justa causa para o despedimento da trabalhadora.

Alega a empregadora recorrente que:

- No caso em apreço, a conduta da Autora, ora Recorrida - violadora dos deveres que sobre si impendem de exercer de forma diligente e conscienciosa as suas funções, seguindo as normas e instruções recebidas com observância das regras usuais de deontologia da profissão – é censurável, culposa e torna, por si só, imediata e praticamente impossível a subsistência da relação de trabalho.

- A atividade bancária, atenta a sua natureza, pressupõe um especial grau de confiança nos trabalhadores bancários.

- No caso sub judice os factos descritos e dados como provados, integram infração disciplinar reiterada, grave e culposa que, pela sua gravidade e consequências, tornaram imediata e praticamente impossível a subsistência da relação de trabalho constituindo, assim, dada a natureza da relação e o meio em que a mesma se desenvolve, justa causa de despedimento.

- Impor ao Banco Réu que tenha nos seus quadros uma trabalhadora que beneficiou das operações que ilicitamente fez, apropriando-se de benefícios destinados a Clientes e em prejuízo da própria entidade empregadora é absolutamente inaceitável.

- A sanção de despedimento aplicada à Autora - após decurso de procedimento disciplinar inteiramente válido - pela prática de infrações disciplinares de profunda gravidade que romperam irremediavelmente a confiança que nele o Banco Réu depositava, é proporcional, lícita e justa.

Apreciando:

O contrato de trabalho pode cessar, além de outras causas, por despedimento por iniciativa do empregador, por facto imputável ao trabalhador.

Na verdade, conforme o disposto no n.º 1, do artigo 351.º, do C.T. <<constitui justa causa de despedimento o comportamento culposo do trabalhador que, pela sua gravidade e consequências, torne imediata e praticamente impossível a subsistência da relação de trabalho>>, nomeadamente, os comportamentos do trabalhador descritos no n.º 2 do mesmo normativo.

Acresce que impendem sobre o trabalhador, sem prejuízo de outras obrigações, os deveres previstos no artigo 128.º do C.T..

Por outro lado, a justa causa compreende três elementos: o comportamento culposo do trabalhador; comportamento grave em si mesmo e de consequências danosas e o nexo de causalidade entre este comportamento e a impossibilidade de subsistência da relação laboral face àquela gravidade, ou seja, o comportamento tem de ser imputado ao trabalhador a título de culpa (com dolo ou negligência) e a gravidade e impossibilidade devem ser apreciadas em termos objetivos e concretos relativamente à empresa - neste sentido Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 22-09-2010 e 29-09-2010, disponíveis em www.dgsi.pt.

E, <<para apreciação da justa causa deve atender-se, no quadro da gestão da empresa, ao grau de lesão dos interesses do empregador, ao carácter das relações entre as partes ou entre o trabalhador e seus companheiros e às demais circunstâncias que no caso se mostrem relevantes >> – n.º 3 do citado artigo 351.º, do C.T..

Cumpre, ainda, dizer que compete ao trabalhador fazer a prova da existência do contrato de trabalho e do despedimento e à entidade patronal incumbe provar os factos constitutivos da justa causa do despedimento que promoveu.

Após estas considerações jurídicas, cumpre verificar se a empregadora logrou provar, como lhe competia, os comportamentos que imputou à trabalhadora e se os mesmos integram aquele conceito de justa causa, ou seja, se esta praticou factos culposos que pela sua gravidade e consequências tornem imediata e praticamente impossível a subsistência da relação de trabalho.

A este propósito consta da sentença recorrida, além do mais, o seguinte:

“No caso em apreço na decisão proferida pela entidade empregadora invoca-se que a autora com a sua conduta, e no que ora releva, violou os deveres previstos nas alíneas a), c), e), f), g) e h) do n.º 1 do artigo 128.º do CT.

Ora, tal normativo dispõe que:

“1- Sem prejuízo de outras obrigações, o trabalhador deve:

a) Respeitar e tratar o empregador, os superiores hierárquicos, os companheiros de trabalho e as pessoas que se relacionem com a empresa, com urbanidade e probidade;

b) Comparecer ao serviço com assiduidade e pontualidade; c) Realizar o trabalho com zelo e diligência;

d) Participar de modo diligente em acções de formação profissional que lhe sejam proporcionadas pelo empregador;

e) Cumprir as ordens e instruções do empregador respeitantes a execução ou disciplina do trabalho, bem como a segurança e saúde no trabalho, que não sejam contrárias aos seus direitos ou garantias;

f) Guardar lealdade ao empregador, nomeadamente não negociando por conta própria ou alheia em concorrência com ele, nem divulgando informações referentes à sua organização, métodos de produção ou negócios;

g) Velar pela conservação e boa utilização de bens relacionados com o trabalho que lhe forem confiados pelo empregador;

h) Promover ou executar os actos tendentes à melhoria da produtividade da empresa;

i) Cooperar para a melhoria da segurança e saúde no trabalho, nomeadamente por intermédio dos representantes dos trabalhadores eleitos para esse fim;

j) Cumprir as prescrições sobre segurança e saúde no trabalho que decorram de lei ou instrumento de regulamentação colectiva de trabalho.

2 - O dever de obediência respeita tanto a ordens ou instruções do empregador como de superior hierárquico do trabalhador, dentro dos poderes que por aquele lhe forem atribuídos.”

Importa, ainda, aludir ao disposto no artigo 74.º do Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras, segundo o qual: “Os administradores e os empregados das instituições de crédito devem proceder, tanto nas relações com os clientes como nas relações com outras instituições, com diligência, neutralidade, lealdade e discrição e respeito consciencioso dos interesses que lhes estão confiados.”.

Sendo que a ré alega, ainda, que a autora, com a sua atuação, violou o Código Conduta da Banco 1... (Ordem de Serviço n.º ...20, Código EO.20, de 16/04/2020), designadamente dos princípios éticos e deontológicos que devem reger a sua atividade e que determinam um comportamento transparente, íntegro, rigoroso (artigo 6º e 7º), objetivo e responsável, a atuação de boa-fé e com isenção (artigo 13º), a independência dos seus interesses pessoais dos da Banco 1... e dos Clientes (artigo 10º) e a consideração pelos interesses dos Clientes, que inclui o cabal esclarecimento sobre as características dos produtos ou serviços oferecidos pela Banco 1... (artigo 15.º).

No caso em apreço, invoca a ré na decisão de despedimento, que, com a sua conduta, a autora violou os seus deveres de honestidade, respeito, obediência, lealdade, de velar pela boa utilização de bens relacionados com o trabalho que lhe foram confiados pelo empregador, e de realizar o trabalho com zelo e diligência.

*

Analisando o quadro fáctico dado como assente, vemos que a autora apropriou-se, indevidamente, dos benefícios que se destinavam aos clientes da ré, causando-lhe, no montante total de €160,00.

Estamos assim perante uma violação culposa (que, aliás, se presume enquanto tal, por força do disposto no artigo 799.º do Código Civil), por a autora intencionalmente não ter cumprido os seus deveres como trabalhadora, desde logo o resultante do artigo 126.º, n.º 1 do Código do Trabalho, que prevê um dever geral de boa fé por parte do empregador e do trabalhador na execução do contrato de trabalho, e o dever de lealdade previsto no artigo 128.º, n.º 1, al. f) do Código do Trabalho (“Guardar lealdade ao empregador”), que não é cumprido, necessariamente, por um trabalhador que actua desta forma.

Porém, como referimos, não basta que se verifique uma das situações previstas no artigo 351.º, n.º 2 do Código do Trabalho, mesmo que conjugada com outros comportamentos culposos para que se verifique inelutavelmente a ‘justa causa’ de despedimento, sendo necessário que o comportamento do trabalhador tenha gravidade e consequências que impossibilitem a manutenção da relação de trabalho.

A gravidade da conduta “deve ser apreciada em termos objetivos e concretos, de acordo com o entendimento de um bom pai de família ou de empregador normal, face ao caso concreto e segundos critérios de objetividade e de razoabilidade” (Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 10 de Janeiro de 1996, retirado do sítio www.cidadevirtual.pt/stj).

De facto, não se pode pretender analisar a conduta do trabalhador do ponto de vista da sua entidade empregadora, pois é claro que esta considerou a conduta como grave, tão grave que a despediu no fim do processo disciplinar.

A lei impõe que se faça uma ponderação global de diversos factores, de acordo com o concreto quadro fáctico sub judice, a apreciar objectivamente, segundo o critério de um bonus pater familias.

Por seu lado, o despedimento deve ser a última sanção a aplicar ao trabalhador, quando se verifica a impossibilidade prática da manutenção do vínculo laboral, por nenhuma outra sanção ser suscetível de sanar a situação (cfr. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 10 de Dezembro de 1993, CJ/STJ III, p. 290).

Existe, assim, justa causa de despedimento quando não é exigível ao empregador a manutenção do vínculo laboral, por constituir uma injusta imposição a este, sendo que esta inexigibilidade deve ser, como referimos, avaliada objetivamente, de acordo com o critério de um homem médio colocado na situação da entidade patronal e está intimamente ligada com a quebra de confiança resultante da atuação do trabalhador.

De facto, o princípio da confiança e da boa fé no cumprimento dos contratos é especialmente importante nos contratos de trabalho, de longa duração e que originam uma série de vínculos pessoais, por força, desde logo, do artigo 762.º do Código Civil.

Assim, é necessário que a conduta do trabalhador seja “suscetível de destruir ou abalar essa confiança, de criar no espírito do empregador a dúvida sobre a idoneidade futura da sua conduta” (Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 17 de Janeiro de 2001, Prontuário de Direito do Trabalho n.º 60, p. 53).

Cumpre, também, destacar a importância que a relação de confiança do empregador no trabalhador tem no sector bancário, dado que, “estamos no âmbito da actividade bancária, sendo a prestação desta pelos trabalhadores baseada essencialmente numa relação de confiança e lealdade pelo que o mais pequeno desvio de conduta se repercute na quebra irremediável da confiança pressuposta na relação laboral, quebrando, assim, o suporte psicológico mínimo para o desenvolvimento dessa relação, independentemente das consequências mais ou menos gravosas em termos patrimoniais que desse desvio possam ter resultado, podendo a violação destes deveres acarretar prejuízos avultados para o bom nome, imagem e credibilidade que uma instituição bancária tem que possuir, como depositária e gestora das poupanças dos respectivos associados e clientes” (Acórdão da Relação do Porto de 13 de Junho de 2011, retirado de www.dgsi.pt), em que os trabalhadores lidam diariamente com quantias já avultadas e podem causar grandes prejuízos à sua entidade empregadora.

Finalmente, importa sublinhar que “o nosso ordenamento não conhece um despedimento disciplinar por pura perda de confiança”, mesmo no caso de trabalhadores bancários que exercem funções de confiança – vide Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 24 de Maio de 2023 (disponível em www.dgsi.pt).

Ora, conforme impressivamente sintetiza o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 13 de Fevereiro de 2019 (disponível em www.dgsi.pt):

(…)

A verdade é que, um comportamento infraccional de baixa gravidade, que não comprometeu definitivamente a subsistência da relação de trabalho, justifica a restrição do direito à livre iniciativa económica privada, com a inerente prevalência do direito à segurança no emprego.

No caso sub judice, tendo em conta, designadamente, o montante dos vouchers rebatidos pela autora (um total de €160,00) e o contexto em que a conduta da autora teve lugar (grande nervosismo e ansiedade mercê da sua situação de saúde), não se nos afigura que a atuação desta se revista de enorme gravidade, considerando, desde logo, não se nos afigurando, por conseguinte, que ficou totalmente destruída esta relação fiduciária decorrente do contrato, dado que atendendo, então, aos factos dados como provados, não vemos que estes integrem o conceito indeterminado de justa causa, que estes ponham imediatamente em causa a subsistência da relação de trabalho.

Aliás, não obstante considerarmos ilícita e culposa a conduta da autora, lembre-se que nesta matéria vigora o princípio da proporcionalidade, por força do artigo 330.º, n.º 1 do Código do Trabalho, o qual deve ser aplicado “de modo a que entre a sanção e o facto que a origina haja um natural equilíbrio, de molde a que aquela não se mostre desajustada com este” (Acórdão da Relação de Coimbra de 9 de Novembro de 2000, retirado do sítio www.trc.pt).

In casu, estamos perante uma trabalhadora que, ao longo da sua longa (desde 2002) relação laboral com a ré, não apresenta antecedentes disciplinares e teve, pelo menos até 2021, um desempenho exemplar, digno de uma trabalhadora de mérito.

Deste ponto de vista, o despedimento, que deve ser utilizado apenas em última instância, como “última ratio” (Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 2 de Outubro de 1999,          retirado do sítio www.cidadevirtual.pt/stj), mostra-se perfeitamente desproporcionado aos factos praticados pela autora, sendo, a nosso ver, ilícito o despedimento da autora pela ré.” – fim de citação.

                                                             *

Aqui chegados, atenta a matéria de facto provada, desde já avançamos que não acompanhamos a sentença recorrida quando decidiu pela inexistência de justa causa (comportamento grave em si mesmo e nas suas consequências que torne imediata e praticamente impossível a subsistência da relação de trabalho).

Na verdade, como se decidiu no acórdão desta Relação, de 08/09/2021, proferido no processo n.º 3649/19.4T8VIS. C1[2]:

<<A propósito da utilização indevida do cartão “poupa mais” esta Relação de Coimbra teve já oportunidade de se pronunciar nos Acs n.ºs 2382/16.3T8LRA.C1 de 10.02.2016 (relatado pelo ora relator e subscrito pelo ora 1º adjunto) e 1745/16.9T8GRD.C1de 27/04/2018 (subscrito como adjuntos pelo ora relator e pelo ora 1º adjunto).

No primeiro dos citados arestos escreveu-se que : “na determinação da justa causa de despedimento, há que apurar se estão, cumulativamente, verificados três elementos fundamentais a saber: se o comportamento imputado ao trabalhador é ilícito e culposo (elemento subjectivo) violador de deveres de conduta ou de valores inerentes à disciplina laboral, grave em si mesmo e nas suas consequências; se ocorre uma situação de impossibilidade prática de subsistência da relação de trabalho (elemento objectivo) e se ocorre uma relação causal (nexo de causalidade) entre aquele comportamento e aquela situação de impossibilidade.

De acordo, por exemplo, com acórdão do STJ de13-01-2010, procº 4583/06.3TTLSB.S1 “in” www.dgsi.pt/jstj[3] que temos vindo a citar noutros arestos desta Relação, existe a “impossibilidade prática e imediata de subsistência da relação laboral quando ocorra uma situação de absoluta quebra de confiança entre a entidade empregadora e o trabalhador, susceptível de criar no espírito da primeira a dúvida sobre a idoneidade futura da conduta do último, deixando de existir o suporte psicológico mínimo para o desenvolvimento dessa relação laboral.

E na apreciação da gravidade da culpa e das suas consequências, deve recorrer-se ao entendimento do “bonus pater familae”, de um “empregador razoável”, segundo critérios objectivos e razoáveis, em face do circunstancialismo concreto, devendo atender-se, “no quadro de gestão da empresa, ao grau de lesão dos interesses do empregador, ao carácter das relações entre as partes ou entre o trabalhador e os seus companheiros e às demais circunstâncias que no caso se mostrem relevantes”, como estabelece o art. 396.º, n.º 2 do Cód. do Trabalho”.

A impossibilidade prática e imediata de subsistência da relação laboral ocorrerá sempre que, num juízo de prognose, se possa concluir ter ocorrido a ruptura total da relação de fidúcia que deve existir entre trabalhador e empregador, ou seja, sempre que haja uma perda total de confiança no trabalhador por parte do empregador.

Existe a impossibilidade prática e imediata de subsistência da relação laboral quando ocorra uma situação de absoluta quebra de confiança entre a entidade empregadora e o trabalhador, susceptível de criar no espírito da primeira a dúvida sobre a idoneidade futura da conduta do último, deixando de existir o suporte psicológico mínimo para o desenvolvimento dessa relação laboral.

Nas palavras de Monteiro Fernandes[4], “não se trata, evidentemente, de uma impossibilidade material, mas de uma inexigibilidade, determinada mediante um balanço in concreto dos interesses em presença – fundamentalmente o da urgência da desvinculação e o da conservação do vínculo (...). Basicamente, preenche-se a justa causa com situações que, em concreto (isto é, perante realidade das relações de trabalho em que incidam e as circunstâncias específicas que rodeiem tais situações), tornem inexigível ao contraente interessado na desvinculação o respeito pelas garantias de estabilidade do vínculo”.

Ou como refere noutro passo, “a cessação do contrato, imputada a falta disciplinar, só é legítima quando tal falta gere uma situação de impossibilidade de subsistência da relação laboral, ou seja, quando a crise disciplinar determine uma crise contratual irremediável, não havendo espaço para o uso de providência de índole conservatória”[5].

Há ainda a considerar que na aplicação da sanção haverá que levar em conta o princípio da proporcionalidade estabelecido no artigo 330º do Código do Trabalho: a sanção deve ser proporcional à gravidade da infracção e à culpabilidade do infractor.

Ou seja, o despedimento deve apresentar-se como última ratio, não sendo lícito ao empregador “deitar logo mão” da “pena capital” quando tem à sua disposição outras sanções de índole conservatória que pode aplicar (artº 328º do CT).

No caso em apreciação os factos provados revelam objectivamente que a trabalhadora mediante a utilização abusiva de cartão titulado pelo seu filho, fez suas, indevidamente, várias quantias de dinheiro que pertenciam a vários clientes, cujo custo a empregadora suportou.

A trabalhadora, em vez de fazer reverter o desconto ou o valor da venda para o cartão do respectivo cliente, quer fosse accionando um novo cartão quer utilizando um cartão de que o cliente fosse portador, fê-lo para o cartão que tinha na sua posse, bem sabendo que nem ela nem o titular desse cartão tinham direito ao desconto que o cartão proporciona, bem como sabia que não podia utilizar, enquanto operadora, o cartão que consigo tinha consigo.

(…)

A recorrente sabia que a apropriação que estava a fazer através do cartão Poupa Mais do seu filho lhe estava vedada, não era lícita por não lhe ser permitida pela sua empregadora (o que, aliás, até confessou), sem que para isso houvesse a necessidade de qualquer formação nesse sentido.

Com a sua conduta a recorrente minou total e de forma definitiva, como temos vindo a decidir em casos semelhantes que passam por este Tribunal da Relação, a confiança subjacente às relações entre as partes num contrato de trabalho, atenta a gravidade da conduta da trabalhadora.

E, por isso mesmo, a relação laboral não pode ser salva com a aplicação de uma qualquer sanção conservatória pois que, num juízo de prognose, como também temos vindo a decidir, não se pode exigir ao empregador a manutenção da relação de trabalho por totalmente destruída a fidúcia a ela subjacente”.

E, no segundo dos citados arestos escreveu-se “…a Autora, contra ordens expressas da Ré, utilizou, de forma indevida, as vantagens (descontos) associados à utilização do referido cartão “Poupa Mais”- cfr. factos 33 a 53, agindo de forma a ocultar a sua conduta, procurando enganar a entidade patronal, em benefício do proprietário do cartão (aparentemente o seu marido)- facto 61.

E, no caso que nos ocupa, a Autora até havia recebido formação acerca das normas de utilização do cartão em causa, estando as mesmas devida e claramente estabelecidas e do conhecimento da Autora- factos 16 a 28 e 54 a 57.

E a conclusão que importa tirar é que a crise criada na relação laboral não poderia ter sido sanada pela aplicação de uma sanção conservatória, sendo legítimo à Ré partir para a mais grave do elenco sancionatório à sua disposição.

Não poderia a Ré ter ficado numa posição passiva face a tal comportamento da Autora, sob pena de se banalizarem tais tipos de condutas e de perder toda a sua autoridade, com injustificável prejuízo do seu poder disciplinar, sobre os outros trabalhadores, se pactuasse, no sentido de manter o vínculo laboral, com comportamentos tão graves como o adoptado pela Autora.

Considerando a atitude deliberada e voluntária da trabalhadora de violar os seus deveres laborais e a boa-fé sobre a qual se ergue o vínculo laboral, o contexto factual em que foram praticados os comportamentos infractores e os deveres que concretamente foram violados, a empregadora, inevitavelmente, teve de perder toda a confiança no trabalhador.

A confiança que tem de existir entre trabalhador e empregadora mostra-se irremediavelmente quebrada, pelo comportamento que a Autora assumiu.

Conclusão de impossibilidade que não é afastada pela significativa antiguidade da trabalhadora, nem pela eventual e alegada assunção dos factos cometidos.

Ao trabalhador, como sinalagma da obrigação do empregador de o retribuir, está adstrito o dever de realizar o seu trabalho com zelo e diligência, bem como os de cumprir as ordens e instruções do empregador em tudo o que respeite à execução e disciplina do trabalho, salvo na medida em que se mostrem contrárias aos seus direitos e garantias, guardar lealdade ao empregador e observar o respeito devido para com este - artº 128º, nº 1, als. a, c), e) e f) do CT.

Por outro lado, no contrato de trabalho assumem particular relevo as relações pessoais inter-partes, sendo um dos valores mais salientes que as devem nortear o da honestidade, da lealdade que reciprocamente devem comportar-se. No cumprimento da sua obrigação contratual é vedado ao trabalhador criar situações de perigo para o interesse do empregador ou para a organização técnico-laboral da empresa (Acórdãos do S.T.J. de 20/3/96, Ac. Doutrinais 416º, 1069, de 16/10/96, Ac. Doutrinais 423º, 396, e de 21/5/97, Col. Jur.- Ac. do STJ,. 1997, II, 288.

O dever de lealdade é uma manifestação do princípio da boa-fé e, dado o carácter essencialmente pessoal da relação de trabalho, visa proteger o bom funcionamento da empresa.

Como refere Monteiro Fernandes, in Temas Laborais, Almedina, pag. 62-63), “o dever de lealdade tem uma parte subjectiva que decorre da sua estreita relação com a permanência da confiança entre as partes, sendo necessário que a conduta do trabalhador não seja, em si mesma, susceptível de abalar ou destruir essa confiança, criando no espírito do empregador a dúvida sobre a idoneidade do trabalhador. Mas o dever de lealdade apresenta também um faceta objectiva, que se reconduz à necessidade de ajustamento do comportamento do trabalhador ao princípio da boa-fé no cumprimento das suas obrigações (artº 762º do C. Civil), dele deriva o imperativo de uma certa adequação funcional da conduta do trabalhador à realidade do interesse do empregador”.

E a perda de confiança entre as partes não depende da existência de concretos prejuízos, nem de culpa grave do trabalhador, mas da materialidade de um comportamento violador de um dever – cfr., entre muitos outros, os Ac. da Rel. Lisboa de 15/1/2003 e de 8/2/2012, da Relação do Porto de 5/12/11, todos disponíveis em www.dgsi.pt,  e do STJ de 11/10/95, Col. Jur., tomo III, pág. 277, e, na doutrina, Menezes Cordeiro, Manual de Direito do Trabalho, págs. 826 a 828, e Lobo Xavier, Da Justa Causa de Despedimento no Contrato de Trabalho, pág. 19.

Como ensina Júlio Gomes (Direito do Trabalho, vol. I, Relações Individuais de Trabalho, ed. 2007, pág. 951), no tocante às consequências da conduta do trabalhador, “…estas deverão consistir num prejuízo grave para o empregador, embora tal prejuízo não seja necessariamente de ordem patrimonial. Com efeito, as consequências perniciosas podem consistir em minar a autoridade do empregador (ou do superior hierárquico), lesar a imagem da empresa ou num dano por assim dizer “organizacional”. Referimo-nos, com isto, ao que vulgarmente se refere pela perda de confiança no trabalhador.”.

Como se disse, o contrato de trabalho é celebrado na base de uma recíproca confiança e deve desenvolver-se em obediência  aos ditames da boa-fé, a qual assume particular relevo nas relações entre  empregador  e empregado, sendo a lealdade um factor determinante do clima de confiança recíproca entre as partes. A conduta da Autora violou de forma particularmente grave essa boa-fé.

E tendo em conta que o comportamento da Autora tem de ser analisado na perspectiva da sua projecção sobre o vínculo laboral, em atenção às funções que exercia e à possibilidade de estas subsistirem sem lesão irremediável dos deveres fundamentais inerentes, é suficiente para que a Ré não possa continuar a depositar nela a confiança necessária à continuação da relação de trabalho, sendo, consequentemente, integrador de justa causa de despedimento.

Baptista Machado (in R.L.J. 118º, 330 ss.) salienta que "o núcleo mais importante de violações de contrato capazes de fornecer justa causa à resolução é constituído por violações do princípio da leal colaboração imposto pelo ditame da boa fé. Em termos gerais diz-se que se trata de uma quebra da "fides" ou da base de confiança do contrato (...) Esta é afectada quando se infringe o dever de leal colaboração, cujo respeito é necessário ao correcto implemento dos fins prático-económicos a que se subordina o contrato".

Assim sendo, o que importa reter é que, mesmo com a ausência de qualquer passado disciplinar, a conduta da Autora foi de molde a pôr em crise a confiança que nele depositava a Ré e que deve nortear as relações jurídico-laborais, tornando inexigível, nos termos descritos, a manutenção do contrato de trabalho, tornando essa subsistência imediata e praticamente impossível.

O comportamento assumido põe necessariamente em causa a idoneidade da trabalhadora para o futuro desempenho das suas funções.

Assim, bem andou a sentença em considerar verificada a justa causa de despedimento”.>>.

As considerações tecidas nos citados arestos têm “mutatis mutandis” aplicação nos presentes autos.

Na verdade, tendo em conta a matéria de facto provada, parece-nos evidente que a trabalhadora adotou um comportamento culposo, voluntário e intencional, violador dos deveres já enunciados, pois procedeu à associação do Cartão ... do seu marido às contas caixa de clientes identificadas no ponto 2 da matéria de facto, na sequência da qual foram emitidos e rebatidos cinco vouchers, no valor total de € 160,00 e dos quais a trabalhadora recorrida se apropriou indevidamente.

Acresce que, tal comportamento afigura-se-nos grave, em si mesmo, e nas suas consequências, desde logo, porque se trata de uma trabalhadora bancária sobre a qual impende um especial grau de confiança.

<<II – “Na atividade bancária, a exigência geral de boa‑fé na execução dos contratos assume um especial significado e reveste-se por isso de particular acuidade pois a relação juslaboral pressupõe a integridade, lealdade de cooperação e absoluta confiança da/na pessoa contratada”.>>[6]

O comportamento culposo e grave da trabalhadora inviabilizou definitivamente a continuação da prestação do seu trabalho para a empregadora, na medida em que <<a continuidade da vinculação representaria (objectivamente) uma insuportável e injusta imposição ao empregador>> - Monteiro Fernandes, Direito do Trabalho, 13ª ed., Almedina, pág. 561.

Não é exigível à empregadora que mantenha a relação laboral com uma trabalhadora que, no exercício das suas funções de “gestor de clientes”, atuou da forma descrita, o que originou uma absoluta quebra de confiança.

Estamos, assim, perante um comportamento culposo e grave da trabalhadora e que tornou impossível a subsistência da relação laboral (artigo 351.º, n.ºs 1 e 2, i), do C.T.).

Como se decidiu no acórdão desta Relação, de 05/12/2012, disponível em www.dgsi.pt:

<< III – Para que se esteja perante uma justa causa de despedimento torna-se necessário que haja um comportamento culposo do trabalhador e que a sua gravidade seja de tal ordem que torne impossível a subsistência da relação de trabalho.

IV – A justa causa do despedimento pressupõe uma acção ou uma omissão imputável ao trabalhador a título de culpa, e violadora dos deveres principais, secundários ou acessórios de conduta a que o trabalhador, como tal, está sujeito, e que tal comportamento seja grave em si mesmo e nas suas consequências, de modo a tornar impossível a subsistência da relação laboral.

V – A confiança entre o empregador e o trabalhador desempenha um papel essencial nas relações de trabalho, tendo em consideração a forte componente fiduciária daquelas; com efeito, a relação juslaboral pressupõe a integridade, lealdade de cooperação e absoluta confiança da/na pessoa contratada.>>

Acresce que ocorrendo, como ocorreu, a perda total de confiança, tornando inexigível a continuação da relação de trabalho, não assume particular relevância o facto de o montante em causa ter sido restituído, o facto da trabalhadora não ter antecedentes disciplinares e de ser uma trabalhadora de mérito, nem a sua situação de saúde (sendo certo que apenas se provou a matéria descrita no ponto 48), sem que, no entanto, com esta última afirmação se ponha em causa a gravidade da doença da trabalhadora nem as consequências da mesma.

Assim, tendo em conta o que ficou dito, e não olvidando que a sanção disciplinar deve ser proporcional à gravidade da infração e à culpabilidade do infrator (n.º 1, do artigo 330.º, do C.T.), entendemos que a sanção de despedimento aplicada à trabalhadora recorrida se mostra proporcional à gravidade do seu comportamento.

Pelo exposto, existiu justa causa para o despedimento da trabalhadora e, consequentemente, o seu despedimento é lícito e regular, improcedendo os pedidos formulados dependentes da ilicitude mesmo.

Procedem, assim, as conclusões da empregadora recorrente.

*

Face à procedência das conclusões formuladas pela empregadora recorrente, impõe-se a apreciação das questões suscitadas pela trabalhadora recorrida na ampliação do recurso.

1ª questão

Reapreciação da matéria de facto.

Conforme resulta do disposto no artigo 640.º, do C.P.C.:

<<1. Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:

a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;

b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;

c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.

2. No caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte:

a) Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes; (…)>>.

Acresce que, a decisão do tribunal de 1.ª instância sobre a matéria de facto pode ser alterada pela Relação nos casos previstos no artigo 662.º, do CPC.

A trabalhadora recorrida veio ampliar o âmbito do recurso com impugnação da matéria de facto que alega ter sido incorretamente julgada.

Lidas as alegações e respetivas conclusões, constatamos que a trabalhadora indica os pontos concretos da matéria de facto provada e não provada que considera incorretamente julgados; os concretos meios probatórios, tais como, os documentos e os depoimentos das testemunhas que identifica e que impõem decisão diversa, com indicação das passagens da gravação (respetivos minutos) e, ainda, a decisão que no seu entender deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.

Assim sendo, a recorrida cumpriu na totalidade o ónus que sobre si impendia, pelo que, este tribunal pode proceder à reapreciação da matéria de facto impugnada.

Este Tribunal procedeu à audição dos depoimentos prestados em audiência de julgamento e analisou todos os documentos juntos aos autos.

A Exm.ª juiz do tribunal recorrido fundamentou a decisão nos termos supratranscritos.

Vejamos, então, se assiste razão à trabalhadora recorrida.

Alega esta que:

- Deve ser reputado como provado o facto alegado na al. r) do art.º 8.º da contestação, aditando-se aos factos reputados como provados, nos termos seguintes: A Autora tinha uma hora de isenção de horário de trabalho e diariamente prestava a sua atividade à Entidade Empregadora desde cerca das 8 h 15 m até às 18 horas e 30 minutos, e em alguns dias até às 19 horas ou às 20 horas;

Na alínea r) do artigo 8.º da contestação consta:

r. A Autora (…) entrava normalmente no local de trabalho às 8 h e 30 m e saía para lá das 19 h, (…) pois o horário de trabalho é as 8 h e 30 m às 16 h e 30 m, com uma hora de isenção de horário de trabalho.

Pese embora esta matéria tenha pouco interesse para a decisão da causa, certo é que a mesma foi aceite pela Ré nos termos constantes do artigo 7.º da resposta e, assim, tendo ainda em conta o documento junto a fls. 426, adita-se à matéria de facto o ponto 1. a) com a seguinte redação:

1.a) – A Autora entrava normalmente no local de trabalho às 8 h e 30 m e saía para lá das 19 h, tendo-lhe sido atribuída isenção de horário de trabalho na modalidade de não sujeição aos limites máximos dos períodos normais de trabalho.

Mais alega que:

- No facto reputado como provado sob o número dois não constam as horas a que foram efetuadas as associações alegadas pela Recorrida em 44.º do respetivo Articulado Motivador, pelo que, deve ser aditado ao facto provado sob o n.º 2, o seguinte: As referidas associações foram efetuadas às horas que se indicam: No dia 16.07.2021 foram efetuadas duas associações, uma às 18:00:36 horas e a outra às 20:00:48 horas; no dia 6.08.2021 foi efetuada uma associação às 17:52:09 horas; no dia 20.08.2021 foi efetuada uma associação às 15:54:35 horas; no dia 27.08.2021 foi efetuada uma associação às 13:42:20 horas;

Consta do ponto 2. da matéria de facto provada:

2. Em 03.09.2021, a Direção de Auditoria Interna (Monitorização Contínua) identificou uma suspeita de operativa irregular relacionada com a associação do Cartão ... n.º ...30 a cinco contas Caixa subscritas por Clientes, efetuadas pela autora, associação essa efetuada aquando das subscrições às cinco contas Caixa:

• Conta Caixa (M) n.º ...75, associada à conta de depósitos à ordem n.º ...00, subscrita em 16/07/2021 pelo Cliente n.º ...27, BB;

• Conta Caixa (M) n.º ...75, associada à conta de depósitos à ordem n.º ...30, subscrita em 16/07/2021 pelo Cliente n.º ...44, CC;

• Conta Caixa (Azul) n.º ...75, associada à conta de depósitos à ordem n.º ...00, subscrita em 06/08/2021 pelo Cliente n.º ...57, DD;

• Conta Caixa (M) n.º ...75, associada à conta de depósitos à ordem n.º ...30, subscrita em 20/08/2021 pelo Cliente n.º ...00, EE, e n.º ...22, FF;

• Conta Caixa (Azul) n.º ...75, associada à conta de depósitos à ordem n.º ...00, subscrita em 27/08/2021 pelo Cliente n.º ...15, GG, e n.º ...42, HH.

Na verdade, a Ré alegou no artigo 44.º do articulado motivador as horas em que foram efetuadas as associações, conforme documentos juntos ao processo disciplinar.

Assim o ponto 2. da matéria de facto provada passa a ter a seguinte redação:

2. Em 03.09.2021, a Direção de Auditoria Interna (Monitorização Contínua) identificou uma suspeita de operativa irregular relacionada com a associação do Cartão ... n.º ...30 a cinco contas Caixa subscritas por Clientes, efetuadas pela autora, associação essa efetuada aquando das subscrições às cinco contas Caixa:

• Conta Caixa (M) n.º ...75, associada à conta de depósitos à ordem n.º ...00, subscrita em 16/07/2021 pelo Cliente n.º ...27, BB, pelas 18 h;

• Conta Caixa (M) n.º ...75, associada à conta de depósitos à ordem n.º ...30, subscrita em 16/07/2021 pelo Cliente n.º ...44, CC, pelas 20 h;

• Conta Caixa (Azul) n.º ...75, associada à conta de depósitos à ordem n.º ...00, subscrita em 06/08/2021 pelo Cliente n.º ...57, DD, pelas 17 h e 52 m;

• Conta Caixa (M) n.º ...75, associada à conta de depósitos à ordem n.º ...30, subscrita em 20/08/2021 pelo Cliente n.º ...00, EE, e n.º ...22, FF, pelas 15 h e 54 m;

• Conta Caixa (Azul) n.º ...75, associada à conta de depósitos à ordem n.º ...00, subscrita em 27/08/2021 pelo Cliente n.º ...15, GG, e n.º ...42, HH, pelas 13 h e 42 m.

Alega que:

- Porque nos autos está em causa uma sanção de despedimento com justa causa, injusta e que sempre seria desproporcionada, impõe-se que a totalidade do texto do Parecer da Comissão de Trabalhadores conste nos factos provados, porque no mesmo os representantes dos trabalhadores se pronunciam quanto à situação concreta da Recorrida e à ausência de danos reputacionais e contraordenacionais para a Recorrente, o que releva além do mais nos termos do n.º 3 do art.º do Código do Trabalho, devendo no ponto 17 dos factos provados passar a constar: em 03/05/2022 a Comissão de Trabalhadores da ré emitiu o parecer junto a fls. dos Autos com a seguinte redação:

Com toda esta envolvência, a trabalhadora encontrava-se sob condições que não se podem considerar as ideais e, apesar de tudo o apresentado, dedicou-se aos seus afazeres profissionais com zelo e brio profissional;

O procedimento da hierarquia e da DAI teve um cariz mais “inspetivo” do que de auditor às tarefas da colega, e a CT entende que, a uma colega com uma “folha” tão limpa, devia ser dada pedagogia e oportunidade de corrigir um erro em 20 anos de bom, efetivo e reconhecido serviço.”

A suspensão preventiva da trabalhadora, seria por si só, alerta suficiente e uma sanção mais do que suficiente, face à antiguidade do trabalhador e ao desempenho do mesmonaCGD que é inquestionável.”

“Não resultando nenhum dano reputacional à Banco 1... nem nenhum risco contraordenacional à mesma, não se consegue ver como a atuação do mesmo trabalhador pode colocar em causa a relação de confiança existente entre o próprio e a sua entidade patronal.”

Vejamos:

Consta do ponto 17 da matéria de facto provada:

17. Em 03/05/2022 a Comissão de Trabalhadores da ré emitiu parecer, concluindo que “considera existirem alternativas mais adequadas em detrimento da sanção proposta”.

O parecer da Comissão de trabalhadores encontra-se junto aos autos a fls. 266, concluindo nos termos constantes do ponto 17 da matéria de facto provada, sendo que, não se revela de qualquer interesse aditar todo o seu conteúdo à matéria que já consta deste, desde logo, porque a mesma é suficiente para se apreender o seu sentido.

Assim, a matéria constante do ponto 17 do elenco dos factos provados deve manter-se como tal.

Alega que:

- O facto reputado como provado sob o n.º 34 tem que ser conjugado com o facto reputado como provado sob o número 46, sob pena de se entender que a Recorrida somente esteve ausente do trabalho por motivos de doença de 01.01.2018 a 16.02.2018, a que acresce que a Recorrida alegou em 24.º da respetiva Contestação que no período de 2015 a 2021, teve um total de 178 dias úteis de faltas para efetuar tratamentos e ser submetida a cirurgias, conforme documento 5 e 8 juntos com a Contestação, pelo que o facto reputado como provado sob o n.º 17, deverá ser alterado no sentido de passar a constar que: a Recorrida no período de 2015 a 2021, teve um total de 178 dias úteis de faltas ao trabalho para efetuar tratamentos, e se submeter a cirurgias, em resultado da endometriose e de problemas de fertilidade, conforme documento 5 e 8 juntos com a Contestação;

Consta dos pontos 34 e 46 da matéria de facto provada que:

34. A autora esteve ausente, com faltas classificadas como Internamento Hospitalar, de 01/01/2018 a 16/02/2018.

46. Resulta de fls. 294 v. o histórico da autora de ausências por doença/internamento hospitalar desde 2015 (conforme documento n.º 8 junto com a contestação cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido).

Ao contrário do alegado pela trabalhadora recorrida, inexiste qualquer fundamento para alterar a matéria descrita nestes pontos, desde logo, porque do ponto 46. resulta todo o histórico de ausências da trabalhadora por doença/internamento nos termos constantes do documento junto a fls. 294 v.º e do ponto 42. já consta a identificação da doença diagnosticada à mesma e respetiva informação clínica, conforme documento junto a fls. 300 e segs., sendo inútil proceder a qualquer aditamento.

Assim, a matéria descrita nos pontos 34. e 46. do elenco dos factos provados deve manter-se como tal.

Mais alega que:

- O facto reputado como provado sob o n.º 42, deve ser alterado no sentido de passar a constar: A autora foi diagnosticada, em 2015, com doença crónica de endometriose profunda grave, em resultado da qual, em 12.12.2019 ficou impossibilitada de ter filhos, resultando de fls. 300 a 409 a respetiva informação clínica da autora (conforme documento n.º 5 junto com a contestação, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido);

Consta do ponto 42 da matéria de facto provada:

42. A autora foi diagnosticada, em 2015, com doença crónica de endometriose profunda grave, resultando de fls. 300 a 409 a respetiva informação clínica da autora (conforme documento n.º 5 junto com a contestação, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido).

Conforme resulta do documento junto a fls. 300 e segs. a trabalhadora, devido a endometriose, foi sujeita a histerectomia e ooforectomia, pelo que, impõe-se concluir que ficou impossibilitada de ter filhos.

Assim sendo, afigura-se-nos inútil proceder ao aditamento pretendido, mantendo-se a matéria descrita no ponto 42.

Alega que:

- O facto reputado como provado sob o n.º 46 da douta sentença recorrida, corresponde somente a alguns dos factos alegados pela Recorrida em 10.º e 19.º da respetiva Contestação, que estão todos provados, mas estando em causa o despedimento da Recorrida, impõe-se a enumeração do total das cirurgias de referência dos tratamentos/cirurgias, os quais foram reputados como provados pois constam do doc. 5, julgado como provado, pelo que no facto provado sob o n.º 46 deve passar a constar o seguinte: “Resulta de fls. 294v. o histórico da autora de ausências por doença/internamento hospitalar desde 2015 (conforme documento n.º 8 junto com a contestação cujo teor aqui se por integralmente reproduzido)”, e que a mesma em tal período foi submetida às seguintes 13 cirurgias e aos tratamentos que se referem:

xix      1.ª cirurgia em 22-4-2015

xx       2.ª cirurgia em 13-5-2015;

xxi      3.ª cirurgia em 1-7-2015;

xxii     4.ª cirurgia em 18-8-2015;

xxiii    Em 2016, entre março e abril, tratamentos de fertilidade;

xxiv    Em janeiro 2017 fez uma salpingectomia laparoscópica;

xxv     Em 2017 fez novo tratamento de fertilidade;

xxvi   Em outubro de 2017, e após novos exames, foi-lhe diagnosticado um repuxamento do ureter esquerdo, comprometendo o rim esquerdo;

xxvii  Em 12-12-2017 foi submetida a nova cirurgia – descompressão laparoscópica de ureteres;

xxviii  Em 23-01-2018 foi submetida a uma nova cirurgia de extração de stent ureteral à esquerda;

xxix    Em 2018, tratamentos de fertilidade;

xxx    Em 12-12-2019 foi submetida a nova cirurgia de Histerectomia e ooforectomia (que em terminologia corrente significou a remoção do útero, colo do útero e ovários e a dura constatação de que jamais poderia engravidar)

xxxi   Em 11-3-2020 submetida a nova cirurgia – estenose ureteral distal esquerda;

xxxii  Em 28-05-2020 submetida a nova cirurgia com o mesmo diagnóstico, no seguimento da cirurgia anterior;

xxxiii Em 29-10-2020 submetida a nova cirurgia, reimplantação ureteral esquerda por via laparoscópica, saindo do hospital algaliada;

xxxiv. Em 7-11-2020 foi de urgência para hospital ... com uma hemorragia. Fez lavagem vesical;

xxxv.  Em 10-11-2020 - diagnóstico de pielonefrite esquerda aguda no rim esquerdo resistente a antibiótico, o que exigiu tratamento nos 3 meses seguidos com antibióticos e o acompanhamento por médico infeciologista;

xxxvi.  Em 19-2-2021 – retira o stet no ureter esquerdo, estando de baixa até março 2021;

Não acompanhamos a trabalhadora recorrida.

Na verdade, consta do ponto 46.:

46. Resulta de fls. 294v. o histórico da autora de ausências por doença/internamento hospitalar desde 2015 (conforme documento n.º 8 junto com a contestação cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido).

Por outro lado, resulta do ponto 42.

42. A autora foi diagnosticada, em 2015, com doença crónica de endometriose profunda grave, resultando de fls. 300 a 409 a respetiva informação clínica da autora (conforme documento n.º 5 junto com a contestação, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido).

Ora, uma vez que as intervenções (cirurgias e tratamentos) a que a trabalhadora foi sujeita se encontram descritas no documento junto a fls. 300 a 409 referido no ponto 42., o pretendido aditamento revela-se, desde logo, inútil e, por isso, mantém-se a matéria descrita no ponto 46.

Mais alega que:

- Do facto reputado como provado sob o n.º 48 deve passar a constar como provado que: A situação de saúde da Autora, causou-lhe e causa-lhe, grande nervosismo e ansiedade, dor corporal crónica, crises de indisposição física e mental, com desorientação e apatia, névoa mental, stress e afeta a respetiva sexualidade;

Resulta do ponto 48 da matéria de facto provada:

48. A situação de saúde da autora causou-lhe grande nervosismo e ansiedade.

Tendo em conta o depoimento da testemunha OO, médico consultado várias vezes pela trabalhadora, que referiu que esta sofreu dores intensas e viu alterada a sua sexualidade por força da endometriose, é nosso entendimento que foi feita prova bastante e credível de que a situação de saúde da autora causou-lhe dor corporal e afeta a sua sexualidade.

Assim sendo, a matéria descrita no ponto 48. deve passar a ter a seguinte redação:

48.  A situação de saúde da trabalhadora causou-lhe grande nervosismo e ansiedade, dor corporal e afeta a sua sexualidade.  

Por fim, a trabalhadora recorrida alega que:

- Tendo presente o hábito da Recorrida guardar a informação, não destruir os papéis em que tomava apontamentos após a execução das tarefas respetivas, se tratar de uma pessoa que partilhava, inclusivamente, bónus e prémios com Colegas, não ter problemas financeiros, ter as limitações decorrentes da incapacidade de 73% de que padece, uma doença crónica que lhe causa grande nervosismo e ansiedade, dor corporal crónica, crises de indisposição física e mental, com desorientação e apatia, névoa mental, stress e afeta a respetiva sexualidade, com uma carreira de cerca de 20 anos na Recorrente, com elevado desempenho, reconhecido pelos seus Colegas e superiores hierárquicos, com uma carga horária de 9 horas por dia, 45 horas por semana, num setor em que o período normal de trabalho semanal é de 35 horas, é evidente que não seria para obter um proveito de 160,00€ que a mesma iria colocar toda a sua vida profissional, pessoal e saúde em causa, numa campanha em que constava que a associação feita a uma cartão do funcionário, ou relacionado, constituiria infração disciplinar, pelo que, de acordo com as regras da experiência comum se impõe que se repute como provado que: “nas circunstâncias de tempo e lugar descritas em 2) a 8) a autora agiu por lapso operacional involuntário/erro, decorrente de um estado de saúde e resistência fragilizada, também a nível mental, sem intenção de prejudicar a ”.

Pois bem, tendo em conta toda a prova produzida e ponderando, ainda, as regras da experiência comum, é nosso entendimento que não feita prova de que nas circunstâncias de tempo e lugar descritas nos pontos 2 a 8 da matéria de facto provada a trabalhadora agiu por lapso operacional involuntário/erro, decorrente de um estado de saúde e resistência fragilizada, também a nível mental, sem intenção de prejudicar a Ré.

Na verdade, é o que resulta do depoimento das testemunhas PP e KK, nos termos descritos na motivação de facto da sentença recorrida, sendo certo que a testemunha QQ referiu que a trabalhadora lhe disse que tinha sido um lapso por ter apontado o número do cartão na agenda para ser carregado na conta de uma cunhada por outro funcionário e “que só pode ser um lapso, ninguém vai por uma carreira de 18 anos em causa com uma coisa destas”.

Ora, tendo em conta que estamos perante cinco operações, duas efetuadas no mesmo dia mas a horas diferentes e as outras três em distintos dias e que estamos perante uma trabalhadora experiente e com bons resultados, não se nos afigura minimamente credível que a mesma agiu por lapso operacional involuntário/erro, decorrente de um estado de saúde e resistência fragilizada, também a nível mental, sem intenção de prejudicar a Ré.

Como se refere na fundamentação da sentença recorrida, não se vê como é que uma trabalhadora experiente como a Autora poderia “pensar” que ao associar um Cartão ... a várias contas bancárias onde são creditados determinados valores pela Ré, não estaria a prejudicar, direta ou indiretamente, a mesma.

Com o que ficou dito não queremos desvalorizar a grave doença da trabalhadora nem as suas consequências, no entanto, não foi feita prova bastante e credível de que o comportamento da trabalhadora se ficou a dever a um lapso decorrente do nervosismo e ansiedade da mesma causados pela doença.

Pelo exposto, a matéria de facto não provada deve manter-se como tal.

2ª questão

Se a trabalhadora não praticou qualquer infração disciplinar e

3ª questão

Se a trabalhadora não agiu com culpa.

Alega a trabalhadora recorrida que:

- A sentença recorrida enferma de vício de violação da Lei, ao presumir a culpa da Recorrida, mediante a aplicação do art.º 799.º do Código Civil, porque a Trabalhadora Recorrida tem uma incapacidade de 73%, padece de uma doença crónica, pelo que a aplicação daquela presunção de culpa neste caso, sempre viola o estipulado no n.º 1 do art.º 330.º do Código do Trabalho, e nos artigos 85.º a 88.º do Código do Trabalho, particularmente, o n.º 1 do art.º 86.º e o n.º 2 do art.º 88.º do Código do Trabalho, e ainda o estipulado nas als. b) e c) do n.º 1 do art.º 59.º da Constituição da República Portuguesa;

- Sem olvidar que a Recorrente tem uma estrutura hierárquica complexa, a verdade é que estamos perante uma situação em que a conduta da Recorrida foi totalmente identificada no dia 3.09.2021, e somente no dia 14 de janeiro de 2022, a mesma foi suspensa e afastada do seu posto de trabalho, mais de 3 meses e 11 dias depois, tendo recebido no dia 10 de janeiro de 2021, um elogio da sua chefia e um voto de confiança, “Em 2022 continuaremos a contar consigo para ir mais além”.

- A relação laboral da Recorrida com os seus superiores hierárquicos e com os seus Colegas de Trabalho, mesmo após os factos acima referidos, continuou a pautar-se por um excelente ambiente de trabalho, e com um desempenho de mérito da Recorrida reconhecido pelos seus superiores hierárquicos e Colegas de trabalho, pelo que sempre se impõe concluir que ainda que a conduta da Recorrida se tivesse verificado com culpa, ainda que presumida, o que não se concede, no caso dos Autos a decisão de despedimento da Recorrida com justa causa sempre violaria de forma grave e notória o princípio da proporcionalidade e o n.º 3 do art.º 351.º do Código do Trabalho;

- Mesmo a entender-se, o que sem prescindir e somente por mera hipótese se admite que a douta sentença recorrida deveria ser revogada na parte em que a decisão está fundamentada na violação do princípio da proporcionalidade, e na desproporcionalidade da sanção aplicada, sempre a decisão plasmada na douta sentença teria de ser mantida com os demais fundamentos arguidos pela Recorrida nos Autos, designadamente, o facto de esta não ter praticado qualquer infração disciplinar, por a conduta da Recorrida sempre se ter “verificado por lapso operacional involuntário/erro não censurável”, ou, caso assim não se entendesse, e sem prescindir, com fundamento na inaplicabilidade a este processo disciplinar, em que o Trabalhador tem uma incapacidade de 73%, doença crónica, da presunção de culpa prevista no art.º 799.º do Código Civil, e, consequentemente sempre a Recorrente deveria ser condenada nos precisos termos contantes da douta sentença recorrida.

Pois bem, como se extrai da reapreciação da matéria de facto, não resultou provado que nas circunstâncias de tempo e lugar descritas nos pontos 2 a 8 da matéria de facto provada a trabalhadora agiu por lapso operacional involuntário/erro, decorrente de um estado de saúde e resistência fragilizada, também a nível mental, sem intenção de prejudicar a Ré, razão pela qual, e tendo em conta as considerações expendidas aquando da apreciação da questão suscitada pela recorrente da existência de justa causa para o despedimento que aqui damos por reproduzidas, a conclusão da trabalhadora no sentido de não ter praticado qualquer infração disciplinar tem necessariamente de improceder.

Resta dizer que, ao contrário do alegado pela trabalhadora, na sentença recorrida (bem como na apreciação que fizemos da existência de justa causa de despedimento) foi imputado à trabalhadora recorrida um comportamento ilícito e culposo resultante da violação dos respetivos deveres e não simplesmente a presunção a que alude o artigo 799.º do Civil.

Na verdade, <<I – É à entidade empregadora que cabe alegar e provar os factos demonstrativos da violação do dever contratual que constitui a justa causa de despedimento.

II – A presunção de culpa, tal como prevê o artigo 799º do Código Civil, pressupõe o incumprimento ou o deficiente cumprimento da obrigação, pelo que só quando tenha sido feita a prova de que o trabalhador violou um dever resultante da relação laboral é que lhe é imposto ónus de provar que, nessa circunstância, agiu sem culpa.>>[7]

De qualquer forma, sempre diremos que a questão da aplicação desta presunção de culpa no âmbito da responsabilidade disciplinar, pelo menos na doutrina, não é pacífica.

No entanto, é nosso entendimento, que a presunção de culpa a que alude o artigo 799.º do CC não é aplicável na responsabilidade disciplinar.

Como refere Júlio Gomes[8], <<se as sanções disciplinares pressupõem a culpa do infractor, em termos de genuína censurabilidade pessoal, parece-nos inteiramente despropositado pretender aplicar aqui o princípio de que a culpa se presume, como sucede, em regra, na responsabilidade contratual. A responsabilidade disciplinar e a responsabilidade civil não se confundem: o escopo da sanção disciplinar não é o de ressarcir um dano ou o de restabelecer um equilíbrio patrimonial, prejudicado pelo incumprimento – como é sabido, mesmo quando a sanção consiste numa multa, tal valor não é, a não ser por coincidência, idêntico ao do dano, e não se destina a ressarcir o credor.>>

Em suma, como consta da apreciação da questão suscitada pela empregadora recorrente, existiu justa causa para o despedimento da trabalhadora e, consequentemente, o seu despedimento é lícito e regular, improcedendo os pedidos formulados dependentes da ilicitude do mesmo.

Improcedem, assim, estas conclusões da trabalhadora recorrida.

                                                             *

                                                             *                                                        

IV – Sumário[9]

(…)

                                                                       *

                                                             *

V – DECISÃO

Nestes termos, sem outras considerações, na procedência do recurso, acorda-se em revogar a sentença recorrida, declarando-se lícito o despedimento de que foi alvo a trabalhadora AA e absolvendo-se a Ré Banco 1..., SA, dos pedidos contra si formulados.                                                                                                                          *

                                                    *

Custas a cargo da trabalhadora recorrida.                                                                                                                            *

                                                             *

                                                                                             Coimbra, 2024/01/26

 (Paula Maria Roberto)

 (Felizardo Paiva)

(Mário Rodrigues da Silva)



[1] Relatora – Paula Maria Roberto
 Adjuntos – Felizardo Paiva
                – Mário Rodrigues da Silva

[2] Relatado pelo aqui 1º adjunto e subscrito como adjunta pela ora relatora.
[3] Tirado no âmbito do CT de 2003 mas que mantém actualidade em face do regime consagrado no actual CT de 2009.
[4] In “Manual do Direito do Trabalho”, 12ª ed., pág. 557
[5] Ob. cit., pág. 575.
[6] Acórdão do STJ, de 06/11/2019, disponível em www.dgsi.pt.
[7] Acórdão do STJ, de 28/03/2007, disponível em www.dgsi.pt.
[8] Direito do Trabalho, Volume I, Coimbra Editora, págs. 887 e 888.
[9] O sumário é da exclusiva responsabilidade da relatora.