Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
923/15.2T8ACB.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: FALCÃO DE MAGALHÃES
Descritores: PROCESSO ESPECIAL DE REVITALIZAÇÃO
CREDOR
DIREITO DE VOTO
Data do Acordão: 02/16/2016
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COMARCA DE LEIRIA – ALCOBAÇA – INST. CENTRAL – 2ª SEC.
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA
Legislação Nacional: ARTº 17º-F, Nº 3, E 212º, Nº 2, AL. A), AMBOS DO CIRE.
Sumário: No âmbito de processo especial de revitalização (PER) a que seja aplicável o DL nº 26/2015, de 6/02, continua a justificar-se que, para efeitos do disposto no artº 17º-F, nº 3, do CIRE, não confiram direito a voto, nos termos do artº 212º, nº 2, al. a), desse mesmo código, os créditos que não sejam modificados pela parte dispositiva do plano.
Decisão Texto Integral:

Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra:

I - A) - 1) – M..., divorciada, residente na Rua ..., veio instaurar, em 19 de Março de 2015, na Instância Central - 2ª Secção de Comércio - J1 (Alcobaça), da Comarca de Leiria, processo especial de revitalização (PER), no âmbito dos artigos 17.º-A e ss. do Código da Insolvência e Recuperação de Empresas (doravante CIRE), aprovado pelo Decreto-Lei n.º 53/2004 de 18 de Março[1].

Para o efeito e além do mais, referiu que a sua credora A..., residente na ..., expressamente manifestou a sua vontade de encetar negociações conducentes à revitalização dela, ora Requerente, através da aprovação de um plano de recuperação, conforme se alcança da declaração dessa mesma credora, que juntou;

2) - Foi dado seguimento ao PER, tendo, o despacho que, em 21/04/2015, nomeou o Administrador Judicial Provisório (AJP), nos termos do artº 17.º-C, nº 3, a), do CIRE, sido publicitado no “Citius”, em 27/4/2015;

3) - Na lista provisória dos credores apresentada pelo senhor administrador da insolvência e que foi publicada no portal Citius, constavam, entre um total global de créditos no valor de 191.981,69 €, o crédito, classificado como “sob condição”, no montante de 102.537,50€, do “Banco S..., S.A.”, referente a uma fiança prestada pela devedora, e, também desse Banco, o crédito no valor de 19.419,91€, respeitante a “empréstimo pessoal”, aí classificado como comum, bem assim como um crédito de 7,859,80 €, também classificado como comum, da “U..., S.A.”;

4) - A Proposta de Plano de Recuperação da devedora M... foi publicitada no Portal Citius, tendo sido fixado o prazo de 10 dias para os credores procederem à sua votação por escrito.

5) - O Plano proposto, entre o mais, consignava o seguinte:

«[…]Propõe-se o pagamento a todos os credores nos seguintes termos:

A) Quanto aos créditos do Banco B---, S.A. Credor Hipotecário, propõe-se o pagamento do valor reclamado e reconhecido:

1.Quanto aos créditos hipotecários - Atribuição de carência retroagida e prorrogação do prazo em 40 meses, passando o prazo vincendo para 121 meses e o novo prazo total para 218 meses e manutenção das condições em vigor.

B)Quanto ao crédito do Banco S..., S.A. (fiança prestada), propõe-se:

1. Manutenção da fiança prestada, nos precisos termos em que foi prestada. Caso o contrato garantido pela fiança passe a estar em incumprimento, o Banco S..., S.A. poderá exigir dos devedores o pagamento devido nos termos normais.

Quanto aos Créditos Comuns, propõe-se o pagamento da totalidade da quantia reclamada e reconhecida em 72 prestações mensais, iguais e sucessivas, com taxa de juro de 4%.

A primeira prestação vence-se no mês seguinte à data do trânsito em julgado da sentença de homologação do plano especial de revitalização.[…]».

6) - a)- Rejeitaram a Proposta:

- O “Banco S..., S.A.”;

- A “U---, S.A.”, com o crédito comum no valor de 7,859,80€;

b)- Votaram favoravelmente a Proposta:

- O BANCO B..., com o crédito de 50,247,00€;

- A “C..., SA.”, com os créditos de 6,048,93€, 487,44 € (sob condição) e 533,44 € (sob condição);

c)- Não emitiram voto sobre a Proposta:

- O “Banco A...”, com o crédito de 3,655,24€;

- A “N...”, com o crédito de 192,43 €;

- A credora A..., com o crédito de 1,000,00€.

7) - Relativamente ao “Banco S..., S.A.”, só foi contabilizado o crédito comum de 19.419,91€, não tendo sido considerado o crédito de 102.537,50€, uma vez que se entendeu que tal crédito não conferia direito a voto, pois que não havia sido modificado pela parte dispositiva do plano, respeitando a fiança prestada pela Requerente, que se mantinha, no plano proposto, nos mesmos termos em que fora prestada.

8) - No documento de 28/08/2015, relativo à abertura e contagem dos votos escritos para efeitos de aprovação/rejeição do PER, consignou-se, entre o mais, o seguinte:

«[…]Verificados os votos remetidos por correio e por via electrónica, com a concordância dos presentes, foram todos considerados como validamente expressos e COM direito a voto por cumprirem os condicionalismos formais para a votação, com excepção do crédito subordinado reclamado pelo credor BANCO S..., S.A., no valor de 102.537.50€ referente a uma fiança prestada pela devedora que se mantem, neste plano em votação (al. B. ponto 1, da proposta de pagamento contida no plano), nos mesmos termos em que foi prestada (nº. 2 do artº 212º do CIRE).

Findas as formalidades que antecedem o AJP verificou que para efeitos de determinação de quórum emitiram o seu voto 4 credores, melhor identificados na lista em anexo, representando um total de créditos expressos com direito a voto no valor de €84.596.52., o equivalente a 94,58% dos créditos reconhecidos com direito a voto constantes da lista provisória, ou seja, este plano foi votado por credores cujos créditos representam mais de 1/3 do total de créditos relacionados com direito a voto contidos na lista de créditos a que se referem os nºs. 3 e 4 do artº. 17 D do CIRE.

Em face do nº. 1 do art°. 212º do ClRE, verificada a existência de quórum deliberativo, os presentes passaram de imediato à contagem dos votos.

Após a contagem dos votos verificou-se que 2 credores votantes pronunciaram-se "favoravelmente" pelo Plano de Revitalização proposto, melhor identificados e assinalados na lista anexa que faz parte integrante desta Acta.

O total de Votos favoráveis totaliza assim 57.316.81€, ou seja o equivalente a 67.65% do valor total de créditos expressos na votação.

Votaram contra 2 credores com direito a voto que totalizam 24279.71€, ou seja o equivalente a 32.25% do total de créditos expressos nesta votação.

(…)

Como consequência, em resumo do que supra se expõe, da contagem dos Votos resulta o seguinte escrutínio:

                                 CAPITAL           %

VOTOS TOTAIS EXPRESSOS (1)       84396.52€     94.58%

NÃO VOTANTES (2)                      4.847.67€       5.42%

TOTAL Votos Lista Prov. Cred (1+2)        89.444.19€            100.00%

VOTOS FAVORÁVEIS (3) =>               57.316.81€        67.75% (3/1)

VOTOS DESFAVORÁVEIS (4) =>       24.279.71€        32,25% (4/1)

ABSTENÇÕES (5) =>                     0.00€        0,00%   (5/1)

TOTAL VOTOS

EXPRESSOS (3)+(4)+(5) =>              84.596.52€       100.00%

Nos termos do n°. 1 do artº. 212 do CIRE, aplicável por força do nº.3 do artº. 17°-F do CIRE, o Sr. Administrador Judicial Provisório informou que o PER em mérito deve ser considerado APROVADO por recolher o voto favorável de credores cujos créditos representem mais de metade da totalidade dos créditos relacionados COM direito a voto, sendo que mais de metade destes votos correspondem a créditos não subordinados, nos termos do CIRE, e sem terem sido consideradas abstenções (Decreto-Lei n.°  26/2015).[…]».

Tendo o Plano, assim tido como aprovado, sido submetido à apreciação da Mma. Juiz do Tribunal “a quo”, foi proferido despacho, em de 23-09-2015, onde a Exma. Magistrada, entendendo que não se verificava o preenchimento da previsão estabelecida em qualquer das alíneas do 17ºF, nº 3 do CIRE (na redacção dada pelo artigo 4º do Decreto-Lei n.º 26/2015, de 6/2), exarou, entre o mais: «[…]ao contrário do que resulta do auto de contagem de votos, considero o plano não aprovado.

Atendendo à à falta de aprovação do plano de recuperação declaro encerrado o presente Processo Especial de Revitalização.

(…)

Concedo ao senhor administrador provisório 10 dias para dar cumprimento ao disposto no artigo 17º-G, n. 4.[…]».

B) - Discordando dessa decisão, dela veio interpor recurso a Requerente, M... -, recurso esse admitido como apelação, a subir imediatamente, em separado e com efeito meramente devolutivo - oferecendo, a findar a sua alegação, as seguintes conclusões:

«A) A Requerente apresentou processo especial de revitalização mereceu a aprovação do credor Banco B... e do credor C..., totalizando 67,65% de votos favoráveis.

B) Banco S... reclamou dois créditos: fiança em crédito habitação no valor de 102.537,50€ sendo classificado como crédito sob condição e um empréstimo pessoal no valor de 29.419,00€ classificado como crédito comum.

C) O plano de revitalização apresentado contempla quanto à fiança “a manutenção da fiança prestada, nos precisos termos em que foi prestada. Caso o contrato garantido pela fiança passe a estar em incumprimento, o Banco S..., S.A. poderá exigir dos devedores o pagamento devido nos termos normais.”

D)O Banco S... votou contra o plano apresentado.

E) O direito de voto nos créditos sob condição está regulado no n.º 2 do art. 73.º do CIRE: “ O número de votos conferidos por crédito sob condição suspensiva é sempre fixado pelo juiz, em atenção à probabilidade de verificação da condição”.

F) No caso de uma fiança em crédito habitação a probabilidade de verificação da condição é diminuta excepto se os mutuários de tal crédito se encontrarem em incumprimento.

G) Dispõe ainda o n.º 4 do art. 73.º do CIRE que “A pedido dos interessados pode o juiz conferir votos (…) tratando-se de créditos sob condição suspensiva, da probabilidade de verificação da condição”.

H) No caso em apreço o credor não solicitou que lhe fosse conferido voto pela fiança prestada.

I) Pelo que o crédito constituído pela fiança não deve ser tido em conta para efeitos de votação do plano em apreço, devendo o mesmo ter-se como aprovado.

Termos em que procedendo o presente recurso, e revogando-se a decisão recorrida, deverá:

a) Ser substituído a sentença recorrida por outro que considere o plano de revitalização aprovado e homologado.

Assim se fazendo a JUSTIÇA!!!».

O Apelado, “Banco S..., S.A.”, pugnou pela improcedência do recurso.
II - Em face do disposto nos art.ºs 635º, nºs 3 e 4, 639º, nº 1, ambos do NCPC, o objecto dos recursos delimita-se, em princípio, pelas conclusões dos recorrentes, sem prejuízo do conhecimento das questões que cumpra apreciar oficiosamente, por imperativo do art.º 608º, n.º 2, “ex vi” do art.º 663º, nº 2, do mesmo diploma legal.
Não haverá, contudo, que conhecer de questões cuja decisão se veja prejudicada pela solução que tiver sido dada a outra que antecedentemente se haja apreciado, salientando-se que, com as “questões” a resolver se não confundem os argumentos que as partes esgrimam nas respectivas alegações e que o Tribunal pode ou não abordar, consoante a utilidade que veja nisso (Cfr., entre outros, no domínio da legislação pretérita correspondente, Ac. do STJ de 13/09/2007, proc. n.º 07B2113 e Ac. do STJ de 08/11/2007, proc. n.º 07B3586[2]).

Assim, a questão a solucionar consiste em saber se a Mma. Juiz do Tribunal “a quo” poderia ter considerado o plano como não aprovado e, consequentemente, se poderia, como fez - em lugar de verificar se era de homologar ou de recusar a homologação do plano aprovado - ter declarado encerrado o presente Processo Especial de Revitalização e, na sequência disso, ter determinado ao senhor administrador provisório o cumprimento ao disposto no artigo 17º-G, n. 4 (do CIRE).

Ora, tudo isto depende do acerto ou desacerto que se surpreenda no entendimento, seguido no despacho recorrido e que determinou o sentido da decisão ora impugnada, de considerar que, para efeitos de votação da proposta do plano, se deveria ter atendido ao crédito no valor de 102.537,50€, do “Banco S..., S.A.”, contabilizando, também na proporção desse crédito (e não só na relativa ao crédito comum de 19.419,91€, desse mesmo Banco), a rejeição desse credor quanto a tal proposta.

III - A) - O circunstancialismo fáctico-processual a atender é o que consta de “I” supra.

B) - A Mma. Juiz do Tribunal “a quo”, explicitando o entendimento em que alicerçou o que veio a decidir no despacho ora sob recurso, escreveu:

«[…] Verificados os votos expressos pode concluir-se que o credor Banco S..., S.A. votou desfavoravelmente. Resulta da ata de abertura de votos que se decidiu não admitir tal voto porquanto do Processo Especial de Revitalização tal crédito não resulta modificado, aplicando ao Processo Especial de Revitalização o disposto no artigo 212º, n. 2, al. a), do CIRE.

A tal crédito foi atribuída a natureza de subordinado e representa mais de 50% dos créditos.

Até à publicação da Decreto-lei 26/2015, de 6/2 e que vigora desde 1 de março de 2015 entendíamos que, de facto, apesar da ausência de remissão para o n. 2 do artigo 221º, do CIRE, prevista no artigo 17º-F, n. 3, apenas conferem direito de voto os créditos modificados pelo plano. Dito de outro modo, entendíamos que tinha aplicação o disposto no artigo 221º, n. 2, al. a), do CIRE e os créditos não modificados pelo plano não conferem direito de voto.

Contudo, com a vigência da redação do novo artigo 17º-F, n. 3, que deixa de remeter para o artigo 212º e passa a regular especificamente a contabilização dos votos no Processo Especial de Revitalização, passámos a entender que aquela regra já não se aplica a este processo especial.

Assim, o voto desfavorável do credor Banco S..., S.A. tem que ser admitido e contabilizado na totalidade. Aplicando-se, depois, as regras previstas no artigo 17º-F, n. 3 do CIRE.[…]».

Vejamos.

Do CIRE, após ser-lhe introduzido, pela Lei n.º 16/2012, de 20 de Abril, o processo especial de revitalização, passou a contar com um artº 17º-F, que nos seus nºs 1, 2, 4 e 5, consigna:

“1 - Concluindo-se as negociações com a aprovação unânime de plano de recuperação conducente à revitalização do devedor, em que intervenham todos os seus credores, este deve ser assinado por todos, sendo de imediato remetido ao processo, para homologação ou recusa da mesma pelo juiz, acompanhado da documentação que comprova a sua aprovação, atestada pelo administrador judicial provisório nomeado, produzindo tal plano de recuperação, em caso de homologação, de imediato, os seus efeitos.

2 - Concluindo-se as negociações com a aprovação de plano de recuperação conducente à revitalização do devedor, sem observância do disposto no número anterior, o devedor remete o plano de recuperação aprovado ao tribunal.”.

(…)

4 - A votação efetua-se por escrito, aplicando-se-lhe o disposto no artigo 211.º com as necessárias adaptações e sendo os votos remetidos ao administrador judicial provisório, que os abre em conjunto com o devedor e elabora um documento com o resultado da votação.

5 - O juiz decide se deve homologar o plano de recuperação ou recusar a sua homologação, nos 10 dias seguintes à receção da documentação mencionada nos números anteriores, aplicando, com as necessárias adaptações, as regras vigentes em matéria de aprovação e homologação do plano de insolvência previstas no título ix, em especial o disposto nos artigos 215.º e 216.º”.

Por sua vez, o nº 3 desse artº 17º-F, na redacção anterior àquela que lhe veio a introduzir o DL n.º 26/2015, de 06/02, consagrava:

“Considera-se aprovado o plano de recuperação que reúna a maioria dos votos prevista no n.º 1 do artigo 212.º, sendo o quórum deliberativo calculado com base nos créditos relacionados contidos na lista de créditos a que se referem os n.os 3 e 4 do artigo 17.º-D, podendo o juiz computar os créditos que tenham sido impugnados se considerar que há probabilidade séria de tais créditos deverem ser reconhecidos, caso a questão ainda não se encontre decidida.”.

Ora, o citado artº 212º que tem a epígrafe “Quórum” dispõe nos respectivos nºs 1 e 2:

“1 - A proposta de plano de insolvência considera-se aprovada se, estando presentes ou representados na reunião credores cujos créditos constituam, pelo menos, um terço do total dos créditos com direito de voto, recolher mais de dois terços da totalidade dos votos emitidos e mais de metade dos votos emitidos correspondentes a créditos não subordinados, não se considerando como tal as abstenções.

2 - Não conferem direito de voto:

a) Os créditos que não sejam modificados pela parte dispositiva do plano;

b) Os créditos subordinados de determinado grau, se o plano decretar o perdão integral de todos os créditos de graus hierarquicamente inferiores e não atribuir qualquer valor económico ao devedor ou aos respectivos sócios, associados ou membros, consoante o caso.”.

Como se constata, o nº 2 do referido artº 212º, complementa o nº 1, na medida que define os créditos que não conferem direito de voto, neles se incluindo, designadamente, “os créditos que não sejam modificados pela parte dispositiva do plano”.

Deixando inalterados os restantes números, o citado DL n.º 26/2015, veio dar ao nº 3 do referido artº 17º-F, a seguinte redacção:

“3 - Sem prejuízo de o juiz poder computar no cálculo das maiorias os créditos que tenham sido impugnados se entender que há probabilidade séria de estes serem reconhecidos, considera-se aprovado o plano de recuperação que:

a) Sendo votado por credores cujos créditos representem, pelo menos, um terço do total dos créditos relacionados com direito de voto, contidos na lista de créditos a que se referem os n.os 3 e 4 do artigo 17.º-D, recolha o voto favorável de mais de dois terços da totalidade dos votos emitidos e mais de metade dos votos emitidos corresponda a créditos não subordinados, não se considerando como tal as abstenções; ou

b) Recolha o voto favorável de credores cujos créditos representem mais de metade da totalidade dos créditos relacionados com direito de voto, calculados de harmonia com o disposto na alínea anterior, e mais de metade destes votos corresponda a créditos não subordinados, não se considerando como tal as abstenções.”.

Ora, anteriormente à alteração introduzida pelo DL n.º 26/2015, de 06/02, escreveu-se no Acórdão da Relação de Lisboa, de 23/01/2014 (Apelação nº 4303/13.6TCLRS-A.L1-2)[3] reflectindo entendimento, que à luz dos normativos então vigentes, merecia o nosso acordo: «[…]No nº 3 do art. 17-F refere-se que o quórum deliberativo é calculado com base nos créditos relacionados contidos na lista de créditos a que se referem os nºs 3 e 4 do art. 17-D. Significa isto que a votação é feita tendo em conta a lista elaborada pelo administrador e que incluirá os vários créditos reclamados pelos credores interessados (e que não sendo impugnada se torna definitiva, tudo nos termos mais precisamente discriminados nos nºs 2 a 4 do art. 17-D).

O quórum deliberativo tem como base os créditos relacionados constantes dessa lista o que não significa, a nosso ver, que todos os credores nela incluída tenham igualmente direito de voto.

Aliás, o nº 5 do art. 17-F especifica que deverão ser aplicadas, «com as necessárias adaptações, as regras vigentes em matéria de aprovação e homologação do plano de insolvência previstas no Título IX», embora destacando algumas dessas regras.

O nº 1 do art. 212, aplicável pela remissão directamente efectuada pelo nº 3 do art. 17-F considera a participação credores que representem pelo menos um terço do total dos créditos com direito de voto, a votação favorável de mais de dois terços da totalidade dos votos emitidos, não se considerando como tal as abstenções e a votação favorável de mais de metade dos votos emitidos correspondentes a créditos não subordinados, não se considerando como tal as abstenções.

É o nº 2 daquele art. 212 que, procedendo a uma delimitação negativa, permite concluir quem tem direito de voto para efeitos do nº 1 do mesmo artigo.

Ou seja, o quórum deliberativo tem como base a supra referida lista mas é delimitado negativamente pelo nº 2 do art. 212 que concretiza a quem não é conferido direito de voto.

Efectivamente, nesta perspectiva, a aplicação do nº 1 do art. 212 pressupõe a consideração do nº 2 do mesmo artigo. Acresce, como pano de fundo que nos ajudará a uma melhor interpretação, que (como vimos) o nº 5 do art. 17-F manda aplicar, com as necessárias adaptações, as regras vigentes em matéria de aprovação e homologação do plano de insolvência.

Concluímos, pois, face ao que acabámos de expor, que os credores cujos créditos hajam sido relacionados na já referida lista mas não hajam sido modificados pela parte dispositiva do plano não têm direito de voto, sendo de aplicar a delimitação constante do nº 2-a) do art. 212.

O que algum sentido prático faz, aliás, em caso como o dos autos em que a aprovação do plano resulta essencialmente do sentido de voto do credor que não viu os seus créditos por algum modo afectados, enquanto os restantes credores tiveram os seus créditos diminuídos em 75%.[…]».

Ora, não se vê razão para que deixe de se justificar, após a alteração introduzida ao artº 17º-F, pelo DL nº 26/2015, que os créditos que não sejam modificados pela parte dispositiva do plano, não confiram direito de voto.

A razão subjacente a não se conferir direito de voto a tais créditos, que é, afinal, a de estes não serem negativamente afectados pelo plano, o que justifica que não possam determinar a sorte deste, não se vê como se possa entender ter sido afastada pelas alterações introduzidas ao nº 3 do artº 17º-F, pelo DL nº 26/2015.

Na verdade, se é certo que com tais alterações desapareceu a remissão que outrora se fazia para o nº 1 do art. 212º, no aludido artº 17º-F, o regime ora estabelecido nas alíneas a) e b) do nº 3 deste último artigo, uma vez que, embora tenha por referência os “créditos relacionados com direito de voto” não define que créditos, dos relacionados, têm direito de voto”, continua a justificar que se vá buscar a outras normas do CIRE o entendimento sobre os créditos que conferem, ou não, direito de voto, e que, na vertente negativa, se lance mão do disposto no nº 2 do artº 212º do CIRE, para considerar não conferirem direito de voto, designadamente, os créditos que não sejam modificados pela parte dispositiva do plano.

Referindo-se, aliás, à manutenção da pertinência deste nº 2 do artº 212º do CIRE, escreveu-se já no Acórdão desta Relação de Coimbra, de 21/04/2015 (Apelação nº 2281/13.0TBCLD.C1)[4], apesar de aí se versar situação ocorrida antes da entrada em vigor do DL 26/2015: «[…]é de aplicar a limitação constante do art. 212.º/2/a) do CIRE, o que significa que os credores cujos créditos não hajam sido modificados pela parte dispositiva do plano não têm direito de voto.

Interpretação esta - que fazemos do art. 17.º-F/3 do CIRE (na redacção anterior ao DL 26/2015) e da remissão que o mesmo faz/fazia para o 212.º/1 do CIRE - que coincide com a redacção que o DL 26/2015 trouxe ao “novo” art. 17.º-F/3/a); em que se diz que se considera aprovado o plano de recuperação que “a) sendo votado por credores cujos créditos representem, pelo menos, um terço do total dos créditos relacionados com direito de voto, contidos na lista de créditos a que se referem os n.º 3 e 4 do art. 17.º-D, recolha o voto favorável de mais de 2/3 da totalidade dos votos emitidos e mais de metade dos votos emitidos correspondentes a créditos não subordinados, não se considerando como tal as abstenções”.

“Novo” texto (alínea a)) do art. 17.º-F/3 do CIRE de que pode dizer-se ser uma norma interpretativa (art. 13.º do C. Civil); norma em que a explícita referência aos créditos relacionados com direito a voto incute, a nosso ver fora de toda a dúvida, que será aplicável o disposto no art. 212.º/2 do CIRE, embora (antevê-se) a falta de remissão expressa possa conduzir ao surgimento de novas indecisões […]»[5].

Ora, do exposto decorre que, uma vez que, conforme admitido no despacho recorrido, o plano, na respectiva parte dispositiva, não modifica o crédito de 102.537,50 €, do “Banco S..., S.A.”, tal crédito não confere direito de voto, nos termos do artº 212º, nº 2, a), do CIRE, motivo pelo qual não pode ter a repercussão que se lhe deu nesse despacho, sendo de entender, pois, que se procedeu correctamente no apuramento da votação expressa no documento de 28/08/2015 e, que, assim, é de se entender como aprovado o plano de recuperação conducente à revitalização da devedora.

Importa, pois, revogar o despacho recorrido e, uma vez que, atento o nele decidido, não se chegou a apreciar o plano aprovado, com vista a decidir da respectiva homologação ou da recusa desta, determinar que o processo siga os respectivos termos, designadamente, com a prolação do despacho que homologue ou que recuse a homologação do plano aprovado (nº 5 do artº 17.º-F do CIRE).

Do exposto poder-se-á, assim, extrair a seguinte síntese: «No âmbito de processo especial de revitalização (PER) a que seja aplicável o DL nº 26/2015, de 06/02, continua a justificar-se que, para efeitos do disposto no artº 17º-F, nº 3, do CIRE, não confiram direito a voto, nos termos no artº 212º, nº 2, a), desse mesmo código, os créditos que não sejam modificados pela parte dispositiva do plano.».

IV - Em face de tudo o exposto, acordam os juízes deste Tribunal da Relação de Coimbra, em, julgando a Apelação procedente, revogar o despacho recorrido e determinar o prosseguimento do processo, designadamente, com apreciação, nos termos do nº 5 do artº 17.º-F do CIRE, do plano aprovado, para decidir da respectiva homologação ou da recusa desta.

Custas pelo Apelado.

Coimbra, 16/02/2016


  (Luiz José Falcão de Magalhães)

       (Sílvia Maria Pereira Pires)


                            (Maria Domingas Simões)


[1] Sendo ao presente caso já aplicável a versão decorrente das alterações introduzidas ao CIRE pelo Decreto-Lei n.º 26/2015, de 6/2, que entrou em vigor em 02/03 (artºs 4º e  12º).
[2] Consultáveis na Internet, em http://www.dgsi.pt/jstj.nsf?OpenDatabase, endereço este através do qual poderão ser acedidos todos os Acórdãos do STJ que abaixo se assinalarem sem referência de publicação.
[3] Relatado pela Exma. Desembargadora Maria José Mouro e consultável em “www.dgsi.pt/jtrl.nsf?OpenDatabase”.
[4] Relatado pelo Exmo. Desembargador Barateiro Martins e consultável em “www.dgsi.pt/jtrc.nsf?OpenDatabase”.
[5] O sublinhado é nosso.