Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JTRC | ||
Relator: | MARIA JOÃO AREIAS | ||
Descritores: | PROCESSO ESPECIAL DE REVITALIZAÇÃO PER PRAZO DAS NEGOCIAÇÕES PLANO DE RECUPERAÇÃO | ||
Data do Acordão: | 04/07/2016 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Tribunal Recurso: | COMARCA DE LEIRIA - ALCOBAÇA - INST. CENTRAL - 2ª SEC.COMÉRCIO - J2 | ||
Texto Integral: | S | ||
Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | REVOGADA | ||
Legislação Nacional: | ARTS. 17-D, 17-F CIRE | ||
Sumário: | 1. O prazo para a “conclusão das negociações” é o prazo concedido aos participantes para a elaboração, discussão e apresentação de um plano de recuperação que seja suscetível de reunir a maioria qualificada necessário à sua aprovação. 2. Resultando das negociações a existência de um plano de recuperação aprovado sem unanimidade ou sem a intervenção de todos os credores, ao prazo para conclusão das negociações acrescerá o prazo de 10 dias para os credores procederem por escrito à votação do plano. 3. Ainda que assim se não entendesse, tendo o plano sido concluído, apresentado e sujeito a votação dentro do prazo das negociações, o facto de alguns dos votos terem sido emitidos depois desse prazo (pelo facto de o prazo de 10 dias concedido aos credores terminar depois dos 3 meses fixados para as negociações), não constituiria violação grave e não negligenciável das regras procedimentais ou do conteúdo do plano, não sendo suscetível de constituir motivo de recusa oficiosa de um plano de recuperação aprovado pelos credores. | ||
Decisão Texto Integral: | Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra (2ª Secção): I – RELATÓRIO Nos presentes autos de processo especial de revitalização respeitante a D (…) tendo o Administrador Judicial Provisório (AJP) vindo juntar aos autos a Ata de Abertura de Propostas e votação do plano de recuperação, pelo Juiz a quo foi proferido despacho a declarar encerrado o processo de revitalização, com fundamento em que a votação para aprovação do plano ocorreu já depois de decorrido o prazo legal para a conclusão das negociações. * Inconformado com tal decisão, o devedor dela interpôs recurso de apelação, concluindo a sua motivação com as seguintes conclusões, que aqui se reproduzem por súmula: a) Refere o artigo 17º D do CIRE, que o requerente/devedor é a parte ativa no PER, assumindo o administrador Judicial Provisório um papel de controle, fiscalização nos termos dos nº 8 e 9; b) Refere o nº 2 do artigo 17º-F, que “ Concluindo-se as negociações com a aprovação de plano de recuperação conducente à revitalização do devedor, sem observância do disposto no número anterior (aprovação Unânime), o devedor remete o plano de recuperação aprovado ao tribunal; c) Incluir no processo negocial o prazo de votação do plano de recuperação, concedido pelo administrador provisório e pelo artigo 211º do CIRE, é fazer uma interpretação restritiva da lei, entendendo o recorrente que tal interpretação não se encontra vertida no artigo 9º do CC d) Entende o recorrente que o prazo de três meses consagrado no nº 5 do artigo 17º D do CIRE, comporta apenas as negociações entre devedor e credores e não a votação; e) A votação do plano de recuperação, encontra-se por lei consagrada no artigo 211º do CIRE, ou seja no prazo de 10 dias, após a apresentação do plano; f) Aliás tal acontece no âmbito de qualquer plano de Insolvência, o qual é votado após a sua apresentação; g) Por Outro lado não existe na lei (CIRE) prazo para o plano ser entregue no tribunal; h) Apenas é referido que o Juiz deverá homologar o plano ou recusar a sua homologação, nos dez dias seguintes à receção da documentação (...); i) Diferente é o devedor não concluir as negociações dentro dos três meses. Sendo estas acompanhadas pelo AJP, facilmente o mesmo cumpre o estipulado no artigo 17º G, nº 1 do CIRE; j) Assim, a prolação da decisão com a referência 79479340, notificada ao requerente em 02/12/2015, viola as normas consagradas nos artigos 17º A, 17º D, nº 10, 17º F, nº 5 , 211º e 215º todos do CIRE; l) Como viola a regra da interpretação da lei consagrada no artigo 9º do Código Cível; m) Só revogando-se o despacho com a referência 79479340 de 12/11/2015, notificado ao requerente devedor em 02/12/2015, por outro que declare que o devedor concluiu as negociações no prazo legal de 3 meses, sendo que no prazo de 10 dias ocorreu a votação que aprovou a homologação do plano de recuperação apresentado; n) Homologando o plano de recuperação apresentado se fará justiça. * Não foram apresentadas contra-alegações. Dispensados que foram os vistos legais, ao abrigo do disposto no nº4 do artigo 657º do CPC, cumpre decidir do objeto do recurso. II – DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO Tendo em consideração que o objeto do recurso é delimitado pelas conclusões das alegações de recurso, sem prejuízo da apreciação de eventuais questões de conhecimento oficioso – cfr., artigos 635º, e 639, do Novo Código de Processo Civil –, a questão a decidir é uma só: 1. Se a votação do plano de revitalização (aprovado sem a maioria) tem de ocorrer dentro do prazo das negociações. III – APRECIAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO O processo especial de revitalização (PER) foi introduzido do nosso ordenamento pela revisão do CIRE elaborada pela Lei 15/2012, de 20 de abril, com vista a permitir a recuperação de devedores economicamente inviáveis numa fase pré-insolvencial. O PER depende da iniciativa do devedor, através de requerimento apresentado a juízo, consistindo numa declaração negocial escrita, assinada pelo devedor e de, pelo menos um dos seus credores, pelo qual o devedor manifesta a sua vontade de encetar negociações conducentes à sua revitalização através da aprovação de um plano de recuperação – nº1 do artigo 17º-C, do CIRE. Recebido tal requerimento em tribunal e nomeado, de imediato, pelo juiz, administrador judicial provisório, o devedor deve, de imediato, comunicar a todos os seus credores que não hajam subscrito a declaração inicial que deu início a negociações, convidando-os a participar (nº1 do artigo 17-D). Publicado no portal Citius o despacho de nomeação do administrador judicial provisório, os credores têm o prazo de 20 dias para reclamar créditos (nº2 do artigo 17º-D) junto do AJP. O AJP tem o prazo de cinco dias para elaborar a lista provisória de créditos, a qual é imediatamente apresentada na secretaria do tribunal e publicada no portal Citius. Os interessados têm cinco dias úteis para impugnar a lista provisória de créditos e o juiz tem igual prazo para decidir as impugnações formuladas (nº3 do artigo 17º-D). Findo o prazo para impugnações, os declarantes dispõem do prazo de dois meses para concluir as negociações encetadas, o qual pode ser prorrogado por uma só vez e por um mês, mediante acordo prévio e escrito entre o administrador judicial provisório nomeado e o devedor (nº5 do artigo 17º-D, do CIRE). Caso o devedor ou a maioria relevante dos credores concluam antecipadamente não ser possível alcançar acordo, ou caso seja ultrapassado o prazo previsto no nº5 do artigo 17-D (prazo de dois meses ou de três, no caso de o mesmo ter sido objeto de prorrogação), o processo negocial é encerrado, devendo o administrador judicial provisório comunicar tal facto ao processo, devendo o administrador judicial provisório comunicar tal facto ao processo, se possível, por meios eletrónicos e publicá-lo no Portal Citius (nº1 do artigo 17º-G). Resultando das citadas normas legais que o prazo para a “conclusão das negociações” é de dois meses, prorrogável por mais um mês, a jurisprudência tem-se debatido com a questão de saber se a votação do plano e o apuramento do respetivo resultado, mediante a elaboração da respetiva ata, se têm de realizar dentro do prazo previsto para as negociações, ou se, ao prazo das negociações acrescerá o prazo de 10 dias para os credores procederem por escrito à votação do plano. Para responder à questão de saber se a aprovação do plano tem de ser efetuada dentro do prazo fixado para as negociações haverá que esclarecer o que deverá entender-se por “conclusão das negociações”. Reconhece-se que a interpretação da vontade do legislador não será isenta de dúvidas, e que o teor do nº 2, do artigo 17º-F – no qual se dispõe que «concluindo-se as negociações com a aprovação do plano de recuperação conducente à revitalização do devedor, “sem observância do disposto no artigo anterior[1]”, o devedor remete o plano de recuperação aprovado ao tribunal” –, pode induzir o sentido de que a votação do plano de recuperação com vista à sua aprovação pela generalidade dos credores fará ainda parte das negociações. Não é esse, contudo, o sentido que retiramos da análise global ao regime do Procedimento Extrajudicial de Recuperação, consagrado nos artigos 17º-A a 17º-I, nomeadamente, e em especial, do modo como são aí regulamentadas as “negociações” e a subsequente “votação do plano”, no caso de, na sequência de tais negociações, resultar a elaboração de um plano de recuperação. Confrontamo-nos, desde logo, com a distinção feita pelo legislador entre aqueles que podem participar nas negociações e aqueles a quem é conferido o direito de voto na aprovação do plano (podendo não haver coincidência entre os credores que participam nas negociações e os que participam na votação). Em regra, podem participar nas negociações: - os credores que, encontrando-se incluídos na lista provisória de credores, hajam manifestado a sua vontade de participar nas negociações em curso, declarando-o ao devedor por carta registada, podendo fazê-lo durante todo os tempo em que perdurarem as negociações (nº6 do artigo 17º-D); - mediadores, consultores, ou peritos que cada um dos intervenientes considerar oportuno (nº8 do art. 17-D); - o administrador judicial provisório; - o devedor (as negociações são encetadas precisamente entre o devedor e os seus credores – nº7 do art. 17-D); - as comissões de trabalhadores (artigo 429º do Código do Trabalho). Na votação do plano poderão participar os credores que constem da lista de definitiva créditos, os que forem reconhecidos pelo juiz e ainda aqueles que este decida computar se considerar que há sérias possibilidades de virem a ser reconhecidos (nº3 do artigo 17-F), desde que os respetivos créditos venham a ser afetados pelo plano (artigo 212º, CIRE). O facto de os credores reclamantes não manifestado o propósito de participar nas negociações não interfere no seu direito de voto[2]. Assim, se o AJP só incluirá nas reuniões para negociação do plano aqueles credores que hajam manifestado a sua vontade nesse sentido[3], aquando da votação do plano o AJP deve convocar todos os credores, quer estes tenham ou não decidido participar nas negociações[4]. Por outro lado, as negociações podem ser concluídas com a aprovação de um plano, sem necessidade de submeter o mesmo ao procedimento de votação dos credores (será precisamente o caso de aprovação unânime a que se referem os ns. 1 e 2 do artigo 17º-F). Como salienta Alexandre Soveral Martins[5], as negociações encetadas no âmbito do processo de revitalização podem conduzir: - à aprovação unânime de um plano de recuperação conducente à revitalização do devedor em que intervenham todos os credores; - podem terminar com a aprovação de um plano sem unanimidade ou sem a intervenção de todos os credores; - podem terminar por se concluir antecipadamente que não é possível alcançar acordo, ou por se mostrar ultrapassado o prazo para concluir as negociações. E, assim sendo, concluídas as negociações, com o sentido restrito aqui adotado, das duas uma: a) ou as negociações saíram goradas, não resultando das mesmas a elaboração de um qualquer plano de recuperação, e o processo negocial é encerrado (findo o prazo para a negociação ou logo que conclua por esta impossibilidade), comunicando o AJP ao tribunal a impossibilidade de chegar a um acordo. b) ou, as negociações terminam com a aprovação unânime de um plano – aprovação por todos os credores e não só pelos que tenham participado nas negociações –, aplicando-se o disposto no art.17-F, nº1: o plano deve ser assinado por todos os credores e remetido ao processo para aprovação do juiz; c) ou, resultando das negociações a existência de um plano de recuperação aprovado sem unanimidade ou sem a intervenção de todos os credores, o AJP deverá apresentar tal plano de revitalização e submete-lo à votação dos credores. E tal votação encontra-se sujeita ao procedimento previsto no nº4 do art.17-F: a votação será efetuada por escrito, no prazo de 10 dias, sendo os votos remetidos ao AJP, que os abre em conjunto com o devedor e elabora um documento com o resultado da votação. Resumindo, das negociações – que decorrem com a participação do devedor, dos credores aderentes, de terceiros de que estes se queiram fazer acompanhar, e do AJP, e que passam pela apresentação de propostas e contra propostas, sua discussão, com vista à elaboração de um documento final que obtenha o acordo dos participantes – pode vir a resultar a elaboração de um plano que obtenha o acordo dos participantes ou podem vir a terminar sem a elaboração de qualquer plano que reúna o consenso dos participantes. Contudo, o plano acordado no âmbito das negociações poderá não reunir o acordo de todos os credores – e não reunirá a maior parte das vezes, desde logo, porque raros serão os casos em que se encontrem a participar nas negociações a totalidade dos credores. Em tal caso, tendo os participantes chegado a um documento final que reúne o consenso da maioria dos participantes, consenso este que não é, contudo, suficiente para a sua aprovação (ou por não ser unanime, ou por não se encontrarem nas negociações alguns dos credores com direito a voto), incumbirá ao AJP dar por encerradas as negociações e submeter tal plano à votação do universo de credores. Assim sendo, em nosso entender, a votação do plano (aprovado em sede negociações mas sem unanimidade) não é um processo negocial nem faz parte do mesmo, pressupondo a sua realização que o AJP tenha dado por terminadas as negociações. O conceito de “negociações[6]” respeitará, assim, unicamente a este processo negocial[7], abrangendo as diligências e os contactos necessários entre o devedor e os credores que tenham demonstrado a sua vontade em participar, com vista à concretização – elaboração, apresentação, discussão – de um acordo quanto a um plano de recuperação[8]. E, se nas negociações não participarem todos os credores com direito a voto (situação mais comum), o acordo de recuperação que resultar de tais negociações terá necessariamente de vir a ser submetido à votação dos credores, o que implicará a apresentação do plano de recuperação assim obtido à generalidade dos credores e o exercício do direito de voto no prazo de 10 dias. Quanto à questão sobre se a votação ainda faz parte integrante das negociações, caso em que a votação, o seu resultado e o plano devem ser enviados ao tribunal até ao último dia do prazo previsto no artigo 17º-B, nº5, ou se já não faz parte dessa fase, caso em que subsistirá um prazo de 10 dias (prazo de votação por escrito) após o termo do prazo das negociações, Fátima Reis Silva[9] pronuncia-se favoravelmente à segunda hipótese: “Posto que o plano seja discutido e efetivamente posto à votação antes do termo do prazo, o prazo para a votação e elaboração da ata podem já ocorrer após o termo deste, sendo avisado ir pondo o tribunal a par do decurso dos trabalhos, até para possibilitar que opinião diversa seja valorada a tempo de evitar uma não homologação por intempestividade (violação não negligenciável de norma procedimental). Mesmo para quem assim não entenda, sempre será de ponderar a negligenciabilidade da remessa do plano e de votação até 15 dias depois do termo do prazo para efeitos de homologação, podendo neste caso, ser ponderada a dimensão do processo e do trabalho material envolvido”. Já no sentido de que tal prazo, tendo a ver com o sucesso das negociações e com a subsequente aprovação por parte de devedor e dos credores de um plano de revitalização, é um prazo durante o qual os credores e devedores terão de negociar e aprovar um plano, excluindo dele tão só a prolação da sentença homologatória, se pronunciam Nuno Salazar Casanova e David Sequeira Dinis[10]. Nas decisões que encontrámos em sentido oposto, assentavam as mesmas essencialmente no carater de urgência genericamente atribuído ao processo especial de revitalização[11]. Contudo, como salienta Catarina Serra[12], a celeridade não é um fim do processo mas tão-só uma forma, pelo que deve ceder perante outros valores presentes no processo e os fins que ele persegue ou consentir modificações por causa deles. E o processo de revitalização veio reforçar o princípio do primado da recuperação, enquanto solução preferencial do problema da insolvência e de todas as outras situações em que se manifesta a situação de crise económica[13]. A apelação será de proceder, impondo-se o prosseguimento dos autos para apreciação do plano submetido à votação dos credores. IV – DECISÃO Pelo exposto, acordando os juízes deste tribunal da Relação em julgar a apelação procedente, revoga-se a decisão recorrida, determinando-se o prosseguimento dos autos para apreciação do plano de recuperação sujeito a votação. Sem custas.
Coimbra, 07 de abril de 2016
Maria João Areias Fernanda Ventura Fernando Monteiro (com voto de vencido)
Voto de vencido: Mantenho a decisão assumida no acórdão referido de 21.4.2015. (cfr., ainda as decisões do STJ de 8.9.2015 e 17.11.2015.) Fernando Monteiro
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