Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
1202/15.0T8ACB.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: MARIA JOÃO AREIAS
Descritores: PROCESSO ESPECIAL DE REVITALIZAÇÃO
PER
PRAZO DAS NEGOCIAÇÕES
PLANO DE RECUPERAÇÃO
Data do Acordão: 04/07/2016
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COMARCA DE LEIRIA - ALCOBAÇA - INST. CENTRAL - 2ª SEC.COMÉRCIO - J2
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA
Legislação Nacional: ARTS. 17-D, 17-F CIRE
Sumário: 1. O prazo para a “conclusão das negociações” é o prazo concedido aos participantes para a elaboração, discussão e apresentação de um plano de recuperação que seja suscetível de reunir a maioria qualificada necessário à sua aprovação.

2. Resultando das negociações a existência de um plano de recuperação aprovado sem unanimidade ou sem a intervenção de todos os credores, ao prazo para conclusão das negociações acrescerá o prazo de 10 dias para os credores procederem por escrito à votação do plano.

3. Ainda que assim se não entendesse, tendo o plano sido concluído, apresentado e sujeito a votação dentro do prazo das negociações, o facto de alguns dos votos terem sido emitidos depois desse prazo (pelo facto de o prazo de 10 dias concedido aos credores terminar depois dos 3 meses fixados para as negociações), não constituiria violação grave e não negligenciável das regras procedimentais ou do conteúdo do plano, não sendo suscetível de constituir motivo de recusa oficiosa de um plano de recuperação aprovado pelos credores.

Decisão Texto Integral:               



                                                                                 

Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra (2ª Secção):

I – RELATÓRIO

Nos presentes autos de processo especial de revitalização respeitante a D (…) tendo o Administrador Judicial Provisório (AJP) vindo juntar aos autos a Ata de Abertura de Propostas e votação do plano de recuperação,

pelo Juiz a quo foi proferido despacho a declarar encerrado o processo de revitalização, com fundamento em que a votação para aprovação do plano ocorreu já depois de decorrido o prazo legal para a conclusão das negociações.


*

Inconformado com tal decisão, o devedor dela interpôs recurso de apelação, concluindo a sua motivação com as seguintes conclusões, que aqui se reproduzem por súmula:

a) Refere o artigo 17º D do CIRE, que o requerente/devedor é a parte ativa no PER, assumindo o administrador Judicial Provisório um papel de controle, fiscalização nos termos dos nº 8 e 9;

b) Refere o nº 2 do artigo 17º-F, que “ Concluindo-se as negociações com a aprovação de plano de recuperação conducente à revitalização do devedor, sem observância do disposto no número anterior (aprovação Unânime), o devedor remete o plano de recuperação aprovado ao tribunal;

c) Incluir no processo negocial o prazo de votação do plano de recuperação, concedido pelo administrador provisório e pelo artigo 211º do CIRE, é fazer uma interpretação restritiva da lei, entendendo o recorrente que tal interpretação não se encontra vertida no artigo 9º do CC

d) Entende o recorrente que o prazo de três meses consagrado no nº 5 do artigo 17º D do CIRE, comporta apenas as negociações entre devedor e credores e não a votação;

e) A votação do plano de recuperação, encontra-se por lei consagrada no artigo 211º do CIRE, ou seja no prazo de 10 dias, após a apresentação do plano;

f) Aliás tal acontece no âmbito de qualquer plano de Insolvência, o qual é votado após a sua apresentação;

g) Por Outro lado não existe na lei (CIRE) prazo para o plano ser entregue no tribunal;

h) Apenas é referido que o Juiz deverá homologar o plano ou recusar a sua homologação, nos dez dias seguintes à receção da documentação (...);

i) Diferente é o devedor não concluir as negociações dentro dos três meses. Sendo estas acompanhadas pelo AJP, facilmente o mesmo cumpre o estipulado no artigo 17º G, nº 1 do CIRE;

j) Assim, a prolação da decisão com a referência 79479340, notificada ao requerente em  02/12/2015, viola as normas consagradas nos artigos 17º A, 17º D, nº 10, 17º F, nº 5 , 211º e 215º todos do CIRE;

l) Como viola a regra da interpretação da lei consagrada no artigo 9º do Código Cível;

m) Só revogando-se o despacho com a referência 79479340 de 12/11/2015, notificado ao requerente devedor em 02/12/2015, por outro que declare que o devedor concluiu as negociações no prazo legal de 3 meses, sendo que no prazo de 10 dias ocorreu a votação que aprovou a homologação do plano de recuperação apresentado;

n) Homologando o plano de recuperação apresentado se fará justiça.


*

Não foram apresentadas contra-alegações.
Dispensados que foram os vistos legais, ao abrigo do disposto no nº4 do artigo 657º do CPC, cumpre decidir do objeto do recurso.
II – DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO
Tendo em consideração que o objeto do recurso é delimitado pelas conclusões das alegações de recurso, sem prejuízo da apreciação de eventuais questões de conhecimento oficioso – cfr., artigos 635º, e 639, do Novo Código de Processo Civil –, a questão a decidir é uma só:
1. Se a votação do plano de revitalização (aprovado sem a maioria) tem de ocorrer dentro do prazo das negociações.
III – APRECIAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO
O processo especial de revitalização (PER) foi introduzido do nosso ordenamento pela revisão do CIRE elaborada pela Lei 15/2012, de 20 de abril, com vista a permitir a recuperação de devedores economicamente inviáveis numa fase pré-insolvencial.
O PER depende da iniciativa do devedor, através de requerimento apresentado a juízo, consistindo numa declaração negocial escrita, assinada pelo devedor e de, pelo menos um dos seus credores, pelo qual o devedor manifesta a sua vontade de encetar negociações conducentes à sua revitalização através da aprovação de um plano de recuperação – nº1 do artigo 17º-C, do CIRE.
Recebido tal requerimento em tribunal e nomeado, de imediato, pelo juiz, administrador judicial provisório, o devedor deve, de imediato, comunicar a todos os seus credores que não hajam subscrito a declaração inicial que deu início a negociações, convidando-os a participar (nº1 do artigo 17-D).
Publicado no portal Citius o despacho de nomeação do administrador judicial provisório, os credores têm o prazo de 20 dias para reclamar créditos (nº2 do artigo 17º-D) junto do AJP.
O AJP tem o prazo de cinco dias para elaborar a lista provisória de créditos, a qual é imediatamente apresentada na secretaria do tribunal e publicada no portal Citius.
Os interessados têm cinco dias úteis para impugnar a lista provisória de créditos e o juiz tem igual prazo para decidir as impugnações formuladas (nº3 do artigo 17º-D).
Findo o prazo para impugnações, os declarantes dispõem do prazo de dois meses para concluir as negociações encetadas, o qual pode ser prorrogado por uma só vez e por um mês, mediante acordo prévio e escrito entre o administrador judicial provisório nomeado e o devedor (nº5 do artigo 17º-D, do CIRE).
Caso o devedor ou a maioria relevante dos credores concluam antecipadamente não ser possível alcançar acordo, ou caso seja ultrapassado o prazo previsto no nº5 do artigo 17-D (prazo de dois meses ou de três, no caso de o mesmo ter sido objeto de prorrogação), o processo negocial é encerrado, devendo o administrador judicial provisório comunicar tal facto ao processo, devendo o administrador judicial provisório comunicar tal facto ao processo, se possível, por meios eletrónicos e publicá-lo no Portal Citius (nº1 do artigo 17º-G).
Resultando das citadas normas legais que o prazo para a “conclusão das negociações” é de dois meses, prorrogável por mais um mês, a jurisprudência tem-se debatido com a questão de saber se a votação do plano e o apuramento do respetivo resultado, mediante a elaboração da respetiva ata, se têm de realizar dentro do prazo previsto para as negociações, ou se, ao prazo das negociações acrescerá o prazo de 10 dias para os credores procederem por escrito à votação do plano.
Para responder à questão de saber se a aprovação do plano tem de ser efetuada dentro do prazo fixado para as negociações haverá que esclarecer o que deverá entender-se por “conclusão das negociações”.
Reconhece-se que a interpretação da vontade do legislador não será isenta de dúvidas, e que o teor do nº 2, do artigo 17º-F – no qual se dispõe que «concluindo-se as negociações com a aprovação do plano de recuperação conducente à revitalização do devedor, “sem observância do disposto no artigo anterior[1]”, o devedor remete o plano de recuperação aprovado ao tribunal” –, pode induzir o sentido de que a votação do plano de recuperação com vista à sua aprovação pela generalidade dos credores fará ainda parte das negociações.
Não é esse, contudo, o sentido que retiramos da análise global ao regime do Procedimento Extrajudicial de Recuperação, consagrado nos artigos 17º-A a 17º-I, nomeadamente, e em especial, do modo como são aí regulamentadas as “negociações” e a subsequente “votação do plano”, no caso de, na sequência de tais negociações, resultar a elaboração de um plano de recuperação.
Confrontamo-nos, desde logo, com a distinção feita pelo legislador entre aqueles que podem participar nas negociações e aqueles a quem é conferido o direito de voto na aprovação do plano (podendo não haver coincidência entre os credores que participam nas negociações e os que participam na votação).
Em regra, podem participar nas negociações:
- os credores que, encontrando-se incluídos na lista provisória de credores, hajam manifestado a sua vontade de participar nas negociações em curso, declarando-o ao devedor por carta registada, podendo fazê-lo durante todo os tempo em que perdurarem as negociações (nº6 do artigo 17º-D);
- mediadores, consultores, ou peritos que cada um dos intervenientes considerar oportuno (nº8 do art. 17-D);
- o administrador judicial provisório;
- o devedor (as negociações são encetadas precisamente entre o devedor e os seus credores – nº7 do art. 17-D);
- as comissões de trabalhadores (artigo 429º do Código do Trabalho).
Na votação do plano poderão participar os credores que constem da lista de definitiva créditos, os que forem reconhecidos pelo juiz e ainda aqueles que este decida computar se considerar que há sérias possibilidades de virem a ser reconhecidos (nº3 do artigo 17-F), desde que os respetivos créditos venham a ser afetados pelo plano (artigo 212º, CIRE). O facto de os credores reclamantes não manifestado o propósito de participar nas negociações não interfere no seu direito de voto[2].
Assim, se o AJP só incluirá nas reuniões para negociação do plano aqueles credores que hajam manifestado a sua vontade nesse sentido[3], aquando da votação do plano o AJP deve convocar todos os credores, quer estes tenham ou não decidido participar nas negociações[4].
Por outro lado, as negociações podem ser concluídas com a aprovação de um plano, sem necessidade de submeter o mesmo ao procedimento de votação dos credores (será precisamente o caso de aprovação unânime a que se referem os ns. 1 e 2 do artigo 17º-F).
Como salienta Alexandre Soveral Martins[5], as negociações encetadas no âmbito do processo de revitalização podem conduzir:
- à aprovação unânime de um plano de recuperação conducente à revitalização do devedor em que intervenham todos os credores;
- podem terminar com a aprovação de um plano sem unanimidade ou sem a intervenção de todos os credores;
- podem terminar por se concluir antecipadamente que não é possível alcançar acordo, ou por se mostrar ultrapassado o prazo para concluir as negociações.
E, assim sendo, concluídas as negociações, com o sentido restrito aqui adotado, das duas uma:
a) ou as negociações saíram goradas, não resultando das mesmas a elaboração de um qualquer plano de recuperação, e o processo negocial é encerrado (findo o prazo para a negociação ou logo que conclua por esta impossibilidade), comunicando o AJP ao tribunal a impossibilidade de chegar a um acordo.
b) ou, as negociações terminam com a aprovação unânime de um plano – aprovação por todos os credores e não só pelos que tenham participado nas negociações, aplicando-se o disposto no art.17-F, nº1: o plano deve ser assinado por todos os credores e remetido ao processo para aprovação do juiz;
c) ou, resultando das negociações a existência de um plano de recuperação aprovado sem unanimidade ou sem a intervenção de todos os credores, o AJP deverá apresentar tal plano de revitalização e submete-lo à votação dos credores. E tal votação encontra-se sujeita ao procedimento previsto no nº4 do art.17-F: a votação será efetuada por escrito, no prazo de 10 dias, sendo os votos remetidos ao AJP, que os abre em conjunto com o devedor e elabora um documento com o resultado da votação.
Resumindo, das negociações – que decorrem com a participação do devedor, dos credores aderentes, de terceiros de que estes se queiram fazer acompanhar, e do AJP, e que passam pela apresentação de propostas e contra propostas, sua discussão, com vista à elaboração de um documento final que obtenha o acordo dos participantes – pode vir a resultar a elaboração de um plano que obtenha o acordo dos participantes ou podem vir a terminar sem a elaboração de qualquer plano que reúna o consenso dos participantes.
Contudo, o plano acordado no âmbito das negociações poderá não reunir o acordo de todos os credores – e não reunirá a maior parte das vezes, desde logo, porque raros serão os casos em que se encontrem a participar nas negociações a totalidade dos credores. Em tal caso, tendo os participantes chegado a um documento final que reúne o consenso da maioria dos participantes, consenso este que não é, contudo, suficiente para a sua aprovação (ou por não ser unanime, ou por não se encontrarem nas negociações alguns dos credores com direito a voto), incumbirá ao AJP dar por encerradas as negociações e submeter tal plano à votação do universo de credores.
Assim sendo, em nosso entender, a votação do plano (aprovado em sede negociações mas sem unanimidade) não é um processo negocial nem faz parte do mesmo, pressupondo a sua realização que o AJP tenha dado por terminadas as negociações.
O conceito de “negociações[6]” respeitará, assim, unicamente a este processo negocial[7], abrangendo as diligências e os contactos necessários entre o devedor e os credores que tenham demonstrado a sua vontade em participar, com vista à concretização – elaboração, apresentação, discussão – de um acordo quanto a um plano de recuperação[8].
E, se nas negociações não participarem todos os credores com direito a voto (situação mais comum), o acordo de recuperação que resultar de tais negociações terá necessariamente de vir a ser submetido à votação dos credores, o que implicará a apresentação do plano de recuperação assim obtido à generalidade dos credores e o exercício do direito de voto no prazo de 10 dias.
Quanto à questão sobre se a votação ainda faz parte integrante das negociações, caso em que a votação, o seu resultado e o plano devem ser enviados ao tribunal até ao último dia do prazo previsto no artigo 17º-B, nº5, ou se já não faz parte dessa fase, caso em que subsistirá um prazo de 10 dias (prazo de votação por escrito) após o termo do prazo das negociações, Fátima Reis Silva[9] pronuncia-se favoravelmente à segunda hipótese:
“Posto que o plano seja discutido e efetivamente posto à votação antes do termo do prazo, o prazo para a votação e elaboração da ata podem já ocorrer após o termo deste, sendo avisado ir pondo o tribunal a par do decurso dos trabalhos, até para possibilitar que opinião diversa seja valorada a tempo de evitar uma não homologação por intempestividade (violação não negligenciável de norma procedimental).
Mesmo para quem assim não entenda, sempre será de ponderar a negligenciabilidade da remessa do plano e de votação até 15 dias depois do termo do prazo para efeitos de homologação, podendo neste caso, ser ponderada a dimensão do processo e do trabalho material envolvido”.
Já no sentido de que tal prazo, tendo a ver com o sucesso das negociações e com a subsequente aprovação por parte de devedor e dos credores de um plano de revitalização, é um prazo durante o qual os credores e devedores terão de negociar e aprovar um plano, excluindo dele tão só a prolação da sentença homologatória, se pronunciam Nuno Salazar Casanova e David Sequeira Dinis[10].

Nas decisões que encontrámos em sentido oposto, assentavam as mesmas essencialmente no carater de urgência genericamente atribuído ao processo especial de revitalização[11].

Contudo, como salienta Catarina Serra[12], a celeridade não é um fim do processo mas tão-só uma forma, pelo que deve ceder perante outros valores presentes no processo e os fins que ele persegue ou consentir modificações por causa deles.

E o processo de revitalização veio reforçar o princípio do primado da recuperação, enquanto solução preferencial do problema da insolvência e de todas as outras situações em que se manifesta a situação de crise económica[13].
No caso em apreço, encontram-se demonstrados os seguintes factos com relevância para a questão da tempestividade da aprovação do plano:
- a lista provisória foi publicada em 15/06/2015 (cf. fls. 97 e portal http://www.citius.mj.pt/Portal/consultas/ConsultasCire.aspx).
- o prazo para as impugnações terminava a 22/06/2015 (artigo 17oD, n. 3, do CIRE) iniciando-se o prazo de 2 meses (que terminava a 23/08/2015) o qual foi prorrogado por 30 dias;
- por comunicação de 08 de setembro de 2015, o AJP pediu que os credores lhe enviassem o respetivo sentido de voto até ao dia 30 de setembro;
- o prazo para a conclusão das negociações terminava a 23/09/2015;
- tendo votado quatro credores, o Banif votou a 21 de setembro de 2015, o IGF da SS votou a 30.09.2015, desconhecendo-se a data de voto dos credores Banco de Caja Espana e CGD (fls. 140 a 143);
- a abertura e contagem dos votos veio ocorrer a 9/10/2015, com a aprovação do plano de revitalização apresentado, conforme ata de abertura de votos junta a fls. 138 e ss.;
- a ata de abertura de propostas e os documentos acompanhantes, foram juntos aos autos pelo AJP, a 14 de outubro de 2015.
De tais elementos fácticos podemos retirar que, das negociações havidas entre o devedor e os credores, resultou a elaboração do plano de recuperação que se encontra junto a fls. 144 e ss, e que tal plano terá sido apresentado a votação à generalidade dos credores,  ainda em data anterior ao termo do prazo das negociações.
Ou seja, o plano terá sido concluído, apresentado e sujeito a votação dentro do prazo das negociações. É certo que, pelo menos um dos credores terá enviado o seu voto ao AJP em data posterior ao termo do prazo das negociações e que a abertura e contagem dos votos veio a ocorrer já depois de expirado esse prazo.
Contudo, tal ter-se-á devido, nomeadamente, a divergências no modo de contagem dos prazos[14] e na circunstância de, no entendimento do AJP, a votação ainda poder ter lugar até ao dia 30 de setembro (data posterior ao termo do prazo de três meses das negociações), entendimento que foi divulgado junto do devedor e dos credores e no qual terão confiado – cfr., cronograma do processo incluído no Plano de Recuperação apresentado aos credores (fls. 148 e doc. de fls. 218).
Sendo ao AJP que cumpre orientar e fiscalizar o decurso dos trabalhos e a sua regularidade (nº9 do artigo 17º-D), a ele incumbe apresentar e submeter a proposta de plano à votação, e uma vez recebidos os votos, elaborar e remeter ao tribunal um documento com o resultado da votação (nº4 do artigo 17º-F). No caso em apreço, à data do termo do prazo para as negociações, o plano de recuperação havia já sido apresentado e posto à votação. Assim sendo, o eventual atraso no envio de alguns dos votos emitidos (justificado por um erro na contagem do prazo induzido pelo próprio AJP), bem como o atraso na abertura e contagem dos votos e na remessa dos documentos a tribunal, atraso este que só ao AJP pode ser imputado, não releva para aferir da tempestividade da aprovação do plano.
Face ao entendimento que aqui assumimos no sentido de que o prazo para a conclusão das negociações não abarca a votação do plano[15], mas tão só as diligências com vista à elaboração de um documento final – plano de recuperação – que reúna o consenso entre os credores que hajam manifestado a sua vontade de nela participarem – o plano aqui em apreço há de ter-se por tempestivo.
De qualquer modo, e ainda que assim não se entendesse, atentar-se-á em que só a “violação grave não negligenciável” das regras procedimentais ou de conteúdo do plano, consentida no artigo 215º do CIRE (por remissão no nº 5 do art.17-F), poderá constituir motivo de recusa oficiosa, pois que, as “violações consideradas menores, que não ponham em causa o interesse do devedor e dos credores afetados, não constituirão causa suficiente para que o juiz possa recusar a homologação do plano[16]”.
Como defendem Luís A. Carvalho Fernandes e João Labareda[17], para aferir da relevância, ou não, da violação constatada, o que importará sindicar é se a nulidade observada é suscetível de interferir na decisão da causa, o que significa valorar se interfere ou não com a justa salvaguarda dos interesses protegidos ou a proteger – nomeadamente, no que respeita à tutela devida à posição dos credores e do devedor nos diversos domínios em que se manifesta.
Ora, o facto de a votação da proposta do plano de recuperação se ter prolongado por alguns dias (no máximo, encontrar-se-á em causa um atraso de sete dias) para lá do prazo legal para a conclusão das negociações, a integrar uma violação de uma norma procedimental[18] (a entender-se que a votação teria ser exercitada dentro do prazo para as negociações), não assumiria relevo suficiente para justificar uma recusa do plano[19].
Por fim, invocaremos a nosso favor razões de economia processual e de tempo que tanto relevo assumem nesta área: se a não homologação do plano, quando não seguida de declaração de insolvência não impede que se dê inicio a novo processo de revitalização[20] e, quando seguida de declaração de insolvência, não impede a posterior aprovação de um plano de insolvência com vista à recuperação do devedor, não se vislumbram razões para não homologar um acordo que obteve a concordância da maioria dos credores necessária à sua aprovação unicamente com fundamento num atraso de dias na emissão dos votos e na elaboração da ata de contagem dos votos.

A apelação será de proceder, impondo-se o prosseguimento dos autos para apreciação do plano submetido à votação dos credores.

IV – DECISÃO

 Pelo exposto, acordando os juízes deste tribunal da Relação em julgar a apelação procedente, revoga-se a decisão recorrida, determinando-se o prosseguimento dos autos para apreciação do plano de recuperação sujeito a votação.

Sem custas.                    

                                                                            Coimbra, 07 de abril de 2016

Maria João Areias

Fernanda Ventura

Fernando Monteiro   (com voto de vencido)

Voto de vencido:

Mantenho a decisão assumida no acórdão referido de 21.4.2015. (cfr., ainda as decisões do STJ de 8.9.2015 e 17.11.2015.)

Fernando Monteiro


V – Sumário elaborado nos termos do art. 663º, nº7 do CPC.
1. O prazo para a “conclusão das negociações” é o prazo concedido aos participantes para a elaboração, discussão e apresentação de um plano de recuperação que seja suscetível de reunir a maioria qualificada necessário à sua aprovação.
2. Resultando das negociações a existência de um plano de recuperação aprovado sem unanimidade ou sem a intervenção de todos os credores, ao prazo para conclusão das negociações acrescerá o prazo de 10 dias para os credores procederem por escrito à votação do plano.
3. Ainda que assim se não entendesse, tendo o plano sido concluído, apresentado e sujeito a votação dentro do prazo das negociações, o facto de alguns dos votos terem sido emitidos depois desse prazo (pelo facto de o prazo de 10 dias concedido aos credores terminar depois dos 3 meses fixados para as negociações), não constituiria violação grave e não negligenciável das regras procedimentais ou do conteúdo do plano, não sendo suscetível de constituir motivo de recusa oficiosa de um plano de recuperação aprovado pelos credores.
 


[1] Ou seja, enquanto no nº1 se prevê a aprovação unânime do plano de recuperação, em que intervindo todos os credores, estes desde logo assinam o plano de revitalização, este nº2 respeitará aos casos em que dentro dos participantes nas negociações não se atinge a aprovação por unanimidade, seja por nelas não participarem algum dos credores com direito a voto, seja porque nem todos os participantes dão o seu acordo à proposta de plano alcançada.
[2] Os credores são livres de não participar nas negociações, sem que isso lhes retire o direito de aprovarem o acordo nem de o subscreverem.
[3] Vontade que pode ser manifestada por carta registada ao AJP, “durante todo o tempo em
[4] Nuno Salazar Casanova e David Sequeira Dinis, “PER, O Processo Especial de Revitalização”, Coimbra Editora, pág. 84.
[5] “Alterações recentes ao Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas”, disponível in https://estudogeral.sib.uc.pt.
[6] Atentar-se-á que no Sireve refere-se um prazo de conclusão do procedimento, de três meses, prorrogável por mais um mês. E, no âmbito do Sireve, não temos dúvidas em afirmar que o acordo terá de ser obrigatoriamente reduzido a escrito, assinado pela empresa, pelo IAPMEI, I. P., e pelos credores que votem a sua aprovação, dentro do referido prazo – artigo 15º DL nº 178/2012, de 03 de agosto, na redação do DL 26/2015, de 06.02.
[7] Tal processo negocial não se encontra sujeito a qualquer norma imperativa ou supletiva sobre a forma de tramitação das negociações, devendo desenrolar-se nos termos convencionados entre todos os intervenientes, podendo ser presencial, em reunião marcada para o efeito, pode ser por escrito, através de troca de emails, pode estabelecer-se um prazo para a apresentação de propostas, prazos para contra propostas e propostas de alteração – neste sentido, Nuno Salazar Casanova e David Sequeira Dinis, obra citada, págs. 84 e 85.
[8] Entendimento semelhante é adotado na tese de mestrado elaborada por Sofia Raquel Sousa Alves, sob orientação da professora Doutora Maria de Fátima Ribeiro, segundo a qual, findo o prazo das negociações, os credores poderão tomar uma das seguintes posições: 1) aprovar um plano de recuperação, por unanimidade; 2) no caso de não reunirem unanimidade, proceder à realização de um processo de aprovação que se encontrará aberto à votação geral dos titulares dos créditos constantes da lista; 3) caso considerem não ser possível alcançar um acordo, comunicar ao administrador judicial provisório que dão por encerradas as negociações, nos termos do art.17º-G, nº1 – “O Processo Especial de Revitalização, Algumas questões no âmbito da tramitação processual”, págs. 20 e 21, disponível in http://repositorio.ucp.pt/.
[9] “Processo Especial de Revitalização, Notas Práticas e Jurisprudência Recente”, Porto Editora, pág. 59.
[10] Obra citada, pág. 163, nota (53).
[11] Acórdãos do TRC de 21.10.2014, relatado por Sílvia Pires, de 15.09.2015, relatado por Arlindo Oliveira e de 21.04.2015, relatado por Fonte Ramos, todos disponíveis in www.dgsi.pt.
[12] “O Processo Especial de Revitalização na Jurisprudência”, Almedina 2016, pág. 17.
[13] Tal intenção surge expressa na Exposição de Motivos da Proposta de Lei nº 39/XII, que visava proceder à sexta alteração ao CIRE, onde se afirma que “o principal objetivo prosseguido por esta revisão passa por reorientar o Código da Insolvência e Recuperação de Empresas para a promoção da recuperação, privilegiando-se sempre que possível a manutenção do devedor no giro comercial, relegando-se para segundo plano a liquidação do seu património, sempre que se mostre viável a sua recuperação”.
[14] O prazo para conclusão das negociações inicia-se como fim do prazo de cinco dias para a dedução de impugnação e não somente após o prazo para a decisão final das mesmas.
[15] Tal posição já havia sido assumida pela aqui relatora no Acórdão do TRC de 21-04-2015, relatado por Fonte Ramos, mediante a aposição de um voto de vencido – acórdão disponível in www.dgsi.pt.
[16] Luís de Menezes Leitão, “Direito da Insolvência”, 5ª ed., Almedina 2013, pág. 266.
[17] “Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas Anotado”, 2ª ed., QUID JURIS 2013, pág. 827. Igual critério é proposto por Nuno Salazar Casanova e David Sequeira Dinis, obra citada, pág. 143.
[18] Para este efeito, serão consideradas normas procedimentais todas aquelas que regem a atuação a desenvolver no processo, que incluem os passos que nele devem ser dados até que os credores decidam sobre as propostas que lhes foram apresentadas – incluindo, assim, as regras que disciplinam as negociações a encetar entre os credores e o devedor e as regras que regulem a aprovação e votação do plano – e, bem assim, as relativas ao modo como o plano deve ser elaborado e apresentado – Nuno Salazar Casanova e David Sequeira Dinis, obra citada, pág. 144.
[19] Sobretudo, quando, no caso em apreço, a votação veio a ocorrer entre os dias 20 a 30 Setembro de 2015, em conformidade com o entendimento expresso pelo AJP de que ao prazo de três meses, acresceria o prazo de 10 dias para votação (cfr., comunicação junta a fls. 218). No sentido oposto ao aqui defendido, de que qualquer violação, ainda que mínima, do prazo das negociações, constituiu motivo de recusa do plano aprovado, se pronunciaram os acórdãos do STJ de 08.09.2015, relatado por Fonseca Ramos e de 17.11.2015, relatado por José Rainho, ambos disponíveis in www.dgsi.pt. No sentido de que o estando o atraso justificado ou se se verificar um insignificante prolongamento do prazo, o plano de revitalização não deve deixar de ser aprovado, se pronunciaram os Acórdãos do TRL de 10.04.2014, relatado por Maria do Rosário Morgado, e do TRG de 09.04.2015, relatado por Fernando Fernandes Freitas, igualmente disponíveis in www.dgsi.pt.
[20] Cfr., neste sentido, Acórdão do TRC de 27.01.2015, relatado por Fonte Ramos, e em que é adjunta a aqui relatora.