Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
829/23.1T8ACB-A.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: HENRIQUE ANTUNES
Descritores: EMBARGOS DE EXECUTADO
REJEIÇÃO LIMINAR
AÇÃO JUDICIAL ANTERIOR
CASO JULGADO
PRECLUSÃO DE FUNDAMENTOS DE OPOSIÇÃO
Data do Acordão: 02/20/2024
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: JUÍZO DE EXECUÇÃO DE ALCOBAÇA DO TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE LEIRIA
Texto Integral: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTIGOS 573.º, N.º 1, 580.º, N.ºS 1 E 2, 581.º, N.ºS 3 E 4, 590.º, N.º 3, 731.º E 732.º DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL
Sumário: I – Ainda que o título executivo que serve de suporte à acção executiva seja um titulo extrajudicial negocial, qualquer caso julgado material que se tenha formado em acção judicial anterior, que vincule os sujeitos da acção executiva e que seja oponível ao executado deve ter-se por relevante na execução e nos embargos a ela opostos:
- Se desse caso julgado material resultar a preclusão dos fundamentos de oposição alegados pelo executado nos embargos, a petição inicial destes deve ser objecto de rejeição in limine.

(Sumário elaborado pelo Relator)
Decisão Texto Integral: Relator: Henrique Antunes
Adjuntos: Luís Ricardo
António Fernando Silva

Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra:  

1. Relatório.

AA instaurou, no Juízo de Execução ..., do Tribunal Judicial da Comarca ..., através de requerimento executivo apresentado no dia 29 de Março de 2023, contra BB, indicando como título executivo uma escritura, acção executiva para pagamento de quantia certa, com processo ordinário, para do último haver a quantia de € 14 800,00, juros vencidos, no valor de € 4 433,42, e vincendos, à taxa de 4%.

Fundamentou esta pretensão executiva no facto de no âmbito do processo de divórcio e partilha de bens comuns, ter ficado acordado que o executado lhe pagaria € 15 000,00, em 75 prestações mensais sucessivas, a primeira com vencimento no dia 27 de Agosto de 2015 e as restantes em igual dia dos meses subsequentes, acordo para garantia do qual o executado lhe deu de hipoteca imóvel sito em ..., ..., ..., de o executado apenas lhe ter pago € 200,00, de aquele imóvel ter sido vendido por outro credor, pelo que é credora do executado pela quantia de € 14 800,00, e de o embargante ter transmitido o seu único bem imóvel para o filho, razão pela qual instaurou contra ambos acção de impugnação pauliana, tendo tribunal decidido, por sentença transitada em julgado, declarar ineficaz a doação, realizada no dia 14 de Abril de 2020, pelo executado ao filho, podendo executar o bem no património do último para satisfação do seu crédito.

A exequente juntou, com o requerimento executivo, designadamente, cópia da escritura pública de constituição da hipoteca e daquela sentença.

BB, por petição apresentada eletronicamente no dia 5 de Junho de 2023, opôs-se, por embargos, à execução, pedindo a sua absolvição do pedido e a suspensão da instância executiva até à decisão final da oposição.

Fundamentou esta pretensão no facto de a execução ter por base um título de hipoteca, outorgado numa declaração sua de dívida para a exequente para pagamento de “tornas” no âmbito do processo de divórcio n.º 614/2015, que assenta em pressupostos ilegais, de no dia da conferência de divórcio – 27 de Julho de 2015 – ter sido celebrado o título de hipoteca, não se recordando de ter prescindido do prazo de recurso, conforme consta erradamente da acta, não lhe tendo sido explicado as consequências de prescindir desse prazo, o que se trata de um nulidade, tanto mais que à data da conferência e da outorga de tal título vivia um quadro de doença mental agravada por uma depressão, não estando em condições anímicas para compreender e assinar uma declaração de dívida, de o título estar ferido de nulidade dado que se refere a um pagamento de tornas, mas não foi junto qualquer contrato de partilha, ainda não tendo sido outorgada a partilha dos bens comuns do casal, pelo que não existe qualquer crédito subjacente à emissão de tal título, não se recordando de ter assinado qualquer contrato de partilha que justificasse o pagamento de tornas à exequente, pois todos os bens eram próprios seus, não tendo aquela título para apresentar na presente execução.

Todavia, o Sr. Juiz de Direito, por despacho de 18 de Setembro de 2023, depois de observar designadamente, que foram dados à execução (r.e.com data de 02/05/2023) um título público denominado “título de hipoteca” (em que foram intervenientes os aqui exequente e executado/opoente, nos termos que ali constam exarados e que aqui se dão por reproduzidos) e a decisão judicial proferida em 20/12/2022 na acção declarativa (impugnação pauliana) n.º 1564/20...., transitada em julgado, nos termos que ali melhor constam e aqui se dão por reproduzidos, a qual decidiu, entre o mais, “…julgar a acção procedente, por provada e, em consequência, declarar ineficaz em relação à autora, AA, a doação realizada em 14/04/2020, pelo 1.º réu BB ao 2.º réu CC, seu filho, e que se entende não poderem ser invocados fundamentos que podiam ter sido alegados na acção declarativa, mas não o foram (ou foram sem acolhimento), ficando, por isso, precludida, por efeito do caso julgado, a sua invocação na oposição à execução (salvo facto superveniente), que propende-se a considerar que a decisão proferida na acção de impugnação pauliana se impõe nos presentes autos no que respeita ao reconhecimento do crédito de tornas que ora o executado pretende colocar em causa, ou seja, por via da autoridade do caso julgado, não pode, agora, o executado pretender invocar razões e/ou argumentos para colocar em crise o crédito reconhecido naquela acção declarativa, no sentido da inexistência desse crédito de tornas, seja por suposta inexistência de partilha ou uma qualquer situação relativa à outorga da escritura onde consta a confissão de dívida, e que se entende que o que vem invocado na p.i. de oposição ou não se ajusta ao âmbito legal da oposição à execução (art. 729.º do CPC, quanto à sentença) e/ou, no limite, a oposição é manifestamente improcedente, o que é causa do seu indeferimento liminar – art. 732.º, n.º 1, alíneas b) e c), do CPC, indeferiu liminarmente a oposição à execução.

O executado logo interpôs recurso de apelação desta decisão – no qual pede a sua revogação – tendo encerrado a sua alegação com as conclusões seguintes:

(…).

O Sr. Juiz de Direito, por despacho de 20 de Novembro de 2023, logo admitiu o recurso, mas não ordenou a notificação da exequente, tanto para os termos do recurso como da causa.

O relator, notando a omissão, ordenou a devolução do processo à 1.ª instância, para que o Sr. Juiz de Direito providenciasse pelo seu suprimento.

Suprida a omissão, a exequente, não respondeu ao recurso.

2. Factos relevantes para o conhecimento do objecto do recurso.

Apesar de a decisão impugnada não os individualizar de modo discriminado, é de considerar assente, por virtude da prova documental produzida e do acordo das partes, os factos seguintes:

2.1. A Sra. Conservadora do Registo Civil, Predial e Comercial ..., por decisão proferida para a acta da conferência de divórcio por mútuo consentimento, realizada no dia 27 de Julho de 2015, decretou o divórcio por mútuo consentimento entre a exequente e o executado.

2.2. A acta da conferência referida em 1. menciona que os requerentes declararam renunciar ao prazo do recurso.

2.3. O executado, por um lado, e a exequente, por outro, declararam, por escritura pública, no dia 27 de Julho de 2015, na Conservatória referido em 2.1., o primeiro constituir-se devedor à segunda do capital de € 15 000,00, para pagamento de tornas no âmbito do processo de divórcio, que correu termos naquela Conservatória, pelo prazo de 75 meses, correspondente a 75 prestações mensais iguais e sucessivas, no montante de € 200,00, vencendo-se a primeira em 27 de Agosto de 2015 e as restantes em igual dia dos meses subsequentes, sem juros, e em garantia da obrigação assumida, constituir hipoteca a favor da segunda sobre o prédio urbano descrito com o n.º ...1, da Freguesia ..., no registo predial de ..., e a última aceitar a confissão de dívida e a hipoteca.

2.4. A Sra. Juíza de Direito do Juízo Local Cível ..., do Tribunal Judicial da Comarca ..., por sentença, transitada em julgado, proferida no acção declarativa n.º 1564/20, proposta pela exequente contra o executado e o filho deste, CC – que o executado, apesar de aceitar o alegado quanto à existência, montante e garantia do crédito da autora, contestou – declarou ineficaz em relação à exequente a doação realizada pelo executado ao filho do prédio rústico sito em ..., ..., e que a exequente podia executar este bem no património de CC para satisfação do crédito de € 14 800,00 de que é titular sobre o executado.

2.5. O executado apenas liquidou à exequente a quantia de € 200,00.

3. Fundamentos.

3.1. Delimitação do âmbito objectivo do recurso.

O âmbito objetivo do recurso é delimitado pelo objecto da acção, pelos casos julgados formados na instância de que provém, pela parte dispositiva da decisão impugnada que for desfavorável ao impugnante, e pelo recorrente, ele mesmo, designadamente nas conclusões da sua alegação (art.º 635.º n.ºs 2, 1ª parte, e 3 a 5, do CPC).

Os embargos de executado são um instrumento de oposição à execução e resolvem-se num processo declarativo instaurada pelo executado contra o exequente, tendo por finalidade a impugnação da execução pendente, com um fundamento de ordem processual ou material, respeitante à inexequibilidade do título executivo que serve de base à execução, à falta de pressupostos do processo executivo e ainda à inexequibilidade intrínseca da obrigação cuja realização coactiva é pedida (art.ºs 728.º, n.º 1, 856.º, n.º 1, 860.º, n.º 1, 868.º, n.º 2, 875.º, n.º 2 e 876,º, n.º 2).

O juiz deve proferir sobre a petição dos embargos um despacho liminar que pode ter por conteúdo a sua rejeição, se tiverem sido deduzidos fora do prazo, se o fundamento não corresponder a nenhum dos previstos na lei, se for manifesta a improcedência da oposição formulada ou se ocorrerem excepções dilatórias insanáveis de conhecimento oficioso (art.º 590.º, n.º 3 e 732.º do CPC). Se os embargos forem recebidos, o tribunal manda notificar o exequente para os contestar (art.º 732.º, n.º 2, 1.ª parte, do CPC).

No caso que nos ocupa, o Sr. Juiz da Execução rejeitou, in limine, os embargos, alternativa ou cumulativamente, com base na circunstância de o seu fundamento não se ajustar a nenhum dos previstos na lei e na manifesta improcedência da oposição neles contida. O executado, evidentemente discorda, sustentando, por um lado, que a decisão de indeferimento é nula por falta de fundamentação, de facto e de direito, e – segundo certo entendimento do problema – por excesso de pronúncia por constituir um a decisão surpresa e, por outro, que se encontra ferida de um error in iudicando, por erro na subsunção, i.e., no juízo de integração na previsão da norma aplicável no caso – o art.º 732.º, n.º 1, b), e c) - na concretização dos conceitos da previsão daquela norma, dado que o título que serve de suporte à execução é extrinsecamente inexequível.

Maneira que, considerando os parâmetros, assim definidos, da competência decisória desta Relação, as questões concretas controversas que importa resolver são as de saber se a decisão recorrida se encontra ferida com o desvalor da nulidade substancial e se os embargos devem ser recebidos quer porque o seu fundamento se ajusta a um dos fundamentos de oposição legalmente previstos, quer porque não são manifestamente improcedentes, uma vez que não se verifica a falta dos pressupostos da execução, representados pela inexequibilidade extrínseca do título executivo e pela inexequibilidade intrínseca da obrigação cuja satisfação coactiva se visa com a execução

A resolução destas questões vincula ao exame, leve, mas minimamente estruturado, das causas de nulidade substancial da decisão representadas pela falta de fundamentação e – de harmonia com certa perspectiva – por excesso de pronúncia – e dos fundamentos de rejeição dos embargos em que a sua falta de correspondência com os fundamentos que autorizam a oposição e a manifesta improcedência desta se resolvem e, bem assim, da eficácia do caso julgado material.

3.2. Nulidade substancial da decisão contestada.

Segundo o recorrente, a decisão recorrida é uma decisão-surpresa, já que a execução não se baseia numa decisão judicial – mas num documento denominado “titulo de hipoteca”.

A sentença é nula quando conheça de questões de que não podia tomar conhecimento, portanto, quando esteja viciada por excesso de pronúncia (art.º 615.º. n.º 1, d), 2.ª parte, do CPC). Por força deste corolário do princípio da disponibilidade objectiva, verifica-se um tal excesso, por exemplo, sempre que o juiz utiliza, como fundamento da decisão, matéria não alegada ou absolve num pedido não formulado.

Entre os princípios instrumentais do processo civil, i.e., aqueles que procuram optimizar os resultados do processo, conta-se, seguramente, o princípio da cooperação intersubjectiva, de harmonia com o qual, as partes e o tribunal devem colaborar entre si na resolução do conflito de interesses subjacente ao processo (art.º 7.º, n.º 1, do CPC).

O tribunal está, portanto, vinculado a um dever de colaboração com as partes, dever que se desdobra, entre outros, no dever de consulta[1]: o tribunal tem o dever de consultar as partes sempre que pretenda conhecer de matéria de facto ou de direito sobre a qual aquelas não tenham tido a possibilidade de se pronunciarem (art.º 3.º, n.º 3, do CPC). É o que sucede, por exemplo, quando o tribunal enquadra juridicamente a situação de forma diferente daquela que é perspectivada pelas partes ou quando, na audiência prévia, pretendendo o juiz conhecer de alguma excepção dilatória ou do mérito da causa, não faculta às partes a discussão, de facto e de direito, relativas à matéria da excepção ou do fundo da causa (art.º 591.º, n.º 1, b), do CPC)

Este dever – que se mantém durante toda a tramitação da causa - tem uma finalidade evidente: evitar as chamadas decisões-surpresa, i.e., as decisões, ainda que sobre matéria de conhecimento oficioso, sem a sua prévia discussão pelas partes.

Uma decisão dessa natureza afecta um valor particularmente relevante da decisão judicial - o da previsibilidade: a decisão do tribunal deve corresponder aquilo que é alegado e discutido durante o processo, não devendo as partes ser – desagradavelmente – surpreendidas com uma decisão que, embora baseada numa matéria de conhecimento oficioso, aprecia uma questão que nenhuma das partes alegou ou discutiu.   

É objeto de controvérsia saber se a violação do dever de consulta, na vertente considerada, se resolve numa nulidade processual ou antes numa nulidade, por excesso de pronúncia, da sentença, ela mesma (art.ºs 195.º e 615.º, n.º 1, d), do CPC)[2].

Todavia, no caso do recurso, é desinteressante discutir este aspeto do regime da violação do dever de consulta. É que não há qualquer razão, por mais leve que seja, para que se fale em decisão-surpresa.

Realmente, a exequente alegou logo no requerimento executivo a sentença, transitada em julgado – de que juntou cópia - que, julgando procedente a acção de impugnação pauliana, que propôs contra o executado e o filho deste, declarou a ineficácia, relativamente à primeira, da doação feita pelo embargante ao filho e lhe reconheceu o direito de executar, no património do donatário, o bem objecto mediato da doação, para satisfação do seu crédito, no valor de € 14 800,00, pelo que ao Sr. Juiz de Direito era perfeitamente lícito conhecer do facto corresponde e dele retirar consequências jurídico-processuais, designadamente quanto à admissibilidade e à viabilidade dos embargos opostos pelo recorrente à execução.

É certo que o Sr. Juiz de Direito concluiu que a execução tinha também por base, como título executivo, aquela sentença. Simplesmente essa conclusão não se resolve numa decisão-surpresa, por consideração de um facto ou de uma questão de que lhe não era lícito conhecer, mas antes num puro erro de julgamento, por equívoco quanto ao título em que a exequente funda a pretensão de satisfação coactiva da prestação pecuniária objecto do pedido executivo.

E, realmente, é manifesto que a decisão impugnada, ao considerar que a exequente funda a execução também naquela sentença incorreu no apontado error in iudicando, dado que basta ler o requerimento executivo - que é terminante na indicação de que o título executivo é uma escritura - para se concluir, sem dúvida séria, que o título executivo em que a exequente funda a execução é constituído por uma escritura pública que documenta, designadamente a contracção do contrato de hipoteca. Erro que, todavia, como melhor se detalhará, não obsta a que se extraiam dessa mesma sentença e do caso julgado que se sobre ela se constituiu, consequências jurídicas, maxime no tocante à viabilidade dos embargos.

Em todo o caso, não deixa de observar-se que a atribuição àquela sentença da qualidade de título executivo exigiria a exposição de todo um conjunto de argumentos que, patentemente, a decisão impugnada no recurso não contém.

De acordo com o princípio da responsabilidade patrimonial, o património do devedor é a garantia geral dos credores, pelo que, pelo cumprimento de uma obrigação respondem, em regra, todos os bens do devedor, susceptíveis de penhora (art.º 601.º do Código Civil).

Num sistema assente no princípio da responsabilidade patrimonial, em que o património do devedor é a garantia geral dos seus débitos, assumem particular importância os instrumentos de conservação da garantia patrimonial, que impeçam o devedor, movido pelo escopo de frustrar a garantia geral dos seus credores, de distrair do seu património, em combinação com terceiros que partilhem também desse propósito, determinados bens.

Um dos meios jurídicos específicos, finalisticamente ordenados à manutenção da integridade do património do devedor é justamente a acção pauliana que permite ao credor a impugnação de determinados actos do devedor que ponham em perigo a garantia geral dos seus débitos.

São pressupostos deste instrumento de conservação da garantia patrimonial: um acto praticado pelo devedor que não seja de natureza pessoal; acto esse que provoque, para o credor, a impossibilidade de obter a satisfação integral do seu crédito ou o agravamento dessa impossibilidade; havendo má fé ou, simplesmente, um acto gratuito; desde que o crédito seja anterior ao acto, ou sendo posterior, quando o acto tenha sido efectuado dolosamente com o fim de impedir a satisfação do direito do futuro credor (art.ºs 610.º a 612.º do Código Civil)[3]. Estes pressupostos levantam problemas desiguais, mas têm em comum a característica de todos eles – com excepção do relativo à perda da garantia patrimonial - deverem ser provados por quem pretenda actuar a pauliana (art.ºs 342.º, n.º 1, e 611.º do Código Civil).

A acção pauliana tem por objectivo a manutenção da integridade do património do devedor de modo a que este desempenhe a sua função de garantia geral dos seus débitos.

Dada essa finalidade, o requisito primeiro e evidente da impugnação pauliana é a existência de um crédito (art.º 610.º do Código Civil). Esse crédito tanto pode ter por objecto uma prestação de coisa como uma prestação de facto - e pode ter como fonte qualquer acto ou facto a que se associe a eficácia constitutiva de uma obrigação. A única exigência relevante é de que se trate de uma obrigação civil, uma vez que a pauliana, por razões que se compreendem por si, não é facultada aos credores de obrigações naturais[4]. O crédito tanto pode ser anterior como posterior ao acto questionado (art.º 610.º, a), do Código Civil). No entanto, se o débito tiver sido contraído depois do acto objecto de impugnação, é necessário demonstrar que esse acto foi concretizado dolosamente, com o fim de impedir a satisfação do futuro credor (art.º 610, a), 2ª parte, do Código Civil). Para a impugnação do acto anterior ao crédito não é, portanto, suficiente, que se mostre que o acto tinha o fito de impedir a satisfação do direito de crédito do futuro credor, antes tem de provar-se que um tal acto foi iluminado por aquela finalidade dolosa, i.e., que o acto impugnado foi concluído com qualquer sugestão ou artifício, com a intenção de induzir ou manter em erro o credor, como sucederá, decerto, nos casos em que se faz crer ao credor que os bens ainda existem no património do devedor à data em que foi constituído o respectivo crédito (art.º 253.º, nº 1, do Código Civil).

Os actos anteriores ao crédito são, pois, impugnáveis. Mas só o são desde que se demonstre que, além de visarem impedir a satisfação do crédito, o acto foi praticado ardilosamente, com o propósito de fazer crer ao credor que os bens continuavam no património do devedor[5]. O acto impugnável, além de finalisticamente destinado a prejudicar o credor, deve provocar a diminuição da garantia patrimonial do crédito e, por essa via, a impossibilidade de satisfação desse crédito ou o agravamento dessa impossibilidade (art.º 610.º, b), do Código Civil). Portanto, a diminuição da garantia patrimonial, i.e., dos valores patrimoniais que respondem pela satisfação da dívida, tanto pode resultar da diminuição do activo – v.g. por alienação ou oneração de bens ou direitos - como do aumento do passivo – por constituição de novas obrigações.

Requisito particularmente relevante da pauliana é a má fé, dado que a procedência da impugnação do acto oneroso do devedor depende da actuação de má fé, daquele e de terceiro, entendendo-se por má fé, neste contexto, a consciência do prejuízo que o acto causa ao credor (art.º 612.º, n.ºs 1 e 2, do Código Civil). A má fé, tanto do devedor como do terceiro, é apresentada, formalmente, por igual, e, portanto, não se trata apenas de uma fraude do devedor com conhecimento do terceiro: para que o acto seja impugnável através da acção pauliana, tanto o devedor como o terceiro devem ter atentado contra a boa fé. Note-se, porém, que é suficiente a concorrência, no devedor e no terceiro, da má fé não sendo necessária a verificação de um conluio ou concertação entre ambos[6].

A má fé consiste, neste domínio, na consciência do prejuízo que o acto causa ao credor (art.º 612.º, nº 2, do Código Civil). A má fé resolve-se, portanto, na consciência de que o acto cria, para o credor, a impossibilidade de obter a satisfação integral do seu crédito ou, ao menos, o agravamento dessa impossibilidade. A consciência do prejuízo – que deve existir no momento da prática do acto - é um processo psicológico, pertencente ao domínio da representação ou ideação, assumindo uma natureza intelectiva: o devedor e o terceiro devem ter a percepção, não apenas da situação patrimonial do primeiro e dos efeitos do acto que vão praticar, mas igualmente de que esse acto impossibilitará os credores do devedor de obter a satisfação dos seus créditos[7].

A consciência do prejuízo – também conhecido como eventus damni - é compatível com qualquer forma de dolo – directo, necessário e eventual - e mesmo com a negligência consciente, i.e., com actuação negligente, do devedor e do terceiro, que apesar de preverem aquele resultado, o não desejam. Discutível é se deve afirmar-se a má fé também nos casos de negligente inconsciente, i.e. também naqueles casos em que o devedor e o terceiro, não tendo previsto aquele resultado, não o quereriam se o tivessem conjecturado[8]. Importa, porém, reter este ponto: a má fé só é exigida no tocante aos actos onerosos: se o acto for gratuito, a impugnação procede, mesmo que o devedor e o terceiro tenham actuado de boa fé (art.º 612.º, nº 1, 2ª parte, do Código Civil). Esta solução explica-se por si: sendo o acto gratuito, há sempre prejuízo para o credor – e prejuízo injustificável, porque quem procura interesses deve ceder a quem procura evitar prejuízos.

Este regime vincula, naturalmente, ao distinguo entre actos onerosos e actos gratuitos.

O acto diz-se oneroso quando envolve para cada uma das partes uma atribuição patrimonial e um correlativo sacrifício patrimonial; é gratuito quando só para uma das partes há atribuição patrimonial e só para outra, sacrifício patrimonial. Dentro dos actos gratuitos avultam, como categoria primária, as liberalidades, i.e., os actos de que resulta intencionalmente para outrem um enriquecimento. O principal tipo de liberalidade, inter vivos, é, naturalmente, a doação (artº 940 e ss. do Código Civil)[9].

A acção pauliana actua repressivamente visando destruir a diminuição da garantia patrimonial já ocorrida, de modo a reconstituir a garantia patrimonial de um crédito. O acto impugnado com a pauliana é, porém, em si, inteiramente válido. O devedor, por maior que seja o seu passivo, não perde a disponibilidade dos seus bens. A única coisa que lhe não é lícita é, com má fé, ou se for esse o caso, com dolo, prejudicar os seus credores. Isto explica que o acto impugnado, mesmo no caso de procedência da impugnação, se mantém válido e produz todos os seus efeitos. A procedência da impugnação apenas implica esta consequência particular: a de os bens ou direitos transmitidos responderem – ou, mais exactamente, continuarem a responder - pelas dívidas do alienante. É por esta razão que se fala em ineficácia em relação ao credor, ineficácia que se traduz a natureza meramente relativa ou creditícia do direito à restituição (art.º 616.º, n.º 1, do Código Civil)[10] Esta consequência tem ao nível do registo predial este reflexo: a acção pauliana e a sentença que a julgue procedente devem ser registadas, mas esse registo não prejudica em nada os registos das transmissões anteriores e, designadamente, da transmissão impugnada: tais registos permanecem válidos e eficazes[11].

O autor da pauliana está adstrito à demonstração da existência do crédito e do seu valor. Mas a pauliana não é uma acção de cumprimento, dado que não visa exigir judicialmente o cumprimento – mas um simples instrumento de conservação da garantia patrimonial do crédito (art.º 817.º do Código Civil). Neste sentido, e no tocante ao crédito cuja garantia patrimonial se visa preservar, a acção pauliana é uma acção de simples apreciação positiva: a sentença que a julgue procedente limita-se a declarar a existência do crédito e o seu valor (art.º 10.º, n.º 2, a), do CPC). Julgada procedente a pauliana, a exigência do cumprimento e a realização coactiva da prestação ocorrerão em momento e em procedimento ulteriores e à custa do bem ou direito transmitido.

Discute-se se as sentenças proferidas em acções de simples apreciação – e igualmente as proferidas em acções constitutivas – podem ser qualificadas como título executivo. Alguma doutrina sustenta que não[12], dado que as sentenças proferidas em acções de simples apreciação não impõem qualquer comando de cumprimento de uma obrigação e, portanto, não dispensam uma posterior acção condenatória destinada a obter esse comando de cumprimento da obrigação. Todavia, se os documentos negociais que importam a constituição ou o simples reconhecimento de uma obrigação são títulos executivos, então mais o devem ser as sentenças que contenham a apreciação de um direito à prestação (art.º 703.º. n.º 1, b) do CPC). A jurisprudência também não é acorde sobre o ponto[13].

Apesar do carácter espinhoso da questão, julga-se que é de aceitar a proposta de solução, segundo a qual na expressão sentença condenatória se deve incluir a sentença que, ainda que só de modo implícito, impõe uma determinada responsabilidade ou o cumprimento de uma obrigação, pelo para que seja qualificada como título, não tem irremissivelmente que condenar expressamente no cumprimento de uma obrigação, sendo suficiente que esta mesma obrigação dela expressamente emirja[14]. Se a sentença ainda que só tacitamente impôs inequivocamente a uma parte certa responsabilidade, seria violento – e absolutamente contrário ao princípio da economia de meios processuais - impor à contraparte, para aceder à tutela executiva, a propositura de outra acção com a finalidade, não já de declarar essa responsabilidade, mas de obter a condenação expressa ou explícita do demandado no cumprimento da obrigação que dela inequivocamente decorre. Patentemente, a decisão impugnada, ao atribuir à sentença proferida na acção pauliana eficácia executiva não teve presente a apontada controvérsia.

Independentemente destas considerações, julga-se que não há, assim, motivo para, com fundamento em decisão-surpresa, ter, de harmonia com uma das orientações apontadas, a decisão impugnada por nula em consequência de um vício de limites, i.e., de um excesso de pronúncia.

Segundo o recorrente, a decisão impugnada encontra-se ferida com o desvalor da nulidade substancial, por um outro motivo: por não estar fundamentada de facto e de direito.

A falta de motivação ou fundamentação da sentença verifica-se quando o tribunal julga procedente ou improcedente um qualquer pedido, mas não especifica quais os fundamentos de facto ou de direito que foram relevantes para essa decisão (art.º 615.º, n.º 1, a), do CPC). O desvalor da nulidade decorre, portanto, da violação do dever de motivação ou fundamentação das decisões judiciais, embora se deva notar que apenas a ausência absoluta de qualquer fundamentação – e não a fundamentação, avara, insuficiente ou deficiente - conduz à nulidade da decisão. Realmente, o que a lei considera nulidade é a falta absoluta, completa, de motivação; a insuficiência ou mediocridade da motivação é espécie diferente: afecta o valor persuasivo da decisão – mas não produz nulidade[15] (art.ºs 208.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa, e 154.º, nº 1, do CPC).

Uma das funções essenciais de toda e qualquer decisão judicial é convencer os interessados do seu bom fundamento. A exigência de motivação da decisão destina-se a permitir que o juiz ou juízes convençam os terceiros da correcção da sua decisão. Através da fundamentação, o juiz ou juízes devem passar de convencidos a convincentes. A fundamentação da decisão é, pois, essencial para o controlo da sua racionalidade, sendo exigida para controlar a coerência interna e a correção externa dessa mesma decisão. Pode mesmo dizer-se que esta racionalidade é uma função daquela fundamentação. E como a racionalidade da decisão só pode ser aferida pela sua fundamentação, esta fundamentação é constitutiva dessa mesma racionalidade.

Na espécie do recurso, a sentença impugnada depois de individualizar os títulos que servem de suporte à execução, um dos quais é uma sentença judicial – que julgou procedente a impugnação pauliana – e de sublinhar que, por força do caso julgado que sobre ela se formou, se deu a preclusão dos fundamentos que podiam ser alegados na acção em que foi proferida, pelo que o recorrente não pode agora por em crise o crédito nela reconhecido, no sentido da sua inexistência, concluiu que a oposição se não ajusta aos fundamentos que a lei julga admissíveis ou, cumulativa e alternativamente, é manifestamente improcedente.

Em face destes enunciados não pode, em boa verdade, dizer-se que a decisão impugnada não tornou patentes os motivos – não interessando para o problema da nulidade por falta de fundamentação, se correctos ou incorrectos – nos quais apoiou o seu veredicto, que não elucidou o apelante sobre as razões, de facto e de direito, que teve por boas para indeferir in limine os embargos. Não há, pois, fundamento, por mínimo que seja, para, por falta de motivação, estigmatizar a decisão recorrida com o ferrete da nulidade substancial.

De resto – e como é, aliás, frequente - a arguição da nulidade da sentença não toma em devida e boa conta o sistema ou modelo a que, no tribunal ad quem, obedece o seu julgamento.

O julgamento, no tribunal hierarquicamente superior, da nulidade obedece a um regime diferenciado conforme se trate de recurso de apelação ou de recurso de revista. Na apelação, a regra é da irrelevância da nulidade, uma vez que ainda que julgue procedente a arguição e declare nula a sentença, a Relação deve conhecer do objecto do recurso (art.º 665.º, n.º 1, do CPC).

No julgamento da arguição de nulidade da decisão impugnada de harmonia com o modelo de substituição, impõe-se ao tribunal ad quem o suprimento daquela nulidade e o conhecimento do objecto do recurso (artºs 665.º, nº 1, e 684.º, n.º 1, do CPC). Contudo, nem sempre, no julgamento do recurso, se impõe o suprimento da nulidade da decisão recorrida nem mesmo se exige sempre sequer o conhecimento da nulidade, como condição prévia do conhecimento do objecto do recurso. Exemplo desta última eventualidade é disponibilizado pelo recurso subsidiário. O vencedor pode, na sua alegação, invocar, a título subsidiário, a nulidade da decisão impugnada e requerer a apreciação desse vício no caso de o recurso do vencido ser julgado procedente (art.º 635.º, n.º 2, do CPC). Neste caso, o tribunal ad quem só conhecerá da nulidade caso não deva confirmar a decisão, regime de que decorre a possibilidade de conhecimento do objecto do recurso, sem o julgamento daquela arguição.

Raro é o caso em que o recurso tenha por único objecto a nulidade da decisão recorrida: o mais comum é que a arguição deste vício seja apenas mais um dos fundamentos em que o recorrente baseia a impugnação. Sempre que isso ocorra, admite-se que o tribunal de recurso possa revogar ou confirmar a decisão impugnada, arguida de nula, sem previamente conhecer do vício da nulidade. Isso sucederá, por exemplo, quando ao tribunal hierarquicamente superior, apesar de decisão impugnada se encontrar ferida com aquele vício, seja possível revogar ou confirmar, ainda que por outro fundamento, a decisão recorrida. Sempre que isso suceda, é inútil a apreciação e o suprimento da nulidade, e o tribunal ad quem deve limitar-se a conhecer dos fundamentos relativos ao mérito do recurso e a revogar ou confirmar, conforme o caso, a decisão impugnada (art.º 130.º  do CPC)[16].

A arguição da nulidade da decisão – embora muitas vezes assente numa lamentável confusão entre aquele vício e o erro de julgamento – é uma ocorrência ordinária. A interiorização pelo recorrente da irrelevância, no tribunal de recurso, que julgue segundo o modelo de substituição, da nulidade da decisão impugnada, obstaria, decerto, à sistemática arguição do vício correspondente.

Por este lado, é, pois, clara a falta de bondade do recurso.

3.3. Exequibilidade extrínseca - do título executivo - e intrínseca – da obrigação exequenda.

A acção executiva, que visa a realização efectiva, por meios coercivos, do direito violado, tem por suporte um título que constitui a matriz ou limite quantitativo e qualitativo da prestação a que se reporta (art.ºs 10.º, n.ºs 1, 4 e 5, e 53.º do CPC).

A exequibilidade extrínseca da pretensão é atribuída pela incorporação da pretensão no título executivo, i.e., num documento que formaliza, por disposição da lei, a faculdade de realização coactiva da prestação não cumprida (art.º 10.º, n.º 4, e 703.º do CPC). A exequibilidade intrínseca da pretensão respeita à inexistência de qualquer vício material ou excepção peremptória que impeça a realização coactiva da prestação. Essa exequibilidade é, na realidade uma condição processual de procedência, ou seja, uma condição da qual depende a concessão de tutela jurisdicional que, no caso concreto, é a execução da prestação. Uma das situações típicas de não accionabilidade da pretensão é, por exemplo, a prescrição, que constitui uma excepção peremptória (art.º 576.º, nºs 1 e 3, do CPC).

O título executivo cumpre, no processo executivo, uma função de legitimação: ele determina as pessoas com legitimidade processual para a acção executiva e, salvo oposição do executado, ou vício de conhecimento oficioso, é suficiente para iniciar e efectivar a execução. O título executivo é o documento da qual resulta a exequibilidade de uma pretensão e, portanto, a possibilidade de realização da correspondente pretensão através de uma acção executiva. Este título incorpora o direito de execução, ou seja, o direito do credor a executar o património do devedor ou de terceiro para obter a satisfação efectiva do seu direito à prestação[17].

O título executivo exerce, assim, uma função constitutiva – dado que atribui exequibilidade a uma pretensão, permitindo que a correspondente prestação seja realizada através de medidas coactivas impostas ao executado pelo tribunal – uma função probatória – o título executivo é um documento e a sua eficácia probatória é aquela que corresponde ao respectivo documento[18] - e uma função delimitadora: é por ele que se determinam o fim e os limites, subjectivos e objectivos, da acção executiva (art.ºs 10.º, n.º 4 e 53.º do CPC).

A acção executiva visa a realização coactiva de uma prestação ou de um seu equivalente pecuniário. A exequibilidade da pretensão, na qual se contém a faculdade de exigir a prestação, e, portanto, a possibilidade de realização coactiva desta prestação, deve resultar do título. O título deve, portanto, incorporar o direito de execução, quer dizer o direito do credor de obter a satisfação efectiva do seu direito à prestação. Quando a prestação devida tenha carácter pecuniário de quantidade – que é aquela cujo objeto é um valor expresso em moeda com curso legal - o título deve, portanto, incorporar o direito a essa entrega (art.ºs 550.º e 817.º do Código Civil). Nestas condições não pode ser reconhecido valor executivo ao documento que não contenha, ao menos implicitamente, a constituição ou o reconhecimento de uma obrigação e o correspondente dever de cumprimento. Para que possa ser usado como título executivo o documento deve incorporar o direito a uma prestação; quando isso não ocorre, nada há a prestar por um sujeito passivo e, por isso, nada há a executar.

Nos casos em que documento que serve de suporte ao accionamento executivo não incorpora a faculdade de exigir o cumprimento de uma prestação, o título correspondente é extrinsecamente inexequível. A inexequibilidade extrínseca da pretensão, ou seja, a falta de título executivo, traduz-se na falta de um pressuposto processual da execução que, além de legitimar o indeferimento liminar do requerimento executivo e a rejeição oficiosa da execução, constitui fundamento de oposição a essa mesma execução (art.ºs 726.º, n.º 2, a), 729.º, a) e  734.º, n.ºs 1 e 2, do CPC). Na verdade, o objecto da acção executiva é necessariamente, e apenas, um direito a uma prestação, visto que só este direito impõe um dever de prestar e só este dever de prestar pode ser imposto coactivamente.

Esse título bem pode consistir num documento que corporize um negócio jurídico unilateral, i.e., de negócio jurídico em que a fonte da obrigação se resolve ou se traduz numa única manifestação de vontade (art.ºs 457.º a 463.º do Código Civil).

Sempre que alguém, por uma declaração unilateral, sem invocação da respectiva causa, reconheça uma dívida ou prometa pagá-la, a procedência da pretensão do respectivo credor não fica prejudicada pela falta de demonstração da sua causa, ficando o devedor onerado com o encargo de demonstrar o contrário, i.e., que a causa não existe, ou cessou ou é ilícita (art.º 458.º, n.º 1, do Código Civil).

O reconhecimento de dívida - enquanto negócio jurídico unilateral causal – implica a isenção ou a dispensa do credor de fazer a prova da relação fundamental – desde que não esteja legalmente sujeita a formalidades específicas – cuja existência, até prova em contrário, se presume. Nesta situação peculiar, que a doutrina designa como de causalidade substancial e abstracção processual[19], o credor que invoca o acto unilateral de reconhecimento, está dispensado de invocar e provar a relação fundamental, que se presume; o devedor, pode, porém, fazê-lo, para contrariar a pretensão do credor, devendo, então, alegar e provar a insubsistência do crédito, por cumprimento, ou por prescrição, ou por invalidade da relação fundamental ou por outra razão que, no caso, possa ter esse efeito[20].

Maneira que, embora o acto de reconhecimento da dívida se não traduza numa relação jurídico-material, dotada da característica da abstracção – assentando, necessariamente na existência anterior de uma relação jurídica fundamental que suporta o acto de reconhecimento unilateral de um débito pré-existente – a presunção de existência de uma relação fundamental, traz implícita a desoneração do credor da demonstração da existência e validade dessa relação causal, subjacente ao negócio unilateral, recaindo, naturalmente, sobre o devedor o ónus ou encargo de ilidir essa presunção, no âmbito da oposição que formula contra a obrigação, v.g., nos embargos que deduza contra a execução em que tenha sido utilizado como título executivo o documento recognitivo correspondente. Quer dizer: a declaração unilateral de reconhecimento de uma dívida importa a actuação da presunção de existência da relação causal, cabendo, por isso, ao devedor executado afastar ou por em causa tal presunção, demonstrando a inexistência ou a invalidade do débito aparentemente reconhecido pela declaração unilateral invocada pelo credor.

É exacto que a doutrina não é acorde quanto à exacta extensão do regime da apontada abstracção processual, dado que, não falta quem entenda – em termos mais restritivos – que aquela abstracção apenas dispensa o credor do ónus de provar a relação fundamental subjacente ao negócio unilateral – mas não também do ónus de alegar essa mesma relação[21].

Em qualquer caso, deve notar-se que, em bom rigor, existe aqui ainda um negócio jurídico unilateral – embora aparentemente apenas com eficácia meramente declarativa – e que, havendo promessa de cumprimento ou reconhecimento de dívida, a obrigação preexistente já não é a mesma, dado que o reconhecimento, sendo declarativo, tem também eficácia constitutiva: para além do decisivo aspecto da prova, a dívida reconhecida nunca é precisamente a mesma[22].

Mas não é esse o caso do recurso. Em primeiro lugar, porque não estamos em presença de uma declaração de vontade, mas de duas declarações dessa espécie, como é característico do contrato, não devendo confundir-se o negócio jurídico unilateral com o contrato monovinculante, i.e., em que apenas uma das partes se vincula, perante a outra, a um qualquer dever de prestar; em qualquer caso, não seria aplicável o regime daquele particular espécie de negócio jurídico unilateral, dado que para a declaração correspondente é indicada, expressamente, no texto do documento que a corporiza, uma causa. Efetivamente, no caso que concita a nossa atenção, temos um acordo formado por duas declarações, que produzem para as partes efeitos jurídicos conformes ao significado do acordo obtido. Trata-se, portanto, de um contrato e não de um negócio jurídico unilateral[23], em que é expressamente indicada uma causa, pelo que, ainda que o negócio fosse puramente unilateral, nunca lhe seria aplicável o indicado regime de abstracção processual.

Entre nós o tipo legal da transacção tem necessariamente por objecto um litígio, o que, naturalmente pressupõe, algum grau de incerteza quanto ao desfecho da lide, actual ou potencial (art.º 1248.º, n.ºs 1 e 2, do Código Civil). Se, porém, não houver controvérsia, a dúvida não se resolve através do contrato de transacção. De modo que, a composição entre as partes interessadas acerca da incerteza sobre a existência ou os contornos de uma situação jurídica, actual ou eventual, só pode fazer-se ao abrigo da autonomia privada, desde que a situação jurídica seja disponível (art.º 405.º do Código Civil).

Um acordo desta espécie poderá designar-se como transacção, desde que se alargue o âmbito deste tipo contratual legal. Parece, porém, preferível, denominá-lo de contrato de acertamento, contrato – que tem efeitos vinculativos para as partes como qualquer outro -  através do qual as partes acordam em determinar a existência ou em fixar o conteúdo de uma situação jurídica duvidosa, mas não litigiosa. O objecto do contrato é uma situação jurídica de existência duvidosa; o seu fim é eliminar a incerteza e prevenir um litígio; o meio para se atingir esse fim não é específico, prescindindo das concessões recíprocas que o tipo legal da transacção necessariamente exige[24].

Em absoluto remate: o título executivo que serve de suporte à execução – aliás, por expressa indicação da exequente - é uma escritura pública que corporiza, do mesmo passo, os contratos de acertamento e de constituição de hipoteca.

Nem sempre se justifica exigir a propositura de uma acção condenatória como meio de obter um título executivo. Se a obrigação se encontra titulada por um documento escrito, pode inferir-se, com elevado grau de probabilidade, a sua constituição. Numa tal eventualidade, justifica-se que se dispense a acção declarativa e se permita ao credor, utilizando esse documento como título executivo, instaure directamente a acção executiva. É esta nitidamente a orientação do direito português, actualmente menos vincada, que atribui, muitas vezes avulsamente, a um conjunto amplo de documentos, a qualidade de título executivo (art.º 703.º, n.º 1, b) a d), do CPC).

Na oposição à execução baseada num título extrajudicial podem ser invocados todos os fundamentos que é possível deduzir como defesa no processo de declaração (art.º 731.º do CPC). Portanto, nessa oposição pode usar-se quer a defesa por impugnação quer a defesa por excepção (art.º 576.º do CPC). Isto é assim, uma vez que o título extrajudicial não se baseia em nenhum processo declarativo e, consequentemente, a oposição não está condicionada por nenhuma regra de preclusão. Não há assim, qualquer restrição quanto à invocação de factos impeditivos, modificativos ou extintivos na oposição deduzida contra um título extrajudicial.

No tocante ao ónus da prova dos fundamentos da oposição valem as regras gerais, cabendo, portanto, ao executado embargante a prova dos fundamentos de oposição invocados (art.º 342.º, n.ºs 1 e 2, do Código Civil). O encargo da prova dos factos impeditivos, modificativos ou extintivos do direito cuja satisfação coactiva constitui objecto da execução recai, pois, sobre o embargante[25]. Portanto, a oposição não provoca qualquer refracção às regras gerais sobre a distribuição do ónus da prova. Assim, por exemplo, se o embargante impugnar a letra ou assinatura do documento particular que constitua o título executivo, cabe ao exequente, que o apresentou, a prova da veracidade de uma e de outra (art.º 374.º, n.º 2, do Código Civil)[26]. Da mesma maneira é sobre o embargante que recai o encargo de provar qualquer facto extintivo da obrigação, como, por exemplo, o cumprimento ou qualquer outra excepção peremptória, designadamente, a inexistência, a ineficácia ou a invalidade – v.g., por um qualquer vício da vontade, como a falta de consciência da declaração ou a incapacidade acidental - do acto jurídico de que aquela obrigação promana (art.ºs 246.º, 257.º, 286.º, 287.º e 342.º, n.º 2, do Código Civil).

Fundando-se a execução – como é o caso – num título extrajudicial, podem ser invocados todos os fundamentos que é possível deduzir como defesa no processo de declaração (art.º 731.º, in fine, do CPC). Dado que o título se não baseia num processo declarativo, a oposição não está em regra condicionada por nenhuma regra de preclusão, não existindo qualquer restrição quanto à invocação de factos impeditivos, modificativos ou extintivos nos embargos deduzidos contra um título extrajudicial.

Não assim, porém, no caso de apesar de a execução se fundar num título extrajudicial, o crédito objecto do pedido executivo ter constituído objecto de um procedimento judicial anterior à execução e nele reconhecido por sentença sobre a qual se tenha formado caso julgado material que vincule os sujeitos da acção executiva.

É para o detalhe desta proposição que se dirigem as considerações seguintes.

3.4. Pressupostos, âmbito e consequências jurídicas do caso julgado.

A nossa lei adjectiva define o caso julgado a partir da preclusão dos meios de impugnação da decisão: o caso julgado é a insusceptibilidade de impugnação de uma decisão – despacho, sentença ou acórdão – decorrente do seu trânsito em julgado (art.º 628.º do CPC).

O caso julgado é, evidentemente, uma exigência de boa administração da justiça, da funcionalidade dos tribunais e da salvaguarda da paz social, dado que dá expressão aos valores da segurança e certeza imanentes a qualquer ordem jurídica: a res judicata obsta a que uma mesma acção seja instaurada várias vezes, impede que sobre a mesma situação recaiam soluções contraditórias e garante uma composição, tendencialmente definitiva, dos litígios que os tribunais são chamados a resolver[27].

A partir do âmbito da sua eficácia, há que fazer um distinguo entre o caso julgado formal e o caso julgado material: o primeiro tem um valor estritamente intraprocessual, dado que só vincula no próprio processo em que a decisão que o adquiriu foi proferida; o segundo é sempre vinculativo no processo em que foi proferida a decisão, mas também pode sê-lo em processo distinto (artºs 620.º, nº 1 e 621.º do CPC).

O caso julgado resolve-se na inadmissibilidade da substituição ou da modificação da decisão por qualquer tribunal – mesmo por aquele que proferiu a decisão.

Todavia, o caso julgado não se limita a produzir um efeito processual negativo – traduzido na insusceptibilidade de qualquer tribunal, mesmo também daquele que é o autor da decisão, se voltar a pronunciar sobre essa mesma decisão. Ao caso julgado deve também associar-se um efeito processual positivo: a vinculação do tribunal que proferiu a decisão e, eventualmente, de outros tribunais, ao resultado da aplicação do direito ao caso concreto que foi realizada por aquele tribunal, ou seja, ao conteúdo da decisão desse mesmo tribunal.

A eficácia do caso julgado material – único que releva para a economia do recurso – varia, porém, em função da relação entre o âmbito subjectivo e o objecto da decisão transitada e o âmbito subjectivo e o objecto do processo posterior.

Se o âmbito subjectivo e o objecto da decisão transitada for idêntico ao processo posterior, i.e., se ambas as acções possuem o mesmo âmbito subjectivo e a mesma causa de pedir e nelas for formulado o mesmo pedido, o caso julgado vale, no processo subsequente, como excepção do caso julgado – excepção que tem por finalidade evitar que o tribunal da acção posterior seja colocado na desagradável alternativa de reproduzir ou de contradizer a decisão transitada (artºs 580.º nº 1, in fine, e 2, e 581.º, nºs 3 e 4 do CPC). O caso julgado acarreta para o tribunal do processo subsequente a dupla proibição de contradição ou de repetição da decisão transitada, o que explica que se resolva num pressuposto processual negativo e, portanto, numa excepção dilatória própria (art.º 577.º, i) do CPC).

Se, porém, a relação entre o objecto da decisão transitada e o da acção subsequente, não for de identidade, mas de prejudicialidade, nem por isso, o caso julgado deixa de ser relevante: a decisão proferida sobre o objecto prejudicial – i.e., que constitui pressuposto ou condição de julgamento de outro objecto – vale como autoridade de caso julgado na acção que no qual se discuta o objecto dependente. Quando isso suceda, o tribunal da acção posterior – acção dependente – está vinculado à decisão proferida na causa anterior – acção prejudicial.

Realmente – como é corrente na doutrina[28] e na jurisprudência[29] – neste domínio há que fazer um distinguo entre a excepção do caso julgado – e a autoridade do caso julgado. E a distinção é de extraordinária relevância, dado que, não se tratando da excepção do caso julgado, mas da autoridade do caso julgado, não é exigível a apontada relação de identidade, i.e., a tríplice homotropia de sujeitos, pedido e de causa petendi. Na verdade, só no tocante à excepção do caso julgado – dado que assenta na ideia de repetição de causas – deve reclamar-se uma identidade quanto aos elementos subjectivos – partes – e objectivos – pedido e causa de pedir – da instância (art.º 580.º, n.º 1, do CPC).

No tocante a identidade de sujeitos, cumpre notar que a parte processual é entendida pela sua qualidade jurídica perante o objecto da causa: a identidade jurídica não tem que coincidir com a identidade física, apenas se exigindo que actuem como titulares da mesma relação jurídica substancial – abrangendo o primitivo titular e o respectivo sucessor. Da mesma maneira, essa identidade não é excluída pela diversidade da sua posição processual (art.º 581.º, n.º 2, do CPC). A identidade relevante é, portanto, a identidade jurídica, do que resulta a vinculação ao caso julgado de todos aqueles que, perante o objecto apreciado, possam se equiparados, atendendo à sua qualidade jurídica, às partes na acção. Assim, a essas partes são equiparados, por exemplo, todos os terceiros que sucedam, inter vivos ou mortis causa, na titularidade do objecto processual apreciado.

Relativamente à identidade de pedido, há que atender ao objecto da sentença e às relações de implicação que a partir dele se estabelecem[30]. É, portanto, suficiente uma identidade meramente relativa, dado que fica abrangido não só o efeito jurídico obtido no primeiro processo – como qualquer outro efeito jurídico que houvesse estado implícita mas necessariamente em causa[31].

Efectivamente, a identidade de pedido deve ter-se por verificada quanto sejam coincidentes os enunciados da forma de tutela jurisdicional pretendida pelo autor e o conteúdo e objecto do direito para o qual se reclama aquela tutela e na concretização do efeito jurídico que, pela acção, se pretende obter - mas a enunciação da tutela jurisdicional relevante não é apenas a explicitada, mas também a que lhe esteja necessariamente implícita[32].  O pedido, enquanto efeito jurídico que o autor pretende obter não deve, portanto, ser entendido ou interpretado de modo puramente literal, mas com o alcance que decorre da sua conjugação com os seus fundamentos, de modo a que se individualize a forma específica de tutela visada[33]. É, assim, suficiente que as partes tenham conhecimento do efeito prático que pretendam alcançar, embora careçam da representação do efeito jurídico, pelo o que interessará não o efeito jurídico que as partes formulem; o objecto mediato deve entender-se como o efeito prático que o autor pretende obter e não como a qualificação jurídica que dá a sua pretensão[34].

Entendendo-se- como se deve – por causa de pedir os factos – necessários – dos quais deriva a pretensão material ou o direito invocado pelo autor, haverá identidade de causas petendi sempre o facto jurídico concreto de que procede o direito ou interesse alegado pela parte seja o mesmo[35]. Note-se, porém, que o caso julgado abrange todas as possíveis qualificações jurídicas do objecto apreciado, dado que o releva é a identidade de causa de pedir – i.e., os factos concretos com relevância jurídica – e não a identidade das qualificações jurídicas que esse fundamento comporte (artºs 580.º, n.º 1, e 581.º, n.º 4 do CPC).

O caso julgado está, porém, sujeito a limites, designadamente objectivos, subjectivos e temporais.

No tocante aos limites objectivos – i.e., ao quantum da matéria que foi apreciada pelo tribunal que recebe o valor da indiscutibilidade do caso julgado – este abrange, decerto, a parte decisória do despacho, da sentença ou do acórdão, i.e., a conclusão extraída dos seus fundamentos (art.º 607.º. n.º 3, do CPC). O problema está, porém, em saber se - de harmonia com uma concepção restritiva[36], apenas cobre a parte decisória da sentença ou antes se estende – de acordo com uma concepção ampla - a toda a matéria apreciada, incluindo os fundamentos da decisão.

Apesar do carácter espinhoso do problema, tem-se por preferível uma concepção intermédia, para o qual se orienta, ao menos maioritariamente, a jurisprudência[37]: o caso julgado abrange todas as questões apreciadas que constituam antecedente lógico indispensável da parte dispositiva da sentença[38]. Realmente, como toda a decisão é a conclusão de certos pressupostos de facto e de direito, o caso julgado encontra-se sempre referenciado a certos fundamentos. Assim, reconhecer que a decisão está abrangida pelo caso julgado, não significa que ela valha, com esse valor, por si mesma e independente dos respectivos fundamentos. Não é a decisão, enquanto conclusão do silogismo judiciário, que adquire o valor de caso julgado, mas o próprio silogismo considerado no seu todo: o caso julgado incide sobre a decisão como conclusão de certos fundamentos – e atinge esses fundamentos enquanto pressupostos dessa decisão[39]. Ou noutra formulação: os pressupostos da decisão são cobertos pelo caso julgado – enquanto pressupostos da decisão, ficando fora do caso julgado tudo o que esteja contido na sentença, mas que não seja essencial ao iter iudicandi[40].
Por último, o caso julgado está sujeito a limites temporais.

O caso julgado é temporalmente limitado, embora o referencial temporal relevante não seja o momento em foi proferida a decisão transitada – mas, em regra, o do encerramento da discussão, no processo em que foi proferida essa mesma decisão (art.º 604º, n.º 3, c) do CPC).

A referência temporal do caso julgado a esse momento traz, desde logo, implicada várias consequências, das quais se destaca uma referida ao passado: a preclusão da invocação, no processo subsequente, das questões não suscitadas no processo em foi proferida a decisão transitada, mas anteriores ao encerramento da discussão e que nele podiam ter sido apresentadas. A mesma solução vale evidentemente para o caso de essas questões terem sido invocadas, mas essa invocação tenha, por qualquer motivo, sido julgada ineficaz.

Como o réu está vinculado ao ónus de apresentar toda a defesa na contestação, a preclusão que o atinge é, aliás, independente do caso julgado[41], mas por força dessa preclusão, ficam precludidos todos os factos que podiam ter sido invocados como fundamento dessa contestação, tenham ou não qualquer relação com a defesa apresentada e, por isso, com aquele que foi apreciada pelo tribunal (art.º 573.º, n.º 1, do CPC). Preclusão que compreende igualmente as qualificações jurídicas que objecto da causa possa comportar, mas que não foram utilizadas pela decisão transitada.

Assim, por exemplo, se a sentença anterior reconheceu, no todo ou em parte, o direito do autor, ficam precludidos todos os meios de defesa do réu – mesmo aqueles que ele não chegou a deduzir e até aqueles que podia deduzir com base num direito seu, por exemplo, ser ele réu, o proprietário do prédio reivindicado. Vale, neste sentido, a máxima segundo a qual o caso julgado cobre o deduzido e o deductível: tantum iudicatum quantum disputatam vel disputari debetat[42].

Realmente, o reconhecimento, por exemplo, de um direito absoluto de propriedade plena do autor sobre uma certa coisa corpórea é, obviamente, incompatível de um ponto de vista jurídico, com o ulterior reconhecimento de uma propriedade plena sobre a mesma coisa, por quem participou, como réu, na acção em que foi proferida a sentença favorável ao autor. Trata-se de um fenómeno designado de extensão inversa por incompatibilidade, do caso julgado: a propriedade plena é incompatível com outra propriedade sobre a mesma coisa; afirmado que x é do autor, com força de caso julgado, fica reflexamente indiscutível, dentro dos limites objectivos do caso julgado, que não o é do réu[43].

Efectivamente, o titular do direito real de propriedade dispõe de uma permissão normativa plena ou total de aproveitamento das utilidades da coisa corpórea atingida por ele (artº 1305 do Código Civil). Além da plenitude, o direito real de propriedade é ainda dotado de uma outra qualidade: é exclusivista em relação a coisa. O direito real de propriedade não admite, no tocante à mesma coisa, a concorrência de outro direito de conteúdo igual. Desta característica decorre, irrecusavelmente, este corolário: decidido, por sentença passada em julgado, por exemplo, que o autor é titular do direito real de propriedade sobre uma coisa, segue-se, como corolário lógico, que não pode ser recusado, que, observados os limites objectivos da res judicata, o réu não pode ser titular desse mesmo direito.

Maneira que, julgada procedente, v.g., uma acção de reivindicação, não é lícito ao réu propor uma acção da mesma espécie contra o autor, fundado em que tinha adquirido por usucapião a propriedade do respectivo prédio: se a nova acção pudesse proceder e valesse a decisão correspondente, seria contrariada a força de caso julgado formado sobre a sentença anterior, dado que se tirava ao réu – da acção subsequente – um bem que a mesma sentença lhe tinha dado. Esta consequência também pode explicar-se por um dos valores do caso julgado: o valor enunciativo, por força do qual fica excluída toda a situação contraditória ou incompatível com aquela que ficou definida na sentença passada em julgado. Se na acção anterior o autor foi reconhecido como titular do direito real de propriedade sobre o prédio, então o réu não o é: o réu não pode, por isso, propor uma nova acção pedindo que se declare que é ele e não o autor o titular daquele mesmo direito real.

No caso que constitui o objecto das nossas preocupações, a sentença proferida na acção declarativa na qual foi actuada a pauliana, proposta pela exequente contra o executado e um terceiro foi terminante na declaração do consilium fraudis, o mesmo é dizer, no conluio ou na concertação do devedor – o executado – e do terceiro – o filho – para impedir a satisfação do crédito a exequente e, consequentemente, em julgar procedente a impugnação do contrato de doação contraído entre o primeiro e o segundo. E para julgar procedente a impugnação pauliana, aquela sentença reconheceu à exequente a titularidade de um crédito pecuniário sobre o executado, crédito que é exactamente o mesmo que se visa satisfazer coactivamente na execução.

O caso julgado formado naquela acção declarativa importa a definição de que a obrigação ora objecto da execução é existente, válida e eficaz, do que decorre um irrecusável efeito preclusivo quanto à possibilidade de alegação, por embargos, de qualquer fundamento de inexistência, invalidade ou inexigibilidade daquela obrigação, que não seja de verificação superveniente (art.º 611.º, n.º 1, do CPC).

Deste efeito preclusivo decorre, irrecusavelmente que o executado tinha o ónus de invocar, logo na contestação da acção pauliana todos os possíveis fundamentos de inexistência, invalidade ou inexigibilidade da obrigação exequenda[44]. Realmente, uma vez decidido, naquela acção declarativa, que a exequente é titular de um crédito sobre o executado – e, portanto, que a obrigação correspondente, que é mesma que constitui objecto do pedido executivo, não é existente, inválida ou inexistente – é inevitável a sua execução, pelo que não é admissível ao réu devedor, agora executado, invocar, como fundamento dos embargos, qualquer facto impeditivo, modificativo ou extintivo dessa mesma obrigação, que lhe era lícito invocar logo na contestação da acção declarativa na qual foi actuada a pauliana. Aliás, nesta acção – como expressamente decorre do relatório da sentença nela proferida – o réu, executado, apesar de a ter contestado, reconheceu, no articulado de contestação, a existência, montante e garantia do crédito da autora, agora exequente, pelo que o executado ao invocar, como fundamento dos embargos, a inexequibilidade, extrínseca e extrínseca da obrigação correspondente, age em abuso, na modalidade de venire contra factum proprio (art.º 334.º do Código Civil).

Note-se que, rigorosamente, não é o caso julgado da decisão proferida na acção pauliana que preclude a invocação de qualquer facto, não superveniente, impeditivo, modificativo ou extintivo da obrigação exequenda. Realmente a preclusão da invocação de qualquer outro fundamento de contestação da execução e que impeça a realização coactiva da prestação dela objecto, não ocorre com o trânsito em julgado da decisão proferida na acção declarativa – mas no momento em que o executado oferece o articulado de contestação. A partir desse momento, ao executado deixou de ser lícita a invocação de qualquer outro fundamento de oposição à execução ou que exclua os efeitos nela produzidos. Do que decorre que essa preclusão passa a actuar através da excepção do caso julgado, se o fundamento distinto, não alegado na acção declarativa, for indevidamente alegado numa acção posterior, designadamente na acção declarativa de embargos de executado.

Isto é assim, uma vez que na acção declarativa o réu tem o ónus de concentrar na respectiva contestação, todos os fundamentos que podem justificar a improcedência do pedido do autor, e a inobservância desse ónus implica a preclusão dos fundamentos não alegados na contestação, pelo que, após o trânsito da decisão proferida na acção declarativa, aquela preclusão actua através do caso julgado, ainda que não exista entre a primeira e a segunda acção identidade de fundamentos e, portanto, identidade de objecto.

Qualquer caso julgado material que se tenha formado anteriormente à acção executiva e que vincule os respectivos sujeitos é sempre atendível na execução. Sempre que forem proferidas duas decisões contraditórias sobre o mesmo objecto vale, de harmonia com uma regra de prioridade, aquela que for mais antiga no trânsito em julgado (art.º 625.º, n.º 1, do CPC).  Isto justifica que o executado se possa opor â execução de sentença se houver outra sentença incompatível com ela e que tenha transitado em julgado antes dela (art.º 720.º, f), do CPC). Do mesmo modo, qualquer caso julgado se tenha constituído e seja oponível ao executado releva na execução, ainda que esta se não funde num título judicial, designadamente na sentença proferida na acção declarativa anterior, mas num título extrajudicial.

E sendo esse caso julgado relevante e, portanto, se mostrem precludidos, por força dele, os fundamentos de oposição à execução, por meio de embargos, a consequência jurídica, é, desde logo, o desajustamento dos fundamentos dos embargos relativamente às previsões da sua admissibilidade. Entendendo-se, todavia, que essa falta de correspondência, enquanto fundamento de rejeição da oposição, apenas é aplicável nos casos em que o título que serve de suporte à execução é um título judicial, então o caso é de manifesta improcedência dessa mesma oposição.

Todas as dificuldades na solução prática do problema do indeferimento liminar da petição de embargos por tal fundamento consistem em determinar quando é os embargos são manifestamente improcedentes. É evidente que, a manifesta improcedência, é apenas uma espécie do género inviabilidade da oposição, caracterizada por respeitar à pretensão em si, ao próprio mérito dos embargos.
Nestas condições, por oposição manifestamente inviável deve ter-se aquela a que falta, ostensivamente, alguma das condições indispensáveis para que o tribunal possa acolhê-la, que por razão atinente ao fundo da causa, não tem, patentemente, probabilidade de êxito[45]. Para exteriorizar esta mesma ideia, diz-se que o pedido é manifestamente improcedente quando não possa haver dúvida sobre a inexistência de factos que o constituiriam ou sobre a existência, relevada pelo próprio autor, de factos impeditivos ou extintivos desse direito[46]. O núcleo constante de todas estas formulações é, numa palavra, este: o pedido é manifestamente improcedente quando, seja por razões de facto seja por motivos de direito, a pretensão do autor está irremediavelmente condenada a insucesso.

Exemplo evidente de embargos manifestamente improcedentes é, decerto, o caso de ser fora de dúvida que os fundamentos dos embargos opostos pelo executado, quer ao título que lhe serve de suporte, quer à obrigação que incorpora, foram atingidos pela preclusão, quando, pela simples inspecção da petição inicial, o juiz se certificar que, patentemente, não é possível ao embargante opor à execução aqueles fundamentos.

Portanto, se o juiz, ao examinar a petição, se convence que a pretensão do embargante de extinção da execução não tem fundamento, que não pode ser atendida, lavrará despacho julgando-a manifestamente improcedente e indeferindo-a in limine.

Crê-se que não é outro o caso do recurso.

3.5. Concretização.

A sentença proferida na acção pauliana reconheceu à exequente, além do mais, a titularidade do crédito objecto do pedido executivo e a respectiva garantia – que, de resto, o executado, no articulado de contestação, expressa e igualmente reconheceu – e, além disso, todos os fundamentos dos embargos invocados pelo executado – a inexistência ou a nulidade da obrigação – poderiam ter sido alegados no articulado de contestação produzido naquela acção declarativa. Não o tendo sido, deu-se a definitiva e irremediável preclusão em qualquer processo posterior, maxime nos embargos à execução que tem por finalidade a satisfação coactiva do direito reconhecido naquela acção declarativa, da sua alegação.

Como se observou, o executado tinha o ónus de alegar na anterior acção declarativa – a que julgou a impugnação pauliana – todos os fundamentos possíveis de contestação da obrigação que a sentença nela proferida reconheceu à autora e que é a mesma que esta visa agora satisfazer coactivamente na execução, pelo que, com o oferecimento, naquela acção, do articulado de contestação, se deu a preclusão de todo e qualquer fundamento de oposição, de toda e qualquer excepção peremptória que lhe era lícito, logo nesse momento, alegar, pelo que ao executado não é admissível invocar, noutra acção, qualquer daqueles fundamentos ou destas excepções peremptórias. Preclusão que opera através do caso julgado, e que prescinde mesmo da identidade de objecto entre a primeira e a acção posterior.

 Por último, uma decisão que reconhecesse, agora, na acção declarativa de embargos, que a exequente não é titular do direito de crédito objecto do pedido executivo, por ter sido atingido por qualquer facto impeditivo ou extintivo, seria, de todo, incompatível com a decisão proferida na acção declarativa na qual se reconheceu à exequente a existência do crédito cuja consistência se visou preservar com a pauliana.

Tendo-se decidido que a exequente é credora do executado, não é admissível, por força do caso julgado, decidir agora que, afinal, a embargada não dispõe daquela qualidade. Uma tal decisão colidiria frontalmente com a decisão proferida na acção pauliana – da qual decorre inequivocamente a declaração de que a exequente dispõe da obrigação exequenda – e, consequentemente, com um efeito jurídico produzido nessa acção declarativa, subtraindo à apelada um direito que, nessa acção, lhe foi reconhecido e atribuído. Efectivamente, se o objecto da segunda acção é contraditório com o objecto da primeira, também há que excluir uma pronúncia contraditória com a anterior, desiderato que é conseguido através da proibição de contradição da decisão anterior e da excepção do caso julgado.

E um tal caso julgado produz, para o que nos interessa, este efeito fundamental: torna manifestamente improcedente a oposição deduzida, por embargos, à execução da obrigação declarada na acção declarativa anterior, uma vez que é patente que o título que serve de suporte à execução, é extrinsecamente exequível, e que a obrigação que incorpora é intrinsecamente exequível, dado que não atingida por qualquer excepção peremptória que ao executado seja lícito alegar.

O recurso não dispõe, pois, de bom fundamento. Cumpre recusar-lhe provimento.

                Do percurso argumentativo percorrido, extraem-se, como proposições conclusivas mais relevantes, as seguintes:

                (…).

                O apelante deverá suportar, porque sucumbe no recurso, as respectivas custas (art.º 527.º. n.ºs 1 e 2, do CPC).

4. Decisão.

Pelos fundamentos expostos, nega-se provimento ao recurso.

Custas pelo apelante.

                                                                                                                                              2024.02.20


[1] João de Castro Mendes/Miguel Teixeira de Sousa, Manual de Processo Civil, Vol. I, AAFDL Editora, 2022, págs.97 e 98.
[2] Abrantes Geraldes, Recursos em Processo Civil, 7.ª edição actualizada, Almedina, Coimbra, 2022, págs. 26 e 27, Miguel Teixeira de Sousa, https://blogspot.com/search?q=Decisão+surpresa e João de Castro Mendes, Miguel Teixeira de Sousa, Manual de Processo Civil, cit., pág. 102; para o detalhe da controvérsia e dos seus três enquadramentos jurídicos possíveis, cfr. o Ac. desta Relação de 21.11.2023 (1416/22), relatado pelo Sr. Juiz Desembargador que neste recurso exerce as funções de 2.º Juiz Adjunto.
[3] António Menezes Cordeiro, Direito das Obrigações, 2º vol., AAFDL, Lisboa, 1980, págs. 488 a 492.
[4] Maria do Patrocínio Baltazar Paz Ferreira, Impugnação Pauliana, Aspectos Gerais do seu Regime, Lisboa, 1987, pág. 40.
[5] António Menezes Cordeiro, ROA, Ano 51, 1991, vol. II, pág. 558, Maria Paz Ferreira, Impugnação Pauliana, cit., pág. 38 e Acs. do STJ de 25.05.90, www.dgsi.pt e 15.02.00, CJ, STJ, VIII, I, pág. 91.
[6] Almeida Costa, RLJ Ano 127, pág. 277, e Acs. do STJ de 26.05.94, 18.05.99 e 07.11.00, CJ, STJ, II, II, pág. 114, BMJ nº 487, pág. 287, CJ, STJ, VIII, III, pág. 102, respectivamente, e da RP de 01.09.97, CJ, XXII, III, pág. 188.
[7] João Cura Mariano, Impugnação Pauliana, Almedina, Coimbra, 2004, pág. 191.
[8] Em sentido negativo, João Cura Mariano, Impugnação Pauliana, cit., pág. 196 e Luís Manuel Teles de Menezes Leitão, Direito das Obrigações, vol. II, Almedina, Coimbra, 2002, pág. 299, Almeida Costa, RLJ Ano 127, pág. 274. É essa também a orientação recente do Supremo: cfr. Acs. de 29.09.09, 26.02.09, 12.03.09 e 18.06.09, www.dgsi.pt. 
[9] Mota Pinto, “onerosidade e gratuitidade das garantias de dívidas de terceiro na doutrina da falência e da impugnação pauliana”, RDES, Ano XXV, nº 3-4, págs. 236 e 237 e Castro Mendes, Teoria Geral do Direito Civil, Vol. II, Lisboa, AAFDL, 1995, págs. 481 e 482.
[10] Romeu Martins Ribeiro Filho, Impugnação pauliana como meio de conservação da garantia patrimonial, Garantia das Obrigações, Almedina, Coimbra, 2007, págs. 483 e 484.
[11] Ac. do STJ de 26.92.98, CJ, STJ, I, pág. 100.
[12] João de Castro Mendes/Miguel Teixeira de Sousa, Manual de Processo Civil, AAFDL, 2022, vol. II, pág. 558, José Lebre de Freita/Armindo Ribeiro Mendes/Isabel Alexandre, CPC Anotado, Vol. 3.º, 3.ª edição, Almedina, pág. 336.
[13] Reconhecendo a qualidade de título executiva a uma sentença de simples apreciação positiva, cfr. o Ac. do STJ de 08.01.205 (117-B/1999); diferentemente, o Ac. do STJ de 22.02.2022 (140/11).
[14] Assim, no tocante às acções constitutivas, por todos, o Ac. desta Relação de 24.10.2023 (2367/22) em que o ora relator exerceu as funções de 2.º juiz adjunto.
[15] Alberto dos Reis, Código de Processo Civil Anotado, Volume V, Coimbra Editora, 195, pág. 140; Ac. STJ 10.05.2021 (3701/18.3T8VNG.P1.S1)
[16] Miguel Teixeira de Sousa, Estudos sobre o Novo Processo Civil, Lex, Lisboa, 1998, pág. 472, e Paula Costa e Silva, Meios de Impugnação, de Decisões Proferidas em Arbitragem Voluntária no Direito Interno Português, 199, n. 29.  Notando a incompreensível atracção que é revelada em múltiplos recursos pela arguição de nulidades, António Santos Abrantes Geraldes – Recursos em Processo Civil, 7.ª edição actualizada, Almedina Coimbra, 2022, pág. 183, nota 318.
[17] J. C. Ferreira de Almeida, Algumas considerações sobre o problema da natureza e função do título executivo, RFD, 19, (1965), pág. 317 e ss. O título executivo só formalmente é um documento – apresenta-se sempre como um documento; materialmente é um meio de demonstração legal, o qual poder ser um meio documental, como v.g., de títulos de crédito, um acto, como no caso de sentença. Título executivo é aquilo que convence o tribunal exequente de que existe o crédito exequendo, é o facto primário da sua convicção. Mesmo materialmente, o título executivo tem primariamente função demonstrativa (probatória, gnoseológica) e só secundariamente função constitutiva (ontológica). Castro Mendes, A Causa de Pedir na Acção Executiva, Revista da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, vol. XVIII, 1964, págs. 205 e 206. O título executivo é, em termos substanciais, um instrumento legal de demonstração da existência do direito exequendo e a sua exequibilidade resulta da relativa certeza ou da suficiência da probabilidade da existência da obrigação nele consubstanciada: se a obrigação se encontra titulada por um documento escrito, pode inferir-se, com um elevado grau de probabilidade, a sua constituição. Cfr. Castro Mendes, Manual de Processo Civil, págs. 73 e 74 e Manuel de Andrade, Noções Elementares de Processo Civil, pág. 60.


[19] F. Pereira Coelho, Causa Objectiva e Motivos Individuais no Negócio Jurídico, in Comemorações dos 35 anos do Código Civil e dos 25 anos da Reforma de 1977, Volume II (A Parte Geral do Código Civil e a Teoria Geral do Direito Civil), 423-457. 2006, Portugal, 2006. pág. 431.
[20] Pedro Pais de Vasconcelos, Teoria Geral do Direito Civil, Almedina, Coimbra, 2008, 5ª edição, pág. 506, e Ac. do STJ de 07.05.2013, www.dgsi.pt. O reconhecimento de uma dívida é uma declaração de ciência (confissão) e, aí, a causa que se presume não é a causa do acto, mas a da obrigação, se esta for de natureza negocial, envolvendo uma causa (que se presume conjuntamente com outros elementos do negócio): João de Castro Mendes, Teoria Geral do Direito Civil, Volume II, AAFDL, Lisboa, 1995, pág. 277, nota 468. Cfr., Vaz Serra, Direito das Obrigações, BMJ n.º 101, 1960, pág. 59.
[21] Assim, por exemplo, José Lebre de Freitas – A confissão no Direito Probatório, Coimbra Editora, Coimbra, pág. 390: sendo que a inversão do ónus da prova não dispensa do ónus de alegação, e que o autor tem de alegar, na petição inicial, a causa de pedir, o credor que, tendo embora em seu poder, um documento em que o devedor reconhece a dívida ou promete cumpri-la, sem indicar o facto que a constituiu, contra ele propuser uma acção, deverá alegar o facto constitutivo do direito de crédito – o que é confirmado pela exigência de forma do art.º 458.º n.º 2 do CC, que pressupõe o conhecimento da relação fundamental- e daí que a prova da inexistência da relação causa válida, a cargo do devedor/demandado se tenha de fazer apenas relativamente à causa que tiver sido invocada pelo credor, e não a qualquer possível causa constitutiva do direito unilateralmente reconhecida pelo devedor; cfr. Ac. do STJ de 07.07.2010, www.dgsi.pt.
[22] António Menezes Cordeiro, Tratado de Direito Civil Português, Contratos, Negócios Unilaterais, Almedina, 2018, pág. 693, e Pais de Vasconcelos, Teoria Geral do Direito Civil, cit. pág. 447. Objecto de controvérsia é, no entanto, a questão saber se o art.º 458.º do Código Civil prevê negócios de acertamento. Em sentido afirmativo, Pais de Vasconcelos, Teoria Geral do Direito Civil, ops. locs. cit. e Ac. do STJ de 07.07.2010 (337/08.7TBOAZ.AP1.S1), contra João de Oliveira Geraldes, Sobre os negócios de acertamento e o artigo 458.º do Código Civil, in Revista da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, Ano LXII, 2021, n.º 2, págs. 277 e ss.
[23] Ac. desta Relação de 03.05.2006 (81/06).
[24] Assim o Ac. desta Relação de 03.05.2006, cit.
[25] Miguel Teixeira de Sousa, Acção Executiva Singular, Lex, Lisboa, 1998, pág. 177.
[26] Cfr., v.g., Acs. da RC de 06.02.1990, BMJ n.º 394, pág. 430, n.º 330, pág. 543, e da RL de 04.11.1997, BMJ n.º 471, pág. 448.
[27] Miguel Teixeira de Sousa, Estudos sobre o Novo Processo Civil, Lisboa, Lex, 1997, pág. 568.
[28] V.g., Lebre de Freitas, Montalvão Machado e Rui Pinto, Código de Processo Civil Anotado, Vol. 2º, 2ª edição, Coimbra Editora, 2008, pág. 354, João de Castro Mendes, Limites Objectivos do Caso Julgado em Processual Civil, Edições Ática, 1968, págs. 38 e 39, Alberto dos reis, Código de Processo Civil Anotado, Vol. III, 4.ª edição, Coimbra Editora, 1985, pág. e Rodrigues Bastos, Notas ao Código de Processo Civil, Vol. III, Lisboa, 1973, págs. 60 e 61.
[29] V.g. Acs. do STJ de 19.05.10 e de 28.06.12, da RC de 28.09.10 e da RL de 12.07.12, www.dgsi.pt.
[30] Lebre de Freitas, Montalvão Machado e Rui Pinto, Código de Processo Civil Anotado, Vol. 2º, cit. pág. 349.
[31] João de Castro Mendes, Limites Objectivos do Caso Julgado em Processual Civil, cit., pág. 350.
[32] Ac. do STJ de 05.12.2017 (1565/15.8T8VFR-A.P1.S1).
[33] Ac. do STJ de 13.12.2018 (642/14.7T8VCT.G1.S1).
[34] Anselmo de Castro, Direito Processual Civil Declaratório, Vol. I, Almedina, Coimbra, 1981, pág. 203.
[35] José Lebre de Freitas “Caso julgado e causa de pedir. O Enriquecimento sem causa perante o artigo 129 do Código Civil”, ROA, Ano 2006, Dezembro de 2006, Vol. III.
[36] Cfr., v.g., Manuel de Andrade, Noções Elementares de Processo Civil, cit. pág. 318.
[37] V.g., Acs. do STJ de 10.07.07, CJ, STJ, V, II, pág. 165, da RC de 27.09.05 e 29.05.12 e da RL de 12.07.12, www.dgsi.pt.
[38] Jacinto Rodrigues Bastos, Notas ao Código de Processo Civil, III, cit., pág. 253.
[39] Miguel Teixeira de Sousa, Estudos sobre o Novo Processo Civil, cit., págs. 578 e 579.
[40] João de Castro Mendes, Limites Objectivos do Caso Julgado em Processo Civil, cit., págs. 578 e 579.
[41] Realmente, dado que a referência temporal do caso julgado coincide com um momento preclusivo - o encerramento da discussão em 1.ª instância – o caso julgado não produz, afinal, nenhum efeito preclusivo próprio e, por isso, a função estabilizadora – i.e., a imutabilidade da decisão – atribuída ao caso julgado não é outra que não a função de estabilização que decorre da preclusão. Assim, Miguel Teixeira de Sousa, “Preclusão e caso julgado”, paper (199), Blog do IPPC.
[42] Manuel de Andrade, Noções Elementares de Processo Civil, cit., pág.  324 e RLJ, Ano 70, pág. 235. Diferentemente, porém, Miguel Teixeira de Sousa, Caso Julgado e Preclusão, cit., pág. 10.
[43] Ac. do STJ de 26.06.2012, www.dgsi.pt.
[44] Miguel Teixeira de Sousa/João de Castro Mendes, Manual de Processual, Vol. II, AAFDL, 2022, pág. 685.
[45] Salvador da Costa, A Injunção e as Conexas Acção e Execução, Coimbra, 2005, pág. 95.
[46] Lebre de Freitas, João Redinha e Rui Pinto, Código de Processo Civil Anotado, Volume 1.º, Coimbra Editora, 1999, pág. 400. Num noutra formulação notoriamente mais exigente, afirma-se que o pedido é manifestamente improcedente quando seja inequívoco, por exemplo, que o procedimento cautelar nunca poderá proceder, qualquer que seja a interpretação jurídica que se faça dos preceitos legais - Abrantes Geraldes, Temas da Reforma do Processo Civil, volume III, 2.ª edição, Almedina, Coimbra, pág. 162.