Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
582/2002.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: CARLOS QUERIDO
Descritores: PROPRIEDADE INDUSTRIAL
MARCAS
DENOMINAÇÃO SOCIAL
CONCORRÊNCIA DESLEAL
Data do Acordão: 03/16/2010
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: POMBAL
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTS.167, 228 A 232 DO CPI, 10 CSC, 3 E 33 RRNPC
Sumário: I - Os direitos da propriedade industrial e a concorrência desleal são institutos distintos, mas a sua autonomia não impede que, na prática, um acto possa infringir simultaneamente um direito privativo e a proibição de concorrência desleal.

II - A marca (definida, em termos gerais como o sinal distintivo que serve para identificar o produto proposto ao consumidor) e a firma (nome ou designação que identifica o comerciante na sua actividade mercantil) - embora distintas, são susceptíveis de confusão quando não pertençam ao mesmo interessado, constituindo acto de concorrência desleal, a denominação social, ou firma que seja imitação de marca de outrem.

III – Existe séria possibilidade de confusão entre a marca da autora (SEUR) e a denominação da ré (SEUL), tendo em conta a oferta dos mesmos serviços, o facto de ambas destacarem os símbolos em causa, a proximidade fonética e gráfica entre os dois símbolos.

Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra

I. Relatório

(…) , S.A., sociedade constituída segundo a lei espanhola, com sede (…) em Madrid, Espanha, intentou a presente acção declarativa com processo ordinário contra (…), LDA, pessoa colectiva (…) matriculada na Conservatória do Registo Comercial de Pombal sob o n.º ....., com sede (…) em Pombal, pedindo: que se anule a denominação social “(…)”; que se decrete o cancelamento do registo desta denominação social no Registo Nacional de Pessoas Colectivas e no Registo Comercial; e que se condene a R. a abster-se de usar o sinal distintivo «Seul» ou qualquer outro que seja confundível com a marca «Seur» da A., na composição da denominação social que vier a adoptar, e em publicidade, correspondência ou qualquer outro meio.
Para tanto, alegou, em síntese, ser titular do registo da marca internacional «SEUR», cuja protecção em Portugal foi concedida por despacho de 31/1/85, para serviços de transporte, de armazenagem e distribuição de mercadorias ou bens, sendo uma marca notoriamente conhecida; a denominação social da R. tem como elemento preponderante e distintivo a expressão «SEUL», que tem elevada semelhança gráfica e fonética com a marca da A., pelo que é susceptível de induzir em erro ou confusão.
Contestou a R., excepcionando a ilegitimidade da A. e alegando ter solicitado ao Registo Nacional de Pessoas Colectivas o certificado de admissibilidade da firma ou denominação social, que foi emitido em 21/6/96, impugnando também a factualidade descrita na petição inicial.
Foi proferido despacho saneador, que julgou improcedente a invocada excepção, tendo sido definidos os factos assentes e elaborada a base instrutória, sem reclamações.
Procedeu-se a julgamento, com decisão sobre a matéria de facto sem reclamações, após o que qual foi proferida sentença com o seguinte dispositivo:
«Pelo exposto, julgo apresente acção intentada por (…) procedente por provada, pelo que:
- anulo a denominação social da R. (…)
- determino o cancelamento da referida denominação no Registo Nacional de Pessoas Colectivas e no Registo Comercial;
- condeno a R. a abster-se de usar o sinal “Seul” na composição da denominação social que venha a adoptar, em publicidade, correspondência ou qualquer outro meio de assinalar os seus serviços.»
Não se conformando com a decisão, veio a Ré interpor recurso de apelação, apresentando as seguintes conclusões:

1. Com o presente recurso pretende a apelante impugnar a decisão proferida sobre a matéria de facto e de direito, discordando das respostas que foram dadas aos números 4°, 7°, 8° e 9° da base instrutória.

2. Mal andou o tribunal recorrido quando deu por provado que, «A R. utiliza o elemento “SEUL” da sua denominação social de forma destacada e separada dos restantes elementos da mesma.», e quando não deu por provado que «A denominação social e logótipo da ré são distintos dos da A.» e que «A ré é conhecida no mercado como (…)

3. Da prova produzida na audiência de discussão da matéria de facto, mormente a (1) prova documental, (2) do depoimento prestado, (3) das respostas negativas dadas aos números 5° da Base Instrutória, conjugados com a (4) factualidade assente nas alíneas A); B); C); G) e H), impunha-se, ao tribunal a quo, que tivesse dado resposta negativa aos números 4° e 7° da Base Instrutória, no sentido de que a Ré não utiliza o elemento “SEUL” da sua denominação social de forma destacada e separada dos restantes elementos da mesma.

4. E que tivesse dado por provado os n.º 8° e 9° da Base Instrutória, no sentido de que a Ré é conhecida no mercado como (…), e que a sua denominação social e logótipo são distintos dos da A..

5. Pelo que deve a resposta dada pelo tribunal a quo, uma vez reapreciada aprova, a estes pontos da Base Instrutória ser alterada. É o que em primeira linha se pede a V. Exas.

6. O depoimento de (…), única prova em que o Tribunal recorrido, alicerçou a sua convicção, registado no sistema h@bilus media studio e cuja transcrição se junta, gerente da sociedade que representa a marca SEUR em Portugal, nada esclarece, nem com tal depoimento pode o Tribunal a quo bastar-se para alicerçar a sua convicção no sentido de dar resposta positiva ao n.º 4° e 7° da Base Instrutória e decidir como decidiu.

7. Não existe neste depoimento qualquer fundamento que possa levar à convicção e dar por provado que «A R. utiliza o elemento “SEUL” da sua denominação social de forma destacada e separada dos restantes elementos da mesma.», nem do mesmo se pode concluir que existe confusão e erro, para o público em geral, entre a denominação social da Ré e a marca da Autora. Nem mesmo realizando um juízo de prognose abstracto não é possível chegar a semelhante conclusão, porque não foi produzida prova nesse sentido, e que pudesse impor a decisão em crítica às Partes.

8. Nos termos do n.º 2 do art.º 33° do Decreto-Lei n.º 129/98, de 13 de Maio, o juízo acerca da distinção e a não susceptibilidade de confusão ou erro, entre firmas e marcas deve ser filtrado por vários critérios, nomeadamente, o tipo de sociedade, o seu domicílio ou sede, a afinidade ou proximidade das suas actividades e o âmbito territorial destas, a sua estrutura, o âmbito de implantação, a clientela específica da cada uma, etc, etc.

9. Mostram os autos, quer da prova documental, quer da prova testemunhal, que a A. tem sede em Espanha, que é uma empresa multinacional, com forte implantação internacional, corresponde nos termos congéneres nacionais, a uma sociedade anónima, ao passo que a Ré, ostenta uma denominação de uma sociedade por quotas, com uma área geográfica de implantação bastante diminuta quando comparada com a A. e circunscrita ao território nacional, conforme alvará 2314/1996 junto aos autos.

10. O tribunal a quo não atendeu, no seu juízo decisório, a estes critérios norteadores, mormente a única testemunha arrolada ter dito no seu depoimento que a A. e a Ré são pessoas totalmente distintas e que não se confundem.

11. Assim, inquinado ficou o exame comparativo, isto é, o juízo decisório, dos sinais distintivos e identificativos da marca e denominação social da A. e Ré, respectivamente, uma vez que apenas considerou a semelhança fonética entre a marca da A. e parte da denominação social da firma da Ré, e a semelhança dos serviços prestados por ambas, mas absteve-se de considerar, avaliar, os restantes elementos distintivos.

12. Não deixa de ser também curioso, e até contraditório, que a designação social da R., que segundo a A., é apta a geral erro ou confusão, quando aquele gerente/testemunha apenas refere ter conhecimento de um caso, que foi o mesmo que despoletou apresente acção, e que até à data não tem conhecimento de qualquer outra situação semelhante, afirmando ainda que A. e R. tem estruturas, dimensões, e serviços diferentes, que em nada podem ser comparáveis.

13. Estando a A., a operar no mercado português sobre a marca “SEUR”, desde 1984, e a ré desde 1996, seria de esperar inúmeros casos, queixas, de erros ou confusões da marca da A., isto é com os serviços por si prestados, com a firma, denominação social da Ré (…).

14. Nas suas relações comerciais, na publicidade que faz, a Ré, identifica-se, perante clientes fornecedores e com o público em geral como (…) facto totalmente coincidente com a não prova de que a Ré destaca o elemento “SEUL” da sua denominação social em anúncio que publica na Lista Telefónica - Páginas Brancas - Páginas Amarelas, nem que a Ré utiliza o elemento “SEUL” da sua denominação social de forma saliente e destacada dos restantes elementos da sua denominação social.

15. Sendo que a denominação da Ré “SEUL” apenas, e só, pretende significar Serviço de Encomendas Urgentes Limitada, sendo pois, aquela palavra a abreviatura da sua restante denominação (…)

16. E, do ponto de vista do direito, com o devido respeito, o tribunal a quo, não apreciou, nem fez uma correcta subsunção deste aos factos.

17. Dispõe o n.º 1 do art.º 18° do Código Comercial, que todo o comerciante é obrigado a adoptar uma firma, e nos termos do n.º 3° do art.º 100 do Código das Sociedades Comerciais, afirma de uma sociedade constituída por denominação particular não pode ser idêntica à firma registada por outra sociedade ou por tal forma semelhante que possa induzir em erro.

18. Estabelece, por outro lado, o n.º 1 do art. 33.º do Decreto-lei n.º 129/98, de 13 de Maio que as firmas e denominações devem ser distintas e não susceptíveis de confusão ou erro com as registadas no mesmo âmbito de exclusividade.

19. Ora acontece que, a Ré está constituída como sociedade comercial, desde Julho de 1996, e dentro dos parâmetros legislativos aplicáveis, tendo passado pelo escrutínio do RNPC, nos termos do art.º 1° do Decreto-Lei n.º 129/98, no que toca à admissibilidade da sua denominação, atestando o certificado de admissibilidade de denominação da firma da Ré a sua conformidade aos princípios da verdade e da novidade.

20. Estando em causa o confronto entre uma marca e uma firma, não basta o mero registo da marca, é necessário que o seu titular faça prova do seu direito, da marca, junto do RNPC, assim o impõe o n.º 6 do art.º 33°.

21. Nos termos deste último preceito existe um ónus, um dever, sobre o titular da marca, que deverá fazer prova do seu direito junto do RNPC, só assim a marca pode sobrepor-se às denominações sociais susceptíveis de gerar confusão ou erro aos consumidores.

22. Mas esta comunicação, a prova do direito da A. junto do RNPC, não efectuado pela A., detentora da marca por despacho desde 31/01/1985, visa igualmente conferir uma protecção antecipada, à priori, aos sujeitos que requerem aquele certificado de admissibilidade, visando impedir que entrem no comércio jurídico de forma confusa ou errónea, pela garantia que o RNPC está munido de todos os elementos para poder atestar pelo princípio da novidade, aquando se debruça sobre os pedidos de firma e denominações submetidos pelos comerciantes.

23. À data em que a Ré submeteu a sua denominação social à apreciação aquela entidade competente, não havia na mesma qualquer prova do seu direito, pois se houvesse a actual denominação social da Ré não teria, eventualmente, sido aceite e teria esta antes da sua constituição escolhido outra denominação.

24. Passados 13 anos de existência no mercado, sobre aquela denominação, a condenação da recorrente na perda da sua denominação social quando é por esta que é conhecida no mundo jurídico, atentas as relações com os seus clientes, fornecedores e congéneres, não é justa.

25. A interpretação que o Tribunal efectuou, no sentido de que o disposto no n.º 6 do art.º 33° daquele diploma, que determina que a marca para poder entrar no juízo de erro ou confusão subjacente ao n.º 1 e 2 do mesmo artigo deve estar previamente registada junto do RNPC, apenas releva em sede administrativa, viola vários preceitos constitucionais.

26. Pois, salvo melhor opinião, o registo comercial da Ré como pessoa colectiva, confere-lhe personalidade e capacidade jurídica, e a sua denominação social passou a estar protegida como um direito fundamental, uma vez que o direito à firma, o nome do a identifica como comerciante, titular de direitos e obrigações perante os restantes operadores do comércio e tráfego jurídico, goza de protecção constitucional.

27. Atende, desde logo, o n.º 2 do art.º 12.º Constituição da República Portuguesa, que prescreve que as pessoas colectivas gozam dos direitos e estão sujeitas aos deveres compatíveis com a sua natureza, ora, somos do entendimento que o direito ao nome, tal como existe para as pessoas humanas, não é incompatível com o direito ao nome de uma pessoa colectiva.

28. O direito ao nome, leia-se, à firma, por parte de uma pessoa colectiva, goza da tutela, inclusive, do regime específico do art.º 18.º da CRP, e merece especial protecção, não podendo ser restringido do modo como foi, e nos termos em que o foi, por aquela decisão judicial.

29. A interpretação efectuada pelo tribunal recorrido no sentido de que o n.º 6 do art.º 33° do DL 129/98 de 13 de Maio, apenas releva em sede administrativa, e quem, como a A., titular da marca, não fez prova deste seu direito junto do RNPC, para posteriormente em sede judicial o vir reclamar viola aqueles preceitos constitucionais e registrais.

30. Por outro lado com a admissão do direito a usar aquela denominação, que foi atribuído à Ré pelo RNPC, é também ele um direito constituído, e que a Ré foi consolidando ano após ano, para protecção desse seu direito licita e administrativamente constituído, deve chamar-se à colação o principio da confiança.

31. A Ré, merece a tutela das expectativas juridicamente criadas, ou seja conformidade da firma, da sua denominação social, com o principio da novidade, quando administrativamente, em sede de estudo pelo RNPC, o nome da ré passou o requisito de novidade.

32. Não pode o Tribunal a quo, fazer tábua rasa da obrigatoriedade de comunicação do direito da A. junto do RNPC, com o entendimento, que tal comunicação apenas é válido para o juízo de conformidade administrativo.

33. Possibilitando-se o uso da acção judicial para anulação de denominações sociais, administrativamente licitas e constituídas, quando por inércia, descuido, desconhecimento, falta de vontade, do titular da marca não a regista como a lei lhe impõe no n.º 6 do art.º 33° do DL 129/98 de 13 de Maio, é possibilitar situações de abuso de direito, nos termos do art.º 334° do Código civil, à revelia de denominações sociais validamente constituídas e das nefastas e prejudiciais consequências conexas à perda dessa denominação social.

34. Razão pela qual o n.º 4 do art.º 5° do antigo CPI, circunscrevia o uso da acção de anulação de denominação ao prazo de 10 anos.

35. Mesmo considerando que o certificado de admissibilidade de firma ou denominação constitui mera presunção de exclusividade da denominação social da Ré, e que esta denominação pode ser sindicada, em concreto, à poste rio ri pelo tribunal, a verdade é que a injustiça da decisão continua a prevalecer e a não se impor.

36. Sendo a comunicação da marca obrigatório junto do RNPC, a não comunicação não pode beneficiar "o infractor"muito menos quando já existem situações construídas, e consolidadas, como é o caso.

37. A questão em apreço deve ser vista e enquadrada no âmbito de aplicação do DL 129/98 de 13 de Maio. E é notório que a Ré não violou o princípio da novidade a que o art.º 33° alude, pois que, no momento em que viu apreciado a sua admissibilidade ao nome da, tendo obtido provimento na admissibilidade da sua denominação.

38. A considerar que aquela entidade competente o é apenas em sede de estudo para apurar da novidade da denominação social, e que cabe aos tribunais a defesa dos direito à marca do ponto de vista substantivo, a este juízo substantivo e de determinar a perda do direito ao uso da firma e denominação, não podem as instâncias judiciais fazê-lo em sonegação de direitos e situações validamente constituídas, devendo apreciar casuisticamente a bondade da sua decisão apelando aos princípios gerais do direito e à equidade.

39. Provando-se que o que está em causa é a susceptibilidade de confusão ou erro entre a marca da A. e a denominação da Ré, e que esta respeitou os procedimentos legais inerentes à sua constituição, exige-se a prova dessa confusão, desse erro, e esse ónus, cabia nos termos gerais à A., ora salvo melhor opinião, neste sentido nenhuma prova foi produzida pela A. nem documental, muito menos testemunhal. E tal facto não é um facto notório.

40. Muito menos ficou provado o perigo de confusão entre os produtos da marca da A. com a denominação social da ré, pois nenhuma prova foi feita nesse sentido. Pelo contrário a prova junta pela A., permite concluir que se trata de uma gigante no mundo dos transportes internacionais e nacionais de encomendas, com tarifas e um mercado próprio. Tal facto deveria ter sido considerado suficiente para dissipar qualquer perigo de confusão entre a marca da A. e os serviços que presta e a denominação da Ré.

41. Não sendo o fundamento para a anulação a concorrência desleal ou ilícita por parte da Ré, que justificariam a anulação da denominação social, e desta forma o seu sancionamento, impor a anulação da denominação social do Ré, por susceptibilidade de erro ou confusão entre a denominação desta e a marca da A. atendendo aos serviços que esta presta, ao fim de ou 13 anos volvidos deste a constituição da Ré, viola o seu direito constitucional ao uso do nome da firma, constitui, uma violação do principio da segurança do direito e das decisões administrativas, claudicando mesmo uma situação de abuso de direito por parte da A.

42. E, ao decidir de outro modo, quando os factos impunham decisão diversa da de que ora se recorre, violou a mesma por erro de interpretação e/ou aplicação as normas, as substantivas constantes dos artigos 12° n.º 2 e 18 da constituição da Republica Portuguesa; o art.º 4° e 334° do Código Civil; o artigo 33° n.º 6 do Decreto-Lei 129/98 de 13 de Maio; e as adjectivas constantes nos artigos 653° e 655° do Código de Processo Civil.
Em resposta às alegações da Apelante/Ré, veio a Apelada/Autora apresentar contra-alegações, preconizando a manutenção do julgado.

II. Do mérito do recurso

1. Delimitação do objecto do recurso
O objecto do recurso, delimitado pelas conclusões das alegações (artigo 684º, nº 3, e 690º, nºs 1 e 3, CPC), salvo questões do conhecimento oficioso (artigo 660º, nº 2, in fine), consubstancia-se nas seguintes questões:
i) O invocado erro na apreciação da prova referente aos artigos 4°, 7°, 8° e 9° da base instrutória;
ii) As consequências da não alegação por parte da autora/Apelada, do registo da marca no RNPC;
iii) A viabilidade de confusão entre a marca da Apelada e a firma da Apelante;
iv) a invocada inconstitucionalidade da decisão recorrida;
v) o invocado abuso de direito

2. Apreciação do recurso da matéria de facto
 (…)

3. Fundamentos de facto
A 1ª instância considerou provado o seguinte elenco factual, que se mantém nesta sede processual:
1. A R. uma sociedade por quotas constituída por escritura pública de 15.7.96, com a denominação social (…).
2. A R. foi matriculada na Conservatória do Registo Comercial de Pombal sob o n.º ...., em 18.7.96.
3. O objecto social da R. consiste no «transporte de mercadorias e distribuição logística de documentos».
4. A A. é titular do registo da marca internacional n.º .... “SEUR”, cuja protecção em Portugal foi pedida ao Instituto Nacional da Propriedade Industrial em 11.4.84 e concedida por despacho de 31.1.85.
5. A marca “SEUR” da A. está registada para serviços de transporte, de armazenagem e de distribuição de mercadorias ou de bens.
6. A A. foi constituída por escritura pública outorgada em Madrid, perante o Notário (…) com o n.º 6 943 e consta inscrita na Conservatória de Registo Comercial de Madrid com a denominação actual de (…) e anterior de (…)., desde 10 de Janeiro de 1985.
7. A R., aquando da sua constituição, solicitou ao Registo Nacional de Pessoas Colectivas o Certificado de Admissibilidade da firma ou denominação social.
8. Tal certificado foi emitido em 21 de Junho de 1996.
9. A A. usa a marca «SEUR» em Portugal para assinalar serviços de transporte de armazenagem e de distribuição de mercadorias e bens.
10. A marca “SEUR” é conhecida em Portugal e internacionalmente no âmbito da actividade dos serviços de transporte, de armazenagem e de distribuição de mercadorias e bens.
11. A R. utiliza o elemento “SEUL” da sua denominação social de forma destacada e separada dos restantes elementos da mesma.

4. Fundamentos de direito
4.1. Enquadramento da questão e legislação aplicável
Os direitos da propriedade industrial têm características idênticas aos direitos reais, especialmente o direito de propriedade, sendo esta proximidade revelada pelo facto de se aplicar à propriedade industrial o disposto no Código Civil, embora a título subsidiário (art. 1303.º/2 do Código Civil).
Tais direitos estão regulados num código próprio com o mesmo nome, têm a função social de garantir a lealdade da concorrência e consistem na atribuição de direitos privativos sobre os diversos processos técnicos de produção e desenvolvimento da riqueza, abrangendo as actividades comerciais e industriais.
A presente acção deu entrada no tribunal em 10.10.2002, em momento anterior ao da vigência do actual Código da Propriedade Industrial aprovado pelo Decreto-Lei nº 36/2003, de 5 de Março, pelo que lhe é aplicável o Código aprovado pelo Decreto-Lei nº 16/95, de 24 de Janeiro, na redacção dada pelo Decreto-Lei nº 141/96, de 23 de Agosto, e pelo artigo 7º do Decreto-Lei nº 375-A/99, de 20 de Setembro (doravante designado por CPI).
Como bem se refere na douta sentença recorrida, a questão essencial suscitada nos autos resume-se a saber se existe ou não a possibilidade de ser criada confusão entre a marca da autora/Apelada (SEUR) e a denominação da ré/Apelante (SEUL).
Encontram-se aqui em confronto duas realidades distintas: marca e denominação social.
No que concerne à marca, constituída por um sinal ou conjunto de sinais susceptíveis de representação gráfica, nomeadamente palavras, desenhos, letras ou números, adequados a distinguir os produtos ou serviços de uma empresa (artigo 165.º do CPI aplicável), aquele que adopta para distinguir os produtos ou serviços da sua actividade económica ou profissional, goza da propriedade e do seu exclusivo desde que satisfaça as prescrições legais, designadamente a relativa ao registo (artigo 167).
No que diz respeito à firma ou denominação social, trata-se da forma de identificação da sociedade, encontrando-se sujeita à observância dos princípios da verdade e da novidade, nos termos do artigo 3.º do Regime Jurídico do RNPC - Registo Nacional de Pessoas Colectivas, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 129/98, de 13 de Maio (doravante designado por RRNPC).
De acordo com o disposto no n.º 1 do artigo 33.º do RRNPC, o princípio da novidade traduz-se na exigência legal da distinção entre as firmas de forma a torná-las insusceptíveis de confusão ou erro com as registadas ou licenciadas no mesmo âmbito de exclusividade, dispondo o n.º 2 que os juízos sobre a distinção e a não susceptibilidade de confusão ou erro devem ter em conta o tipo de pessoa, o seu domicílio ou sede, a afinidade ou proximidade das suas actividades e o âmbito territorial destas, impondo o n.º 5 do mesmo normativo que se considere também a existência de marcas e logótipos já concedidos que sejam de tal forma semelhantes que possam induzir em erro sobre a titularidade desses sinais distintivos.
Decorre do exposto que gozam de protecção legal, a firma e a marca, realidades jurídicas protegidas pela lei, que visa evitar a susceptibilidade de confusão entre firmas, entre marcas e entre firmas e marcas, de forma a garantir a sã concorrência no mercado. (arts. 167.º, 228.º a 232.º do CPI, 10.º do CSC, 3.º e 33.º do RRNPC).
A marca (definida, em termos gerais como o sinal distintivo que serve para identificar o produto proposto ao consumidor) e a firma (nome ou designação que identifica o comerciante na sua actividade mercantil) - embora distintas, são susceptíveis de confusão quando não pertençam ao mesmo interessado, constituindo acto de concorrência desleal, a denominação social, ou firma que seja imitação de marca de outrem[1].
Como se disse, a questão essencial suscitada nos autos resume-se a saber, à luz dos normativos citados, se existe ou não a possibilidade de ser criada confusão entre a marca da autora/Apelada (SEUR) e a denominação da ré/Apelante (SEUL).

4.2. A não alegação do registo da marca no RNPC
Alega a Apelante nas suas doutas conclusões 17.ª a 23.ª e 32.ª a 39.ª, que a Apelada não fez prova do registo da sua marca no RNPC, pelo que o tribunal recorrido não deveria ter dado acolhimento à sua pretensão, face ao que dispõe o n.º 6 do artigo 33.º do RRNPC.
Dispõe o normativo citado: «Para que possam prevalecer do disposto no número anterior, os titulares das marcas ou logótipos devem ter efectuado anteriormente prova do seu direito junto do RNPC.»
A redacção desta norma é semelhante à do n.º 6 do artigo 2.º do Decreto-lei n.º 42/89 de 3 de Fevereiro (anterior RRNPC, revogado pelo Decreto-Lei n.º 129/98, de 13 de Maio), tendo a questão sido abordada pelo STJ, num douto aresto de 13.02.1996[2], que faz referência a um parecer do Professor Oliveira Ascensão junto a esse processo, e que conclui que o titular da marca pode lançar mão a este tipo de acção, mesmo que não tenha feito prova do seu direito junto do RNPC.
Propõe o Supremo Tribunal, no douto aresto citado, uma “leitura hábil” do aludido normativo, conjugada com o artigo 6.º do Decreto-lei n.º 42/89 de 3 de Fevereiro.
Ora, este normativo tem hoje correspondência no artigo 35.º do RRNPC, e é o seguinte o seu teor:

1. Após o registo definitivo é conferido o direito ao uso exclusivo de firma ou denominação no âmbito territorial especialmente definido para a entidade em causa nos artigos 36º a 43º.

2. O certificado de admissibilidade de firma ou denominação constitui mera presunção de exclusividade.

3. Salvo no caso de decisão judicial, a atribuição do direito ao uso exclusivo ou a declaração de perda do direito ao uso de qualquer firma ou denominação efectuadas pelo RNPC não podem ser sindicadas por qualquer entidade, ainda que para efeitos de registo comercial.

4. O disposto nos nºs 1 e 2 não prejudica a possibilidade de declaração de nulidade, anulação ou revogação do direito à exclusividade por sentença judicial ou a declaração da sua perda nos termos dos artigos 60º e 61º.
Em suma, conclui o STJ, que o não cumprimento da comunicação da marca ao RNPC não pode fazer precludir a possibilidade de recurso aos meios judiciais prevista actualmente no n.º 4 do artigo 35.º do RRNPC, porque o contrário iria levar a uma sanção desproporcionada e conferir pouco valor ao registo da marca, como que estabelecendo uma duplicidade de registo desta (registo da marca e registo/comunicação no RNPC).
No mesmo sentido, considerou o STJ, em acórdão de 15.06.2004[3]: «[…]uma coisa é a tutela administrativa e contenciosa dos direitos exclusivos própria dos actos administrativos; outra, a sua tutela judicial susceptível de concretização através duma acção constitutiva visando a anulação de firma ou denominação que o interessado repute lesiva dos seus direitos exclusivos anteriormente constituídos […]».
Considerou o citado aresto que, não tendo a titular da marca efectuado a comunicação ao RNPC, prevista no RRNPC, «[…] apesar de o direito da recorrente ao uso exclusivo das marcas registadas não poder já obter tutela administrativa, poderá ainda conseguir tutela judicial através duma acção constitutiva, visando a anulação da firma ou denominação que reputa lesiva dos seus direitos anteriormente constituídos […]».
No mesmo sentido decidiu a Relação de Lisboa, em acórdão de 6.05.2003[4]: «A falta de comunicação da sociedade titular das marcas ao RNPC não impede esta de obter a tutela do seu direito à exclusividade por via de acção de anulação de denominações sociais ou firmas confundíveis com registo posterior…».
Este entendimento suporta-se ainda no disposto no n.º 3 do artigo 5.º do CPI - «Os registos de marca, denominações de origem, nomes e insígnias de estabelecimento, constituem fundamento de recusa ou de anulação de denominações sociais ou firmas com eles confundíveis e cujos pedidos de constituição sejam posteriores aos respectivos pedidos de registo», e no artigo 207.º do mesmo diploma legal - «O registo da marca confere ao seu titular o direito de impedir terceiros, sem o seu consentimento, o uso, na sua actividade económica, de qualquer sinal idêntico ou confundível com essa marca para produtos ou serviços idênticos ou afins àqueles para os quais aquela foi registada, ou que, em consequência da identidade ou semelhança entre os sinais ou da afinidade dos produtos ou serviços, cria, no espírito do consumidor, um risco de confusão que compreenda o risco de associação entre o sinal e a marca.».
Recapitulando a factualidade relevante, provou-se que:
a) A A. é titular do registo da marca internacional n.º 484.071 “SEUR”, cuja protecção em Portugal foi pedida ao Instituto Nacional da Propriedade Industrial em 11.4.1984 e concedida por despacho de 31.1.1985.
b) A R., aquando da sua constituição, em 8/07/1996, solicitou ao Registo Nacional de Pessoas Colectivas o Certificado de Admissibilidade da firma ou denominação social, tendo tal certificado foi emitido em 21 de Junho de 1996.
Ou seja: desde Janeiro de 1985, que a Apelada tem registada a marca “SEUR” no INPI, tendo sido a Apelante matriculada com a denominação “SEUL”, apenas em Julho de 1996.
Concluímos de todo o exposto, que, apesar de não ter alegado a comunicação ao RNPC, da marca de que é detentora, face à sua inscrição no Instituto Nacional da Propriedade Industrial em data muito anterior à da constituição da Apelante (a marca internacional n.º 484.071 “SEUR”, tem protecção em Portugal desde 31.1.1985), nada impedia a Apelada de lançar deste meio processual.
Improcedem face ao exposto, as conclusões 17.ª a 23.ª e 32.ª a 39.ª.

4.3. A viabilidade de confusão entre a marca da Apelada e a firma da Apelante
Alega a Apelante nas suas doutas conclusões 10.ª a 16.ª, que não existe confusão possível entre a sua firma “SEUL” e a marca da Apelada “SEUR”, e que a Apelada apenas invocou uma única situação de confusão, apesar de a Apelante actuar no mercado desde há vários anos.
Salvo o devido respeito, contrariamente ao que se depreende da douta alegação da Apelante, não é particularmente relevante a “confusão efectiva” entre símbolos, bastando a susceptibilidade da sua ocorrência.
Nesse sentido, lapidarmente decidiu o Supremo Tribunal de Justiça em acórdão de 5.02.2009[5] STJ, 08B3398, 5.02.2009 «Não se carece, para se concluir por actuação violadora das normas do comércio, em sede de concorrência desleal, que se verifique uma “efectiva confusão prejudicial”, bastando a susceptibilidade ou perigo de que a mesma suceda.».
Como refere Carlos Olavo[6], haverá susceptibilidade de confusão ou erro sempre que se verifique uma situação em que um sinal possa ser tomado pelo outro, devendo ter-se em consideração que o consumidor médio quase nunca se defronta com os dois sinais um perante o outro no mesmo momento, pelo que a comparação que entre eles se possa fazer não é simultânea mas sucessiva, por isso, a comparação que define a semelhança verifica-se entre um sinal e a memória que se possa ter do outro.
No acórdão do STJ, de 25.03.2009[7], estabelece-se que o critério de distinção entre firmas, em qualquer dessas modalidades, radica-se, fundamentalmente, na eventualidade de indução em confusão ou erro, ocorrendo a susceptibilidade de confusão ou erro sempre que se verifique uma situação em que um sinal seja tomado por outro, o que implica que uma sociedade seja tomada por outra.
De acordo com o critério proposto pelo mesmo Supremo Tribunal no acórdão de 10.05.2007[8] STJ, 07B974, 10.05.2007, um dos requisitos exigidos para que uma marca registada se possa considerar imitada ou usurpada é que ambas assinalem produtos ou serviços idênticos ou de afinidade manifesta, concluindo que a confusão sobre a identidade ou afinidade de produtos assenta, mais do que no tipo de produtos em si, principalmente na sua origem, nas fontes donde provêm, na empresa que os produz.
É também essa a opinião de Luís Manuel Couto Gonçalves[9], a propósito da inviabilidade de concessão do registo de uma marca por existência anterior de uma firma: «A proibição só deve operar, por regra, em relação a actividades concorrentes. O perigo de engano quanto à proveniência dos produtos ou serviços, de princípio, sempre pressuporá uma relação de concorrência, sem prejuízo de se nos afigurar aceitável ampliar a noção de concorrência no caso do conflito ocorrer entre a marca e a firma e denominação social, em virtude do carácter potencialmente mais versátil e abrangente destes sinais em comparação com os do nome e insígnia.»
Cruzam-se, no entanto, dentro desta temática, dois regimes de protecção (que não se sobrepõem): violação de direitos privativos de propriedade industrial e concorrência desleal.
Como se refere no acórdão do STJ de 26.11.2009[10], quer a protecção dos direitos privativos de propriedade industrial, quer a repressão da concorrência desleal, desempenham a mesma função – garantir a lealdade da concorrência consagrada no artigo 1º do Código da Propriedade Industrial, sendo certo no entanto, que pode ocorrer concorrência desleal sem ofensa de direitos privativos, bem como violação destes sem quebra dos deveres de lealdade na concorrência.
Os direitos da propriedade industrial e a repressão da concorrência desleal são institutos distintos na medida em que através daqueles se procura proteger uma utilização exclusiva de determinados bens imateriais, enquanto da repressão da concorrência desleal se pretende estabelecer deveres recíprocos entre os vários agentes económicos, mas a autonomia dos dois institutos não impede, porém, que na prática, um acto possa infringir simultaneamente um direito privativo e a proibição de concorrência desleal, por haver actos que são simultaneamente acto de concorrência desleal e violação de direito privativo[11].
O que está em causa in casu, é sobretudo a concorrência desleal, decorrente da possibilidade de confusão da marca da Apelada com a firma da Apelante.
Com relevância, provou-se:
a) A marca “SEUR” da autora/Apelada está registada para serviços de transporte, de armazenagem e de distribuição de mercadorias ou de bens. (facto 5)
b) O objecto social da ré/Apelante consiste no «transporte de mercadorias e distribuição logística de documentos». (facto 3)
c) A autora/Apelada usa a marca «SEUR» em Portugal para assinalar serviços de transporte de armazenagem e de distribuição de mercadorias e bens. (facto 9)
d) A ré/Apelante utiliza o elemento “SEUL” da sua denominação social de forma destacada e separada dos restantes elementos da mesma, no exercício da sua actividade «transporte de mercadorias e distribuição logística de documentos». (facto 11)
Ressalvando sempre o devido respeito, não vislumbramos como possa fundadamente defender-se a insusceptibilidade de confusão entre a marca da Apelada e a firma da Apelante, considerando que operam as duas no mesmo mercado, exactamente na mesma actividade.
Sendo os serviços oferecidos pela marca da Apelada e pela firma da Apelante, os mesmos, no mesmo mercado, há que equacionar a susceptibilidade de erro ou confusão em face do consumidor, em termos de este só as poder distinguir depois do seu exame atento ou de confronto[12], privilegiando-se na análise da confundibilidade de marcas o elemento dominante e não os elementos de carácter genérico como o são a cor e a forma de embalagem dos produtos que, por isso, são insusceptíveis de gerar confusão[13].
In casu, concluímos que se verifica a séria possibilidade de confusão, considerando: i) a oferta dos mesmos serviços por ambas as partes; ii) o facto de ambas destacarem os símbolos em causa (a Apelante a firma “SEUL” e a Apelada a marca “SEUR”); iii) a proximidade fonética entre os dois símbolos; iv) a proximidade gráfica (apenas os diferencia a última letra).
Improcedem, face ao exposto, as doutas conclusões 10.ª a 16.ª.

4.4. A alegada inconstitucionalidade
Alega a Apelante nas suas doutas conclusões 23.ª a 32.ª e 40.ª a 42.ª, que a sentença é inconstitucional, abalando o princípio da confiança.
Estamos in casu, perante dois direitos: o direito à marca e às garantias decorrentes do seu registo, e o direito à firma, e não se vislumbra na lei fundamental qualquer norma que proteja um dos direitos em detrimento do outro, pelo que afigura manifesta a improcedência desta argumentação da Apelante.
A única norma constitucional que vemos vocacionada para dirimir a questão suscitada nos autos, contém-se na alínea f) do artigo 81.º da invocada CRP, e diz que ao Estado incumbe «Assegurar o funcionamento eficiente dos mercados, de modo a garantir a equilibrada concorrência entre as empresas …».
Do referido normativo decorre que, provando-se a concorrências desleal traduzida na utilização de um símbolo susceptível de confusão com uma marca concorrente pré-existente, deverá ser sancionada a empresa que promove essa confusão.
Improcedem face ao exposto, as doutas conclusões 23.ª a 32.ª e 40.ª a 42.ª.

4.5. O invocado abuso de direito
Alega ainda a Apelante, na sua conclusão 33.ª: «[…]possibilitando-se o uso da acção judicial para anulação de denominações sociais, administrativamente licitas e constituídas, quando por inércia, descuido, desconhecimento, falta de vontade, do titular da marca não a regista como a lei lhe impõe no n.º 6 do art.º 33° do DL 129/98 de 13 de Maio, é possibilitar situações de abuso de direito, nos termos do art.º 334° do Código civil, à revelia de denominações sociais validamente constituídas e das nefastas e prejudiciais consequências conexas à perda dessa denominação social.»
Regista-se desde logo a admissão por parte da Apelante, da possibilidade de desconhecimento da empresa lesada, e só a data do conhecimento do facto poderá ser relevante (na medida em que o titular do direito não pode agir enquanto desconhece a lesão do mesmo).
Sobre questão muito semelhante se pronunciou o Supremo Tribunal de Justiça, em acórdão de 5.03.2002[14], onde considerou que o prazo decorrido entre a constituição da sociedade autora e a propositura da acção, só por si, era absolutamente irrelevante no sentido de demonstrar a existência de abuso de direito, pois a autora, como titular do direito de anulação da denominação social da ré, não era obrigada a exercê-lo logo que tomasse consciência da actuação violadora dos seus direitos, decorrentes do registo de marca susceptível de confusão, antes podendo fazê-lo quando o entenda conveniente, independentemente de ter sofrido prejuízos em consequência dessa violação.
Mais se refere no douto aresto citado: «[…] para o decurso do prazo ser elemento indicativo do abuso, seria necessário que fosse acompanhado por algum outro elemento nesse sentido, caso de algum acto da autora demonstrativo da sua tolerância para com a ré e do qual esta pudesse logicamente, procedendo a uma interpretação dessa conduta da autora igual à que faria qualquer pessoa normal nas mesmas circunstâncias, retirar a conclusão e formar a convicção de que ela autora não pretendia exercer o direito de anulação; tratar-se-ia então de uma situação de venire contra factum proprium, vulgarmente considerada como integrando aquele abuso. Ou então, que o decurso do prazo fosse acompanhado de algum facto demonstrativo de que a autora, por meio da acção de anulação, não pretendia proteger os direitos que lhe derivavam do registo da marca, mas apenas causar prejuízos ou incómodos à ré.»
Na situação sub judice, não foi sequer alegado nem provado pela Apelante, que a Apelada, tivesse conhecimento da utilização da firma com a designação susceptível de confusão com a sua marca, e manifestasse a aceitação desse facto.
Improcede face ao exposto, a invocação de abuso de direito, feita pela Apelante nas suas doutas conclusões.

III. Decisão
Com fundamento no exposto, acordam os Juízes desta Relação em julgar totalmente improcedente o recurso, ao qual se nega provimento, confirmando assim a douta decisão recorrida.
Custas do recurso pela Apelante.


[1] Vide acórdão do STJ de 13.02.1996, in BMJ 454, 741
[2] BMJ454, 741
[3] Proferido no Processo n.º 04A1434, disponível em http://www.dgsi.pt
[4] Proferido no Processo n.º 342/2003-7, disponível em http://www.dgsi.pt – no mesmo sentido, cfr acórdão da mesma Relação, de 6.05.2003, processo 5837/2006-7
[5] Proferido no Processo n.º 08B3398, disponível em http://www.dgsi.pt
[6] Propriedade Industrial, Vol. I, 2.ª edição, pág. 205e 206
[7] Proferido no Processo n.º 09B0554, disponível em http://www.dgsi.pt
[8] Proferido no Processo n.º 07B974, disponível em http://www.dgsi.pt
[9] Direito das Marcas, pág. 128 a 130
[10] Proferido no Processo n.º 08B3671, disponível em http://www.dgsi.pt

[11] Vide STJ, Processo n.º 337/9.2YFLSB
[12] Acórdão do STJ, proferido no Processo n.º 08B729, disponível em http://www.dgsi.pt
[13] Acórdão do STJ, proferido no Processo n.º 05B2005, disponível em http://www.dgsi.pt
[14] Proferido no Processo n.º 02A2958, disponível em http://www.dgsi.pt