Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
746/22.2T8PBL.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: HENRIQUE ANTUNES
Descritores: CONDUÇÃO SOB A INFLUÊNCIA DO ÁLCOOL
DIREITO DE REGRESSO DA SEGURADORA
EFEITOS DO ÁLCOOL NA CONDUÇÃO
PRESUNÇÕES JUDICIAIS
NEXO CAUSAL
VALOR DO AUTO DE NOTÍCIA E ELEMENTOS DE PROVA OBTIDOS ATRAVÉS DE INSTRUMENTOS OFICIALMENTE APROVADOS
VALOR DO PRINCÍPIO DO IN DÚBIO PRO REO NO PROCESSO CIVIL
Data do Acordão: 09/26/2023
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: JUÍZO LOCAL CÍVEL DE POMBAL
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTIGOS 32.º, 2, 9 E 10 E 280.º, 1 E 2, DA CRP;
ARTIGO 27.º, 1, C), DO DL 291/2007, DE 21/8;
ARTIGOS 414.º; 526.º; 607.º, 4; 608.º, 2 E 663.º, 2, DO CPC.
ARTIGOS 81.º, 2; 64.º, 2, B); 170.º, 1 E 2 E 188.º 1, DO CÓDIGO DA ESTRADA
ARTIGOS 342.º; 346.º; 349.º; 351.º; 483.º, 1 E 2; 487.º, 1 E 2; 494.º; 497.º, 1; 524.º; 562.º; 563.º; 572.º; 582.º; 589.º; 590.º; 592.º, 1; 593.º, 1 E 594.º, DO CÓDIGO CIVIL
Sumário:
I - O segurador, para que lhe seja reconhecido o direito de regresso relativamente ao condutor que conduzia sob a influência do álcool , não está vinculado à demonstração de uma relação de causalidade entre a condução sob o efeito do álcool e o acidente, sendo suficiente a prova de que, no momento da eclosão desse acidente, o condutor do veículo automóvel seguro era portador de uma taxa de alcoolemia superior à legalmente permitida e que aquele facto danoso é imputável a uma culpa, ainda que meramente presumida, daquele condutor;

II - Constitui um regra ou máxima de experiência – conhecida de qualquer pessoa e que não sendo exclusiva de áreas técnicas, não necessita de ser provada em processo - e da ciência, que após a ingestão do álcool o processo da sua absorção inicia-se de imediato: o álcool entra directamente na corrente sanguínea e atinge rapidamente o cérebro, afectando as capacidades cognitivas e perceptivas do condutor, especialmente a visão e a audição, reduzindo o campo e a capacidade de exploração visual e de readaptação após encandeamento; afecta também a capacidade de reacção, reduz a coordenação motora e a competência de avaliação das distâncias e promove a tendência de sobrevalorização das capacidades e, por consequência, potencia o risco de acidente, que é directamente proporcional à taxa de álcool presente o sangue;

III - Ao juiz é lícito concluir, em face da concreta dinâmica do evento rodoviário danoso, socorrendo-se de uma presunção judicial, que a alcoolemia de que o condutor do veículo automóvel é portador surge como causa próxima ou determinante da eclosão do acidente, desde que exista uma relação entre o facto probatório – a taxa de álcool presente no sangue – e o facto probando – o nexo causal entre a condução sob o efeito do álcool e o acidente, de harmonia com a inferência para a melhor explicação, i.e., sempre que o primeiro constitui a melhor explicação do segundo;

IV - O auto de notícia e os elementos de prova obtidos através de aparelhos ou instrumentos oficialmente aprovados gozam de um especial valor probatório – mas de modo algum definitivo, antes só prima facie ou de interim, que é compatível, mesmo em processo contraordenacional, com o princípio in dubio pro reo;

V - A prova prima facie apenas cede através da prova – que compete à parte a quem o facto probando desfavorece - do facto contrario ou da criação de fundadas dúvidas sobre a tipicidade da inferência probatória em que assenta;

VI- O princípio probatório do in dubio pro reo, específico dos processos sancionatórios públicos, não é aplicável em processo civil que tenha por objecto direitos ou interesses puramente jurídico-civis ou privados.

Decisão Texto Integral:
Relator: Henrique Antunes
1.º Adjunto: Teresa Albuquerque
2.º Adjunto: Falcão Magalhães


Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra:
1. Relatório.
A... propôs, no Juízo Local Cível de Pombal, do Tribunal Judicial da Comarca de Leiria, contra AA, acção declarativa de condenação, com processo comum, pedindo a condenação do último a pagar-lhe a quantia de € 5 190,81 e juros contados à taxa de 4%, desde a citação até pagamento.
Fundamentou esta pretensão no facto de no dia 7 de Abril de 2019 o réu conduzir, na Rua ..., ..., com 1,40 de álcool no sangue, o veículo automóvel matrícula ..-..-NH, relativamente ao qual BB transferiu para si, por contrato de seguro, a responsabilidade civil decorrente da sua circulação, de, ao chegar ao entroncamento com a Estrada Nacional n.° ...42, não ter respeitado o sinal de Stop, indo embater, com a parte frontal, na parte lateral esquerda do veículo automóvel matrícula ..-..-CR, conduzido, naquela Estrada, por CC, tendo despendido com a regularização do acidente a quantia de € 5 190, 81, relativamente à qual lhe assiste, contra o réu, direito de regresso, não tendo de provar o nexo de causalidade entre a condução sob o efeito do álcool e a produção do acidente não sendo de excluir, caso assim se não entenda, a prova desse nexo causal por presunção judicial, dado que resulta da experiência comum que a ingestão de álcool afecta a coordenação das funções de sensação e percepção, atingindo, depois, a coordenação motora, o equilíbrio e a memória.
O réu defendeu-se impugnando a veracidade de parte dos factos articulados pela autora, designadamente, por ignorância, a quantia que pede, e afirmando que, ao chegar ao entroncamento, travou, mas as rodas do veículo bloquearam e este deslizou pelo alcatrão, só se imobilizando, ultrapassado o sinal de stop, após o embate no veículo matrícula ..-..-CR, que submetido ao teste pesquisa de álcool no sangue, registou, na contraprova, 1,21 g/l, resultado que deu origem a auto de contraordenação, contra o qual deduziu defesa escrita, procedimento que se encontra prescrito, pelo que presumir que aquele resultado é verdadeiro viola o princípio in dubio pro reo, sendo a participação do acidente insuficiente para demonstrar a presença de álcool, juízo que apenas pode derivar de parecer científico, emitido em prova pericial, não se podendo sequer concluir pela condução sob influência do álcool.
Realizada a audiência de discussão e julgamento, a sentença final condenou o réu no pedido.
É esta sentença que o réu impugna no recurso, no qual pede a sua revogação e substituição por outra que o absolva de todo o petitório, tendo extraído da sua alegação - decerto na convicção de que concluir muito é concluir bem - as conclusões seguintes:
1. O presente Recurso tem como objecto a matéria de facto e de Direito que presidiu à decisão do Tribunal a quo, no que à condenação do Réu diz respeito.
2. Os presentes autos tiveram o seu início com a acção declarativa intentada pela Autora A..., na qual pediu a condenação do Réu ao pagamento do montante de 5.190,81€ acrescida de juros à taxa legal de 4% desde a citação até integral pagamento.
3. Realizada a Audiência de Julgamento, o Tribunal a quo deu como provados os factos alegados pela Autora, tendo condenado o Réu na totalidade do montante por ela peticionado, considerando o Réu que o Tribunal a quo andou mal ao decidir nesse sentido.
Da violação do princípio constitucional In dubio pro reo
a) Dos factos não considerados provados
4. Conforme resulta provado, após a ocorrência do acidente, o Réu foi submetido ao teste de pesquisa de álcool no sangue e a contraprova, por não se ter conformado com o resultado obtido, tendo-se constatado uma TAS de 1,150 g/l.
5. Tal como resulta da contestação apresentada, tal resultado deu origem ao auto de contraordenação n.° ...55, notificado presencialmente ao aqui Réu no local do acidente.
6. Por não se conformar com o teor de tal auto de contraordenação, o Réu, através do seu Mandatário Dr. DD (com Procuração conjunta nos presentes autos), apresentou defesa escrita, a qual foi remetida via CTT (correio normal) a 30-04-2019 e, por isso, dentro do prazo legal para o efeito, tendo requerido se oficiasse a ANSR no sentido de vir esclarecer se tal correspondia.
7. Após notificação para o efeito, veio tal entidade, por e-mail dirigido aos autos a 02-01-2023, informar que foi apresentada defesa escrita no âmbito de tal processo, que “foi arquivado nesta Autoridade Administrativa em 25/1/2022 atenta a prescrição do procedimento”.
b) Dos meios probatórios que implicam decisão diversa
8. O Tribunal a quo admitiu a existência do referido processo de contraordenação, bem como a circunstância de ter sido apresentada defesa escrita.
9. Se assim não fosse, não teria o Tribunal a quo referido que “o Réu na sua contestação não deixa de mencionar que tal TAS deu origem ao auto de contraordenação ...55, com o qual o mesmo não se conformou, alegando, assim, que apresentou a correspondente defesa escrita e que tal procedimento contraordenacional já prescreveu (o que veio a ser confirmado pela ANSR - cfr. fls. 88). Todavia, apesar de indicar ter apresentado defesa escrita no âmbito de tal processo de contraordenação, o Réu não alegou, nem demonstrou, o respetivo teor, podendo o mesmo, inclusive, reverter apenas sobre a matéria de prescrição ou sobre a concreta sanção aplicada, o que é totalmente irrelevante para o caso dos autos”.
10. Entende o Réu que, naturalmente, é relevante para os autos o desfecho do processo contraordenacional, que é o único local apropriado para se aferir da veracidade das acusações que sobre ele impendiam - único local onde pode ser absolvido ou condenado.
11. Não tendo sido condenado, independentemente das circunstâncias, que são, diga-se, totalmente alheias ao aqui Réu, não podia o Tribunal a quo deixar de dar como provada a factualidade correspondente (já que não a deu como não provada!).
12. Se assim não fosse, não teria o Tribunal a quo, ab initio, aceite o requerimento do Réu no sentido de se oficiar a ANSR nos termos já referidos, pois que para nada seria importante determinar da prescrição daqueles autos.
13. Assim sendo, como de facto é, não se poderá deixar de considerar que a Sentença a quo não deu como provados todos os factos importantes para a decisão da causa, tendo incorrido em erro na apreciação da prova.
c) Da decisão que se impunha
14. Já que deveria, após o ponto 3.1.11. da factualidade provada, ter inserido os seguintes pontos:
«3.1.12. Nessa sequência, foi instaurado o auto de contraordenação n.° ...55.
3.1.13. Notificado ao Réu no mesmo dia.
3.1.14. Na sequência do que, a 30-04-2019, apresentou, tempestivamente, defesa escrita, nos termos
legais.
3.1.15. Procedimento contraordenacional que veio a ser arquivado, a 25-01-2022, por prescrição, sem qualquer aplicação de sanção ao Réu».
15. Assim o impunha o elemento probatório junto aos autos pela ANSR, a 02-01-2023, concatenado
com as próprias alegações do Réu em sede de contestação.
d) Da norma jurídica violada e do sentido da sua interpretação e aplicação
16. Ao não proceder do modo referido, o Tribunal a quo incorreu numa violação, com laivos de
inconstitucionalidade, do princípio consagrado In dubio pro reo - princípio este de natureza criminal, mas que
se aplica, necessariamente, aos processos contraordenacionais, cuja estrutura é semelhante.
17. O n.° 2 do artigo 32.° da Constituição da República Portuguesa, sob a epígrafe “Garantias do
processo criminal”, que “Todo o arguido se presume inocente até ao trânsito em julgado da sentença de
condenação (...)”.
18. No processo contraordenacional, determinou-se o seu arquivamento, com fundamento na prescrição.
19. Conforme se deixou dito supra, o processo contraordenacional seria o momento e local
adequados a discutir do mérito da acusação que sobre o Réu, ali arguido, impendia - condução sob o efeito
do álcool.
20. Notificado do auto de contraordenação, o ali arguido pronunciou-se, porque discordava do
resultado obtido.
21. Independentemente da fundamentação com que o fez, o arguido apresentou a referida defesa
tempestivamente, nos termos do artigo 50.° do Ilícito de Mera Ordenação Social (RGCO) e da alínea b) do
n.° 2 do artigo 175.° do Código da Estrada.
22. O procedimento contraordenacional veio a ser arquivado, em Janeiro de 2022, por prescrição,
por motivos totalmente alheios ao aqui Réu, já que o mesmo fez o que lhe competia, em prazo legal para o
efeito, isto é, apresentou a sua defesa escrita.
23. Nada tendo sido decidido no âmbito deste processo, nomeadamente não tendo sido o ali
arguido condenado, não poderá tal questão ser decidida fora do processo, noutro Tribunal, até, sob pena de violação do princípio In dubio pro reo.
24. E mesmo do princípio segundo o qual “Nenhuma causa pode ser subtraída ao tribunal cuja
competência esteja fixada em lei anterior”, constante do n.° 9 do artigo 32.° da Constituição da República
Portuguesa.
25. Alega o Tribunal a quo que não ficou demonstrado o teor da defesa escrita, sendo que poderia
reverter apenas sobre matéria da prescrição (o que nem sentido faz, já que a defesa foi apresentada a 30­
04-2019 relativamente a factos de 07-04-2019), considerando ser irrelevante para o caso.
26. Irrelevante ou não (irrelevância com a qual nem concordamos), a verdade é que o Réu não
teve oportunidade de se pronunciar novamente sobre tal factualidade, já que, por incúria da entidade
administrativa, não foi proferida qualquer decisão.
27. O que, caso sucedesse, ainda lhe permitiria a apresentação de impugnação judicial e a
discussão dos factos em Julgamento, o que não aconteceu, já que a entidade administrativa, repita-se, não
proferiu decisão.
28. Assim, a Sentença do Tribunal a quo faz surgir a ideia de que a inércia da ANSR prejudicou o
aqui Réu, uma vez que o procedimento contraordenacional foi arquivado por prescrição, fundamentação
que não é suficiente para afastar a condenação nos presentes autos.
29. Ou seja, o Réu não se pôde defender cabalmente, até final (com a prolação de uma decisão),
por culpa exclusiva daquela entidade, sendo essa a circunstância que o prejudica - o que contraria aquele
princípio In dubio pro reo.
30. Apenas após o trânsito em julgado de uma decisão condenatória podemos concluir pela prática de uma infracção por determinado sujeito.
31. Decisão que, no caso presente, não houve no âmbito do processo contraordenacional n.°
...55.
32. Ainda assim, veio o Tribunal a quo substituir-se à entidade competente - ANSR, concluindo, em
sede cível, aquilo que não foi determinado em sede própria.
33. A violação dos n.°s 2 e 9 do artigo 32.° da Constituição da República Portuguesa constituem inconstitucionalidades que vão arguidas para todos os efeitos legais.
34. O Tribunal a quo deveria ter aplicado, nesta sede, o princípio In dubio pro reo, não se substituindo à entidade competente para apreciar se o aqui Réu estava, ou não, a conduzir sob o efeito do álcool.
35. Apenas com a introdução dos factos provados mencionados no ponto 21.° deste Recurso teria o Tribunal a quo aplicado devidamente tal princípio, com o sentido já aqui explicado.
36. Não o tendo feito, violou norma constitucional.
37. Presumir que o resultado obtido com o teste realizado com recurso a alcoolímetro, no dia 7 de Abril de 2019, é verdadeiro, ignorando a discordância do aqui Réu quanto a tal resultado (manifestada através da contraprova realizada e da defesa apresentada, esta última cuja prova foi feita com a junção do documento já mencionado, pela ANSR), é claramente violadora do princípio «In dubio pro reo».
38. Tal presunção seria tão válida quanto assumir que o aqui Réu, na mesma data, havia cometido um qualquer crime, como furtado o veículo que conduzia, por exemplo, sem que tenha havido um processo crime que tenha culminado na respectiva condenação, transitada em julgado.
39. Seria ainda violadora dos direitos de defesa do arguido previstos nos artigos 50.° e 59.° do Ilícito de Mera Ordenação Social (RGCO) porque seria presumir pela ocorrência de factos relativamente aos quais não foi dada oportunidade ao aqui Réu, ali arguido, de apresentar defesa e produzir prova.
40. Digamos ainda que presumir a existência da referida TAS seria fazê-lo sem qualquer conhecimento do certificado de verificação do alcoolímetro e, por isso, sem qualquer conhecimento da validade do aparelho à data da realização do teste.
41. Por outro lado, a prova junta pela Autora (i.e. a participação de acidente de viação) é manifestamente insuficiente para demonstrar a presença de álcool, não se tratando de documento idóneo para o efeito, já que tal juízo apenas pode derivar de parecer científico contido em prova pericial, nos termos do disposto no artigo 388.° do Código Civil (CC).
42. Pelo que também esta norma jurídica resulta violada, uma vez que a interpretação feita pelo Tribunal a quo (de que a documentação junta é bastante para se concluir pela presença de uma TAS superior à legalmente permitida) contraria a necessidade de uma prova pericial para extrapolação de um
juízo que apenas pode derivar do referido parecer científico.
43. Deverá, então, a Sentença sob recurso ser revogada e substituída, nos termos descritos, na
sequência do que não poderá ser outro o desfecho dos autos, que não o da absolvição do Réu - alteração que deverá ser feita pelo Tribunal ad quem.
Do montante da condenação
a) Dos concretos pontos de facto incorrectamente julgados
44. O Tribunal a quo deu como provados, entre outros, os seguintes factos:
“3.1.13. Ascendendo o valor desses estragos a €4.162,50.
3.1.14. A Autora, na qualidade de seguradora do veículo com a matrícula ..-..-CR, procedeu ao
pagamento de tal quantia a «B..., Lda.», a título de reparação do mencionado veículo.
3.1.15. Para proceder à regularização do sinistro, acima mencionado, a Autora procedeu, ainda, aos
seguintes pagamentos:
a) a 03-12-2019, o montante de €18,40, a título de despesas com transporte e hospital/clínica, a CC
EE;
b) a 16-07-2019, o montante de €94,91, a título de despesas com exames e hospital, ao Hospital da
...;
c) a 09-05-2019, o montante de €465,00, a título de despesas com a limpeza da via, à «C...,
Lda.»;
d) a 01-07-2019, o montante de € 75,40, a título de despesas com honorários, à «...,
Documentação e Serviços, Lda.»;
e) a 30-05-2019, o montante de € 27,68, a título de despesas com honorários, à «...,
Documentação e Serviços, Lda.»;
f) a 09-05-2019, o montante de € 54,77, a título de despesas com honorários, à «FF,
S.A.»”.
45. Do que discorda o Réu por considerar que não foi produzida prova suficiente de tais factos,
tendo havido, uma vez mais erro na apreciação da prova.
b) Dos meios probatórios que impõe decisão diversa
46. Desde logo se refere a circunstância de o Réu sempre ter alegado, já na sua contestação, que o
documento n.° 6 junto pela Autora com a sua petição inicial, intitulado de «recibos», não tem a virtualidade
de sustentar a quantia peticionada, por não constituir prova bastante dos pagamentos que alega ter feito.
47. Tais documentos consubstanciam, tão só, prints de um sistema informático da Autora, produzidos pela mesma.
48. Tais prints, sem descritivo ou qualquer outra indicação que desse a compreender um nexo apreensível com a situação dos autos, resultam francamente insuficientes para um juízo de prova.
49. Também as testemunhas ouvidas em Audiência de Julgamento em nada contribuíram para a prova de tais factos.
50. Para prova dos alegados pagamentos, sempre teria a Ré de ter junto comprovativos de
transferência (que os tem, certamente, se tiver feito tais pagamentos) ou recibos de quitação.
51. Não é aceitável que a Autora venha justificar a sua não junção com a ideia de ter inúmeros
processos e, por isso, bastante documentação, não tendo conseguido reunir a necessária para os presentes
autos, atempadamente.
52. A lei aplica-se de igual modo para todos, sendo que o ónus da prova cabia à Autora, que não fez prova dos pagamentos efectuados!
53. Se assim não fosse, qualquer pessoa, singular ou colectiva, poderia intentar acções declarativas,
juntando documentos emitidos por si próprio, alegando falta de pagamento por determinada pessoa e, ainda assim, ver validada a sua pretensão!
c) Da decisão que se impunha
54. Conclui-se que a factualidade enunciada no ponto 60.° deste Recurso foi incorrectamente
julgada, atentos os meios probatórios indicados.
55. Devendo passar a referida factualidade a constar do elenco da não provada.
56. Alteração que deverá o Tribunal ad quem, salvo o devido respeito por opinião diversa, fazer
operar, revogando a Sentença recorrida nesta parte.
57. Na sequência do que terá, necessariamente, o Réu de ser absolvido de todo o petitório.
58. Apenas assim se fazendo Justiça, por uma questão de segurança jurídica.
Não foi oferecida resposta.
2. Factos relevantes para o conhecimento do objecto do recurso.
O Tribunal de que provém o recurso decidiu a matéria de facto nos termos seguintes:
2.1. Factos provados.
3.1.1. A Autora «A...» encontra-se matriculada na Conservatória do Registo Comercial e tem como objeto social, designadamente, o exercício da atividade seguradora contra todo o tipo de riscos não vida.
3.1.2. No exercício da sua atividade, por contrato de seguro celebrado com BB, em 03 de setembro de 2015, titulado pela apólice n.° ...13, a responsabilidade civil emergente da circulação do veículo ligeiro de passageiros, de marca ..., modelo ...18 tds ..., com a matrícula ..- ..-NH, foi transferida para a Autora.
3.1.3. No dia 07 de abril de 2019, pelas 08 horas e 30 minutos, o veículo de matrícula ..-..-NH circulava na Rua ..., em ..., concelho ..., no sentido Norte-Sul, e era conduzido pelo Réu AA.
3.1.4. Na mesma altura, circulava o veículo de marca ..., com a matrícula ..-..-CR, na Estrada Nacional n.° ...42, no sentido do ..., conduzido por CC.
3.1.5. No entroncamento da Rua ... com a Estrada Nacional n.° ...42 existe um sinal de «STOP», que obriga à paragem dos veículos que circulam naquela Rua ..., sentido Norte-Sul, e à cedência de passagem aos veículos que circulam na mencionada Estrada Nacional n.° ...42.
3.1.6. Ao chegar ao entroncamento da Rua ... com a Estrada Nacional n.° ...42, o Réu não parou no sinal «STOP» existente no local, acabando por embater com a respetiva parte frontal na parte lateral esquerda e frontal do veículo com a matrícula ..-..-CR.
3.1.7. O local do acidente caracteriza-se por se tratar de uma reta, com piso asfaltado e em boas condições, terminando com um entroncamento.
3.1.8. O dia em questão era chuvoso, encontrando-se o piso, consequentemente, molhado.
3.1.9. Ao local foi chamada a Guarda Nacional Republicana do Posto Territorial ..., que tomou conta da ocorrência.
3.1.10. O Réu foi sujeito ao teste de despistagem de álcool no sangue.
3.1.11. Tendo acusado uma taxa de álcool no sangue de 1,150 g/l após ter requerido e realizado
contraprova através de exame no ar expirado, mediante alcoolímetro quantitativo.
3.1.12. Do embate entre o veículo com a matrícula ..-..-NH e o veículo com a matrícula ..-..-CR
resultaram estragos no para-choques, painel lateral esquerdo, espelho frontal esquerdo, friso da porta, guarda-lamas e faróis do lado esquerdo deste último veículo.
3.1.13. Ascendendo o valor desses estragos a € 4.162,50.
3.1.14. A Autora, na qualidade de seguradora do veículo com a matrícula ..-..-CR, procedeu ao
pagamento de tal quantia a «B..., Lda.», a título de reparação do mencionado veículo.
3.1.15. Para proceder à regularização do sinistro, acima mencionado, a Autora procedeu, ainda, aos
seguintes pagamentos:
a) a 03-12-2019, o montante de € 18,40, a título de despesas com transporte e hospital/clínica, a
CC;
b) a 16-07-2019, o montante de € 94,91, a título de despesas com exames e hospital, ao Hospital da
...;
c) a 09-05-2019, o montante de € 465,00, a título de despesas com a limpeza da via, à «C...,
Lda.»;
d) a 01-07-2019, o montante de € 75,40, a título de despesas com honorários, à «...,
Documentação e Serviços, Lda.»;
e) a 30-05-2019, o montante de € 27,68, a título de despesas com honorários, à «...,
Documentação e Serviços, Lda.»;
f) a 09-05-2019, o montante de € 54,77, a título de despesas com honorários, à «FF,
S.A.».
2.2. Factos não provados.
3.2.1. Nas circunstâncias referidas em 3.1.3., o Réu AA conduzia a
uma velocidade máxima de 50 km/h.
3.2.2. Nas circunstâncias mencionadas em 3.1.6., quando se apercebeu da mencionada sinalização
vertical (sinal de «STOP»), o Réu travou de forma brusca e repentina.
3.2.3. Nas circunstâncias referidas em 3.1.3. e 3.1.5., ao chegar àquele entroncamento, o Réu avistou o sinal de «STOP», de cuja existência já tinha conhecimento, tendo iniciado a travagem, de modo a respeitar a sinalética existente e a verificar se circulavam veículos na Estrada Nacional n.° ...42, para poder dar entrada
na mesma.
3.2.4. Nesse momento o Réu sentiu as rodas do seu veículo a bloquearem e o veículo a deslizar pelo alcatrão, sendo que o veículo apenas se imobilizou após ter ultrapassado o sinal de «STOP», mormente com o embate com o veículo com a matrícula ..-..-CR.
3.2.5. A factualidade referida em 3.2.3. decorreu da falta de aderência dos pneus (do veículo com a matrícula ..-..-NH) ao alcatrão, resultante das condições atmosféricas que se verificavam, concretamente da chuva.
2.3. Motivação da decisão da matéria de facto.
A Sra. Juíza de Direito Estagiária adiantou, para justificar o julgamento referido em 2.1. e 2.2., designadamente, a motivação seguinte:
(...) Ainda quanto aos valores pagos pela Autora, esta testemunha confirmou que teve de se deslocar ao Hospital ... e que fez uns exames médicos na sequência do embate em causa nos autos, afirmando que os valores correspondentes foram integralmente suportados pela Autora, ainda que não se recorde da forma como tal sucedeu, atento o lapso de tempo entretanto decorrido (mormente se a Autora pagou diretamente os valores peticionados pelo Hospital, ou se o mesmo foi reembolsado pela Autora dos valores despendidos para o efeito).
Com efeito, nada no depoimento desta testemunha nos fez duvidar da veracidade daquilo que relatou, tanto mais que, objetivamente, a mesma não tem qualquer interesse no desfecho da demanda.
Por sua vez, confirmando a existência de um contrato de seguro celebrado nos moldes provados no facto provado n.° 3.1.2., a testemunha GG reconstituiu, através de um discurso bem estruturado, sequencial e desembaraçado, os pagamentos efetuados pela Autora na sequência do sinistro rodoviário em causa nos presentes autos (factos confirmados no documento de fls. 28 a 31), realidade da qual teve conhecimento pessoal e direto por trabalhar no departamento de contencioso da Autora, assim contribuindo, pela prontidão do seu discurso, pela sua seriedade e segurança, para a corroboração dos factos constantes dos pontos 3.1.13. e 3.1.14. e para igual demonstração do ponto 3.1.15., em conjugação com a prova supra referida, mormente o depoimento da testemunha CC na parte respeitante aos danos verificados no veículo, à necessidade de deslocação ao Hospital e realização de exames e a confirmação da existência de óleo na estrada na sequência do embate em causa nos autos, relevante para a demonstração da necessidade de chamamento da equipa responsável pela limpeza da via (aqui devidamente amparado pelos sobreditos documentos juntos aos autos).
(...) Já no que concerne aos danos resultantes do embate e aos pagamentos efetuados para regularização do sinistro, os mesmos encontram respaldo na documentação junta aos autos pela Autora, nomeadamente através da declaração amigável de acidente automóvel de fls. 24, do relatório de fls. 26, do respetivo orçamento de reparação de fls. 27, e dos prints do sistema informático da Autora de fls. 28 a 31, devidamente conjugados com os depoimentos prestados em audiência, mormente o depoimento de GG, o qual presta serviços à Autora, enquanto trabalhador independente, justamente na área dos reembolsos (tendo prestado funções, no exercício da sua atividade, no âmbito do caso ora em apreço).
É certo que, só por si, os mencionados «prints» do sistema informático da Autora não eram idóneos a demonstrar a realidade dos pagamentos em causa, e que o ideal seria a Autora ter apresentado os respetivos recibos de quitação ou comprovativos de transferência bancária.
Ainda assim, sempre se terá de considerar que dos referidos «prints» informáticos consta o detalhe do pagamento nele incluído, onde se discrimina, além do mais: o número da apólice de seguro; a data do acidente; o nome da entidade beneficiária; a data de emissão do recibo de pagamento, o tipo de despesa; o estado do pagamento; o valor do pagamento; e a data da concretização do pagamento.
Sendo de salientar ainda que foi produzida prova que, conjugada com os mencionados «prints», permitem a este Tribunal considerar provados os pontos 3.1.13. a 3.1.15. dos factos dados como provados (quanto aos pagamentos efetuados).
Com efeito, para além da referida prova documental, e nos termos já aflorados supra, atendeu este Tribunal ao depoimento da testemunha CC, nos termos já mencionados (concretamente quanto ao pagamento pela seguradora dos montantes peticionados pelo Hospital em que o mesmo foi assistido, quanto à existência de óleo na estrada na sequência do acidente, o que confirma a necessidade de chamamento da «C..., Lda.» e quanto ao pagamento do valor necessário para a reparação do seu veículo automóvel).
Além de tal testemunha, foi igualmente valorado o depoimento prestado pela testemunha GG, profissional de seguros a prestar serviços para a Autora, que descreveu, de forma assertiva, detalhada e convincente, os pagamentos realizados em consequência da regularização do sinistro em causa, mencionando a quem foi paga cada uma das parcelas e a que título.
Tanto mais que a prova do dito pagamento não está sujeita a regras de prova vinculada, como aquelas que impõem a apresentação de prova documental, podendo ser alcançada por outros meios de prova, como a prova testemunhal.
Assim, não restam dúvidas para este Tribunal que na sequência do embate entre aqueles veículos resultaram os danos no veículo com a matrícula ..-..-CR descritos no orçamento, razão pela qual aquela factualidade não podia deixar de se dar como provada [matéria que, aliás, não se encontra expressamente impugnada pelo Réu, já que, pese embora o Réu tenha impugnado genericamente a matéria de facto vetida na petição inicial, com exceção daquela por si especificada no atigo 1° da sua contestação, etamos em crer que essa impugnação não teve por objeto os concretos danos resultantes do acidente. Assim, ainda que tenha impugnado genericamente esse facto, a verdade é que, da interpretação global que fazemos da contestação, a mesma não parece por em momento algum em causa aqueles danos, uma vez que, ao alegar que os demais factos não correspondiam à verdade, insurge-se em seguida (em concretização da impugnação genérica) apenas contra os concretos valores pagos pela Autora em consequência do sinistro, colocando em causa, designadamente, a adequação do valor apresentado para a reparação do veículo. Pelo que, aliando esta circunstância ao exposto supra (que por si só era suficiente), não poderíamos deixar de dar a factualidade vertida no ponto 3.1.12. como provada]. Tal-qualmente, não restam dúvidas quanto aos concretos pagamentos efetuados pela Autora, enquanto seguradora, na sequência do embate, com respaldo na factualidade vertida nos pontos 3.1.13. a 3.1.15. dos factos provados. Ademais, tendo a Autora logrado provar os factos constitutivos do seu direito, a verdade é que o Réu não foi capaz em momento algum de pôr em causa os mesmos, sendo a sua alegação, no sentido eventual desnecessidade das despesas demonstradas e da falta de realização de tais pagamentos por parte da Autora, bem como da eventual desadequação do valor apresentado para reparação do veículo, completamente inócua e desprovida de qualquer substrato factual e probatório.
Por outro lado, a prova do facto vertido sob o ponto n° 3.1.11. recaiu igualmente sobre o acervo documental junto aos autos pela Autora na sua petição inicial, nomeadamente com recurso ao documento 18 a 20 (auto de participação de acidente de viação). Efetivamente, de tal documento podemos extrair a factualidade atinente à taxa de alcoolemia com que o Réu conduzia o veículo no momento em que se deu o embate, constando especificamente do mesmo que o Réu acusou uma taxa de álcool no sangue (TAS) de 1,150 g/l. Mais uma vez, esta factualidade em momento algum é posta em causa pelo Réu, tendo o mesmo confirmado na sua contestação que acusou tal TAS (tudo nos exatos termos vertidos para a factualidade dada como provada). No mesmo sentido vai o depoimento da testemunha HH, elemento da Guarda Nacional Republicana que se deslocou ao local e elaborou o auto de participação supra mencionado, e que confirmou a elaboração de tal documento e, consequentemente, o seu teor, donde se extrai a realização do teste de pesquisa de álcool ao Réu, bem como o respetivo resultado.
Sucede que, apesar de não impugnar expressamente que foi submetido ao teste de pesquisa do teor de álcool no sangue (TAS), através de ar expirado, o certo é que o Réu na sua contestação não deixa de mencionar que tal TAS deu origem ao auto de contraordenação ...55, com o qual o mesmo não se conformou, alegando, assim, que apresentou a correspondente defesa escrita e que tal procedimento contraordenacional já prescreveu (o que veio a ser confirmado peia AN SR - cfr. fis. 88)
Todavia, apesar de indicar ter apresentado defesa escrita no âmbito de tal processo de contraordenação, o Réu não alegou, nem demonstrou, o respetivo teor, podendo o mesmo, inclusive, reverter apenas sobre a matéria de prescrição ou sobre a concreta sanção aplicada, o que é totalmente irrelevante para o caso dos autos - daí que tal matéria não tenha sido considerada na factualidade dada como provada e como não provada, atenta a sua irrelevância para o caso dos autos, mormente se considerarmos o resultado final de tal procedimento contraordenacional (arquivado por prescrição).
O certo é que o Réu foi interveniente num sinistro rodoviário e que, submetido ao teste de despistagem do teor de álcool no sangue, acusou uma TAS (final) de 1,150 g/l, não alegando o mesmo, nem demonstrando - acrescente-se -, qualquer facto idóneo a colocar em causa tal factualidade, levantando, apenas, meras situações hipotéticas, sobre as quais, por hipotéticas e abstratas, sem qualquer suporte factual e/ou probatório, não pode este Tribunal pronunciar-se (...)
3. Fundamentos.


3.1. Delimitação do âmbito objectivo do recurso.
O âmbito objetivo do recurso é delimitado pelo objecto da acção, pelos casos julgados formados na instância de que provém, pela parte dispositiva da decisão impugnada que for desfavorável ao impugnante, e pelo recorrente, ele mesmo, designadamente nas conclusões da sua alegação (art.° 635.° n.°s 2, 1.9 parte, e 3 a 5, do CPC).
A sentença impugnada reconheceu à apelada o direito de regresso que actuou na acção, assente na satisfação a terceiro lesado da indemnização e no pagamento de outras despesas com a regularização do sinistro rodoviário, imputável a uma ilicitude e a uma culpa do réu, que conduzia sob a influência do álcool. No ver do apelante, uma tal decisão encontra-se ferida com um error in iudicando, tanto da matéria de facto, como da questão de direito. Realmente, segundo o apelante, a sentença impugnada é incorrecta, por erro na aferição ou avaliação das provas, ao julgar provados os actos de pagamento com a liquidação ou regularização do sinistro - constantes dos pontos 3.1.13 a 3.1.15 - e ao não julgar provados os factos relativos ao levantamento do auto de contraordenação, à sua notificação, à apresentação por este de defesa escrita e ao arquivamento do procedimento contraordenacional por prescrição, e por violar o princípio probatório in dubio pro reo.
Maneira que, considerados os parâmetros da competência funcional ou decisória desta Relação, recortados pelo modo indicado, a questão concreta controversa que é chamada a resolver é a de saber se a sentença impugnada deve ser revogada e substituída por acórdão que absolva o recorrente do pedido.
Questão que vincula ao exame, leve, mas minimamente estruturado, dos pressupostos do direito à prestação objecto do pedido, dos poderes de correcção da decisão da matéria de facto de que esta Relação dispõe, do conteúdo e âmbito processual de aplicação do princípio probatório do in dubio pro reo e dos pressupostos da responsabilidade civil, delitual ou extracontratual, subjectiva.
3.2. Pressupostos constitutivos do direito de crédito objecto da causa.
No caso que nos ocupa, a recorrente faz derivar o seu direito de crédito deste facto complexo: por força do contrato de seguro - obrigatório - de responsabilidade civil automóvel por danos causados a terceiros com o veículo automóvel matrícula ..-..-NH, que concluí com BB, procedi ao pagamento de indemnizações várias para a regularização do sinistro; como este ficou a dever-se a um acto ilícito e culposo do apelado e este conduzia aquele veículo sob a influência do álcool, gozo, relativamente a ele, do direito de regresso por tudo o que paguei para liquidar esse mesmo sinistro.
É discutível, ao menos no domínio estritamente teórico, se o direito de reembolso que a lei reconhece ao segurador deve ser qualificado como sub-rogação antes como direito de regresso.
No plano dogmático, a diferença entre sub-rogação e o direito de regresso é clara e cristalina.
Na sub-rogação legal verifica-se, uma sucessão, uma transmissão do crédito - que mantém a sua identidade e os seus acessórios, apesar da modificação subjectiva operada: o credor sub-rogado continua o direito de crédito anterior, no todo ou em parte, consoante a sub-rogação seja total ou parcial. Já o direito de regresso, por exemplo, no caso paradigmático nas obrigações solidárias, é um direito novo, que nasce ou se constitui na esfera do solvens, em consequência do cumprimento de uma obrigação: é um novo direito de crédito a que corresponde também um novo dever de prestar.
É claro que esta diferença entre uma e outra figura se projecta inevitavelmente no seu regime. Se o caso for de transmissão da obrigação, o novo credor não poderá exigir do devedor a realização da prestação devida em termos diferentes dos que podia fazer o credor anterior; tratando-se, porém, de direito de regresso, o conteúdo da obrigação extinta ou as suas garantias e acessórios já não é tão determinante: o novo direito tem um regime novo, ainda que sejam patentes algumas semelhanças face ao conteúdo do direito extinto.
A nossa lei civil fundamental regula a sub-rogação em sede de transmissão das obrigações, ao lado da cessão de créditos e da assunção de dívida (art° do Código Civil). A doutrina nota, una voce, que a sub- rogação se traduz na substituição do credor na titularidade do direito por outrem, que realizou a prestação devida pelo devedor ou que forneceu a este os meios necessários para o efeito.
Em qualquer das modalidades reguladas de sub-rogação - pelo credor, pelo devedor ou legal - a satisfação dada ao direito do credor não extingue o direito, que se transmite para um novo titular, na medida exacta dessa satisfação (art.°s 593.°, n.° 1, 594.° e 582.° do Código Civil).
No tocante à sub-rogação voluntária, credor sub-rogado é nitidamente um terceiro que realiza a prestação devida (art.°s 589.° e 590.° do Código Civil). Já no tocante à sub-rogação legal, a conclusão, no tocante à solidariedade passiva, não é isenta de dúvidas, face à dificuldade em definir o directo interesse na satisfação do crédito, de que a lei faz depender a admissibilidade da sub-rogação (art.° 592.°. n.° 1, in fine, do Código Civil)[1]. Seja como for, a par deste caso, a lei admite a sub-rogação legal a favor do terceiro que tenha garantido o cumprimento (art.° 592.°, n.° 1, 1^ parte, do Código Civil).
O modo como o Código Civil constrói a sub-rogação legal, permite distingui-la do direito de regresso. Ao contrário do credor sub-rogado, que antes da satisfação do direito do credor era terceiro, alheio ao vínculo obrigacional, o titular do direito de regresso é um devedor com outros, o seu direito nasce, ex novo, com a extinção da obrigação a que também ele estava vinculado. No exemplo característico da solidariedade passiva, o direito de regresso configura-se como um direito à restituição ou reintegração face a outros coobrigados, por parte do devedor que cumpriu mais do que lhe competia, no plano das relações internas (art.° 524.° do Código Civil).
Mas esta conclusão só é exacta no tocante à solidariedade passiva própria, i.e., aos casos em que todos os devedores solidários assumem definitivamente um quota-parte do débito comum e em que, portanto, o co-devedor que satisfez a totalidade da prestação pode repercutir nos restantes uma parcela da prestação que satisfez ao credor. Já não assim nos casos de solidariedade imprópria ou imperfeita, em que os as relações internas dos vários codevedores se baseiam numa disjunção ou no escalonamento ou na hierarquização sucessiva das diversas obrigações, em que incumbe a um dos devedores, em primeira linha, realizar ao credor a totalidade da prestação devida, podendo, porém, num segundo momento, exigir a totalidade daquilo que prestou de um outro devedor, que é considerado devedor principal ou definitivo. Nestas situações, a satisfação do interesse do credor pelo devedor de primeiro grau não lhe confere qualquer direito de regresso sobre os codevedores de segundo grau; pelo contrário, nos casos em que o credor obtém a prestação do devedor de segundo grau, este - porque só responde transitoriamente, por uma espécie de prestação de adiantamento - fica investido num direito de reembolso de tudo aquilo que prestou sobre o devedor principal e definitivo da obrigação.
À parte a constelação de casos típicos de solidariedade passiva própria - em que o direito de reembolso do devedor que cumpriu é nitidamente um direito de regresso - e do cumprimento da obrigação por terceiro, não vinculado perante o credor, ou pelo devedor subsidiário e mero garante pessoal do cumprimento - em que o direito de reembolso é actuado por via da sub-rogação - é muita vezes particularmente espinhosa a exacta qualificação do instrumento jurídico adequado para o devedor que cumpriu se fazer reembolsar daquilo que satisfez ao credor.
De outro aspecto, a amplitude com que a lei define os pressupostos da sub-rogação legal - interesse directo no cumprimento; garantia do cumprimento - tem levado a jurisprudência, fora dos casos de solidariedade própria passiva e na ausência de uma previsão específica de um direito de regresso, e de modo a evitar um benefício injustificado do lesante, a indicar a sub-rogação como meio jurídico adequado para o devedor que cumpriu, mas que não deva suportar definitivamente o sacrifício patrimonial do cumprimento, seja reembolsado, do devedor que, em última extremidade deve suportar a realização da prestação, do que satisfez ao credor[2]. Não se encontra melhor exemplo do que o Acórdão do Plenário do STJ n° 5/97, de 14 de Janeiro de 1997 - DR, I Série, de 23 de Março de 1997 - de harmonia com o qual o Estado tem o direito de ser reembolsado, por via de sub-rogação legal, do que despendeu com vencimentos a um seu funcionário, ausente do serviço e impossibilitado da prestação da contrapartida laboral, por doença resultante de acidente de viação e simultaneamente de serviço, causado por culpa de terceiro.
Como exemplo característico da solidariedade imprópria ou imperfeita apontava-se também, justamente - apesar de a lei falar abertamente em direito de regresso - a concorrência entre a responsabilidade civil de terceiro e a responsabilidade por acidente de trabalho (Base XXXVII da Lei n.° 1 127, de 3 de Agosto de 1965).
No tocante aos danos causados a terceiros por um veículo terrestre a motor, imputáveis ao condutor que conduzir com um taxa de alcoolemia superior à legalmente permitida, a seguradora da responsabilidade civil e o responsável directo não podem, em relação ao lesado, deixar ser considerados como responsáveis solidários por aqueles danos: o responsável directo com base na responsabilidade civil extracontratual; a seguradora, com base no contrato de seguro de responsabilidade civil (art.° 497.°, n.° 1, do Código Civil).
Todavia, entre a seguradora e o responsável directo, ocorre uma relação de solidariedade imperfeita ou imprópria, dado o escalonamento sucessivo que caracterizam as relações internas entre ambos os condevedores: o devedor principal é o responsável directo, do qual a seguradora - mero garante da indemnização no confronto dos lesados - poderá exigir tudo o que pagou (art.° 27.°, n.°. 1, c) do Decreto-Lei n.° 291/2007, de 21 de Agosto).
No tocante à indemnização suportada pela seguradora da responsabilidade civil automóvel por danos causados a terceiros pelo condutor do veículo automóvel que conduzir com uma taxa de álcool no sangue superior à admitida na lei, esta é terminante em qualificar o direito de reembolso da indemnização que satisfez que lhe assiste, como direito de regresso. Ainda que no plano teórico parecesse mais ajustado o enquadramento a situação na categoria técnica da sub-rogação, o caso deve, ter-se, ex-vi legis, como de verdadeiro direito de regresso[3].
Por força desta qualificação, é patente que o direito de regresso da seguradora se não confunde, de todo, com o direito de indemnização que contra ela foi feito valor pelo lesado: com a satisfação desta indemnização - e só com essa satisfação - surge na esfera jurídico-patrimonial da seguradora um direito de crédito verdadeiramente novo, embora consequente à extinção da relação creditícia de indemnização anterior.
Uma jurisprudência, que se crê largamente maioritária, tanto do Supremo como das Relações, tem concluído que o segurador, para que lhe seja reconhecido o direito de regresso, não está vinculado à demonstração de uma relação de causalidade entre a condução sob o efeito do álcool e o acidente, sendo suficiente a prova de que, no momento da eclosão desse acidente, o condutor do veículo automóvel seguro era portador de uma taxa de alcoolemia superior à legalmente permitida e que aquele facto danoso é imputável a uma culpa, ainda que meramente presumida, daquele condutor. Dito doutro modo: com a superveniência da alteração legislativa dos pressupostos do direito de regresso do segurador, fundado na condução sob o efeito do álcool pelo responsável directo, deu-se a caducidade do Acórdão de Uniformização de Jurisprudência n.° 6/2002, tirado à sombra do art.° 19.°, c), do Decreto-Lei n.° 522/85, de 31 de Dezembro, que resolveu a controvérsia jurisprudencial de harmonia com esta proposição conclusiva: a alínea c) do artigo 19.° do Decreto-Lei n.° 522/85, de 31 de Dezembro exige para a procedência do direito de regresso contra o condutor por ter agido sob influência do álcool o ónus da prova pela seguradora do nexo de causalidade adequada entre a condução sob o efeito do álcool (DR 146, Série 1-A, de 2002.06.27)[4].
Note-se que ainda que, ex-adverso, o contrário se devesse entender, nada impediria a prova do apontado nexo causal por intervenção de uma presunção judicial.
Tal como sucede com a fundamentação da sentença, na fundamentação do acórdão esta Relação pode extrair os factos presumidos com base nos factos probatórios (art.° 607.°. n.° 4, ex-vi art.° 663.°, n.° 2, in fine, do CPC). Em concreto: se dos factos assentes ou da fundamentação sobre a matéria de facto constarem factos probatórios donde se possa concluir outros por presunção - de facto, de direito ou judicial - o juiz deve tirar essa conclusão e considerar provado o facto ou o direito presumido. Portanto, nada obsta a que, por exemplo, esta Relação, independentemente de qualquer controlo, possa, através de presunções judiciais, baseadas nos factos apurados na 1.9 instância, deduzir outros factos (art.°s 349.° e 351.° do Código Civil). A única coisa lhe não é lícita é, excepto no caso de erro de julgamento, por recurso a essas presunções, dar como provado um facto que a 1g instância julgou não provado[5].
As presunções são ilações que a lei ou o juiz tira de um facto conhecido para firmar um facto desconhecido (art.° 349.° do Código Civil). As presunções podem ser legais, se estabelecidas pela lei, ou judiciais. Estas últimas - únicas que para o caso do recurso interessam - dizem-se também de facto ou hominis ou simples. As presunções hominis são afloramento nítido do princípio da livre apreciação da prova e o facto de só serem possíveis nos casos em que é admissível a prova testemunhal, mostra a fragilidade com que as ilações em que se resolvem são encaradas pela lei (art.° 351.° do Código Civil). O juiz, na base do id quod pierumque accidit - do que normalmente sucede - ou prima face - na primeira aparência - infere conexões normais ou sequências típicas de factos. Mais precisamente: a presunção é a inferência ou processo lógico, mediante o qual, por via de uma regra de experiência - id quod plerumque accidit - se conclui, verificado certo facto, a existência de outro facto que, em regra, é consequência necessária daquele. O facto conhecido, de que se infere o outro, é a base ou o sopé da presunção.
As presunções judiciais, de facto ou hominis ou simples presunções são afinal o produto de regras de experiência: o juiz valendo-se de certo facto e de regras de experiência, conclui que aquele denuncia a existência de outro facto. Ao procurar formar a sua convicção acerca dos factos relevantes para a decisão, pode o juiz utilizar a experiência da vida, da qual resulta que um facto é a consequência típica de outro; procede, então, mediante presunção ou regra de experiência ou, se se quiser, vale-se de uma prova de primeira aparência[6].
As regras de experiência são normas para a apreciação de factos e, com isso, para a aquisição deles, permitindo concluir de um facto pela existência de outro. E, na verdade, a cada passo, o juiz tem de socorrer-se de regras de experiência para a fixação dos factos ou da conexão causal entre dois eventos, sem as quais, portanto, lhe seria impossível decidir a questão de direito.
No seu funcionamento, a presunção produz um efeito materialmente idêntico à exclusão do ónus da prova, embora se não confunda com este. Na verdade, a presunção não fornece a demonstração do facto, mas dá por admitida a sua realidade antes de toda e qualquer demonstração, com base na experiência comum de como certos factos normalmente se verificam - quod plerumque accidit - sem esperar o exercício da prova. Justamente no valor de credibilidade que, de per se, apresenta a regra de experiência está o fundamento racional da presunção e na medida desse valor assenta o seu grau de rigor. A presunção pode, assim, ser o único meio em que o juiz baseia a sua convicção, podendo até fazer prevalecer a presunção em detrimento de outras provas produzidas e mesmo recorrer a ela ainda que o facto questionado possa ser apurado por outro meio relativamente mais seguro. De outro aspecto, nada exclui que na base da presunção se situe um único facto: o que é necessário é que ele seja inequívoco, i.e., que faça aparecer como necessária a existência do facto desconhecido. No entanto, para que a presunção se aplique é indispensável a prova do facto que constitui a sua base.
As presunções sejam judiciais ou de facto ou legais, não são, propriamente, meios de prova - mas somente meios lógicos ou mentais de descoberta de factos e firmam-se mediante regras de experiência. Rigorosamente são, portanto, operações probatórias, tendo por base as regras de experiência resultantes do curso normal dos factos[7].
Uma regra ou máxima de experiência - conhecida de qualquer pessoa e que não sendo exclusiva de áreas técnicas, não necessita de ser provada em processo - e o que é mais, da ciência, inculca que após a ingestão do álcool o processo da sua absorção inicia-se de imediato: o álcool entra directamente na corrente sanguínea e atinge rapidamente o cérebro, afectando as capacidades cognitivas e perceptivas do condutor, especialmente a visão e a audição, reduzindo o campo e a capacidade de exploração visual e de readaptação após encandeamento; afecta também a capacidade de reacção, reduz a coordenação motora e a competência de avaliação das distâncias e promove a tendência de sobrevalorização das capacidades e, por consequência, potencia o risco de acidente, que é directamente proporcional à taxa de álcool presente no sangue. Taxa que depende, em concreto, de três factores fundamentais: da pessoa - idade, género e peso; da bebida ingerida - quantidade e teor alcoólico; do modo e do momento da ingestão do álcool - concentradamente ou separada por intervalos de tempo, em jejum ou às refeições.
Em face destas regras da experiência e da ciência, ao juiz é lícito concluir, em face da concreta dinâmica do evento danoso, que a alcoolemia de que o condutor do veículo automóvel é portador surge como causa próxima ou determinante da eclosão do acidente, desde que exista uma relação entre o facto probatório - a taxa de álcool presente no sangue - e o facto probando - o nexo causal entre a condução sob o efeito do álcool e o acidente, de harmonia com a inferência para a melhor explicação, i.e., sempre que o primeiro constitui a melhor explicação do segundo[8]. Ponto é que o facto probatório se deva ter por adquirido para o processo, aspecto que o apelante controverso no recurso.
Considerados os pressupostos de que a lei faz depender o reconhecimento ao segurador do direito de regresso, não é incorrecto atribuir-lhe uma feição de sanção civil, de natureza aversiva e reparadora, dado que visa tornar indemne o sacrifício patrimonial que suportou com a indemnização a terceiros dos danos causados pelo condutor do veículo seguro, assegurando-lhe o reembolso, total ou parcial, da indemnização que satisfez, assente numa particular ilicitude da conduta daquele: o exercício da condução sob a influência do álcool, criador de um risco de violação de direitos subjectivos de terceiros que se concretizou no acidente, determinante da constituição, na esfera jurídica do segurador, de um dever de indemnizar. Com a imposição ao responsável directo de um dever de reembolso ao segurador, visa-se garantir um nível acrescido de segurança rodoviária, dissuadindo um comportamento que, comprovadamente, exponencia o risco de concretização de danos graves o que, face ao notório e insuportável índice de sinistralidade rodoviária no nosso país - com consequências pessoais e patrimoniais extraordinariamente lesivas - é, por inteiro, materialmente justificado[9]. Mas mesma esta feição do direito de regresso que a lei reconhece ao segurador não implica, em caso algum, a aplicação, á prova dos respectivos factos, de princípios probatórios específicos ou oriundos de procedimentos sancionatórios públicos.
3.3. Error in iudicando por erro em matéria de provas.
3.3.1. Finalidades e parâmetros sob cujo signo são actuados os poderes desta Relação de correcção da decisão da matéria de facto.
O controlo da Relação relativamente à decisão da matéria de facto pode ter, entre outras, como finalidade, a reponderação da decisão proferida. A Relação pode reapreciar o julgamento da matéria de facto e alterar - e substituir - a decisão da 1^ instância, designadamente se a prova produzida - designadamente a prova pessoal produzida na audiência final, desde que tenha sido objecto de registo - impuser decisão diversa (art.°s 666,°, n° 1, e 640.°, n.° 1, do CPC).
Todavia, os poderes de correção da decisão da matéria de facto são actuados na ausência de dois princípios que contribuem decisivamente para a boa decisão a questão de facto: o da oralidade e da imediação - a decisão da Relação não é atingida por forma oral - mas através da audição de registos fonográficos ou da leitura, fria e inexpressiva de transcrições - e sem uma relação de proximidade comunicante com os participantes processuais, de modo a obter uma percepção própria do material que há- de ter como base dessa mesma decisão.
Além disso, esse poder de correcção da decisão da matéria de facto orienta-se pelos parâmetros seguintes:
a) Do exercício da prova - que visa a demonstração da realidade dos factos - apenas pode ser obtida uma verdade judicial, jurídico-prática e não uma verdade, absoluta ou ontológica, matemática ou científica (art.° 341.° do Código Civil);
b) A livre apreciação da prova assenta na prudente convicção - i.e., na faculdade de decidir de forma correcta - que o tribunal adquirir das provas que foram produzidas (art.° 607.°, n° 5, do CPC).
c) A prudente obtenção da convicção deve respeitar as leis da ciência, da lógica e as regras da experiência - entendidas como os juízos hipotéticos, de conteúdo geral, desligados dos factos concretos objecto do processo, procedentes da experiência, mas independentes dos casos particulares de cuja observação foram deduzidos e que, para além desses casos, pretendem ter validade para casos novos - e que constituem as premissas maiores de facto às quais são subsumíveis factos concretos;
d) A convicção formada pelo juiz sobre a realidade dos factos deve ser uma convicção subjectiva fundada numa convicção objectiva, assente nas regras da ciência e da lógica e da experiência comum ou de normalidade maioritária e, portanto, uma convicção cognitiva e não volitiva, voluntarista, subjectiva ou emocional.
e) A convicção objectiva é uma convicção argumentativa, i.e., demonstrável através de um ou mais argumentos capazes de se impor aos outros;
f) A apreciação da prova vincula a um conceito de probabilidade lógica - de evidence and inference, i.e., segundo um critério de probabilidade lógica prevalecente, portanto, segundo o grau de confirmação lógica que os enunciados de facto obtêm a partir das provas disponíveis: os elementos de prova são assumidos como premissas a partir das quais é possível extrair inferências; as inferências seguem modelos lógicos; as diversas situações podem ser analisadas de acordo com padrões lógicos que representam os aspectos típicos de cada caso; a conclusão acerca de um facto é logicamente provável, como uma função dos elementos lógicos, baseada nos meios de prova disponíveis[10].
Note-se - de harmonia com a doutrina que se tem por preferível - que se a Relação tem o dever de proceder ao exame crítico das provas - novas ou mesmo só renovadas - que sejam produzidas perante ela e de formar, relativamente às provas submetidas à sua livre apreciação, uma convicção prudente sobre essas provas - não há razão bastante - legal ou sequer epistemológica - para que não proceda àquele exame e à formulação desta convicção - e à sua objectivação - no caso de reapreciação das provas já examinadas pela 1^ instância (art.° 607.°, n° 5, ex-vi art.° 663.°, n° 2, do CPC). O controlo da correcção da decisão da matéria de facto da 1^ instância exige, realmente, que a Relação construa - autonomamente, embora com os limites decorrentes da sua vinculação à impugnação do recorrente - não só a sua própria convicção sobre as provas produzidas, mas igualmente que a fundamente[11].
A conclusão da correcção ou da incorrecção da decisão da questão de facto do tribunal da 1^ instância exige um juízo de relação ou de comparação entre a convicção que o decisor de facto daquela instância extrai dos elementos de prova que apreciou e a convicção que a Relação adquire da reapreciação dessas mesmas provas. Se a convicção do juiz da 1.9 instância e da Relação forem coincidentes, a decisão da matéria de facto daquele tribunal deve ter-se por correcta, com a consequente improcedência da impugnação deduzida contra ela; se a convicção do decisor da 1.g instância e da Relação forem divergentes, a Relação deve fazer prevalecer a sua convicção sobre o convencimento do juiz da instância e, correspondentemente, revogar a decisão deste último e logo a substituir por outra conforme aquela mesma convicção[12].
A Relação deve, pois, formar uma convicção verdadeira - e fundamentada - sobre a prova produzida na 1.9 instância, independente ou autónoma da convicção do juiz a quo, que pode ou não ser coincidente com a deste último - não se limitando a controlar a legalidade da produção da prova realizada naquela instância e a aceitar o resultado do exercício da prova - salvo casos em que esse julgamento seja ilógico, irracional, arbitrário, incongruente ou absurdo[13].
Resta dizer, que o exercício pela Relação dos poderes de controlo sobre a decisão da matéria de facto só deve incidir sobre os factos que sejam relevantes para a decisão da causa, segundo as várias soluções plausíveis da questão de direito. Se o facto ou factos que se reputam de mal julgados não se mostrarem relevantes segundo os vários enquadramentos jurídicos possíveis do objecto da acção, a reponderação deve ter-se - por aplicação do princípio da utilidade a que deve subordinar-se toda a actividade jurisdicional - mesmo por proibida (art.° 130.° do CPC)[14].
3.3.2. Reponderação das provas.
Segundo o apelante, a sentença impugnada ao julgar provados os enunciados de facto contidos nos 3.1.13 a 3.1.15 - que têm por objecto os actos de pagamento feitos pela apelada para liquidar ou regularizar o sinistro - incorreu num error in iudicando por erro na avaliação ou apreciação das provas. Fundamento: os documentos oferecidos pela apelada para demonstrar aqueles pagamentos são simples prints do seu sistema informático, insuficientes para um juízo de prova; as testemunhas ouvidas em audiência em nada contribuíram para a prova de tais factos. O primeiro argumento é exacto; o segundo é, de todo, improcedente.
Quanto a este segmento da impugnação sugere-se, vivamente, ao apelante que - tal como fez esta Relação - revisite, através da audição do respectivo registo fonográfico, os depoimentos das testemunhas CC, condutor do veículo automóvel com o qual o conduzido pelo recorrente colidiu, e GG, profissional de seguros, reformado, que trabalhou, no departamento de contencioso, para a apelada.
E ouvidas as declarações destas testemunhas, tem-se por inteiramente correcta a convicção argumentativa exposta, a este propósito, pela Sra. Juíza de Direito, para a qual se remete o apelante. Os depoimentos destas testemunhas - sobretudo o da última - dada a razão de ciência que os anima e o seu desinteresse no desfecho do litígio, são mais que suficientes para julgar provados, numa avaliação prudencial da prova - i.e., no uso da faculdade de decidir de modo correcto - as referidas afirmações de facto - o que, aliás, já era inculcado pelo carácter genérico e infundamentado da desvalorização, pelo apelante, da prova testemunhal, inteiramente inidónea para destruir o valor persuasivo daqueles depoimentos.
Neste ponto, a impugnação deduzida contra a decisão da matéria de facto tem-se por exasperadamente improcedente.
Ainda neste plano, alega o apelante que a sentença errou ao não julgar provada o levantamento do auto de contraordenação, a dedução a defesa escrita e o arquivamento, por prescrição, sem aplicação de qualquer sanção.
Documentos adquiridos para o processo - maxime o produzido pela Autoridade Nacional de Segurança Rodoviária (ANSR) que garante que o procedimento contraordenacional foi arquivado, no dia 25 de Janeiro de 2022, por prescrição do procedimento - permitem concluir pela realidade daqueles factos - embora se deva notar que, em face deles, se desconhecem os fundamentos nos quais o apelante baseou a sua defesa - desde logo porque o apelante os não alegou - o que não deixa de ser singular - e significativo -dado que, por se tratar de factos pessoais, o recorrente não os ignora.
Simplesmente, mesmo a aquisição para o processo destes factos está longe, bem longe, de garantir a procedência do recurso.
Está assente - ponto 3.1.11 - sem controversão, que o apelante apresentava uma taxa de álcool no sangue de 1,150 g/l após ter requerido e realizado contraprova através de exame no ar expirado, mediante alcoolímetro quantitativo. Apesar da aquisição, indiscutível, deste enunciado de facto, o apelante sustenta, de modo veemente, que só em erro se pode julgar provado que conduzia sob a influência do álcool.
No ver do apelante - e se bem entendemos o seu pensamento - um tal erro radicaria, na essência, na violação, pela sentença contestada, do principio probatório in dubio pro reo, princípio probatório cuja intervenção, segundo o impugnante, impede, decisivamente, que se conclua que conduzia etilizado.
Estamos, porém, convictos que o argumento é - completamente - desacertado, proposição cuja correcção se torna clara se considerarmos o conteúdo e o âmbito de aplicação do princípio probatório que o recorrente reputa de violado: o in dubio pro reo.
3.3.2.1. Princípio probatório do in dubio pro reo.
Em processo civil é sobre as partes que recai o risco de condução do processo em matéria probatória. Daí que se qualquer delas não produzir meios de prova necessários à fundamentação das suas situações jurídicas, recaem sobre si as consequências desvantajosas correspondentes: é o princípio do ónus da prova, com os consequentes problemas que lhe estão ligados da sua repartição entre as partes (art.°s 342.° e 346.° do Código Civil e 414.° do Código de Processo Civil).
Não assim no processo penal, no qual - como consequência do princípio estruturante da investigação - não existe um qualquer verdadeiro ónus da prova que recaia sobre a acusação ou sobre o arguido. Por isso que a falta de provas não possa, de modo algum, desfavorecer a posição do arguido e, portanto, um non liquet na questão da prova tem de ser sempre valorado a seu favor. É com este sentido e conteúdo que se afirma o princípio in dubio pro reo, conhecido também como presunção de inocência - presunção que, enquanto tomada como equivalente do princípio in dubio pro reo, pertence, sem dúvida, aos princípios fundamentos do Estado de Direito e, portanto, á constituição processual penal (art.° 32.°, n.° 2, da Constituição da República Portuguesa).
Apesar de a norma constitucional se limitar a impor a aplicação aos processos de contraordenação dos direitos de audiência e de defesa, a jurisprudência constitucional tem entendido que as garantias dispostas na constituição processual criminal se aplicam no domínio contraordenacional, embora devidamente reconformadas, por se considerar que, no tocante aos ilícitos de mera ordenação social, o legislador dispõe de uma margem mais ampla de apreciação. Assim sucederá com o princípio da presunção de inocência e com o princípio in dubio pro reo - seja qual for o modo como ambos os princípios se articulam - que, enquanto constitutivos do Estado de Direito democrático, são extensíveis a todo o direito sancionatório público e, portanto, também ao processo contraordenacional (art. 32.°, n.° 10, da Constituição da República Portuguesa)[15].
Nestes termos, no processo contraordenacional, como em qualquer outro processo sancionatório, o arguido presume-se inocente até se tornar definitiva a decisão condenatória contra si proferida ou qualquer decisão que conclua pela sua responsabilidade por um facto qualificado como contraordenação. Mas é igualmente claro - com base também em jurisprudência constitucional pacífica - que a extensão das garantias do processo criminal ao domínio contraordenacional não obsta a que os interesses por elas salvaguardados sejam graduados na proporção da - menor - intensidade ablativa das sanções nesse domínio e que, com consonância com esse facto, nele se reconheça ao legislador uma liberdade de conformação legislativa significativamente mais ampla. Não existe, realmente, um paralelismo automático entre os regimes próprios do processo penal e do processo contraordenacional não sendo, por conseguinte, directamente aplicáveis a este todos os princípios constitucionais próprios do processo criminal. O conteúdo das garantias processuais é, assim, diferenciado consoante o domínio do direito punitivo em que se situe a sua aplicação; no âmbito contraordenacional, atendendo à diferente natureza do ilícito de mera ordenação social e à sua menor ressonância ética, por comparação com o ilícito criminal, e o menor peso do regime garantístico, determina que as garantias constitucionais previstas para os ilícitos qualificados como crime não sejam necessariamente aplicáveis aos ilícitos contraordenacionais - ou não o sejam em toda a sua extensão ou sem limitações, dado que a inexigibilidade da estrita equiparação entre o processo contraordenacional e o processo criminal não invalida a necessidade de serem observados determinados princípios que o legislador contraordenacional é chamado a concretizar, no interior de um poder de conformação mais aberto do que aquele lhe se reconhece em matéria de processo penal[16].
O auto de notícia levantado, designadamente, por órgão de polícia criminal que, no exercício das suas funções, presencie contraordenação rodoviária, faz fé sobre todos os factos presenciados pelo seu autor, até prova em contrário; a mesma eficácia é reconhecida aos elementos de prova obtidos através de aparelhos os instrumentos aprovados nos termos da lei ou de regulamento (art.° 170.°, n.°s 1 e 2, do Código da Estrada).
O auto de notícia e os elementos de prova obtidos através de aparelhos ou instrumentos oficialmente aprovados gozam, assim, de um especial valor probatório - mas de modo algum definitivo, antes só prima facie[17] ou de interim - atribuído a certa comprovações materiais feitas, presencialmente, por certa autoridade pública. Estas comprovações ou verificações materiais valem exclusivamente em relação aos factos presenciados pela autoridade ou obtidas através daqueles instrumentos, seja qual for a natureza do processo no qual se discuta a veracidade daqueles mesmos factos e a sua relevância jurídica.
O valor probatório do auto de notícia não acarreta qualquer presunção de culpa nem, muito menos, envolve qualquer manipulação arbitrária do princípio in dubio pro reo e, portanto, não vulnera o direito de defesa do autuado. E o caso não muda de figura quando esse especial valor probatório é atribuído a elementos colhidos através de aparelhos ou instrumentos - desde que previamente aprovados e cabalmente identificados no auto, caso em que também se não pode dizer que seja desrespeitado o direito de defesa nem infringido o princípio do contraditório.
Na verdade, sendo a taxa de álcool no sangue medida através de um aparelho técnico especializado, há-de esse elemento merecer especial credibilidade, desde logo porque o resultado obtido tem carácter objectivo; depois, porque é de presumir que tal resultado seja correcto uma vez que o aparelho foi oficialmente aprovado e, finalmente, porque é também de presumir que o resultado em causa foi fielmente registado no auto - sendo certo que o autuado sempre poderá questionar, quer no processo contraordenacional, quer, e sobretudo, perante o juiz em qualquer processo - ainda que meramente civil - em que se debatam os elementos recolhidos através dos aparelhos ou instrumentos, o seu correcto funcionamento e a sua correcta utilização e, bem assim, a fidelidade dos dados registados.
Decerto que o aparelho ou instrumento pode estar avariado ou não ser preciso, apesar da sua aprovação oficial. Mas nem mesmo neste caso o direito de defesa e o direito de contraditório são violados: o autuado sempre poderá questionar a medição efectuada e, assim, contradizer o meio de prova. O aparelho não é, certamente, o único meio de mensurar a taxa de alcoolemia - mas é seguramente o mais eficaz para tal medição. Ora, não sendo possível repetir tal medição no processo, outra coisa não resta ao legislador que atribuir especial valor probatório à medição feita pelo aparelho. E isto é tanto mais assim, no caso de dupla medição, i.e., feita sucessivamente por dois aparelhos, dada a menor probabilidade de eventual imprecisão dos aparelhos e da sua possível avaria e da incorrecção da sua utilização. Tudo isto decorre da jurisprudência constitucional que tirada a propósito do processo criminal e contraordenacional, vale a fortiori, para o processo civil.
Realmente, se deve ter-se por correcta a aplicação a todos os processos sancionatórios públicos do princípio probatório in dubio pro reo - que, como se notou, não é incompatível com o especial valor probatório reconhecido a elementos obtidos através de instrumentos técnicos especializados, aprovados nos termos da lei ou de regulamento - também deve ter-se por segura a sua inaplicabilidade ao processo civil, ainda que o objecto do processo seja constituído por um facto de relevância dupla, i.e., do qual derivem consequências jurídicas que relevem, simultaneamente, no plano contraordenacional e no plano estritamente civil. Tratando-se de valorar consequências ou situações jurídicas exclusivamente na sua estrita vertente jurídico-privada, valem, para a prova dos factos correspondentes, as regras de direito probatório formal - que regulam a actividade probatória que, e na medida em que se desenrola no processo - e material - i.e., as normas reguladoras da admissibilidade e valoração da prova - do processo civil, regras de valoração da prova entre as quais se não conta, garantidamente, o princípio probatório in dubio pro reo (art.°s 410.° a 526.° do CPC e 341.° a 346.° do Código Civil). Aplicação da qual decorre também a regra de que toda a prova relevante é admissível, ou seja, a de que toda a prova adequada a demonstrar um facto deve, em princípio, ser admitida.
Para se furtar à exactidão destas considerações, o apelante opõe que, por virtude da extinção do procedimento contraordenacional por prescrição lhe ficou coarctado o seu direito de defesa, dado que não se pode defender cabalmente, circunstância que o prejudica e contraria o princípio in dubio pro reo.
Mas é claro o sem valor deste argumento.
Em primeiro lugar - como, já se notou - ignora-se o conteúdo da impugnação que o apelante deduziu no procedimento contraordenacional e, portanto, os factos relativamente aos quais o recorrente se queixa de uma situação de indefesa.
Depois, o decurso de certo prazo torna impossível o procedimento contraordenacional e, por essa via, a aplicação de qualquer sanção específica deste ramo do direito sancionatório. É o que sucede com o procedimento por contraordenação rodoviária que se extingue por prescrição decorridos dois anos sobre a prática da contraordenação (art.° 188.°, n.° 1, do Código da Estrada).
A prescrição justifica-se, desde logo, por razões de natureza jurídico- ordenacional substantiva. É certo que o mero decurso do tempo sobre a prática de um facto não constitui motivo para que tudo se passe como se ele não tivesse ocorrido; considera-se, porém, que uma tal circunstância é, sob certas condições, razão bastante para que o direito de mera ordenação social se abstenha de intervir ou de efectivar a reacção. Por um lado, a culpa esbate-se, se não chega mesmo a desaparecer. Por outro, e com maior importância, as exigências ou finalidades preventivas tornam-se progressivamente sem sentido e mesmo falhar completamente os seus objectivos: quem sofresse uma reacção contraordenacional por facto ocorridos há algum tempo, correria o sério risco de ser sujeito a uma sanção que não cumpriria já quaisquer finalidades de ordenação ou de segurança, pelo que a admonição ou a especial reprimenda que a coima serve, relacionada com certa imposição legislativa, perde todo o seu sentido.
Simplesmente, o facto da extinção do procedimento contraordenacional por prescrição apenas impede a apreciação do mérito da defesa deduzida por aquele a quem é imputada a responsabilidade pelo facto integrante da contraordenação rodoviária - sejam quais forem os fundamentos de defesa que tenham sido deduzidos - dado que obstacula, definitivamente, seja qual for o mérito da impugnação, à aplicação da sanção disposta na lei para o ilícito contraordenacional, mas não tolhe, em processo, puramente civil, o especial valor probatório da medição - repetida - do teor de álcool no sangue obtida através dos aparelhos aprovados, valor probatório que, mesmo no contexto do processo contraordenacional, é compatível com o direito de defesa e como o princípio in dubio pro reo - princípio probatório que, repete-se, é inteiramente estranho aos princípios regulativos da apreciação da prova em processo civil.
Convém, realmente, recordar ao apelante três coisas: que não existe uma unidade de ilicitude e, portanto, que há uma ilicitude especificamente contraordenacional ou civil, pelo que a unidade de todo o ilícito é incorrecta, pelo que o direito civil e o direito de mera ordenação social são criadores de uma específica ilicitude civil e contraordenacional, do que decorre que a impossibilidade de, por força da prescrição do procedimento, aplicar uma sanção contraordenacional - que não equivale, de todo, à licitude da violação da imposição da conduta ou da sua proibição - não impede que se conclua, no plano civil, pela ilicitude dessa mesma conduta, nem a sua prova por aplicação dos princípios probatórios jurídico-civis; que o processo civil é dominado, no plano da prova, por um ónus que tomado em sentido objectivista, se exprime do modo seguinte: numa questão de facto de que depende o julgamento, a lei dá sempre a um dos factos o carácter privilegiado de ser tomado como base da decisão em dois casos: se for provado e em situação de dúvida irredutível; o facto contrário só será tomado em consideração se for provado - o que permite concluir que, em rigor, esta matéria não pertence já ao domínio da prova - mas ao da construção da sentença e da sua fundamentação; que neste processo o seu direito à prova não conheceu qualquer restrição, tendo-lhe sido garantia a proposição e a produção de toda e qualquer prova que julgou relevante para contrariar o especial valor probatório que a lei liga a resultados obtidos através de instrumentos de medição de fiabilidade legal ou regularmente reconhecida.
Note-se, de resto, que o apelante - além de omitir a alegação dos factos em fundamentou a impugnação da contraordenação rodoviária - não se atreveu sequer a alegar o facto contrário aquele que é inculcado pela leitura dos instrumentos de medição - que não ingeriu bebidas alcoólicas - ou a avaria ou a falta de calibração dos - dois - aparelhos de medição ou sua incorrecta utilização ou a infidelidade da transcrição dos resultados obtidos no auto de notícia, limitando-se a invocar, para obliterar, designadamente a alcoolemia de que era portador, um funcionamento deficiente do sistema de travagem do veículo e a falta de aderência ao piso dos pneumáticos, alegação que o exercício da prova desamparou por inteiro. Há, portanto, bom fundamento para assentar em que o apelante não ilidiu o valor probatório prima facie dos elementos obtidos através do instrumento de medição do teor de álcool no sangue, através da prova do facto contrário ou, ao menos de criação de dúvidas fundadas sobre a tipicidade da inferência probatória.
Temos, assim, por absolutamente correcta a conclusão que o actividade de condução do veiculo automóvel levada a cabo pelo apelante foi realizada sob o efeito do álcool, dado que apresentava uma taxa de álcool no sangue superior a 0,5 g/l (art.° 81.°. n.° 2, do Código da Estrada). A convicção sobre a realidade deste facto não é, de todo, uma convicção irracional e anímica - ex setentia animi - mas antes uma convicção alcançada com o uso da prudência, i.e., da faculdade de decidir de forma correcta, uma convicção que, sendo subjectiva é também objectiva já que assenta num conjunto de razões - de que destaca a não destruição do apontado valor probatório prima facie - que permitem afirmar que o facto se verificou.
Como também julgamos indiscutível, face aos factos que se devem ter por definitivamente adquiridos para o processo, que o evento danoso é imputável, ao menos, a uma culpa negligente do apelante.
3.4. Pressupostos da responsabilidade civil delitual ou extracontratual subjectiva.
Consabidamente, a generalidade da doutrina - e, correntemente, também a jurisprudência - individualiza como pressupostos da responsabilidade civil subjectiva, o facto, a ilicitude, a culpa, o dano e a causalidade[18].
A ilicitude decorre, de harmonia com as duas cláusulas gerais dispostas na lei, da violação de direitos subjectivos, maxime de direitos subjectivos absolutos, ou de normas de protecção (art° 483.°, n.° 1, do Código Civil).
A violação de direitos subjectivos ou de normas de protecção requer uma conduta ilícita e culposa do infractor. Há acordo quanto aos elementos em que se analisa aquela violação, mas não uma concordância quanto ao conteúdo específico de cada um desses elementos, como mostra a controvérsia suscitada pela relação entre a ilicitude e o dolo e a negligência e, portanto, pela caracterização da culpa, dado que a eventual inclusão dos elementos subjectivos na ilicitude implica a deslocação do dolo e da negligência da culpa - onde tradicionalmente são incluídos - para a ilicitude.
Para a doutrina tradicional, que pode dizer-se dominante - e que corresponde, aliás, a orientação acolhida pela sentença impugnada - para que um comportamento seja qualificado como ilícito, basta que ele constitui uma causa adequada de um resultado antijurídico: a ilicitude é qualificada em função do resultado, pelo que a conduta é ilícita quando o seu resultado for contrário ao direito.
Todavia, para uma orientação mais moderna, baseada na teoria da acção final - que, por isso, parte da verificação de que toda a acção humana se orienta para atingir conscientemente uma finalidade pré-determinada - a ilicitude da conduta não é extraída exclusivamente do resultado que provoca - mas também de certas características intrínsecas dessa mesma conduta. Para que um comportamento seja ilícito exige-se, assim, não só a violação do dever jurídico - mas também a actuação dolosa ou negligente do agente: a ilicitude da conduta pressupõe um desvalor do resultado e um desvalor da própria conduta. Em consequência, a culpa não pode ser apreciada pela relação psicológica do agente com a sua conduta, porque essa relação é estabelecida pelo dolo e pela negligência - que são elementos da ilicitude - pelo que a apreciação da culpa depende de critérios estritamente normativos ou valorativos, referidos ao juízo de censurabilidade do comportamento do agente.
A culpa decorre, portanto, de um juízo de censurabilidade ou de reprovação do comportamento do agente, de um juízo de desvalor assente na constatação de que esse agente, nas circunstâncias específicas em que actuou poderia ter conformado a sua conduta - dolosa ou negligente e, portanto, ilícita - de modo a assegurar o dever cujo cumprimento, nessas mesmas condições, lhe era exigível. Como é claro, a que a censurabilidade do comportamento do agente é um juízo feito pelo tribunal sobre a sua atitude ou motivação, tal como pode deduzir-se dos factos provados; na formulação desse juízo de reprovação, o tribunal socorre-se, naturalmente, de regras de experiência e critérios sociais.
Como quer que seja, seguro é que a imputação delitual, quer dizer, o esquema pela qual é possível assacar a uma pessoa um dano para efeitos de indemnização, reclama uma conduta ilícita e culposa do infractor (art° 483.°, n.°s 1 e 2, do Código Civil).
Na imputação delitual, seja dolosa ou simplesmente negligente, o ónus da prova dos factos que fundamentam o juízo de censura ético-social do agente - e não do juízo de censurabilidade em si mesmo - onera o lesado; o não cumprimento desse ónus de prova comporta uma vantagem relevante para o lesante, uma vez que impõe ao tribunal que decida contra quem aquele ónus onera (art.°s 342.°. n.° 1, 346.°, in fine, e 487.°, n.° 1, do Código Civil e 414.° do CPC). A prova dos factos que fundamentam o juízo de reprovação da conduta do lesado, cabe ao lesante, mas este está dispensado de os invocar visto que incumbe ao tribunal conhecer deles oficiosamente (art.° 572.° do Código Civil).
Ao contrário do direito penal, o direito civil conhece um ilícito geral de negligência (art° 483.°, n.°s 1 e 2, do Código Civil).
O que confere especificidade e autonomia ao ilícito negligente é a violação, pelo agente, de um dever objectivo de cuidado a que, no caso, estava juridicamente vinculado. Sempre que se infrinjam regras de cuidado, de prudência, de atenção ou diligência - ocorre um delito negligente. Contudo, a concepção da violação do cuidado objectivamente devido como elemento individualizador do delito negligente é apenas uma proposta de solução possível: o conceito de criação ou de incremente de um perigo não permitido, importado da dogmática penal[19], é também apto a densificar o conteúdo do ilícito negligente.
De harmonia com a teoria do risco permitido, a imputação do resultado à conduta do agente só ocorre quando o comportamento tenha criado, ou aumentado ou incrementado um risco proibido, desde que esse risco se tenha materializado no resultado danoso[20]. Sempre que o agente tenha criado um risco não permitido ou aumentado o risco já existente e esse risco conduza à produção do resultado concreto, este deve ser-lhe objectivamente imputado; inversamente, a imputação deve ter-se por excluída, por exemplo, quando a conduta que produziu o evento não tenha ultrapassado o limite do risco juridicamente permitido. A diferença entre uma e outra proposta de solução é mais aparente do que real, dado que numa perspectiva prático-normativo, os dois conceitos acabam por se equivaler: a determinação do cuidado objectivamente devido corre paralelamente aos limites do risco permitido[21].
Seja como for, há sempre que proceder à concretização das normas de cuidado, à determinação do cuidado objectivamente devido no caso concreto, i.e., dos deveres que devem ser observados pelo agente para que se possa excluir a imputação por negligência.
A imputação negligente não se basta com a inobservância do cuidado geral com que toda a pessoa se deve comportar na interacção social; a sua comprovação exige, antes, a violação de normas de cuidado que servem concreta e especificamente o tipo de ilícito respectivo, ou, dito doutro modo: na aferição do preenchimento do ilícito negligente, assume importância nuclear a determinação do cuidado objectivamente devido no caso concreto.
Como é natural, o mais importante elemento concretizador do cuidado objectivamente devido no caso concreto é o que resulta normas jurídicas de comportamento, contidas em leis ou regulamentos, como por exemplo, o Código da Estrada (CE). A violação dessas normas constituirá indício claro de uma contrariedade ao cuidado objectivamente devido[22].
É o que decerto ocorre, por exemplo, com a norma jurídica de comportamento contida no artigo
64.°, n.° 2, b) do Código da Estrada, que impõe ao condutor a suspensão da sua marcha perante o sinal de paragem obrigatória em cruzamento ou entroncamento, ou com a norma de conduta, contida no mesmo Código, que proíbe a condução sob o efeito do álcool.
Note-se, porém, que se o desacatamento de normas dessa natureza constitui um indício da infracção do cuidado objectivamente exigível, poderá não ser suficiente para fundamentar de forma definitiva essa violação: que o que é perigoso em abstracto pode deixar de o ser no caso concreto, é coisa que se compreende por si[23]. Assim, quando o perigo típico de comportamento pressuposto pela norma jurídica falte excepcionalmente, em virtude da especial configuração do caso concreto, não pode esse comportamento ser considerado como contrário ao cuidado objectivamente devido. E o inverso também pode ser verdadeiro: apesar da observância da norma, legal ou regulamentar, poderá ainda assim, existir uma violação do cuidado objectivamente exigível, embora, em tal caso, se deva ser particularmente rigoroso na afirmação da existência de um delito negligente[24].
Negativamente, a imputação delitual negligente é delimitada pelo chamado princípio da confiança. A este princípio bem pode imprimir-se esta formulação: quem se comporta de harmonia com o cuidado objectivo deve poder confiar que o mesmo acontecerá com os outros, excepto se tiver motivo fundado para crer - ou dever crer - de outro modo. A justificação substantiva deste princípio e, portanto, a determinação do seu âmbito de actuação, pode sintetizar-se nesta proposição: como regra geral não se responde pela falta de cuidado alheio, antes o direito autoriza que se confie que os outros cumprirão os seus deveres de cuidado. Encontrando o princípio da confiança o seu fundamento material no princípio da auto- responsabilidade, segue-se que não é juridicamente exigível, que se deva contar sempre com aquelas pessoas que violam as regras jurídicas de comportamento e, por essa via, as normas de cuidado.
Há uma tendência frequente para concluir sem mais que não pode socorrer-se do princípio da confiança aquele que se comporta em violação do dever objectivo de cuidado. Feita assim, a afirmação é inteiramente inexacta, dado que bem pode suceder que, v.g., o facto e o dano consequente não possam objectivamente ser imputados àquela violação do dever - logo de acordo, de resto, com o critério da imputação objectiva, de harmonia com o qual é necessário que seja o perigo típico criado ou potenciado pela conduta aquele que se concretiza, ele próprio e não outro, no resultado danoso.
Na lei civil fundamental portuguesa, o cuidado objectivamente devido e concretizado com apelo ao bom pai de família, portanto, ao cidadão normal, ao homem médio (art.° 487.°, n.° 2, do Código Civil). O critério definidor do esforço que é objectivamente exigível a cada pessoa é, assim, além de normativo, objectivo e generalizador, e, portanto, não entra em linha de conta com as capacidades pessoais do agente concreto, caso estas sejam inferiores às do homem médio.
Como as considerações anteriores deixam antever, uma coisa é a constatação da violação objectiva de um dever de cuidado outra bem diferente a imputação objectiva do dano à violação desse dever[25].
Para que o lesante se constitua no dever de reparar o dano, não é suficiente comprovação do elemento caracterizador do ilícito negligente, que o especializa e que lhe confere autonomia - a violação do cuidado objectivamente devido no caso concreto: é ainda necessário que aquele resultado possa imputar-se objectivamente à conduta.
De harmonia com o princípio que a responsabilidade civil só intervém relativamente a comportamentos humanos e se exige, para a constituição do dever de indemnizar, um resultado, há sempre que verificar não apenas se esse resultado se produziu, como também se ele pode ser atribuído - imputado - à conduta. É a exigência de um relacionamento ou de uma conexão dessa conduta com o evento a que se procura dar resposta com a causalidade.
Uma orientação que tem merecido um apoio generalizado é a da causalidade adequada ou da causalidade jurídica sob a forma de adequação, que, simplificadamente, pode formular-se assim: um facto é causa de um resultado, sempre que, em termos de normalidade social, seja adequado a produzir esse resultado (art.° 563.° do Código Civil)25 [26].
A finalidade evidente da teoria da causalidade adequada é a limitar a imputação do resultado às condutas das quais deriva um perigo idóneo de produção do resultado. Há, porém, domínios em que as soluções que resultam da aplicação da teoria da causa adequada não são inteiramente satisfatórias, o que sucede, sobretudo, em actividades que, comportando em si mesmas riscos consideráveis são, todavia, legalmente permitidas. Está nessas condições, por exemplo, a circulação rodoviária em que, na generalidade dos casos, a conduta se revela adequada à produção do resultado, sem que, sob pena de paralisação ou de retrocesso da vida económica e social, seja possível proibi-la.
A teoria da adequação depara-se, pois, com várias dificuldades. Uma delas resulta do facto de o critério de adequação dever ser geral e abstracto, enquanto, depois de o resultado verificado, dificilmente se poder negar a sua previsibilidade e normalidade. O que conduz à conclusão de que o nexo de adequação se tem de aferir segundo um juízo ex ante e não ex post, portanto segundo um juízo de prognose póstuma: com este oximoro quer-se significar que o juiz deve deslocar-se mentalmente para o passado, para o momento em que a conduta foi praticada e ponderar, enquanto observador objectivo, se, dadas as regras gerais de experiência e o normal acontecer dos factos - o id quodplerumque accidit - a acção praticada teria como consequência a produção do evento[27]. Caso conclua que a produção do evento era imprevisível ou que, sendo previsível, era improvável ou de verificação rara, a imputação objectiva não deverá ter lugar.
A adequação deve, naturalmente, referir-se a todo o processo causal e não só ao resultado, sob pena de um alargamento excessivo da imputação. É neste contexto que se situam os problemas da intervenção de terceiros ou da interrupção do nexo de causalidade, que têm em vista aqueles casos em que o resultado se verifica em consequência de uma co-actuação do lesado ou de terceiro.
O critério da causalidade resolve o problema por recurso ao concurso real de causas adequadas, simultâneas ou subsequentes, considerando qualquer dos lesantes responsável pela reparação de todo o dano[28].
Esta conclusão impõe-se ao menos nos casos em que a causa operante interrompeu a série causal hipotética e em que a causa operante só provocou o dano porque os termos da causalidade hipotética já decorridos favorecem a sua eficácia causal, de tal modo que o dano, tal como concretamente se verificou, não se teria verificado se não fossem esses termos. Quando isso suceda, estamos perante um caso de concorrência efectiva de causas - e não de um caso de causalidade hipotética e, portanto, não se coloca o problema da relevância negativa da causa hipotética.
Todavia, estes casos não podem, em rigor, assumir relevo de um ponto de vista de pura causalidade, devendo valer para eles a solução disponibilizada pelo critério da criação ou, em caso de concurso de riscos, da potenciação do risco permitido.
Na verdade, em face das dificuldades do critério da adequação não são de estranhar as propostas da sua correcção, por recurso aos conceitos de risco permitido e do fim de protecção da norma.
De harmonia com a teoria do risco permitido, a imputação do resultado à conduta do agente só ocorre quando o comportamento tenha criado, ou aumentado ou incrementado um risco proibido, desde que esse risco se tenha materializado no resultado danoso[29]. Sempre que o agente tenha criado um risco não permitido ou aumentado o risco já existente e esse risco - e não outro - conduza à produção do resultado concreto, este deve ser-lhe objectivamente imputado.
A obrigação de indemnização tem por escopo fundamental a remoção do dano imputado e, portanto, a medida da indemnização é, por regra, simplesmente a do dano efectivamente imputado ao lesante (art.° 562.° do Código Civil). Questões como o nexo de causalidade transcendem, por isso, a problemática da determinação da indemnização.
Todavia, o Código Civil actual rompeu com o princípio da não influência da culpa sobre o quantum respondeatur, permitindo ao juiz, nos casos em que a imputação delitual opere por ilícito negligente, fixar a indemnização, equitativamente, em montante inferior ao dano, desde que o justifiquem não só o grau de culpa do lesante, como também a situação económica deste e do lesado e as demais circunstâncias do caso (art.° 494.° do Código Civil).
E o concurso de riscos - ou, se se preferir, a contribuição causal de terceiro para a verificação do dano - é certamente, uma das demais circunstâncias do caso a ponderar pelo tribunal.
Todavia, a fixação da indemnização em valor inferior ao do dano justifica-se sempre que os danos sejam provocados por terceiro - e na medida em que o sejam - ainda que não voluntariamente ou ainda que licitamente. Verdadeiramente, não há aqui uma limitação da indemnização - mas apenas uma delimitação dos danos que ao lesante devem ser imputados, pelo que a redução prescinde da comprovação, relativamente a esse terceiro, dos pressupostos da imputação delitual.
3.5. Concretização.
O evento de que emerge o dano reparado pela apelada ocorreu em virtude da actuação - e só da actuação - do apelante. Aquele violou, designadamente, a norma de comportamento preceptiva reguladora da suspensão da sua marcha perante o sinal de paragem obrigatória em cruzamento ou entroncamento. Relativamente ao condutor do veículo com o qual o conduzido pelo recorrente colidiu não é possível sustentar o desacatamento de qualquer norma jurídica de comportamento e, por essa via, a infracção do dever de cuidado objectivamente devido - dado que nenhum motivo concreto tinha para pensar ou dever pensar de outro modo, podia contar com uma actuação do apelante adequada à norma jurídica de cuidado, i.e., que este, perante o sinal de suspensão da marcha, imobilizaria o seu veículo na entrada da entroncamento. Nestas circunstâncias, o evento causador do dano não lhe deve ser imputado.
Quem criou ou potenciou perigo que veio a concretizar-se na colisão foi o condutor do veículo relativamente ao qual a apelante assumiu, contratualmente, a responsabilidade civil por danos causados a terceiros. Portanto, é àquele - e só àquele - que deve imputar-se a autoria do ilícito negligente danoso.
A matéria de facto resultante do exercício da prova, só relativamente ao apelante permite recortar um comportamento exasperadamente discrepante ou contrário ao que era objectivamente devido no caso concreto para se evitar a colisão e o dano dela decorrente, visto que só aquele violou, comprovadamente, a regra objectiva de cuidado que as circunstâncias lhe impunham e de cuja observância era capaz. O dano reparado pela apelante é, pois, comprovadamente assacável a uma culpa negligente exclusiva do impugnante.
Como se observou - de harmonia com o entendimento jurisprudencial largamente maioritário - a apelada não está adstrita à demonstração de uma relação causal entre a condução sob o efeito do álcool e acidente, sendo suficiente a prova de que, no momento da eclosão do acidente, o condutor do veículo automóvel seguro era portador de uma taxa de alcoolemia superior à legalmente permitida e que aquele facto danoso é imputável a uma culpa, ainda que meramente presumida, daquele condutor. Mas mesmo que se devesse entender que a recorrida estava vinculada ao ónus da prova da apontada relação de causalidade, sempre se imporia - em face da concreta dinâmica do acidente - julgar provado esse nexo, por actuação de uma presunção, dado que a presença de álcool no sangue do apelado, com os efeitos que provoca nas competências e capacidades do condutor, ainda constitui a melhor explicação para a etiologia do evento ilício e juridicamente censurável. Realmente, o absoluto desprezo pelo sinal de paragem obrigatória - e, consequentemente, pela norma de comportamento correspondente - apesar da presença do veículo com o qual acabou por colidir na via para a qual pretendia entrar - melhor se explica pelas perturbações nocivas das suas competências de condução provocadas pelo álcool que se continha na sua corrente sanguínea.
Duas palavras mais, dirigidas às alegações repetidas de inconstitucionalidade, nalguns casos só com laivos, produzidas pelo apelante na sua alegação.
Decerto que as decisões dos tribunais podem, claro, ser em si mesmas inconstitucionais, mas o nosso sistema de fiscalização da constitucionalidade não conhece o recurso de constitucionalidade de actos concretos de violação de direitos fundamentais (art.°s 608.°, n.° 2, 1.9 parte, do CPC, e 280.°, n.°s 1 e 2, da Constituição da República Portuguesa). Assim, se o problema da inconstitucionalidade é imputado directamente à decisão judicial - como sucede no caso do recurso - não estamos perante uma inconstitucionalidade normativa: a questão da impropriedade ou ilegitimidade constitucional tem, necessariamente, de ser referir à constitucionalidade ou à legalidade de uma norma, não abrangendo, obviamente a constitucionalidade ou legalidade da decisão judicial.
A questão da constitucionalidade ou ilegalidade tem, necessariamente, de se reportar à invalidade de normas, já que se identifica o conceito de norma jurídica como elemento definidor do objecto do recurso de constitucionalidade, pelo que apenas as normas e não já a decisão judicial podem constituir objecto desse mesmo recurso. Mas o que o apelante faz é sindicar a decisão impugnada, em si mesma considerada, visando o escrutínio do puro acto de julgamento, na sua vertente hermenêutica e subsuntiva. A distinção entre os caos em que a inconstitucionalidade é imputada a uma interpretação normativa, daqueles que é imputada directamente à decisão judicial radica em que, no primeiro caso, é discernível na decisão recorrida a adopção de um critério normativo, com carácter de generalidade - e, por isso, susceptível de aplicação a outras situações - ao passo que na segunda hipótese está em causa a aplicação de critérios normativos tidos por relevantes face às particularidades do caso concreto. Por outro lado, não é condição suficiente da idoneidade do objecto da questão da constitucionalidade que a parte tenha, de um ponto de vista formal, equacionado uma questão de inconstitucionalidade de normas - não se limitando a impugnar a constitucionalidade da decisão judicial e indicando e especificando o sentido ou a interpretação com que considera sido tomado e aplicado o preceito pretensamente violador da Constituição, dado que importa prevenir os casos de abuso e de ficção do conceito de interpretação normativa, apenas com o objectivo de forjar, artificialmente, uma norma, constitucionalmente sindicável[30].
Convocar, para o caso que nos ocupa, o princípio constitucional do juiz legal ou natural, como faz o apelante, é também, de todo, igualmente deslocado.
O princípio do juiz natural tem a ver com a independência dos tribunais perante o poder político, proibindo a criação - ou a determinação - de uma competência ad hoc - de excepção - de um certo tribunal para uma certa causa. Numa palavra: o princípio proíbe os tribunais adhoc[31] (art.° 32.°, n.° 9, da Constituição da República Portuguesa). No plano processual, o princípio representa uma emanação do princípio da legalidade em matéria penal[32]. Na sua dimensão positiva, o princípio compreende quer a determinação do órgão judiciário competente, quer a definição, seja da formação judiciária interveniente - secção, juízo - seja dos concretos juízes que a compõem, vinculando à criação de regras, suficientemente determinadas, que permitam a definição do tribunal competente, segundo características gerais e abstractas; na sua dimensão negativa, o princípio significa uma proibição de afastamento, num caso individual, das regras gerais e abstractas que permitem a identificação da concreta formação judiciária que vai apreciar o objecto da causa, incluindo aí, quer a proibição de desaforamento, depois da atribuição do processo a um

tribunal, quer a proibição de tribunais ad hoc ou ex post facto, especiais ou excepcionais (art.° 39.° da LOSJ)[33]. Note-se, todavia, que o princípio do juiz natural não obsta a que uma causa penal venha a ser apreciada por tribunal diferente do que para ele era competente ao tempo da prática do facto, só obstando a isso quando, mas também sempre, que a atribuição de competência seja feita através da criação de um juízo ad hoc, i.e., de excepção, da definição individual e, portanto, arbitrária, da competência, ou do desaforamento concreto e, portanto, discricionário, que lese ou ponha em perigo o direito dos cidadãos a uma justiça penal independente e imparcial.
Abstraindo da circunstância de o princípio constituir uma garantia específica do processo penal e, por extensão de regime, dos processos sancionatórios públicos - o que vincula a que, em processo civil, o parâmetro constitucional relevante seja antes constituído pelo principio do processo equitativo - temos, por certo, que a causa não foi apreciada por tribunal diferente daquele que para ele era competente ao tempo da prática dos factos que constituem objecto do processo, factos que - repete-se - são aqui tomados na sua exclusiva vertente ou dimensão jurídico-privada, i.e., enquanto pressuposto de uma pretensão pecuniária privada assente numa ilicitude e numa culpa estritamente civis, e não enquanto elementos constitutivos de uma sanção pública punitiva, ainda que de mera ordenação social.
Em absoluto remate: a apelada dispõe, por via de regresso, do direito à prestação que o apelante foi condenado a realizar, pelo que a decisão recorrida se deve ter por impecável. Condenação que tem a virtualidade de, de modo vivo, fazer sentir ao apelante o bem fundado do aviso que se contém no slogan - se conduzir, não beba.
Dos argumentos expostos, os mais salientes podem sintetizar-se nas proposições conclusivas seguintes:
- O segurador, para que lhe seja reconhecido o direito de regresso relativamente ao condutor que conduzia sob a influência do álcool , não está vinculado à demonstração de uma relação de causalidade entre a condução sob o efeito do álcool e o acidente, sendo suficiente a prova de que, no momento da eclosão desse acidente, o condutor do veículo automóvel seguro era portador de uma taxa de alcoolemia superior à legalmente permitida e que aquele facto danoso é imputável a uma culpa, ainda que meramente presumida, daquele condutor;
- Constitui um regra ou máxima de experiência - conhecida de qualquer pessoa e que não sendo exclusiva de áreas técnicas, não necessita de ser provada em processo - e da ciência, que após a ingestão do álcool o processo da sua absorção inicia-se de imediato: o álcool entra directamente na corrente sanguínea e atinge rapidamente o cérebro, afectando as capacidades cognitivas e perceptivas do condutor, especialmente a visão e a audição, reduzindo o campo e a capacidade de exploração visual e de readaptação após encandeamento; afecta também a capacidade de reacção, reduz a coordenação motora e a competência de avaliação das distâncias e promove a tendência de sobrevalorização das capacidades e, por consequência, potencia o risco de acidente, que é directamente proporcional à taxa de álcool presente o sangue;
- Ao juiz é lícito concluir, em face da concreta dinâmica do evento rodoviário danoso, socorrendo-se de uma presunção judicial, que a alcoolemia de que o condutor do veículo automóvel é portador surge como causa próxima ou determinante da eclosão do acidente, desde que exista uma relação entre o facto probatório - a taxa de álcool presente no sangue - e o facto probando - o nexo causal entre a condução sob o efeito do álcool e o acidente, de harmonia com a inferência para a melhor explicação, i.e., sempre que o primeiro constitui a melhor explicação do segundo;
- O auto de notícia e os elementos de prova obtidos através de aparelhos ou instrumentos oficialmente aprovados gozam de um especial valor probatório - mas de modo algum definitivo, antes só prima facie ou de interim, que é compatível, mesmo em processo contraordenacional, com o princípio in dubio pro reo;
- A prova prima facie apenas cede através da prova - que compete à parte a quem o facto probando desfavorece - do facto contrario ou da criação de fundadas dúvidas sobre a tipicidade da inferência probatória em que assenta;
- O princípio probatório do in dubio pro reo, específico dos processos sancionatórios públicos, não é aplicável em processo civil que tenha por objecto direitos ou interesses puramente jurídico-civis ou privados.
O apelante sucumbe no recurso. Essa sucumbência responsabiliza-o objectivamente pela satisfação das respectivas custas (art.° 527.°, n.°s 1 e 2, do CPC).
4. Decisão.
Pelos fundamentos expostos, nega-se provimento ao recurso.
Custas pelo apelante.
2023.09.26


[1] Cfr. Manuel Januário da Costa Gomes, Assunção Fidejussória de Dívida, Almedina, Coimbra, 2000, págs. 895 a 903.
[2]Ac. do STJ de 05.11.09, www.dgsi.pt.
[3] Ac. da RL de 26.05.09, www.dgsi.pt. Sobre as razões subjacentes à atribuição do direito de regresso, cfr. Sinde Monteiro, Estudos sobre a Responsabilidade Civil, págs. 175 a 178, Filipe de Albuquerque Matos, “O contrato de seguro obrigatório de responsabilidade civil”, BFDUC, Coimbra, 2002, págs. 353 e 354, e Afonso Correia, Seguro Automóvel de Responsabilidade Civil, Direito de Regresso da Seguradora, II Congresso Nacional de Direito dos Seguros, pág. 204.
[4] Acs. STJ de 10.12.2020 (3044/18.2T8.PNF.P1.S1) e da RC de 11.01.2021 (1242/17.5T8.CTB.C1). Maria Amália Santos “O direito de regresso da seguradora nos acidentes de viação”, disponível em Julgar.pt. e Filipe Albuquerque de Matos, “O Contrato de Seguro Obrigatório de Responsabilidade Civil Automóvel - Breves Considerações, in Estudos dedicados ao Professor Doutor Mário Júlio de Almeida Costa, UCE, 2002, págs. 357 e 358 , nota 43. Diferentemente, Ana Catarina Campos Ferreira, O Direito de Regresso da Seguradora, em especial a condução sob o efeito do álcool, á luz do Regime d Seguro Obrigatório de Responsabilidade Civil Automóvel, Tese de Mestrado, disponível em https: repositorium.sdum.uminho.pt.
[5] Acs. do STJ de 06.04.2000, www.dgsi.pt., 25.11.1988, BMJ n.° 381, pág. 606, 08.11.84, BMJ n.° 341, pág. 388, e de 21.05.1995, CJ (STJ), III, pág. 15, e Antunes Varela, RLJ Anos 122, pág. 180, e 123, pág. 49.
[6] Vaz Serra, Provas, BMJ n.° 110, pág. 190.
[7] Cfr. João de Castro Mendes, Do Conceito de Prova, 1961, pág. 251. Duvidoso é também saber se a presunção é uma indução ou uma dedução. Sustentando que se trata de prova por indução, cfr. Manuel de Andrade Noções Elementares de Processo Civil, Coimbra editora, 1976, pág. 215.
[8] Deve, portanto, existir um enlace preciso e directo entre o facto adquirido e o desconhecido, uma conexão, coerência e congruência entre o primeiro e o segundo, de harmonia com a regra de experiência - mas não é necessário que entre o facto-base e o facto presumido exista um vínculo de absoluta e exclusiva necessidade causal, sendo suficiente uma relação de dependência lógica entre o facto conhecido e o desconhecido. Cfr. Luís Filipe Pires de Sousa, Prova por Presunção no Direito Civil, Almedina, 2012, pág. 48.
[9] Realmente, diz-se frequentemente, que a responsabilidade civil tem, a par da função de deslocação do dano, um escopo preventivo, i.e., a finalidade de dissuadir a generalidade dos sujeitos da prática de certos factos - e mesmo uma feição retributiva ou punitiva. Cfr., por todos, Maria de Lurdes Pereira - Direito da Responsabilidade Civil, A obrigação de indemnizar, AAFDL, 2022, págs. 20 e ss. - que, porém, recusa a atribuição à responsabilidade civil de qualquer daquelas finalidades ou fundamentos finais.
[10] Michelle Taruffo, La Prueba, Marcial Pons, Madrid, 2008, págs. 42 e 43.
[11]            João Paulo Remédio Marques, A Acção Declarativa à Luz do Código Revisto, 3^ edição, Coimbra Editora, Coimbra, 2011, págs. 638.
[12] Miguel Teixeira de Sousa, “Prova, poderes da Relação e convicção: a lição da epistemologia - Ac. do STJ de
24.9.2013, Proc. 1965/04, in Cadernos de Direito Privado, n° 44, Outubro/Dezembro 2013, págs. 33 e ss.
[13] António Santos Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, 7^ edição actualizada, Almedina, Coimbra, 2022, pág. 350.
[14]   Acs. do STJ 09.02.2021 (26069/18.3T8PRT.P1.S1), 30.09.2020 (4420/18.6T8GMR.G2.S1) e 14.03.2019 (8765/16.1T8LSB.L1.S2).
[15] Acs. do TC n.°s 397/2017, 675/2016 e 338/2018, disponíveis em www.tribunalconstitucional.pt.
[16]  Acs. do TC 158/92, 50/99, 33/2002, 659/2006, 99/2009, 125/2009, 497/97 e 278/99, disponíveis em www.tribunalconstitucional.pt.
17 Na chamada prova prima facie, a produção e a valoração da prova são facilitadas, dado que corresponde a uma categoria de prova que, por assentar numa relação típica entre o facto probatório e o facto probando é em si mesma, suficiente para excluir qualquer alternativa e, por isso, dispensa qualquer valoração do caso concreto. É, por isso, não uma aparência de prova - mas antes uma prova que é susceptível de demonstrar a veracidade ou a verosimilhança do facto probando. A tipicidade da inferência probatória é de tal modo forte que esta inferência apenas cede perante dúvidas fundadas, i.e., perante uma contraprova prima facie e não perante a mera contraprova, ou perante a prova do contrário. A contraprova prima facie é realizada através da prova de que o facto probando pode não se ter verificado, apesar da verificação do facto probatório, o que requer a prova - que em processo civil onera a parte a quem o facto probando desfavorece - de uma relação atípica entre o facto probatório e o facto probando ou a prova de uma relação típica do facto probatório com um facto diferente do facto probando.

[18] Por último - reponderando, aliás, o seu pensamento, António Menezes Cordeiro, Tratado de Direito Civil
Português, II, Direito das Obrigações, Tomo III, Almedina, Coimbra, 2010, pág. 432.
[19] Cfr. Claus Roxin, Problemas Fundamentais de Direito Penal, Vega, Lisboa, págs. 256 a 267.
[20] Cfr. Jorge de Figueiredo Dias, Direito Penal, Parte Geral, Tomo I, Questões Fundamentais, A Doutrina Geral do Crime, Coimbra Editora, págs. 2004, págs. 313 a 321.
[21] Jorge de Figueiredo Dias, Temas Básicos da Doutrina Penal, Sobre os fundamentos da doutrina penal, Sobre a doutrina geral do crime, Coimbra Editora, 2001, págs. 355 e 356.
[22] As normas do CE são, tecnicamente, normas de protecção. Ninguém tem um direito abstracto a que outrem cumpra as regras daquele Código. Mas se estas forem violadas e dessa violação resultar um dano, cai-se na segunda modalidade de ilicitude prevista no art.° 483.°, n.° 1, do Código Civil. Em regra, os danos causados por veículos atingem direitos subjectivos, pelo que a hipótese normas de protecção é consumida. Todavia, a ofensa daquelas regras, servirá como elemento indiciador da violação do cuidado objectivo devido.
[23] Ac. do STJ de 07.11.00, CJ, III, pág. 104.
[24] Jorge de Figueiredo Dias, Velhos e Novos Problemas da Doutrina da Negligência em Direito Penal, Estudos Dedicados ao Prof. Doutor Mário Júlio de Almeida Costa, UCP, 2002, pág. 674.
[25] A fixação da conexão entre a conduta ou condutas e o evento danoso é uma questão de facto subtraída, portanto, à competência decisória do Supremo Tribunal de Justiça, embora este, muitas vezes, não resista a considerar a aplicação do art.° 563.° do Código Civil como questão jurídica, com o argumento, pouco consistente, de que é necessário indagar a causa jurídica de certo evento. Cfr. Antunes Varela RLJ, Ano 122, pág. 120.
[26] Cfr., v.g., Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, I, 5^ ed. Almedina, Coimbra, 1986, pág. 743 e ss., Pereira Coelho, o Nexo de Causalidade na Responsabilidade Civil, BGD, Suplemento n° IX, Coimbra, 1976, pág. 201 e ss. e Miguel Teixeira de Sousa, Da Responsabilidade Civil por Factos Lícitos, Lisboa, 1977, pág. 124 e ss. Menezes Cordeiro - Direito das Obrigações, cit., págs. 338 e 338 - sugere a integração da causalidade na própria conduta e, consequentemente a sua sujeição ao juízo de ilicitude: nesta perspectiva, a averiguação da causalidade adequada limitar-se-ia à indagação da licitude de certo comportamento face a um concreto dano e à identificação da adequação com a verificação do fim visado pelo agente.
[27] Ac. do STJ de 13.01.09, www.dgsi.pt.
[28] Pereira Coelho, O Problema da Relevância da Causa Virtual na Responsabilidade Civil, Almedina, Coimbra, págs. 31 a 34 e Ac. do STJ de 13.01.09, www.dgsi.pt. Na jurisprudência nota-se, nos casos de conculpabilidade, o recurso tendencial à doutrina da causa adequada, numa metódica que parte frequentemente do tratamento coincidente das questões da culpa e do nexo causal. Verifica-se, na verdade, uma preocupação maior pelos problemas ilicitude e da culpa, secundarizando o aspecto central e decisivo da adequação entre as condutas e o dano, o que tem, decerto, a ver com a constatação de que uma resposta positiva à questão da culpa facilitará a formulação do juízo causal. Cfr. José Carlos Brandão Proença, A Conduta do Lesado e Critério de Imputação do Dano Extracontratual, Almedina, Coimbra, 1997, págs. 457 a 459.
[29] Cfr., Jorge de Figueiredo Dias, Direito Penal, Parte Geral, Tomo I, Questões Fundamentais, A Doutrina Geral do Crime, Coimbra Editora, 2004, págs. 313 a 321.
[30]  Rui Medeiros, A Decisão de Inconstitucionalidade, UCE, 1999, pág. 347, e Lopes do Rego, Os Recursos de Fiscalização Concreta na Lei e na Jurisprudência do Tribunal Constitucional, Almedina, Coimbra, 2010, pág. 34, e Acs. do TC n.°s 169/91 e 551/01, disponíveis em tribunalconstitucional.pt.
[31] Ac. do TC n.° 393/89, www.tribunalconstitucional.pt.
[32] Ac. do TC n.° 212/91, www.tribunalconstitucional.pt.
[33] Ac. do TC n.° 614/03, www.tribunalconstitucional.pt.