Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
1161/14.7PCCBR-A.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: BRIZIDA MARTINS
Descritores: PENA DE SUBSTITUIÇÃO
INCUMPRIMENTO POR OMISSÃO
EXECUÇÃO DA PENA SUBSTITUÍDA
Data do Acordão: 06/21/2017
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COMARCA DE COIMBRA (J L CRIMINAL – J2)
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTS. 40, 58, 59, DO CP
Sumário: I – O pressuposto material para a substituição da prisão pela prestação de trabalho a favor da comunidade é, pois, o de que esta realize de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.

II – Tem de entender-se, a contrario sensu, que a revogação da prestação de trabalho a favor da comunidade (com o consequente cumprimento da pena de prisão) é imposta pela formulação de um juízo de recusa injustificada a prestar trabalho, desde que inferido, tanto de uma actuação activa, quanto omissiva (o caso vertente) do visado que não colabora como devido tendo em vista a sua adequada realização.

III – A PTFC é uma pena criminal, e é a sua própria natureza de pena de substituição que determina que, em caso de incumprimento, seja executada a pena substituída, portanto, seja executada a pena de prisão.

Decisão Texto Integral:




Acordam, em Conferência, na 4.ª Secção Criminal do Tribunal da Relação de Coimbra.


*

I – Relatório.

1.1. No processo supra epigrafado e de que o presente recurso é separado, o (co) arguido A... , entretanto já mais identificado, foi condenado, pela prática de um crime de roubo, p.p.p. art.º 201.º, n.º 1, do Código Penal, na pena de 7 (sete) meses de prisão, substituída por 210 (duzentas e dez) horas de prestação de trabalho a favor da comunidade.

1.2. Após vicissitudes processuais, foi esta pena depois revogada e em consequência, determinado o cumprimento efectivo daquela pena de prisão, tudo como melhor sobressai do despacho judicial adrede proferido e que reza da seguinte forma (transcrição):

«Da revogação da pena de prestação de trabalho a favor da comunidade substitutiva da pena de prisão aplicada ao arguido – A... – nos presentes autos:

Nos presentes autos, foi o arguido A... condenado, por sentença proferida em 02/07/2014, transitada em julgado em 22/09/2014, pela prática, como autor material, de um crime de roubo, previsto e punido pelo art.º 210.º, n.º 1, do Código Penal, na pena de 7 meses de prisão substituída pela pena de 210 horas de prestação de trabalho a favor da comunidade.

Solicitada aos serviços de reinserção social a elaboração de plano de execução da pena substitutiva, a mesma não se logrou porquanto, de acordo com informações desses serviços, apesar das diligências empreendidas, o arguido, não obstante por diversas vezes convocado, jamais compareceu.

Por conseguinte, foram designadas datas para tomada de declarações ao arguido, tendo o mesmo, injustificadamente, faltado, nem se tendo logrado a sua comparência mediante a emissão de mandados de detenção.

Até ao presente, não cumpriu quaisquer horas de prestação de trabalho a favor da comunidade.

Efectuada pesquisa informática nas bases de dados dos serviços da segurança social, resultaram elementos que apontam no sentido de que o arguido residirá e trabalhará em Aveiro, localidade onde foi tentada a sua detenção, a fim de ser ouvido em Tribunal.

Através da PSP, foram os autos informados de que o arguido reside em Aveiro e trabalha nessa cidade.

O Ministério Público promoveu a revogação da pena de prestação de trabalho a favor da comunidade e a determinação do cumprimento da pena de prisão principal.

Não se logrou, não obstante as diligências empreendidas, consoante supra referido, a audição do arguido, nos termos dos art.ºs 495.º, n.º 2, e 498.º, n.º 3, do Cód. de Processo Penal.

Assegurado o contraditório, quanto à promoção da revogação, o arguido veio aos autos, através do respectivo ilustre defensor, pronunciar-se no sentido da não revogação da pena de substituição, em conformidade com o teor da douta peça processual cujo teor aqui se dá como integralmente reproduzido.

Apreciando e decidindo.

Dispõe o art.º 59.º, n.º 2, do Código Penal: “O tribunal revoga a pena de prestação de trabalho a favor da comunidade e ordena o cumprimento da pena de prisão determinada na sentença se o agente, após a condenação:

a) Se colocar intencionalmente em condições de não poder trabalhar;

b) Se recusar, sem justa causa, a prestar trabalho, ou infringir grosseiramente os deveres decorrentes da pena a que foi condenado; ou

c) Cometer crime pelo qual venha a ser condenado, e revelar que as finalidades da pena de prestação de trabalho a favor da comunidade não puderam, por meio dela, ser alcançadas.”.

Nos termos do art.º 7.º, n.º 1, do Dec.-lei n.º 375/97, de 24/12, “o prestador de trabalho deve cumprir as obrigações de trabalho decorrentes da decisão judicial e acatar as orientações do supervisor quanto à forma como as tarefas devem ser executadas.”.

“Para além das obrigações referidas no número anterior”, segundo os preceitos das alíneas do n.º 2 do art.º citado, “o prestador de trabalho deve:

a) Responder às convocações do tribunal competente para a execução da pena e dos serviços de reinserção social;

b) Informar os serviços de reinserção social sobre quaisquer alterações de emprego, de local de trabalho ou de residência, bem como sobre outros factos relevantes para o cumprimento da pena;

c) Obter autorização prévia do tribunal competente para a execução da pena para efeito de interrupção da prestação de trabalho por tempo superior a dois dias de trabalho consecutivos;

d) Informar a entidade beneficiária sempre que estiver impossibilitado de comparecer no local de trabalho conforme o horário previsto;

e) Justificar as faltas ao trabalho nos termos previstos na legislação aplicável à entidade beneficiária;

f) Não consumir bebidas alcoólicas, estupefacientes, psicotrópicos ou produtos com efeito análogo no local de trabalho, bem como não se apresentar sob a influência daquelas substâncias, de modo a prejudicar a execução das tarefas que lhe sejam distribuídas.”.

Ora, o comportamento do arguido traduz uma recusa injustificada a prestar trabalho, bem como uma grosseira violação dos deveres decorrentes da pena a que foi condenado, não respondendo às convocatórias, nem em juízo, nem comunicando alteração de residência, assim obstando à execução da pena.

Está, pois, arredado, um juízo de prognose favorável em relação ao comportamento do arguido, demonstrado está que tanto a reafirmação do direito perante a comunidade como a socialização do arguido não se alcançaram com suficiência com a pena substitutiva, não podendo, portanto, o Tribunal deixar de a revogar.

Aliás, só agora, aquando da iminência do cumprimento da pena detentiva, veio o arguido procurar justificar o facto de durante todo este lapso temporal, se ter eximido à execução da pena substitutiva.

Pelo exposto, visto o preceituado no art.º 59.º, n.ºs 2, als. a) e b), do Código Penal, determino a revogação da pena de substituição de prestação de trabalho a favor da comunidade, consequentemente, determinando o cumprimento da pena principal de 7 (sete) meses de prisão.


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Após trânsito em julgado:

a) Emitam-se os pertinentes mandados de detenção e condução ao estabelecimento prisional, a fim de o/a arguido/a cumprir aquela pena de prisão – art.ºs 59.º, n.º 2, proémio do Código Penal, e 478.º do Cód. de Processo Penal;

b) Comunique aos serviços de reinserção social.

d.s.»

1.3. Inconformado com o assim decidido, recorreu o arguido, extraindo da motivação com que fundamentou o dissídio a seguinte ordem de conclusões:

a) O recorrente apenas não se apresentou nos serviços da DGRS porque andou a habitar na rua ou em residências de pessoas amigas que lhe deram guarida, não tendo por isso recebido as notificações anteriores.

b) O recorrente tem a perfeita consciência que deveria ter informado o tribunal da sua nova morada. Apenas o não fez porque se encontrava num estado depressivo muito grande por não ter dinheiro para comer ou arrendar qualquer habitação.

c) O arguido andou com uma depressão, originada pelo abandono a que foi votado pelos seus progenitores e por outros infortúnios e amarguras da vida, e, de forma involuntária, por diversas ocasiões, revelou um completo alheamento da realidade e das suas responsabilidades.

d) Foi este desfasamento entre o mundo fictício e o mundo real só ultrapassado com a ajuda da sua tia que acabou por lhe dar a mão após o abandono dos pais que fez com que não indicasse um lugar para poder ser legalmente notificado.

e) O Recorrente encontra-se empregado desde Novembro de 2014, primeiro trabalhando para a empresa WECREATE, conforme documento n.º 1, que ora junta, e actualmente encontra-se a trabalhar para a IBER KING RESTAURAÇÃO, SA, de acordo com o documento n.º 2 que igualmente junta.

f) Após conseguir juntar algum dinheiro conseguiu finalmente arranjar uma habitação para residir e poder legalmente ser notificado, cuja é a seguinte: Rua X... - Aveiro.

g) Por se encontrar totalmente integrado na sociedade, e dada a dificuldade de se encontrar trabalho nos dias de hoje, deverá ser-lhe facultada uma nova possibilidade do cumprimento das 210 horas de trabalho a favor da comunidade em vez da pena de prisão.

g) Pois assim não sucedendo, quebrar-se-á o seu processo de ressocialização fazendo com que perca o seu trabalho e que prejudique o seu estado de saúde a nível psíquico.

h) Quanto ao pressuposto material, atenta a ausência de antecedentes criminais, o facto de a nível pessoal e profissional se encontrar perfeitamente enquadrado na sociedade, ser respeitado por aqueles com quem convive, e o comportamento recto posterior ao crime, também se verificaria, in casu.

i) Porque o recorrente se encontra actualmente perfeitamente integrado socialmente, é de entender que a simples censura do facto e a ameaça de prisão realizariam, de forma adequada e suficiente, as finalidades da punição (art.º 40.º do código Penal).

j) No âmbito das finalidades das penas (mesmo art.º 40.º), o despacho recorrido ostracizou a reinserção social do ora recorrente.

k) Ao decidir pela forma em que o fez, o Tribunal a quo ignorou por completo a prevenção especial conducente a este caso e a ressocialização do infractor, optando por prejudicar para além do estritamente razoável a vida do arguido, infligindo-lhe um sacrifício e um castigo manifestamente severo, desproporcionado e inútil.

l) Na óptica do recorrente, é imperioso conceder-se-lhe uma nova possibilidade do cumprimento das 210 horas de trabalho a favor da comunidade em vez da pena de prisão pois desta forma quebrar-se-ia o seu processo de ressocialização fazendo com que este perca o seu trabalho e que prejudique o seu estado de saúde a nível psíquico.

m) O despacho recorrido violou o disposto nos art.ºs 40.º e 59.º n.º 2, ambos do Código Penal.

Terminou pedindo a revogação do despacho recorrido e a sua substituição por outro que vá de encontro à propalada pretensão do recorrente.

1.4. Notificado ao efeito, respondeu o Ministério Público pugnando pela improcedência do recurso.

1.5. Cumpridas as formalidades devidas e remetidos os autos a esta Relação, o Exmo. Procurador-Geral Adjunto, com vista de acordo com o art.º 416.º do Código de Processo Penal, emitiu parecer conducente a idêntico improvimento do recurso.

1.6. Cumprido o disposto no art.º 417.º, n.º 2, do já elencado Código de Processo Penal, não foi apresentada resposta.

1.7. Efectuado o exame preliminar, determinou-se que o recurso fosse julgado em conferência.

Colhidos os vistos legais e tendo o processo ido à conferência, cumpre apreciar e decidir.


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II – Fundamentação.

2.1. De acordo com o disposto no art.º 412.º, do Código de Processo Penal, e com a Jurisprudência fixada pelo Acórdão do Plenário da Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça n.º 7/95, de 19 de outubro de 1995, publicado na I.ª Série do Diário da República, de 28 de dezembro seguinte (neste sentido, que constitui jurisprudência dominante, podem consultar-se, entre outros, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 12 de Setembro de 2007, proferido no processo n.º 07P2583, acessível em www.dgsi.pt, que se indica pela exposição da evolução legislativa, doutrinária e jurisprudencial nesta matéria), o objecto do recurso define-se pelas conclusões que o recorrente retira das respectivas motivações, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso.

Na verdade e apesar do recorrente delimitar, com as conclusões que extirpa das suas motivações de recurso, o âmbito do conhecimento do tribunal ad quem, este contudo, como se afirma no citado aresto de fixação de jurisprudência, deve apreciar oficiosamente da eventual existência dos vícios intrínsecos à decisão recorrida e ainda à indagação de alguma das causas de nulidade dessa decisão, nos termos dos art.ºs 379.º e 410.º, n.ºs 2 e 3, ambos do Código de Processo Penal.

In casu, porque não intercede fundamento conducente à intervenção oficiosa deste Tribunal da Relação, e de acordo com as conclusões do recorrente, a questão decidenda reside em apurarmos se é de revogar a decisão recorrida por ter aplicado incorrectamente o disposto no art.º 59.º, n.º 2, al. b), do Código Penal [com efeito, e pese embora a invocação no despacho recorrido ao disposto pelas diversas alíneas deste n.º 2, verdade é que como fundamento para a revogação imposta apenas aí foi assumido o fundamento elencado nessa al. b)].

Vejamos, então:

2.2. Como resulta deste normativo, e relembramos, “O tribunal revoga a pena de prestação de trabalho a favor da comunidade e ordena o cumprimento da pena de prisão determinada na sentença se o agente, após a condenação se recusar, sem justa causa, a prestar trabalho, ou infringir grosseiramente os deveres decorrentes da pena a que foi condenado.

Como escreveu o Prof. Figueiredo Dias[1], a pena de prestação de trabalho a favor da comunidade possui um “altíssimo valor”, que “faz dela, porventura, a criação mais relevante, até hoje verificada, do arsenal punitivo de substituição da pena de prisão. Joga nisto o seu papel, por um lado, a ideia de centrar o conteúdo punitivo na perda, para o condenado, de uma parte substancial dos seus tempos livres, sem por isso o privar de liberdade e permitindo-lhe consequentemente a manutenção íntegra das suas ligações familiares, profissionais e económicas, numa palavra, a manutenção do contacto com o seu ambiente e a integração social; por outro lado, com não menor importância, o conteúdo socialmente positivo que a esta pena (e só a ela!) assiste, enquanto se traduz numa prestação ativa (e, ao menos numa certa aceção, «voluntária») a favor da comunidade.”

De acordo com os fins de política criminal referidos, e se elencou no despacho revidendo, o art.º 7.º, n.ºs 1 e 2, do Decreto-Lei n.º 375/97, de 24 de dezembro, impõe ao condenado o dever de cumprir as obrigações de trabalho decorrentes da decisão judicial e acatar as orientações para e durante a sua execução e está especificamente obrigado a certos procedimentos relativamente ao tribunal e às entidades que supervisionam o cumprimento da pena, para que se torne possível o seu início e a adequada execução.

Como já se disse, o art.º 59.º, n.º 2 do Código Penal, regula os casos em que o tribunal revoga a pena de prestação de trabalho a favor da comunidade e ordena o cumprimento da pena de prisão determinada na sentença se o agente, com a sua conduta posterior, preencher um ou vários dos acima enunciados pressupostos. Ou seja, a revogação do trabalho a favor da comunidade nos termos desta norma, pressupõe sempre uma actuação, no mínimo, culposa do condenado, por nela se fazer referência a uma actuação grosseira, expressão que, naturalmente, denuncia a intenção do legislador de fazer relevar apenas condutas merecedoras de grave censura.

Não basta uma qualquer violação destes deveres e obrigações, exigindo-se antes que ela ocorra em grau particularmente elevado, assumindo-se como intolerável, face aos fins que determinaram a aplicação da pena substitutiva. Nesse sentido, a violação grosseira de que fala a norma, há-de traduzir uma indesculpável actuação, em que o comum dos cidadãos não incorre, não merecendo assim ser tolerada.

As causas de revogação da medida não deverão, deste modo, ser entendidas formalmente, antes deverão indiciar a falência, irremediável, do juízo de prognose inicial que fundamentou a sua aplicação e a anulação infalível da esperança de, por meio daquela, manter o delinquente, no futuro, afastado da criminalidade. Assim, só será legítimo concluir pela revogação da prestação de trabalho a favor da comunidade e aplicação da pena de prisão se existirem, efectivamente e em concreto, elementos de facto para concluir que o condenado não só actuou de forma grosseira (com culpa) mas também não oferece as condições pessoais essenciais ao êxito do seu processo de reinserção social em liberdade nem revela, enfim, a motivação para tanto necessária.

Conhecida a preferência do legislador pelas penas não detentivas e a sua cruzada contra as penas de prisão, sobretudo, as de curta duração, a revogação da prestação de trabalho a favor da comunidade por uma pena de prisão tem de ser perspectivada como uma solução extrema dentro do condicionalismo apertado do art.º 59.º, n.º 2 em causa.

Isto não olvidando o que também se expende no Acórdão da RE de 06-10-2015[2]: «A prisão como última ratio não deve ser uma mera afirmação de princípio, mas uma exigência de concretização permanente no direito aplicado. E à prisão como última ratio da política criminal, à necessidade de compressão do efeito estigmatizante e criminógeno da prisão, ao reforço da preferência pela “não prisão” nos casos da pequena e média criminalidade e nas penas curtas de prisão, alia-se, hoje, a discussão sobre a utilidade da própria prisão, na dicotomia “pena de prisão incapacitante do delinquente” versus “pena de prisão como meio de reinserção social”. O referente será sempre o de “punir para reintegrar” e, não, o de punir para “segregar” ou “castigar”.».

Mau grado ou, melhor, mesmo tendo em perspectiva tais ditames, analisados os concretos contornos da actuação do arguido no presente caso, verifica-se, sem dúvida, que o mesmo, volvidos quase três anos sobre a data do trânsito em julgado da sentença condenatória, não interiorizou, como devia, o valor da prestação de trabalho a favor da comunidade que lhe foi determinada, infringindo grosseiramente os deveres decorrentes dessa pena.

Na verdade, e a fazer fé nos dizeres do despacho recorrido, solicitada aos serviços de reinserção social a elaboração de plano de execução da pena substitutiva facultada, a mesma não se logrou porquanto, de acordo com informações desses serviços, apesar das diligências empreendidas, o arguido, não obstante por diversas vezes convocado, jamais compareceu; em consequência, designadas datas para tomada de declarações ao arguido, faltou o mesmo, injustificadamente, e sequer se logrou obter a respectiva comparência, mediante a emissão de mandados de detenção; até ao momento da prolação do despacho sob censura jamais o recorrente havia cumprido quaisquer horas de prestação de trabalho a favor da comunidade; efectuada pesquisa informática nas bases de dados dos serviços da segurança social, resultaram elementos que apontam no sentido de que o arguido residirá e trabalhará em Aveiro, localidade onde foi tentada a sua detenção, a fim de ser ouvido em Tribunal; através da PSP, foram os autos informados de que o arguido reside em Aveiro e trabalha nessa cidade; o arguido (aditamos nós) em violação ao disposto no art.º 196.º do Código de Processo Penal, ausentou-se do que era a sua morada inicial nos autos, sem que do facto tivesse dado conhecimento correspondente.

Ante tal actuação (omissiva) a conclusão do tribunal recorrido é pois perfeitamente de acolher. O arguido denotou – reiteradamente – uma total ausência de interiorização da condenação proferida nos autos e total ausência de postura crítica relativamente às obrigações que lhe incumbiam de não protelar/evitar a execução da pena substitutiva em questão, e que apenas a agora próxima situação de cumprimento efectivo da pena de prisão fez alardear.

Acresce que, e como decorre do disposto no art.º 58.º, n.º 1, do Código Penal, a pena de prisão (não superior a dois anos - pressuposto formal -) pode ser substituída por prestação de trabalho a favor da comunidade, sempre que seja de concluir que, por este meio, se realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição plasmadas no art.º 40.º do Código Penal (pressuposto material).

O pressuposto material para a substituição da prisão pela prestação de trabalho a favor da comunidade é, pois, o de que esta realize de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.

Por isso, tem de entender-se, a contrario sensu, que a revogação da prestação de trabalho a favor da comunidade (com o consequente cumprimento da pena de prisão) é imposta pela formulação de um juízo de recusa injustificada a prestar trabalho, desde que inferido, tanto de uma actuação activa, quanto omissiva (o caso vertente) do visado que não colabora como devido tendo em vista a sua adequada realização[3].

Como resulta dos autos, e bem vistas as coisas, o arguido nunca interiorizou a gravidade do crime praticado nem a essência da condenação sofrida, e, por isso, nunca mostrou efectiva receptividade à pena de prestação de trabalho a favor da comunidade que lhe foi aplicada, não entendendo (ou não querendo entender) o significado dessa pena, o que, além do mais, é indicativo da inadequação da manutenção de tal pena no caso concreto, impondo-se o cumprimento da pena de prisão.

E nem se diga que o entendimento acolhido possa por exemplo violar os princípios da proporcionalidade e da adequação, obstando a que o arguido interrompa ou quebre o seu processo de ressocialização, perca o seu trabalho e tenha uma recaída no seu estado de saúde psíquica.

É que, e como bem se escreveu em aresto desta Relação de Coimbra[4], “o direito à liberdade é, obviamente, um direito fundamental, com assento no art.º 27.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa e por isso, nos termos do art.º 18.º, n.º 2, da Lei Fundamental, só pode ser restringido nos casos nela expressamente previstos e nos limites necessários à salvaguarda de outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos. Aqui se consagra, portanto, o princípio da proporcionalidade ou da proibição do excesso, integrado pelos [sub] princípios da adequação, da exigibilidade e da proporcionalidade em sentido restrito, exigindo este que os meios legais restritivos e os fins obtidos se situem numa «justa medida», impedindo-se a adoção de medidas legais restritivas desproporcionadas, excessivas, em relação aos fins obtidos (cfr. Profs. Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, Volume I, 4.ª Edição Revista). Porém, o art.º 27.º, n.º 2, da Constituição da República Portuguesa, admite a privação da liberdade em consequência de sentença judicial condenatória pela prática de ato punido por lei com pena de prisão. Que o arguido cometeu um crime que foi punido, nos termos da lei, com pena de prisão, não vem questionado. E que, subjacente à sentença condenatória proferida pelo tribunal a quo está o entendimento adiantado pelo recorrente de que a prisão só deve ser aplicada quando outras penas, menos gravosas, não acautelem as finalidades da punição, é o que manifestamente resulta da circunstância de a pena de prisão ter sido substituída pela pena de PTFC. Se assim não fosse, o tribunal não teria, como é óbvio, substituído a pena privativa da liberdade por uma pena não detentiva. Mas, nesta fase, ultrapassada que está a da escolha da pena, o recorrente parece ignorar que a PTFC é uma pena criminal, e que é a sua própria natureza de pena de substituição que determina que, em caso de incumprimento, seja executada a pena substituída, portanto, seja executada a pena de prisão (art.º 59º, n.º 2, do C. Penal). E esta consequência não é excessiva nem desproporcionada, pois só assim pode ser conferida efectividade à pena de substituição e aumentada a esperança de evitar a prisão.”

Tudo para concluirmos pela manutenção do despacho recorrido.


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III – Dispositivo.

Nos termos e pelos fundamentos expostos, acordam os juízes deste TRC em negar provimento ao recurso interposto pelo arguido e, em consequência, decidem manter o despacho recorrido.

Custas pelo recorrente, fixando-se em três UC a taxa de justiça devida (sem prejuízo de eventual concessão de apoio judiciário e/ou de legal isenção) – cfr. art.ºs 513.º, n.ºs 1 a 3, do Código de Processo Penal e 8.º, n.º 9 e tabela III, do Regulamento das Custas Processuais.


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Coimbra, 21 de junho de 2017

(Brizida Martins – relator)

(Orlando Gonçalves – adjunto)




[1] In “Direito Penal Português - As Consequências Jurídicas do Crime”, Coimbra Editora, 2011, pág. 372, § 573.
[2] Recurso n.º 252/10.8 PAOLH.E1, relatado pela Exma. Desembargadora Ana Brito, e acessível em www.dgsi.pt.
[3] Com interesse Ac. RE, in recurso n.º 68/11.4 G8FTR.E1, acessível em www.dgsi.pt.
[4] De 11 de setembro de 2013, sendo Relator o Exmo. Desembargador Vasques Osório, igualmente acessível in www.dgsi.pt.