Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
247/19.6T8FVN.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: CRISTINA NEVES
Descritores: TUTELA DA PERSONALIDADE
CUMULAÇÃO DE PEDIDOS
EXCESSO DE PRONÚNCIA
DIREITO AO REPOUSO
AO SONO E TRANQUILIDADE
DIREITO DE EXPLORAÇÃO DE UMA ACTIVIDADE ECONÓMICA
Data do Acordão: 06/28/2022
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: JUÍZO DE COMPETÊNCIA GENÉRICA DE FIGUEIRÓ DOS VINHOS DO TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE LEIRIA
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA EM PARTE POR UNANIMIDADE
Legislação Nacional: ARTIGOS 17.º, 18.º, 25.º, 64.º, N.º 1 E 66.º, DA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA PORTUGUESA, ARTIGOS 3.º E 25.º DA DECLARAÇÃO UNIVERSAL DOS DIREITOS DO HOMEM, ARTIGOS 37.º, 547.º, 555.º, 878.º, DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL, ARTIGOS 70.º, 165.º E 335.º, DO CÓDIGO CIVIL, E ARTIGOS 2.º E 22.º DA LEI N.º 11/87, DE 7-04.
Sumário: I - O lesado, na defesa dos seus direitos de personalidade, pode optar ou pela interposição de uma acção comum que, em cumulação com o pedido de cessação da ofensa cometida, permita a obtenção de uma indemnização pela violação dos seus direitos ou pelas providências urgentes de tutela da personalidade a que corresponde a forma de processo especial.

II- Não existe excesso de pronúncia quando, improcedendo o pedido principal de encerramento de estabelecimento comercial por ofensa a direitos de personalidade, se decidiu pela restrição do horário de laboração do estabelecimento, por constituir um minus em relação a este pedido e ainda por se enquadrar nos pedidos subsidiários formulados de que o tribunal teria de conhecer.

III - O direito à integridade física, ao repouso e à saúde, consagrado no artº 24 da Constituição, é um direito absoluto beneficiando do regime dos direitos liberdades e garantias protegidos pelos artºs 17 e 18 da Constituição.

IV – O direito de exploração económica de uma actividade constitui um direito económico, que só pode ser exercido “nos quadros definidos pela Constituição e pela lei e tendo em conta o interesse geral” (nº1 do artº 61), não constituindo assim um direito absoluto.

V- Em caso de colisão deste direito com direitos absolutos de personalidade, prevalecem estes últimos, conforme decorre do disposto no artº 335 nº2 do C.C.

VI - O ruído provocado por música e conversas de um estabelecimento de café/pub, que impede o sono e o descanso de quem habita em frente deste estabelecimento, constitui uma violação de um direito de personalidade, mesmo que o nível de ruído não exceda os limites fixados no Regulamento Geral de Ruído.

VII – A restrição do horário de laboração do estabelecimento para as 22 horas nos dias de semana e as 24 horas nas sextas-feiras, sábados e vésperas de feriados e a insonorização deste estabelecimento constituem mediadas adequadas e proporcionais à tutela dos direitos de personalidade, sem impossibilitarem o direito ao exercício de uma actividade económica.

VIII - -O licenciamento de actividade comercial e o cumprimento de regras administrativas pelos estabelecimentos comerciais não isenta os respectivos gerentes dos deveres de prevenção de ruídos que afectem o direito ao descanso e ao sossego de quem habita nas proximidades, incorrendo estes em responsabilidade civil extra-contratual pelos danos causados pela actividade em causa.

Decisão Texto Integral:

Acordam os Juízes na 3ª Secção do Tribunal da Relação de Coimbra


RELATÓRIO


AA, intentou a presente ação declarativa em processo comum contra BB, F... Lda., CC, e DD, formulando os seguintes pedidos principais:

i. Ser declarado nulo o contrato de arrendamento (ou de cedência) industrial de restauração que celebraram entre si, do rés do chão e da garagem anexa, do estabelecimento sito na Rua ..., ..., em ..., dos dois prédios urbanos descritos na Conservatória do Registo Predial ... sob os números ...04 e ...44, da freguesia ... e o consequente encerramento definitivo do estabelecimento composto por ambos os prédios (de habitação e de garagem).

ii. Serem os Réus BB, F... Lda. e CC condenados, solidariamente, a pagarem à Autora uma indemnização de €22.860,00 (vinte e dois mil, oitocentos e sessenta euros) pelos danos morais causados no período compreendido entre 13-01-2016 e 01-03-2019.

iii. Serem os Réus BB e DD condenados, solidariamente, a pagarem à Autora uma indemnização de €50,00 (cinquenta euros) diários desde o dia 01-03-2019 até ao dia do encerramento definitivo do estabelecimento, por danos morais e por perda de chance de não poder a Autora a arrendar a sua casa.

A título subsidiário peticionou a Autora a condenação do Réu DD a:

iv. Retirar a esplanada e o toldo que ocupa a rua em frente ao estabelecimento.

v. Manter a porta de entrada do bar com um sistema que a feche automaticamente após a entrada/saída dos clientes.

vi. Não manter qualquer instalação sonora no interior do estabelecimento.

vii. Encerrar o estabelecimento às 20h00 nos meses de janeiro, fevereiro, março, outubro, novembro e dezembro e às 22h00 nos meses de abril, maio, junho, julho e agosto, pagando uma indemnização pecuniária compulsória de €100,00 (cem euros) no primeiro mês e de €150,00 (cento e cinquenta euros) nos meses seguintes, por cada dia de atraso no cumprimento da presente decisão.

viii. Insonorizar, no prazo de 60 (sessenta) dias, todo o interior do estabelecimento com isolamento acústico total, de forma a não serem audíveis na rua os ruídos e/ou barulhos nele produzidos.

Para o efeito alegou a A., em síntese, ser comproprietária de uma casa de habitação sita na Rua ..., ..., em ..., em frente da qual se situa o prédio urbano propriedade do 1º Réu, que o cedeu em arrendamento aos 2º e 3º RR. e posteriormente ao 4º R., para o exercício da actividade de restauração e lazer, quando o fim a que se destina este prédio urbano é exclusivamente habitacional.

Mais alega que o exercício da actividade comercial de café/bar no prédio em apreço a impede, a si aos seus filhos, netos e bisnetos, de usufruir de qualidade de vida, de sossego, de descanso e de tranquilidade nas temporadas que passam na casa sita em ..., tendo-se desvanecido a alegria que sentiam de vir à vila gozar férias, feriados, aniversários e dias festivos e impedindo-a de arrendar parte do seu prédio, em consequência do ambiente degradado que se manifesta na rua em que ambas as habitações se situam e do ruído que advém do prédio em frente.


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Regularmente citados, todos os RR. contestaram invocaram a excepção de ilegitimidade activa da A. para a presente acção, por preterição de litisconsórcio necessário.

O 1º R. invocou, ainda, a ilegitimidade activa da A. para formular o primeiro pedido principal e a ininteligibilidade do segundo e terceiro pedidos principais formulados contra si. Peticionou ainda a condenação da Autora em multa e indemnização a seu favor, em quantia não inferior a € 5.000 (cinco mil euros), com fundamento em litigância de má-fé.

Por sua vez, os demais RR. invocaram a ilegitimidade passiva do 3º R., a ineptidão da petição inicial, por ser ininteligível a indicação do pedido ou causa de pedir e por o pedido estar em contradição com a causa de pedir.

Vieram ainda deduzir pedido de condenação da Autora como litigante de má-fé, em multa e indemnização condignas.


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Dispensada a audiência prévia, fixou-se o valor da causa em € 30.000,01 e proferiu-se despacho saneador, no qual se julgou procedente a excepção de ilegitimidade activa da Autora para o primeiro pedido principal (ser declarado nulo o contrato de arrendamento celebrado entre o 1º e os demais RR.) e, em consequência, se absolveram todos os RR. do referido pedido.

Conheceu-se, igualmente, da manifesta inviabilidade do segundo e terceiro pedidos formulados contra o 1º R. BB, absolvendo-o dos mesmos.

Foram julgadas improcedentes a excepção de ilegitimidade activa da Autora, a excepção de ilegitimidade passiva do 3º R. Réu e a excepção de ineptidão da petição inicial


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Realizou-se audiência de discussão e julgamento, com observância do formalismo legal, após o qual se proferiu a seguinte

V. DECISÃO

1. Pelo exposto, julga-se a ação parcialmente procedente e, em consequência, decide-se:

i. Condenar os Réus F... Lda. e CC, solidariamente, a pagar à Autora a quantia de €500,00 (quinhentos euros), a título de danos não patrimoniais, absolvendo-os do restante peticionado.

ii. Condenar o Réu DD a pagar à Autora a quantia de €500,00 (quinhentos euros), a título de danos não patrimoniais, absolvendo-o do restante peticionado.

iii. Condenar o Réu DD a retirar a esplanada que ocupa a rua em frente ao estabelecimento descrito em 4 e ss dos factos provados, a partir das 22h00 todos os dias.

iv. Condenar o Réu DD no encerramento do estabelecimento descrito em 4 e ss dos factos provados às 22h00 de domingo a quinta-feira e 24h00 à sexta feira, sábado e vésperas de feriado, todos os meses do ano, mais se fixando a sanção pecuniária compulsória de €50,00 (cinquenta euros) por cada dia de não cumprimento da presente decisão, absolvendo-o do demais peticionado quanto a medidas restritivas de funcionamento do mesmo, quanto ao pedido de arbitramento de indemnização por perda de chance de arrendamento e demais peticionado.

2. Julga-se improcedente o incidente de litigância de má-fé deduzido pelos Réus, absolvendo-se a Autora do pagamento de uma multa e indemnização.

3. Condena-se a Autora e os Réus litisconsortes F... Lda. e EE no pagamento das custas do processo relativamente ao segundo pedido, na proporção do respetivo decaimento que se fixa em 98% e 2%, respetivamente.

4. Condena-se a Autora e o Réu DD no pagamento das custas do processo relativamente ao terceiro pedido e às providências destinadas à tutela da personalidade, na proporção de metade.


***


Não conformada com esta decisão impetrou a A. recurso da mesma, formulando afinal, as seguintes conclusões:


“Primeira

O valor da indemnização por danos morais que os RR, foram condenados deve ser alterado para o valor peticionado de 22.860,00 € porque, salvo o devido respeito, houve uma errada interpretação e aplicação da lei, designadamente o disposto nos artigos 483 e 496.1 do CC e 1, 14.1, 15, 18, 28 do DL 9/2007 de 17.01.

Segunda

Também o valor da sanção pecuniária compulsória deve ser alterado para o valor peticionado de 500,00 € diários (esta sanção não tem a natureza de danos morais). Foi feita uma errada interpretação do disposto no artigo 829-A do CC.

Terceira

Só com a insonorização do estabelecimento serão, efectivamente, respeitados os direitos da A., mormente, tendo em conta o histórico comportamento dos RR. Junta cópia do ocorrido na véspera de Natal passado, com desrespeito total pelas normas sanitárias anti-covid1 19, (ruido excessivo, não distanciamento físico, venda de bebidas alcoólicas) comunicado aos Ministérios da Administração Interna e da Saúde.

Assim, alterando VV. Exas a douta sentença como se pede, será cumprida a vossa alta tarefa de fazer JUSTIÇA.”


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Os RR. CC e F... Lda. vieram interpor recurso independente e subordinado com fundamentos semelhantes, concluindo da seguinte forma:

B) CONCLUSÕES:

O presente recurso assenta:

A) Na inadmissibilidade de cumulação de pedidos em Acção de Processo Comum (responsabilidade extra contratual por violação de direitos absolutos) com pedidos atinentes a processos especiais (pedido destinado à tutela da personalidade) - excepção dilatória inominada – artigos 576.º, 577.º e 578.º do Código de Processo Civil, e caso assim não se considere,

B) Na nulidade da sentença – artigo 615.º, n.º 1 alínea d) do Código de Processo Civil;

C) Na nulidade da sentença – artigo 615.º, n.º 1 , alínea e) do Código de Processo Civil;

D) Na impugnação da decisão sobre a matéria de facto- erro de julgamento.

E) Na Impugnação da matéria de Direito: Da não verificação dos pressupostos da responsabilidade extra contratual- violação do artigo 483.º do Código Civil; Da violação do artigo 165.º do CC.

F) Na Existência de Litigância de Má-fé – violação do artigo 542.º, n.º 1 alínea b) do Código de Processo Civil

Desta feita e concretizando:

A) Da inadmissibilidade de cumulação de pedidos em Acção de Processo Comum (responsabilidade extra contratual por violação de direitos absolutos) com pedidos atinentes a processos especiais (pedido destinado à tutela da personalidade) - excepção dilatória inominada – artigos 576.º, 577.º e 578.º do Código de Processo Civil:

1) O douto Tribunal “ a quo” - considera que da senda da Presente Acção de Processo Comum para apuramento de Responsabilidade Extra- Contratual, é possível ocorrer cumulação de pedidos destinados à tutela da personalidade com contemplação na esteira de Processo Especial – artigos 878.º, 879.º e 880.º do C.P.C;

2) A presente acção é uma Acção de Responsabilidade Civil Extra Contratual por violação dos direitos de personalidade (cfr. Artigo 70.º, n.º 2 do CC e artigo 483.º do C.P.C – este apenas contempla a possibilidade de indemnizar), sendo que o meio processual adequado para requerer que sejam decretadas providencias tutelares preventivas ou atenuantes, é o processo especial de tutela de personalidade que se encontra previsto actualmente nos artigos 878.º, 879.º e 880.º do Código de Processo Civil.

3) Os Recorrentes consideram que o artigo 546.º do C.P., determina as formas de processo (comum ou especial) e por seu turno nos termos conjugados do artigo 555.º e 37.º do C.P.C é permitida a cumulação de pedidos, desde que com respeito pelas normas determinadas neste último.

4) O artigo 37.º do C.P.C não permite a cumulação de pedidos com formas de processo diferente (processo comum e especial) pelo que não é possível no mesmo processo, a coligação de vários pedidos assentes em tal diferenciação processual.

5) Pelo que “ in casu” a apreciação de pedidos cuja cumulação não seria admitida consubstancia-se como excepção dilatória inominada o que haveria de ter levado à absolvição da Instância, quanto a tal pedido subsidiário, nos termos conjugados dos artigos 576.º, 577.º e 578.º do Código de Processo Civil.

Não se considerando como excepção dilatória sempre se entenderá estramos perante, nulidade da sentença nos termos do artigo 615.º, n.º1, alínea d) do Código de Processo Civil.

Desta feita e concretizando,

B) DA NULIDADE DA SENTENÇA – ARTIGO 615.º, N.º 1 ALÍNEA D) DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL

6) Tal como defendido, não poderia e nos termos conjugados do artigo 546.º, 555.º, 37.º, e 878.º a 889.º do C.P.C admitir o douto Tribunal “a quo” a cumulação de pedidos na presente acção em concreto o pedido de condenação em responsabilidade extra contratual, com o pedido de decretamento de providências salvaguardantes dos direitos de personalidade.

7) Pelo que ao pronunciar-se sobre pedido, cuja cumulação não seria possível nos termos legais, incorreu o douto Tribunal “ a quo” e ressalvando o devido respeito por opinião diversa, em Nulidade da sentença nos termos do artigo 615.º, n.º1 alínea d) do C.P. C

C.DA NULIDADE DA SENTENÇA – ARTIGO 615.º, N.º 1 , ALÍNEA E) DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL

8) O Douto Tribunal “ a quo” determina para além da cumulação de pedidos contestada supra que atenta a mesma pode e na senda do princípio da necessidade, proporcionalidade e da adequação proceder à modelação das providências requeridas na senda da tutela de personalidade.

9) Posição que os Recorrentes impugnam expressamente e que não corroboram por considerar que o douto Tribunal “ a quo” condenou em pedido diverso do objecto, o que e ressalvando o devido respeito por opinião diversa se consubstancia como nulidade na senda do artigo 615.º, n.º 1, alínea e), 609.º do C.P.C - princípio do dispositivo - e coloca em causa o subjacente princípio da estabilidade da Instância e da Segurança Jurídica na expectativa das partes quanto ao desfecho da Acção em curso.

10) E salvo melhor entendimento, não se pode considerar tal modelação tendo por base o princípio da adequação necessidade e proporcionalidade porquanto também nas acções de processo especial (cujo pedido se afere) vinga o princípio do pedido nos termos conjugados do artigo 609.º e 879.º, n.º 4 do C.P.C

11) E ademais, as alterações ao C.P.C de 2013 que conduziram à saída de tal processo especial dos Processos de Jurisdição Voluntária, apontam igualmente em tal posicionamento atento o facto de num Processo de Jurisdição Voluntária as decisões serem modificáveis, diferente do que ocorre nos Processos judicias sem tal contemplação.

12) Motivos pelos quais se considera que a Douta Sentença padece de Nulidade nos termos do artigo 615.º, n.º 1, alínea e) do Código de Processo Civil.

D) DA IMPUGNAÇÃO DA DECISÃO SOBRE A MATÉRIA DE FACTO: ERRO DE JULGAMENTO

13) O Presente Recurso, impugna parte da decisão sobre a matéria de facto dada como provada pelo Douto tribunal “ a quo”, porquanto

14) O Recorrente considera incorrectamente julgados os factos dados como provados nos pontos 41, 42, 43, 44, 45, 46, 47, 48, 49 da Douta Sentença ora recorrida.

 15) Quanto à Factualidade dada como provada em 41 : Os factos dados como provados em 41 da matéria de facto dada como provada não o deveriam ter sido enquanto tal porquanto das declarações de Parte do Réu CC [ depoimento no dia 19 de Outubro de 2020 conforme consignado em acta do referido dia, gravado através do sistema “ H@bilus Media Studio ” no ficheiro identificado sob o n.º ...26 _3911922 _ 2870994- minuto 04:00 –05:40] das declarações de Parte do Réu DD [depoimento no dia 19 de Outubro de 2020 conforme consignado em acta do referido dia, gravado através do sistema “H@bilus Media Studio” no ficheiro identificado sob o n.º 20201019154039_3911922_2870994 – minuto 02:00 – 03: 0 0 e 05:00-6:11], do depoimento da testemunha FF [ prestou depoimento no dia 20 de Outubro de 2020 conforme consignado em acta do referido dia , gravado através do sistema “ H@bilus Media Studio” no ficheiro identificado sob o n.º 20201020150059_3911922_2870994 minutos 03:30 – 4:00 ] e do depoimento da Testemunha GG [prestou depoimento no dia 19 de Outubro de 2020 conforme consignado em acta do referido dia, gravado através do sistema “ H@bilus Media Studio ” no ficheiro identificado sob o n.º 20201020113513_3911922_2870994 – minutos 15:00 - 15:43] resulta matéria diversa no sentido de que a autora raramente vem a ..., que não poderia ter conduzido à que de dá como provada no presente ponto, mas e tão só à que se entende que haveria de ser dada como provada “A Autora passou temporadas com o marido, filhos , netos e bisnetos no prédio identificado em 1), designadamente durante todo o mês de Agosto, parte dos meses de Setembro e Outubro, 15 dias durante as épocas festivas de Natal e fim de ano, 15 dias na Páscoa, o carnaval e alguns fins de semana, sendo que pelo menos desde 2016 a mesma raramente vem a ....

16) Quanto à Factualidade dada como provada em 42, 43, 44 e 45, 47 : os factos dados como provados não o deveriam ter sido enquanto tal, porquanto das declarações de Parte do Réu CC [que prestou declarações no dia 19 de Outubro de 2020 conforme consignado em acta do referido dia, gravado através do sistema “H@bilus Media Studio ” no ficheiro identificado sob o n.º ...26 _3911922 _2870994 , minutos 07:15 – 08h45; 12:00 – 13:06; 17h17 –18h25;23h44 – 24h27 e 27h20 – 27h55 ] ; das Declarações de parte do Réu DD [ que prestou depoimento no dia 19 de Outubro de 2020 conforme consignado em acta do referido dia, gravado através do sistema “ H@bilus Media Studio ” no ficheiro identificado sob o n.º 20201019154039_3911922_2870994 minutos 07:55 - 08; 11:26 – 11:47 ] do depoimento da testemunha HH [que prestou depoimento no dia 19 de Outubro de 2020 conforme consignado em acta do referido dia , gravado através do sistema “ H@bilus Media Studio ” no ficheiro identificado sob o n.º 20201020100829_3911922_2870994, minutos 02:00 – 02:48 ; 05:59 – 07:36 ; 10:20 – 10:43 ; 12:02 – 12:16 ; 14:15 – 14:35 ; 14:53; 24:47 – 25:55; 26:59 – 28:00 ] do depoimento da Testemunha FF [ que prestou depoimento no dia 20 de Outubro de 2020 conforme consignado em acta do referido dia, gravado através do sistema “ H@bilus Media Studio ” no ficheiro identificado sob o n.º 20201020150059_3911922_2870994 minutos 1h00 – 1h30 ; 02:36 – 1h30 ; 04:28 –05:10 ] e do depoimento de FF e II [prestou depoimento no dia 20 de Outubro de 2020 conforme consignado em acta do referido dia, gravado através do sistema “ H@bilus Media Studio ” no ficheiro identificado sob o n.º 20201102151116_3911922_2870994 minutos 03:00 –04:11], resulta matéria diversa, se não vejamos,

17) De facto, o Douto Tribunal “a quo”, assenta e tão só a sua motivação no depoimento da Autora e não poderia dar como provadas a factualidade dada enquanto tal atenta a prova evidenciada supra. Aliás, diga-se que numa rua com cariz habitacional e tranquila , as únicas “hipotéticas” queixas da vizinhança são efectivadas pelo filho da autora, sendo que inexistem mais quaisquer queixas nesse sentido nomeadamente quanto ao ruido ou quaisquer impropérios.

18) Ademais, quem ali pernoita a 20 metros ou 100 metros bem testemunhou nessa senda [referida testemunha FF e II], não se compreendendo como e porquê o douto Tribunal “ a quo” num raciocínio não intelectualmente muito sério refere que e no que interessa às testemunhas FF e II que “ é natural que afirmem quanto a eventuais barulhos não as incomodarem, pelo motivo óbvio sendo frequentadores do espaço , não o fazendo nos períodos e locais de descanso” , quando as mesmas testemunhas habitam ai pertíssimo e quando o Hotel ... que confina paredes meias com o café não ocorreu qualquer queixa!!!!! [referido depoimento da testemunha HH e Declarações de parte dos Réus]

19) De igual forma é impercetível o dar-se como provado que a Autora era insultada pelos clientes do estabelecimento e que durante várias noites se levantou para mandar calar as pessoas e que tenha apresentado qualquer queixa junto da GNR com ausência de prova testemunhal e documental mencionada pelo douto Tribunal “ a quo” para motivação /fundamentação da prova de tal facto.

20) Pelo que a única matéria que se poderia ter dado como provada seria no sentido de que: “A Rua ... , em ... é uma zona também ela habitacional e tranquila sendo que as únicas queixas existentes na vizinhança ao B... outrora C... , o foram apresentadas pelo filho da Autora, inexistindo quaisquer outras“

21) Factualidade dada comprovada em 46: Os factos vertidos em 46 dados como provados não o deveriam ter sido enquanto tal porquanto tal factualidade e mais uma vez, assenta e tão só e conforme douta sentença nas Declarações de parte da Autora evidenciando a mesma que tais petardos o foram no “estado de emergência” [a A. prestou declarações no dia 19 de Outubro de 2020 conforme consignado em acta do referido dia, gravado através do sistema “H@bilus Media Studio” no ficheiro identificado sob o n.º 20201019142640_3911922_2870994 minutos 15:00 – 15:15 ] , situação que é amplamente contraditada [ Declarações de DD , que prestou depoimento no dia 19 de Outubro de 2020 conforme consignado em acta do referido dia , gravado através do sistema “ H@bilus Media Studio ” no ficheiro identificado sob o n.º 20201019154039_3911922_2870994, minutos 13:00 - 13:47] pelo facto de o estabelecimento e também em tal altura estar encerrado em pleno estado de emergência sujeito a ampla fiscalização e não mais consubstanciar o douto Tribunal “ a quo” o seu posicionamento em qualquer outra prova, ou pelo menos que o evidencie especificamente! 22) Factualidade dada como provada em 48: Os factos dados como provados em 48 não o deveriam ter sido enquanto tal, pelo menos e no que concerne à Autora ( peticionária dos danos), que releva nos presentes autos, não poderia ser dado como provado que a mesma apresentou diversas queixas junto da GNR e de outras entidades, não só pela ausência de prova testemunhal referida nesse sentido , bem como das declarações de parte dos Réus e do depoimento da testemunha HH [ evidenciados em 16. Das presentes conclusões] e dos documentos juntos pela Autora – Doc. 15,16,17 e 18 juntos com a P.I - e pelo Réu DD – Doc. 11 e Doc 12 da Contestação- dos quais não se afere qualquer queixa apresentada pela A.

23) Factualidade dada como provada em 49: Os factos vertidos em 49 não poderiam ter sido dados enquanto face à impugnação operada de forma parcial da matéria de facto dada como provada.

24) Não poderia o douto Tribunal “a quo” dar como provado o desgosto e danos patrimoniais da Autora atenda toda a matéria de facto produzida e que não poderia ter dado como provada, diga-se a factualidade vertida de 41 a 48 [ vide novamente pontos 53, 54, 55, 61, 62, 63 e 64 da matéria gravada já transcrita no presente recurso que aqui se dá por integralmente reproduzida para os devidos e legais efeitos].

25) Ademais, a Autora não logrou concretizar as vezes concretas que esteve em ..., em 2016 e que sentiu tal incómodo, nada sendo dado como provado nesta senda, não podendo, por isso, e também ser dado como provado o vertido em 49, que resulta naturalmente da matéria vertida de 42 a 48 que também não poderia vir a mesma dada como provada, face ao já amplamente evidenciado. Por outro lado,

26) Atenta a matéria factual que não haveria de ter sido dada como provada, haveria o Douto Tribunal “ a quo” de ter dado como provado que :

A) O Hotel ... evidenciado em 36 da matéria de facto dada como provada confina com o estabelecimento F..., outrora C....[matéria que resulta clara do depoimento das testemunhas HH – ponto 63 do presente recurso cuja prova produzida e concretas gravações impunham decisão em tal sentido; FF – ponto 64 do presente Recurso cuja prova produzida e concretas gravações impunham decisão em tal sentido; declarações do Reu CC e DD- ponto 61 e 62 do presente recurso cuja prova produzida e concretas gravações impunham decisão em tal sentido ].

B) A Autora passou temporadas com o marido, filhos , netos e bisnetos no prédio identificado em 1), designadamente durante todo o mês de Agosto, parte dos meses de Setembro e Outubro, 15 dias durante as épocas festivas de Natal e fim de ano, 15 dias na Páscoa, o carnaval e alguns fins de semana, sendo que desde pelo menos 2016 a Autora tem vindo com menos regularidade a ...[ declarações do Reu CC e DD pontos 53 e 54 cuja prova produzida e concretas gravações impunham decisão em tal sentido] depoimento da testemunha FF [ ponto 55 do presente recurso cuja prova produzida e concretas gravações impunham decisão em tal sentido] e depoimento de GG [ponto 56 do presente recurso cuja prova produzida e concretas gravações impunham decisão em tal sentido].

C) A Rua ..., em ... é uma zona também ela habitacional e tranquila sendo que as únicas queixas existentes na vizinhança relativamente ao B... outrora C..., o foram apresentadas pelo filho da Autora, inexistindo quaisquer outras [matéria que resulta clara do depoimento das testemunhas HH – ponto 63 do presente recuso cuja prova produzida e concretas gravações impunham decisão em tal sentido; FF – ponto 64 do presente Recurso; depoimento da testemunha II ponto 65 do presente recurso cuja prova produzida e concretas gravações impunham decisão em tal sentido e das declarações do Reu CC e DD ponto 53, 54, 61 e 62 do presente recurso cuja prova produzida e concretas gravações impunham decisão em tal sentido).

D) O Réu CC no exercício da sua actividade profissional actuou de forma diligente - depoimento da testemunha JJ [que prestou depoimento no dia 20 de Outubro de 2020 conforme consignado em acta do referido dia, gravado através do sistema “ H@bilus Media Studio” no ficheiro identificado sob o n.º 20201020141937_3911922_2870994, minutos 05:00 – 13:00 ; depoimento da testemunha KK [prestou depoimento no dia 20 de Outubro de 2020 conforme consignado em acta do referido dia , gravado através do sistema “ H@bilus Media Studio” no ficheiro identificado sob o n.º 20201020144831_3911922_2870994 minutos 04:00 - 05:00] depoimento de LL [que prestou depoimento no dia 20 de Outubro de 2020 conforme consignado em acta do referido dia , gravado através do sistema “ H@bilus Media Studio” no ficheiro identificado sob o n.º 20201020143613_3911922_2870994 minutos 05:20 - 06:19 da Gravação “ H@bilus Media Studio ” ] , e Declarações de MM CC [ que prestou depoimento no dia 19 de Outubro de 2020 conforme consignado em acta do referido dia, gravado através do sistema “ H@bilus Media Studio” no ficheiro identificado sob o n.º ...26 _3911922 _287099 minuto 14:10 – 15:02 ] que evidenciaram cuidado e preocupação do réu CC com a envolvência no exercício da sua actividade profissional.

E) IMPUGNAÇÃO DA MATÉRIA DE DIREITO

- Da Violação do artigo 483.º do CC : da não verificação dos pressupostos da responsabilidade extra- contratual

27) Dando-se como provado a matéria factual vertida supra e como não provada igualmente a impugnada, nunca o Douto Tribunal “ a quo” poderia concluir pela condenação em responsabilidade extra contratual do Réu CC sendo que, e naturalmente a inexistência de qualquer prática ilícita, não poderá conduzir a qualquer nexo causal cominando na reparação, in casu de danos não patrimoniais, devendo e nesta senda o réu CC ser absolvido da condenação que o vem enquanto tal no valor de 500€ ( quinhentos euros).

28) Desta feita, não poderia ter sido determinada qualquer reunião dos pressupostos de aplicação da Responsabilidade extra contratual que determinou a condenação do Reu DD.

29) E mesmo que assim não o fosse nunca o Douto Tribunal “ a quo” poderia ter aplicado qualquer dano moral, porquanto salvo melhor entendimento não se quedou provada qualquer culpa do agente, nem por contribuição própria, nem, e muito menos pode ser assacada ao Réu qualquer responsabilidade por actos ilícitos de terceiros.

30) O único facto dado como provado que poderia levar a tal conclusão e dizemos de nós de forma muito forçada, e que não aponta claramente no sentido da responsabilidade do ora Réu é a pautada na matéria de facto dada como provada em 17, embora e se o sistema de som é controlado pelo Réu não significa que o mesmo seja perturbador na senda do que assim deve ser considerado.

31) Ademais da matéria de facto que haveria de ter sido dada como provada resulta claramente que o Réu CC gerente da Ré F... Lda, adota claras condutas no sentido de afastar qualquer modalidade de culpa, até mesmo na forma de qualquer negligência.

32) Por outro lado, em momento algum pode ser atribuída ao Réu e conforme se disse supra a responsabilidade por actos ilícitos de terceiros, porquanto a conduta dos mesmos é reveladora de total controlo e preocupação com o espaço envolvente.

33) Motivos pelos quais se considera que ocorreu violação do artigo 483.º do C.C, porquanto e da matéria factual dada como provada, que não o deveria ter sido enquanto tal, mas ainda assim não resulta da mesma a responsabilidade civil extra contratual do Réu DD, nem de per si, nem como responsável por conduta de exteriores no espaço por si supervisionado.

- Da violação do artigo 165.º do Código Civil

34) Determina o artigo 165.º do CC que e transcreve-se “ As pessoas colectivas respondem civilmente pelos actos ou omissões dos seus representantes, agentes ou mandatários nos mesmos termos em que os comitentes respondem pelos actos ou omissões dos seus comissários”.

35) Ora, conforme se evidencia no Acórdão da relação de Coimbra de 18-05-1995 , no seu respectivo Sumário, “ (…)IV - Não tendo sido apurada a obrigação de indemnizar do órgão, agente ou mandatário, e dependendo da verificação deste pressuposto a obrigação de indemnização, não pode a "pessoa colectiva" ser condenada em indemnização.”

36) Neste sentido, não se verificando a Responsabilidade Civil do Gerente da sociedade F... não pode e atento tal pressuposto ocorre a sua condenação e subsequentemente a condenação da sociedade F... Lda, de forma solidária por força do artigo 165.º do Código Civil, tendo o Douto Tribunal “a quo” ocorrido em violação de tal norma.

F) Violação do artigo 542.º, n.º2, alínea b) do Código de Processo Civil: Da existência de Litigância de Má-fé.

37) A Autora deveria ter sido condenada como litigante de má-fé não só porque bem sabia não ser a proprietária, mas apenas usufrutuária do imóvel, sendo seu filho ( testemunha no presente processo)o proprietário do mesmo, mas também porque peticionou quantias indemnizatórias em períodos que bem sabia ter estado encerrado o estabelecimento hoje explorado pelo Réu DD – artigo 542.º, n.º1, alínea b) do C.P.C, encontrando-se por isso reunidos requisitos para existência de condenação em litigância de Má- Fé.

TERMOS EM QUE, E NOS MELHORES DE DIREITO QUE DOUTAMENTE SE SUPRIRÃO, E EM CONFORMIDADE, DEVE SER DADO PROVIMENTO AO PRESENTE RECURSO, QUANTO À MATÉRIA DE FACTO (SENDO OS CONCRETOS PONTOS DE FACTO IMPUGNADOS JULGADOS COMO NÃO PROVADOS E DADOS OS INVOCADOS COMO PROVADOS) E DIREITO, REVOGANDO-SE A DECISÃO RECORRIDA E, NESTA SEQUÊNCIA O RÉUS CC E A RÉ F... Lda, SEREM ABSOLVIDOS DOS PEDIDOS EM QUE VÊM CONDENADOS. JUSTIÇA!”


***

Por sua vez, o R. DD veio interpor recurso independente e subordinado, com fundamentos semelhantes e concluindo da seguinte forma:

“B) CONCLUSÕES:

 O presente recurso assenta:

A) Na inadmissibilidade de cumulação de pedidos em Acção de Processo Comum (responsabilidade extra contratual por violação de direitos absolutos) com pedidos atinentes a processos especiais (pedido destinado à tutela da personalidade) - excepção dilatória inominada – artigos 576.º, 577.º e 578.º do Código de Processo Civil, e caso assim não se considere,

B) Na nulidade da sentença – artigo 615.º, n.º 1 alínea d) do Código de Processo Civil;

C) Na nulidade da sentença – artigo 615.º, n.º 1 , alínea e) do Código de Processo Civil;

D) Na impugnação da decisão sobre a matéria de facto- erro de julgamento.

E) Na Impugnação da matéria de Direito:

Da não verificação dos pressupostos da responsabilidade extra contratual- violação do artigo 483.º do Código Civil;

Da violação das regras da cumulação de pedidos – violação dos artigos 546.º,555.º, 56.º,37.º, 878.º e 879.º do C.P.C.

Inconstitucionalidade por violação do princípio da legalidade – artigo 3.º, n.º 2 da C.R.P;

Da violação do princípio da adequação, necessidade e proporcionalidade no confronto de direitos constitucionalmente consagrados - violação dos artigos 335.º, n.º 2 do Código Civil - Inconstitucionalidade por violação do direito ao exercício da actividade comercial e direito à propriedade – artigo 61.º e 62 da C.R.P;

F) Na Existência de Litigância de Má-fé – violação do artigo 542.º, n.º 1 alínea b) do Código de Processo Civil

Desta feita e concretizando:

A) Da inadmissibilidade de cumulação de pedidos em Acção de Processo Comum (responsabilidade extra contratual por violação de direitos absolutos) com pedidos atinentes a processos especiais (pedido destinado à tutela da personalidade) - excepção dilatória inominada – artigos 576.º, 577.º e 578.º do Código de Processo Civil:

1) O douto Tribunal “ a quo” - considera que da senda da Presente Acção de Processo Comum para apuramento de Responsabilidade Extra- Contratual, é possível ocorrer cumulação de pedidos destinados à tutela da personalidade com contemplação na esteira de Processo Especial – artigos 878.º, 879.º e 880.º do C.P.C;

2) A presente acção é uma Acção de Responsabilidade Civil Extra Contratual por violação dos direitos de personalidade (cfr. Artigo 70.º, n.º 2 do CC e artigo 483.º do C.P.C – este apenas contempla a possibilidade de indemnizar), sendo que o meio processual adequado para requerer que sejam decretadas providencias tutelares preventivas ou atenuantes, é o processo especial de tutela de personalidade que se encontra previsto actualmente nos artigos 878.º, 879.º e 880.º do Código de Processo Civil.

3) O Recorrente considera que o artigo 546.º do C.P., determina as formas de processo (comum ou especial) e por seu turno nos termos conjugados do artigo 555.º e 37.º do C.P.C é permitida a cumulação de pedidos, desde que com respeito pelas normas determinadas neste último.

4) O artigo 37.º do C.P.C não permite a cumulação de pedidos com formas de processo diferente (processo comum e especial) pelo que não é possível no mesmo processo, a coligação de vários pedidos assentes em tal diferenciação processual.

5) Pelo que “ in casu” a apreciação de pedidos cuja cumulação não seria admitida consubstancia-se como excepção dilatória inominada o que haveria de ter levado à absolvição da Instância, quanto a tal pedido subsidiário, nos termos conjugados dos artigos 576.º, 577.º e 578.º do Código de Processo Civil. Não se considerando como execepção dilatória sempre se entenderá estramos perante, nulidade da sentença nos termos do artigo 615.º, n.º1, alínea d) do Código de Processo Civil.

Desta feita e concretizando,

B) DA NULIDADE DA SENTENÇA – ARTIGO 615.º, N.º 1 ALÍNEA D) DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL

6) Tal como defendido, não poderia e nos termos conjugados do artigo 546.º, 555.º, 37.º, e 878.º a 889.º do C.P.C admitir o douto Tribunal “a quo” a cumulação de pedidos na presente acção em concreto o pedido de condenação em responsabilidade extra contratual, com o pedido de decretamento de providências salvaguardantes dos direitos de personalidade.

7) Pelo que ao pronunciar-se sobre pedido, cuja cumulação não seria possível nos termos legais, incorreu o douto Tribunal “ a quo” e ressalvando o devido respeito por opinião diversa, em Nulidade da sentença nos termos do artigo 615.º, n.º1 alínea d) do C.P. C

C. DA NULIDADE DA SENTENÇA – ARTIGO 615.º, N.º 1 , ALÍNEA E) DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL

8) O Douto Tribunal “ a quo” determina para além da cumulação de pedidos contestada supra que atenta a mesma pode e na senda do principio da necessidade, proporcionalidade e da adequação proceder à modelação das providencias requeridas na senda da tutela de personalidade.

9) Posição que o Recorrente impugna expressamente e que não corrobora por considerar que o douto Tribunal “ a quo” condenou em pedido diverso do objecto, o que e ressalvando o devido respeito por opinião diversa se consubstancia como nulidade na senda do artigo 615.º, n.º 1, alínea e), 609.º do C.P.C - princípio do dispositivo - e coloca em causa o subjacente princípio da estabilidade da Instância e da Segurança Jurídica na expectativa das partes quanto ao desfecho da Acção em curso.

10) E salvo melhor entendimento, não se pode considerar tal modelação tendo por base o princípio da adequação necessidade e proporcionalidade porquanto também nas acções de processo especial (cujo pedido se afere) vinga o princípio do pedido nos termos conjugados do artigo 609.º e 879.º, n.º 4 do C.P.C

11) E ademais, as alterações ao C.P.C de 2013 que conduziram à saída de tal processo especial dos Processos de Jurisdição Voluntária, apontam igualmente em tal posicionamento atento o facto de num Processo de Jurisdição Voluntária as decisões serem modificáveis, diferente do que ocorre nos Processos judicias sem tal contemplação.

12) Motivos pelos quais se considera que a Douta Sentença padece de Nulidade nos termos do artigo 615.º, n.º 1, alínea e) do Código de Processo Civil.

D) DA IMPUGNAÇÃO DA DECISÃO SOBRE A MATÉRIA DE FACTO: ERRO DE JULGAMENTO

13) O Presente Recurso, impugna parte da decisão sobre a matéria de facto dada como provada pelo Douto tribunal “ a quo”, porquanto

14) O Recorrente considera incorrectamente julgados os factos dados como provados nos pontos 41, 42, 43,44,45,46, 47.,48.,49 da Douta Sentença ora recorrida

15) Quanto à Factualidade dada como provada em 41 : Os factos dados como provados em 41 da matéria de facto dada como provada não o deveriam ter sido enquanto tal porquanto das declarações de Parte do Réu CC [ depoimento no dia 19 de Outubro de 2020 conforme consignado em acta do referido dia, gravado através do sistema “ H@bilus Media Studio” no ficheiro identificado sob o n.º ...26 _3911922 _ 2870994 - minuto 04:00 – 05:40] das declarações de Parte do Réu DD [depoimento no dia 19 de Outubro de 2020 conforme consignado em acta do referido dia, gravado através do sistema “ H@bilus Media Studio” no ficheiro identificado sob o n.º 20201019154039_3911922_2870994 – minuto 02:00 – 03:00 e 05:00-6:11] , do depoimento da testemunha FF [ prestou depoimento no dia 20 de Outubro de 2020 conforme consignado em acta do referido dia, gravado através do sistema “ H@bilus Media Studio” no ficheiro identificado sob o n.º 20201020150059_3911922_2870994 minutos 03:30 – 4:00 ] e do depoimento da Testemunha GG [ prestou depoimento no dia 19 de Outubro de 2020 conforme consignado em acta do referido dia, gravado através do sistema “ H@bilus Media Studio” no ficheiro identificado sob o n.º 20201020113513_3911922_2870994 – minutos 15:00 - 15:43] resulta matéria diversa no sentido de que a autora raramente vem a ..., que não poderia ter conduzido à que de dá como provada no presente ponto, mas e tão só à que se entende que haveria de ser dada como provada “A Autora passou temporadas com o marido, filhos , netos e bisnetos no prédio identificado em 1), designadamente durante todo o mês de Agosto, parte dos meses de Setembro e Outubro, 15 dias durante as épocas festivas de Natal e fim de ano, 15 dias na Páscoa, o carnaval e alguns fins de semana, sendo que pelo menos desde 2016 a mesma raramente vem a ....”

16) Quanto à Factualidade dada como provada em 42, 43, 44 e 45, 47 : os factos dados como provados não o deveriam ter sido enquanto tal, porquanto das declarações de Parte do Réu CC [que prestou declarações no dia 19 de Outubro de 2020 conforme consignado em acta do referido dia, gravado através do sistema “ H@bilus Media Studio” no ficheiro identificado sob o n.º ...26 _3911922 _2870994 , minutos 07:15 – 08h45; 12:00 – 13:06; 17h17 –18h25 ; 23h44 – 24h27 e 27h20 – 2 7 h 5 5 ] ; das Declarações de parte do Réu DD [ que depoimento no dia 19 de Outubro de 2020 conforme consignado em acta do referido dia, gravado através do sistema “ H@bilus Media Studio” no ficheiro identificado sob o n.º 20201019154039_3911922_2870994 minutos 07:55 - 08; 11:26  – 11:47 ]do depoimento da testemunha HH [que depoimento no dia 19 de Outubro de 2020 conforme consignado em acta do referido dia, gravado através do sistema “ H@bilus Media Studio” no ficheiro identificado sob o n.º 20201020100829_3911922_2870994, minutos 02:00 – 02:48 ; 05:59 – 07:36 ; 10:20 – 10:43; 12:02 – 12:16 ; 14:15 – 14:35 ; 14:53 ; 24:47 – 25:55 ; 26:59 – 28:00 ] do depoimento da Testemunha FF [ que depoimento no dia 20 de Outubro de 2020 conforme consignado em acta do referido dia, gravado através do sistema “ H@bilus Media Studio” no ficheiro identificado sob o n.º 20201020150059_3911922_2870994 minutos 1h00 – 1h30 ; 02:36 – 1h30; 04:28 –05:10 ] e do depoimento de FF e II [ prestou depoimento no dia 30 de Outubro de 2020 conforme consignado em acta do referido dia, gravado através do sistema “ H@bilus Media Studio” no ficheiro identificado sob o n.º 20201102151116_3911922_2870994 minutos 03:00 –04:11] , resulta matéria diversa, se não vejamos,

17) De facto, o Douto Tribunal “ a quo”, assenta e tão só a sua motivação no depoimento da Autora e não poderia dar como provadas a factualidade dada enquanto tal atenta a prova evidenciada supra. Aliás, diga-se que numa rua com cariz habitacional e tranquila, as únicas “ hipotéticas” queixas da vizinhança são efectivadas pelo filho da autora, sendo que inexistem mais quaisquer queixas nesse sentido nomeadamente quanto ao ruido ou quaisquer impropérios.

18) Ademais, quem ali pernoita a 20 metros ou 100 metros bem testemunhou nessa senda [ referida testemunha FF e II], não se compreendendo como e porquê o douto Tribunal “ a quo” num raciocínio não intelectualmente muito sério refere que e no que interessa às testemunhas FF e II que “ é natural que afirmem quanto a eventuais barulhos não as incomodarem , pelo motivo óbvio sendo frequentadores do espaço , não o fazendo nos períodos e locais de descanso” , quando as mesmas testemunhas habitam ai pertíssimo e quando o Hotel ... que confina paredes meias com o café não ocorreu qualquer queixa!!!!! [referido depoimento da testemunha HH e Declarações de parte dos Réus]

19) De igual forma é impercetível o dar-se como provado que a Autora era insultada pelos clientes do estabelecimento e que durante várias noites se levantou para mandar calar as pessoas e que tenha apresentado qualquer queixa junto da GNR com ausência de prova testemunhal e documental mencionada pelo douto Tribunal “ a quo” para motivação /fundamentação da prova de tal facto.

20) Pelo que a única matéria que se poderia ter dado como provada seria no sentido de que :“A Rua ..., em ... é uma zona também ela habitacional e tranquila sendo que as únicas queixas  existentes na vizinhança ao B... outrora C... , o foram apresentadas pelo filho da Autora, inexistindo quaisquer outras“

21) Factualidade dada como provada em 46: Os factos vertidos em 46 dados como provados não o deveriam ter sido enquanto tal porquanto tal factualidade e mais uma vez, assenta e tão só e conforme douta sentença nas Declarações de parte da Autora evidenciando a mesma que tais petardos o foram no “estado de emergência” [a A. prestou declarações no dia 19 de Outubro de 2020 conforme consignado em acta do referido dia, gravado através do sistema “ H@bilus Media Studio” no ficheiro identificado sob o n.º 20201019142640_3911922_2870994 minutos 15:00 – 15:15 ] , situação que é amplamente contraditada [ Declarações de DD , que prestou depoimento no dia 19 de Outubro de 2020 conforme consignado em acta do referido dia, gravado através do sistema “ H@bilus Media Studio” no ficheiro identificado sob o n.º 20201019154039_3911922_2870994, minutos 13:00 - – 13:47] pelo facto de o estabelecimento e também em tal altura estar encerrado em pleno estado de emergência sujeito a ampla fiscalização e não mais consubstanciar o douto Tribunal “ a quo” o seu posicionamento em qualquer outra prova, ou pelo menos que o evidencie especificamente! 22) Factualidade dada como provada em 48: Os factos dados como provados em 48 não o deveriam ter sido enquanto tal, pelo menos e no que concerne à Autora (peticionária dos danos), que releva nos presentes autos, não poderia ser dado como provado que a mesma apresentou diversas queixas junto da GNR e de outras entidades, não só pela ausência de prova testemunhal referida nesse sentido, bem como das declarações de parte dos Réus e do depoimento da testemunha HH [ evidenciados em 16. Das presentes conclusões] e dos documentos juntos pela Autora – Doc. 15,16,17 e 18 juntos com a P.I - e pelo Réu DD – Doc. 11 e Doc 12 da Contestação- dos quais não se afere qualquer queixa apresentada pela A.

23) Factualidade dada como provada em 49: Os factos vertidos em 49 não poderiam ter sido dados enquanto face à impugnação operada de forma parcial da matéria de facto dada como provada.

24) Não poderia o douto Tribunal “a quo” dar como provado o desgosto e danos patrimoniais da Autora atenda toda a matéria de facto produzida e que não poderia ter dado como provada, diga-se a factualidade vertida de 41 a 48 [ vide novamente pontos 53, 54, 55, 61, 62, 63 e 64 da matéria gravada já transcrita no presente recurso que aqui se dá por integralmente reproduzida para os devidos e legais efeitos].

25) Ademais, a Autora não logrou concretizar as vezes concretas que esteve em ..., em 2016 e que sentiu tal incómodo, nada sendo dado como provado nesta senda, não podendo, por isso, e também ser dado como provado o vertido em 49, que resulta naturalmente da matéria vertida de 42 a 48 que também não poderia vir a mesma dada como provada, face ao já amplamente evidenciado. Por outro lado,

 26) Atenta a matéria factual que não haveria de ter sido dada como provada, haveria o Douto Tribunal “ a quo” de ter dado como provado que :

A) O Hotel ... evidenciado em 36 da matéria de facto dada como provada confina com o estabelecimento F..., outrora C....[matéria que resulta clara do depoimento das testemunhas HH – ponto 63 do presente recuso cuja prova produzida e concretas gravações impunham decisão em tal sentido; FF – ponto 64 do presente Recurso cuja prova produzida e concretas gravações impunham decisão em tal sentido; declarações do Reu CC e DD- ponto 61 e 62 do presente recurso cuja prova produzida e concretas gravações impunham decisão em tal sentido ].

B)A Autora passou temporadas com o marido, filhos , netos e bisnetos no prédio identificado em 1), designadamente durante todo o mês de Agosto, parte dos meses de Setembro e Outubro, 15 dias durante as épocas festivas de Natal e fim de ano, 15 dias na Páscoa, o carnaval e alguns fins de semana, sendo que desde pelo menos 2016 a Autora tem vindo com menos regularidade a ...[ declarações do Reu CC e DD pontos 53 e 54 cuja prova produzida e concretas gravações impunham decisão em tal sentido] depoimento da testemunha FF [ ponto 55 do presente recurso cuja prova produzida e concretas gravações impunham decisão em tal sentido] e depoimento de GG [ponto 56 do presente recurso cuja prova produzida e concretas gravações impunham decisão em tal sentido].

C) A Rua ..., em ... é uma zona também ela habitacional e tranquila sendo que as únicas queixas existentes na vizinhança relativamente ao B... outrora C... , o foram apresentadas pelo filho da Autora, inexistindo quaisquer outras [matéria que resulta clara do depoimento das testemunhas HH – ponto 63 do presente recuso cuja prova produzida e concretas gravações impunham decisão em tal sentido; FF – ponto 64 do presente Recurso; depoimento da testemunha II ponto 65 do presente recurso cuja prova produzida e concretas gravações impunham decisão em tal sentido e das declarações do Reu CC e DD ponto 53 , 54, 61 e 62 do presente recurso cuja prova produzida e concretas gravações impunham decisão em tal sentido ).

D) O Réu DD no exercício da sua actividade económica actua de forma diligente - depoimento da testemunha JJ [que prestou depoimento no dia 20 de Outubro de 2020 conforme consignado em acta do referido dia, gravado através do sistema “ H@bilus Media Studio” no ficheiro identificado sob o n.º 20201020141937_3911922_2870994, minutos 05:00 – 13:00 ] ; depoimento da testemunha KK [ prestou depoimento no dia 20 de Outubro de 2020 conforme consignado em acta do referido dia, gravado através do sistema “H@bilus Media Studio” no ficheiro identificado sob o n.º 20201020144831_3911922_2870994 minutos 06:00 - 06:24 ] depoimento de LL [que prestou depoimento no dia 20 de Outubro de 2020 conforme consignado em acta do referido dia, gravado através do sistema “ H@bilus Media Studio” no ficheiro identificado sob o n.º 20201020143613_3911922_2870994 minutos 05:20 - 06:19 da Gravação “ H@bilus Media Studio ” ] , que evidenciaram cuidado e preocupação do réu com a envolvência no exercício da sua actividade profissional.

E) IMPUGNAÇÃO DA MATÉRIA DE DIREITO - Da Violação do artigo 483.º do CC : da não verificação dos pressupostos da responsabilidade extra- contratual

27) Dando-se como provado a matéria factual vertida supra e como não provada igualmente a impugnada, nunca o Douto Tribunal “ a quo” poderia concluir pela condenação em responsabilidade extra contratual do Réu DD sendo que, e naturalmente a inexistência de qualquer prática ilícita, não poderá conduzir a qualquer nexo causal cominando na reparação, in casu de danos não patrimoniais, devendo e nesta senda o réu DD ser absolvido da condenação que o vem enquanto tal no valor de 500€ ( quinhentos euros).

28) Desta feita, não poderia ter sido determinada qualquer reunião dos pressupostos de aplicação da Responsabilidade extra contratual que determinou a condenação do Reu DD.

29) E mesmo que assim não o fosse nunca o Douto Tribunal “ a quo” poderia ter aplicado qualquer dano moral, porquanto salvo melhor entendimento não se quedou provada qualquer culpa do agente, nem por contribuição própria, nem, e muito menos pode ser assacada ao Réu qualquer responsabilidade por actos ilícitos de terceiros.

30) O único facto dado como provado que poderia levar a tal conclusão e dizemos de nós de forma muito forçada, e que não aponta claramente no sentido da responsabilidade do ora Réu é a pautada na matéria de facto dada como provada em 27, embora e se o sistema de som é controlado pelo Réu não significa que o mesmo seja perturbador na senda do que assim deve ser considerado.

31) Ademais da matéria de facto que haveria de ter sido dada como provada resulta claramente que o Réu DD actual responsável pela exploração do estabelecimento F... adota claras condutas no sentido de afastar qualquer modalidade de culpa, até mesmo na forma de qualquer negligência.

32) Por outro lado, em momento algum pode ser atribuída ao Réu e conforme se disse supra a responsabilidade por actos ilícitos de terceiros, porquanto a conduta dos mesmos é reveladora de total controlo e preocupação com o espaço envolvente.

33) Motivos pelos quais se considera que ocorreu violação do artigo 483.º do C.C, porquanto e da matéria factual dada como provada, que não o deveria ter sido enquanto tal, mas ainda assim não resulta da mesma a responsabilidade civil extra contratual do Réu DD, nem de per si, nem como responsável por conduta de exteriores no espaço por si supervisionado.

- Da violação dos artigos 546.º, 555.º, 56.º, 37.º, 878.º e 879.º do C.P.C

34) Considera o Recorrente DD, a inadmissibilidade de cumulação de pedidos em Acção de Processo Comum (responsabilidade extra contratual por violação de direitos absolutos) com pedidos atinentes a processos especiais (pedido destinado à tutela da personalidade) que conduz supra à arguição da excepção dilatória;

35) Não assim se decidindo sempre se considerará que ocorreu ampla violação das normas jurídicas vertidas nos artigos 546.º,555.º, 56.º, 37.º e 878.º e 879.º do C.P. ao considerar o Douto Tribunal “ a quo” que adere “ à possibilidade de cumulação, no âmbito do processo comum de pedidos destinados à tutela da personalidade”

36) Tal como evidenciado nas conclusões de 1) a 5) o Recorrente considera que não poderia ter operado tal cumulação, pelo que com a efectivação da mesma ocorreu violação dos artigos 546.º, 555.º 56.º, 37.º e 878.º e 879.º do C.P.C, porquanto e no entender do Recorrente tais normas, que constituem fundamento jurídico da decisão não deveria ter sido interpretadas no sentido de ser possível a cumulação de pedidos atinentes a formas de processo diferentes na presente acção de responsabilidade extra contratual, ocorrendo e por isso violação das mesmas face à interpretação operada.

37) E, ademais sempre e perante o evidenciado supra, e caso assim não se entenda, verifica-se a inconstitucionalidade das normas dos artigos 546.º, 555.º, 56.º, 37.º, n.º1 e 878.º e 879.º do C.P quando interpretadas e de forma conjunta no sentido de que permitem a possibilidade de cumulação no âmbito de processo comum, de pedidos destinados à tutela da personalidade que tem contemplação em acção especial, considerando-se por isso a possibilidade de cumulação de pedidos, quando os mesmos correspondem a formas de processos diferentes. 38) Tais normas com tal sentido interpretativo operado pelo Douto Tribunal “ a quo” são violadoras do PRINCÍPIO DA LEGALIDADE (ARTIGO 3.º, N.º 2 DA C.R.P) quando interpretadas e de forma conjunta no sentido de que permitem a possibilidade de cumulação no âmbito de processo comum, de pedidos destinados à tutela da personalidade que tem contemplação em acção especial, considerando-se por isso a possibilidade de cumulação de pedidos , quando os mesmos correspondem a formas de processos diferentes. E, assim não se entendendo,

- Da violação dos artigos 335.º, n.º 2 do Código Civil, 61.º e 62.º da C.R.P - violação do principio da adequação, necessidade e proporcionalidade no confronto de direitos constitucionalmente consagrados; violação do direito ao exercício da actividade comercial e direito à propriedade privada

39) Fenecendo toda a argumentação supra considera-se que na ponderação para tutela dos Direitos de Personalidade considera o douto Tribunal “ a quo” a confrontação de direitos de personalidade em concreto o direito ao repouso, ao sono e à tranquilidade em confronto com o direito ao lazer e à livre iniciativa económica.

40) Assim, e considerando a possibilidade de adaptação modelação do petitório ( já amplamente impugnada supra no presente recurso) e à luz dos princípios da proporcionalidade e adequação e da necessidade, considera o Douto Tribunal “ a quo”- Que o estabelecimento se situa em plena malha urbana e que a Autora vive mesmo em frente do estabelecimento, motivos pelos quais considera inevitável limitar a actividade potencialmente produtora de ruídos pelo que o pedido subsidiário terá de proceder embora parcialmente, sendo improcedente o pedido de encerramento.

41) Ressalvando o devido respeito por opinião diversa com tal decisão o Douto Tribunal “ a quo”, violou e conforme já evidenciado supra os princípio da adequação, necessidade e proporcionalidade no confronto de direitos constitucionalmente consagrados; violação do Princípio da livre iniciativa económica e do direito à propriedade privada,

42) Aquando da determinação da quantia a arbitrar na esteira da responsabilidade extra- contratual, o Douto Tribunal “ a quo” evidencia que o facto de a A. passar algumas temporadas ao longo do ano civil em ..., que o Tribunal aponta para três meses oque amplamente tem reflexo na indemnização a arbitrar.

43) Na esteira da determinação da medida tutelar esquece por completo tal questão que se revela fundamental na ponderação dos direitos de personalidade em confronto: e que é dado como provado o facto de a Autora não residir frequentemente em ... e de só ali passar algumas alturas (embora tal factualidade tenha sido impugnada nos moldes em que o vem provada).

44) Será adequado, necessário e proporcional limitar o exercício da actividade económica nos moldes em que o vem com a retirada da esplanada todos os dias às 22 horas , quando a esplanada só funciona, e é colocada nos meses de primavera Verão, quando se da como provado que a Autora apenas passa o Agosto e partes ( não concretizadas de setembro e Outubro) em ...?

45) Será adequado, necessário e proporcional limitar fortemente a catividade comercial do Réu (encerramento durante a semana às 22 h00 e às 24h00,em fins de semana e vésperas de feriado), quando apenas de dá como provado que A. vem a ..., cerca de três meses na totalidade (embora sem especificações concretas e de forma abstrata e pouco clara conforme já exposto na senda matéria factual impugnada supra) e o Réu faz daquela actividade a sua vida durante 12 meses ao ano? Como sobrelevar o direito ao repouso e descanso (não concretamente determinado e contante, mas amplamente delimitado)ao direito de livre iniciativa económica , de forma constante , e permanente?

46) Ou seja não havendo colisão constante de direito, como sobrelevar, sempre um direito, neste caso, descanso e repouso, face à ausência de colisão?

47) Como limitar o direito de livre iniciativa económica tendo por base a instabilidade de um critério de permanência e vivência habitacional não definido, dado que a residência da autora não é no local do estabelecimento, mas sim em ...?

48) Pelo que face ao operado pelo Douto Tribunal se considera que foi violado o artigo 335.º, n.º2 no sentido em que foi interpretado e olvidando o direito não permanente da A.

49) Ademais, sempre e perante o evidenciado supra, conduz à inconstitucionalidade das normas dos artigos 335.º, n.º1 e 2 do CC, 70.º, n.º2 do Código Civil quando interpretadas e de forma conjunta no sentido de que mesmo não sendo constante e permanente o direito superior, o mesmo deve continuar a sobrelevar-se a direito manifestamente inferior.

50) Tais normas com tal sentido interpretativo efectivado pelo Douto Tribunal “ a quo” são violadoras do artigo 61.º e 62.º, n.º1 da C.R.P;

Devendo, por isso serem tidas como inconstitucionais por violadoras dos Princípios da direito ao exercício da actividade comercial e direito à propriedade privada ( artigo 61.º e 62.º, n.º1 da C.R.Pas normas dos artigos 335.º, n.º 1 e 2 e artigo 70.º, n.º2 do CC ,quando interpretadas e de forma conjunta no sentido de que embora não sendo permanente na colisão de direitos constitucionais deverão prevalecer os direitos de integridade pessoal. - Violação do artigo 542.º, n.º2, alínea b) do Código de Processo Civil: Da existência de Litigância de Má-fé

51) A Autora deveria ter sido condenada como litigante de má-fé não só porque bem sabia não ser a proprietária, mas apenas usufrutuária do imóvel, sendo seu filho ( testemunha no presente processo)o proprietário do mesmo, mas também porque peticionou quantias indemnizatórias em períodos que bem sabia ter estado encerrado o estabelecimento hoje explorado pelo Réu DD – artigo 542.º, n.º1, alínea b) do C.P.C, encontrando-se por isso reunidos requisitos para existência de condenação em litigância de Má- Fé.

 TERMOS EM QUE, E NOS MELHORES DE DIREITO QUE DOUTAMENTE SE SUPRIRÃO, E EM CONFORMIDADE, DEVE SER DADO PROVIMENTO AO PRESENTE RECURSO, QUANTO À MATÉRIA DE FACTO (SENDO OS CONCRETOS PONTOS DE FACTO IMPUGNADOS JULGADOS COMO NÃO PROVADOS E DADOS OS INVOCADOS COMO PROVADOS) E DIREITO, REVOGANDO-SE A DECISÃO RECORRIDA E, NESTA SEQUÊNCIA O RÉU DD SER ABSOLVIDO DE TODOS OS PEDIDOS EM QUE VEM CONDENADO. JUSTIÇA!


***

O R. DD, veio apresentar contra alegações, concluindo da seguinte forma:

“B) CONCLUSÕES:

a) Vem a ora Recorrente interpor Recurso da Douta Decisão proferida pelo Tribunal “ a quo”, centrando o seu recurso ao que parece, na impugnação da matéria de direito, evidenciado que não concorda com a indemnização por danos morais determinada pelo Douto Tribunal “a quo” quanto aos Réus CC e à empresa F... Lda a qual deveria ser no valor de 22.860€, e não quanto ao Réu DD; que não concorda com a Sanção Pecuniária Compulsória arbitrada ao Réu DD , em caso de incumprimento e que deve ocorrer insonorização do estabelecimento a efectivar pelos pelos RR.

b) O ora Recorrido não concorda com a fundamentação apresentada porquanto e no que concerne à alteração do valor da indemnização arbitrada por danos morais relativamente aos RR. e quanto à alteração do valor determinado a título de sanção pecuniária Compulsória sempre se dirá que

c) A ora Recorrente não recorre, e ao que parece quanto à condenação do Réu DD na esteira da indemnização por danos morais e embora, é certo, evidencie tal discordância na senda da matéria objecto de recurso, a realidade é que nem uma palavra quanto à mesma, e veja-se que o pedido da A. e quanto a tal Réu nada tem a ver com a quantia dos 22,860€ ( cinte e dois mil oitocentos e sessenta euros).

d) Impugnando por isso a Recorrente, e tão só, o douto valor indemnizatório determinado aos Réus CC e F... Lda., nada recorrendo quanto ao valor determinado a título indemnizatório por danos morais referente ao Réu DD, apenas prevalecendo e quanto a tal matéria o Recurso interposto pelo Réu/Recorrido DD, quer a título independente/principal, como a título subordinado.

e) A Recorrente insurge-se apenas quanto à douta condenação do Réu DD ao pagamento da Sanção Pecuniária Compulsória, fixada de 50€, evidenciando que a mesma haveria de ser de 500€, quando o seu pedido se consubstancia no pagamento de uma indemnização compulsória de 100€ por cada dia no primeiro mês e de 150€ nos meses seguintes, contrariando o próprio pedido.

f)Pelo que a não concordância da Recorrente, a ser atendível, sempre violaria o princípio da estabilidade da Instância e agora ocorrendo condenação nos termos peticionados sempre o douto tribunal ocorreria em nulidade da sentença/decisão com violação dos limites da condenação (artigo 609.º do C.P.C) e ademais, a fixação de qualquer sanção pecuniária compulsória, sempre obedecerá a critérios de razoabilidade, determinante que não se coadunaria com qualquer condenação em 500€/ dia e ainda assim amplamente injustificada. g) Ademais, sempre se diga que o documento particular junto pela ora Recorrente, e mais uma vez subscrita por seu filho é, e tão só isso mesmo, um relato de factos pelo mesmo , sem qualquer comprovação e que aqui se impugnam na totalidade, por inverídicos para os devidos e legais efeitos.

h) Havendo por isso, e também aqui de falecer a matéria argumentativa apresentada pela Recorrente.

i)Quanto ao dever de insonorizar do estabelecimento não haverá a Douta Sentença ser alvo de qualquer censura nesta senda, conforme bem andou o Douto Tribunal “ a quo”, porquanto, condenar o Réu DD a Insonorizar o estabelecimento:

- determinaria a violação do cumprimento contratual existente entre o mesmo e o senhorio– cujas obras dependem da sua autorização ( vide doc. 2 – Contrato de Arrendamento - junto com a contestação do Réu DD – cláusula 10.º, n.º2);

- Atentaria, e sem a intervenção processual do senhorio, quanto à propriedade privada do mesmo.

- Violaria o princípio do pedido dado que o único pedido de insonorização é dirigido ao Réu DD, nada sendo peticionado quanto aos Recorridos e também ao senhorio BB, nesta senda.

TERMO SEM QUE, E NOS MELHORES DE DIREITO QUE DOUTAMENTE SE SUPRIRÃO, E EM CONFORMIDADE, NÃO DEVERÁ SER DADO PROVIMENTO AO RECURSO APRESENTADO PELA RECORRENTE, QUANTO À MATÉRIA DE DIREITO INVOCADA, MERECENDO A MESMA E TÃO SÓ ALTERAÇÃO QUANTO À MATÉRIA FACTUAL E DE DIREITO INVOCADA PELO RR DD NA ESTEIRA DO RECURSO PRINCIPAL E SUBORDINADO, FAZENDO-SE DESTA FORMA A ACOSTUMA JUSTIÇA!”


***


Os demais RR. CC e F... Lda., vieram apresentar contra-alegações, concluindo da seguinte forma:

“B) CONCLUSÕES:

a) Vem a ora Recorrente interpor Recurso da Douta Decisão proferida pelo Tribunal “ a quo”, centrando o seu recurso ao que parece, na impugnação da matéria de direito, evidenciado que não concorda com a indemnização por danos morais determinada pelo Douto Tribunal “a quo” quanto aos Réus CC e à empresa F... Lda a qual deveria ser no valor de 22.860€, e não quanto ao Réu DD; que não concorda com a Sanção Pecuniária Compulsória arbitrada ao Réu DD , em caso de incumprimento e que deve ocorrer insonorização do estabelecimento a efectivar pelos pelos RR.

b) Os ora Recorridos não concordam com a fundamentação apresentada porquanto e no que concerne à alteração do valor determinado a titulo de danos não patrimoniais os RR. consideram que não deveriam ter sido condenados ao pagamento de qualquer quantia a titulo indemnizatório e muito menos no valor ora evidenciado pela Recorrente.

c) Ao dar-se como provada a matéria factual que assim se dá , posição que não se corrobora na totalidade ( conforme impugnação apresentada pelos Recorridos em sede própria), mas que se admite meramente a titulo de raciocínio cautelar, nunca poderiam os RR ser condenados no valor peticionado pela A. , que se consubstancia na condenação dos RR. ( CC e F... Lda.) no valor de 22.860,00€, respeitante a 1143 dias x 20€, pelos danos morais causados entre 13-01-2016 a 01-03-2019, porquanto:

- Conforme matéria de facto dada como provada (certo é alvo de impugnação pelos RR) a A. vem esporadicamente a ... e aí não reside permanentemente, residindo em ....

-Nunca se poderia falar em 3 anos como invoca a Autora, o Réu CC apenas assumiu as funções de gerência a 20 de Setembro de 2016 ( ponto 12 da matéria factual dada como provada), sendo que o contrato de arrendamento cessou a 30 de Setembro de 2018.

- O estabelecimento em causa esteve fechado e encerrado ao Público entre o dia 30 de Setembro de 2018 e 28 de fevereiro de 2019. ( matéria de facto vertida em 20 da matéria de facto dada como provada).

- Os eventos realizados reportam-se a após 1 de Março de 2019 ( pontos 33 e 34 da matéria de facto dada como provada) , e quanto ao estabelecimento F....

d) Pelo que como se falar em dano quando a Autora/Recorrente não vive permanentemente em ..., como ocorre nexo de causalidade num período em que a empresa esteve encerrada ou não foi explorada pela Ré F... Lda.? Como indemnizar se a Autora não esteve no local?

e) Motivos pelos quais haverá de improceder e neste sentido a Argumentação da ora Recorrente.

f) Evidencie-se também aqui que ora Recorrente, não recorre, e ao que parece quanto à condenação do Réu DD na esteira da indemnização por danos morais, dado que o pedido da A. e quanto a tal Réu nada tem a ver com a quantia dos 22,860€ ( vinte e dois mil oitocentos e sessenta euros), mas e tão só e como se peticiona “ Os RR. BB e DD condenados solidariamente a pagarem à autora uma indemnização de 50€ diários, desde o dia 01-09-2019 até ao dia em que encerrarem o estabelecimento , por danos morais (…) e por perda de chance de não poder arrendá-la que nesta data de 11-07-2019 se cifra em 133x50€ =6650€”.

g) Pelo que a Recorrente não se pronuncia nem impugna o valor indemnizatório fixado ao Réu DD a título de danos morais, mas discorda do valor fixado a título de sanção pecuniária compulsória, evidenciando novos factos não constantes da douta decisão e evidenciando que aquela sanção de valor simbólico nunca será cumprida, devendo o mesmo valor ser alterado para 500€ (quinhentos euros), quando é a própria que na Douta Petição Inicial evidencia que a mesma haveria de ser de 100€ por cada dia no primeiro mês e de 150€ nos meses seguintes, contrariando agora o próprio pedido.

h) Pelo que a não concordância da Recorrente, a ser atendível, sempre violaria o princípio da estabilidade da Instância e agora ocorrendo condenação nos termos peticionados sempre o douto tribunal ocorreria em nulidade da sentença com violação dos limites da condenação (artigo 609.º do C.P.C) e ademais a fixação de qualquer sanção pecuniária compulsória, sempre obedecerá a critérios de razoabilidade, determinante que não se coadunaria com qualquer condenação em 500€/ dia.

i) Ademais, sempre se diga que o documento particular junto pela ora Recorrente, e mais uma vez subscrita por seu filho é, e tão só isso mesmo, um relato de factos pelo mesmo, sem qualquer comprovação e que aqui se impugnam na totalidade, por inverídicos para os devidos e legais efeitos.

j) Havendo por isso, e também aqui de falecer a matéria argumentativa apresentada pela Recorrente.

k) Quanto ao dever de insonorizar do estabelecimento, não haverá a Douta Sentença ser alvo de qualquer censura nesta senda, conforme bem andou o Douto Tribunal “ a quo”.

l) No entanto, sempre se diga, e a este nível que o único pedido de insonorização é dirigido ao Réu DD, nada sendo peticionado quanto aos Recorridos e também ao senhorio BB, nesta senda.

m) Motivos pelos quais sempre inexistirá qualquer condenação dos RR. CC e F... Lda. quanto a tal pedido, porquanto não direcionado aos mesmos.

TERMO S EM QUE, E NOS MELHORES DE DIREITO QUE DOUTAMENTE SE SUPRIRÃO, E EM CONFORMIDADE, NÃO DEVERÁ SER DADO PROVIMENTO AO RECURSO APRESENTADO PELA RECORRENTE, QUANTO À MATÉRIA DE DIREITO INVOCADA, MERECENDO A MESMA E TÃO SÓ ALTERAÇÃO QUANTO À MATÉRIA FACTUAL E DE DIREITO INVOCADA PELOS RR NA ESTEIRA DO RECURSO PRINCIPAL E SUBORDINADO.

FAZENDO-SE DESTA FORMA A ACOSTUMADA JUSTIÇA!”


***

QUESTÕES A DECIDIR


Nos termos do disposto nos artigos 635º, nº4 e 639º, nº1, do Código de Processo Civil, as conclusões delimitam a esfera de atuação do tribunal ad quem, exercendo uma função semelhante à do pedido na petição inicial.[1] Esta limitação objetiva da atuação do Tribunal da Relação não ocorre em sede da qualificação jurídica dos factos ou relativamente a questões de conhecimento oficioso, desde que o processo contenha os elementos suficientes a tal conhecimento (cf. artigo 5º, nº3, do Código de Processo Civil). Também não pode este Tribunal conhecer de questões novas que não tenham sido anteriormente apreciadas porquanto, por natureza, os recursos destinam-se apenas a reapreciar decisões proferidas.[2]

Efectuada esta delimitação prévia, as questões a decidir que delimitam o objecto destes recursos, consistem em apurar:

A título de questão prévia:

a) Da admissibilidade de junção de documentos com as alegações de recurso.

Nos recursos interpostos pelos RR.

a) Se existiu erro de julgamento quanto à matéria de facto adquirida pelo tribunal recorrido.

b) Se existe cumulação ilegal dos pedidos formulados pela A.;

c) Se esta incompatibilidade admitida em sede de sentença é fundamento de nulidade da sentença, com fundamento no disposto no artº 615.º, n.º 1 alínea d) e e) do Código de Processo Civil;

d) Se não se verificam os pressupostos da responsabilidade extra-contratual, prevista no artº 483.º do C.C.;

e) Se não se verificam os pressupostos para responsabilização das pessoas colectivas e dos seus representantes, previstos no artº 165 do CC.

f) Se a A. litiga de má fé.

No recurso interposto pela A.:

a) Se o valor atribuído para ressarcimento dos danos morais deve ser fixado em valor superior;

b) Se a sanção pecuniária compulsória carece de ser fixada em valor superior;

c) Se deve ser ordenada a insonorização do estabelecimento;
Tendo em conta que os RR. invocam no seu recurso, a acumulação ilegal de pedidos, nulidades da sentença e peticionam a reapreciação da matéria de facto, incidindo todas as demais questões sobre matéria de direito, este tribunal iniciará a sua apreciação, por esta ordem, pelo recurso interposto pelos RR. e só após conhecerá do recurso interposto pela A.


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Corridos que se mostram os vistos aos Srs. Juízes Desembargadores adjuntos, cumpre decidir.

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FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

O tribunal recorrido considerou a seguinte matéria de facto:

A. FACTOS PROVADOS

1. O prédio urbano sito na Rua ..., ..., ..., ..., está inscrito na matriz predial urbana da união de freguesias ... e ... sob o número 174 e descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o número ...89, composto por morada de casas altas e pátio, confronta a norte e nascente com NN, a sul com Rua ... e a poente com quelho.

2. Em 11 de agosto de 1977, no Cartório Notarial ..., em ..., foi outorgada escritura de compra e venda, na qual intervieram OO e AA, como primeiros outorgantes, e PP e Coito e QQ de AA e Coito, como segundos outorgantes, tendo os primeiros declarado vender aos segundos a nua propriedade de uma casa de habitação, composta de ... e ... andar, no prédio identificado em 1).

3. Em 29 de agosto de 1984, no Cartório Notarial ..., em ..., foi outorgada escritura de compra e venda, na qual intervieram PP e Coito, como primeira outorgante, e OO, o qual outorgou na qualidade de procurador de QQ, como segundo outorgante, tendo a primeiro declarado vender ao segundo a nua propriedade de metade de uma casa de habitação, composta de ... e ... andar, no prédio identificado em 1).

4. O prédio urbano sito na Rua ..., ..., ..., ... inscrito na matriz predial urbana da união de freguesias ... e ... sob o número 2719 e descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o número ...05, composto por casa de habitação de ... e ... andar, confronta a norte e nascente com Rua ..., a sul com RR e a poente com herdeiros de SS.

5. O imóvel identificado em 4) encontra-se inscrito na Conservatória do Registo Predial ... a favor de BB, desde 13 de fevereiro de 1998, através da apresentação n.º ....

6. Em 24 de maio de 1998, foi emitido, pela Câmara Municipal ..., Alvará de licença de utilização para serviços de restauração e de bebidas, o qual titulava a utilização do prédio identificado em 4) e no qual passou a existir o estabelecimento comercial com a designação «O ...», figurando como entidade exploradora TT.

7. A Ré F... Lda. é uma sociedade por quotas de responsabilidade limitada, constituída em 13-01-2016, com o NIPC ... e tem por objeto social a exploração de bares, restaurantes e institutos de beleza.

8. A gerência da sociedade F... Lda. estava atribuída, à data da sua constituição identificada em 7), a UU.

9. Em 9 de março de 2016, foi celebrado um contrato que as partes designaram de cessão da posição contratual, no qual intervieram UU, como primeiro outorgante e na qualidade de cedente, F... Lda., como segundo outorgante e na qualidade de cessionária, BB, como terceiro outorgante e na qualidade de senhorio e CC, como quarto outorgante e na qualidade de fiador, tendo o primeiro declarado ceder à segunda, sua representada, a posição contratual de arrendatário no contrato de arrendamento celebrado com o terceiro outorgante, o qual declarou aceitar expressamente a referida cessão, bem como o quarto outorgante, mantendo válida a fiança prestada ao contrato de arrendamento primitivo.

10. Em 14 de abril de 2016, foi feito um averbamento ao Alvará n.º ...8 identificado em 6), no qual passou a figurar, como novo titular, F... Lda. relativamente ao estabelecimento comercial a funcionar no prédio identificado em 4) sob a designação C....

11. Em 7 de setembro de 2016, UU cessou funções como membro do órgão social da sociedade F... Lda.

12. Em 20 de setembro de 2016, foi alterado o contrato de sociedade e atribuída a gerência da sociedade F... Lda. ao réu CC.

13. Em 18 de abril de 2018, o Réu CC apresentou um pedido de ocupação de espaço público para montagem de esplanada aberta com 12 m², na Rua ..., ....

14. Durante os meses de verão, era montada uma esplanada à porta do estabelecimento comercial C....

15. Em 17 de outubro de 2016, a Ré F... Lda. solicitou ao Município de ... o alargamento de horário do estabelecimento C..., requerendo que lhe fosse deferido o seguinte horário: das 10h30 às 04h00 às sextas-feiras, sábados, vésperas de feriado e ocasiões festivas do concelho.

16. O pedido descrito em 15) foi indeferido pela Câmara Municipal ..., após parecer desfavorável da GNR que indicava que «na construção do estabelecimento não predominam materiais de isolamento adequados à contenção do ruído produzido no seu interior».

17. O estabelecimento comercial C... dispunha de um sistema de som que consistia numa ligação de duas colunas à televisão, a qual se encontrava sintonizada em canais de música e cujo nível sonoro era controlado pelo réu CC.

18. A porta de entrada do estabelecimento comercial C... possuía um sistema hidráulico - «de batente» - que a fechava automaticamente sempre que alguém entrava ou saía.

19. Em 30 de setembro de 2018, foi extinto o contrato de arrendamento celebrado entre a ré F... Lda. e BB.

20. Entre o dia 30 de setembro de 2018 e 28 de fevereiro de 2019, o estabelecimento sito no prédio identificado em 4) esteve encerrado ao público.

21. Em 1 de março de 2019, foi celebrado contrato de arrendamento para fins não habitacionais entre BB, como primeiro outorgante e DD, como segundo outorgante, tendo o primeiro declarado dar de arrendamento ao segundo o prédio identificado em 4), pelo período de 5 anos, com início a 1 de março de 2019.

22. Em 7 de março de 2019, foi feito um averbamento ao Alvará n.º ...8 identificado em 6), no qual passou a figurar, como novo titular, DD, relativamente ao estabelecimento comercial que passou a funcionar no prédio identificado em 4) sob a designação F....

23. Em 7 de março de 2019, o Réu DD solicitou ao Município de ... o alargamento de horário do estabelecimento F..., requerendo que lhe fosse deferido o horário até às 04h00 às sextas-feiras, sábados, vésperas de feriado e ocasiões festivas do concelho.

24. O pedido descrito em 23) foi indeferido pela Câmara Municipal ..., após parecer desfavorável da GNR indicando que «o edifício onde se encontra instalado o estabelecimento não possui materiais de isolamento sonoro adequados à contenção do ruído produzido no seu interior, prejudicando desse modo o descanso dos habitantes».

25. Desde o dia 1 de março de 2019, no prédio identificado em 4) funciona o estabelecimento comercial F..., o qual se encontra aberto ao público de segunda-feira a sexta-feira, entre as 11h00 e as 02h00, aos sábados entre as 12h00 e as 02h00 e aos domingos entre as 15h00 e as 02h00.

26. Nos dias 4 de abril e 6 de maio de 2019, o Réu DD solicitou ao Município de ... a concessão de licença especial de ruído para a realização de um espetáculo de música ao vivo no interior do estabelecimento F... até às 02h00.

27. O estabelecimento comercial F... dispõe de um sistema de som que consiste numa ligação de duas colunas à televisão, a qual se encontra sintonizada em canais de música e cujo nível sonoro é controlado pelo réu DD.

28. A porta de entrada do estabelecimento comercial F... possui um sistema hidráulico - «de batente» - que a fecha automaticamente sempre que alguém entra ou sai.

29. Em 10 de maio de 2019, o Réu DD apresentou um pedido de ocupação de espaço público para montagem de esplanada aberta com 9 m², na Rua ..., ....

30. Em 10 de julho de 2019, o Réu DD apresentou um pedido de ocupação de espaço público para montagem de esplanada aberta com 16 m², na Rua ..., ....

31. Durante os meses de verão, é montada uma esplanada à porta do estabelecimento comercial F....

32. Nas mesas da esplanada do estabelecimento comercial F... há cinzeiros para uso dos clientes.

33. Desde 1 de março de 2019, foram realizados até à 01h00, pelo menos, seis eventos, com música ao vivo, no estabelecimento comercial F....

34. A GNR de ... foi chamada a deslocar-se ao F... em, pelo menos, quatro das festas de música ao vivo realizadas, em razão do ruído que estava a ser produzido no interior do estabelecimento.

35. Os clientes do estabelecimento comercial F... encostam-se à parede do prédio identificado em 1) e usam os degraus adjacentes à porta de entrada principal do referido imóvel como assento.

36. Na Rua ..., em ... há um Hotel ... com grande taxa de ocupação ao longo do ano.

37. A entrada principal da casa de habitação composta por ... e ... andar que integra o prédio identificado em 1) está situada em frente da entrada do prédio identificado em 4).

38. A Autora reside habitualmente na Rua ..., ..., ..., ..., em ....

39. A Autora cresceu na casa identificada em 1).

40. A Autora e o seu agregado familiar têm uma ligação afetiva e sentimental pela casa identificada em 1).

41. Nos últimos anos, a Autora passou temporadas com o marido, filhos, netos e bisnetos no prédio identificado em 1), designadamente durante todo o mês de agosto, parte dos meses de setembro e outubro, 15 dias durante as épocas festivas de Natal e fim de ano, 15 dias na Páscoa, o Carnaval e alguns fins de semana.

42. Desde 2016, mesmo mantendo as janelas de sua casa fechadas, a Autora ouve a música proveniente do interior do prédio identificado em 4), bem como as conversas entre os clientes que se encontram no exterior do estabelecimento.

43. Em razão do ruído que emana do prédio identificado em 4), durante o mês de agosto, a Autora deixou de poder abrir as janelas do seu quarto durante a noite, bem como da sala de jantar.

44. A Autora deixou de poder sair pela porta principal da casa sita no prédio identificado em 1), pela circunstância de ser insultada pelos clientes do estabelecimento comercial em frente.

45. A Autora levantou-se várias vezes durante a noite para pedir aos clientes do estabelecimento, que se encontravam na esplanada, para conversarem em tom mais baixo.

46. Algumas noites, a Autora ouviu o som de petardos.

47. A Autora ligou duas vezes para a GNR de ..., apresentando queixa do barulho que provinha do estabelecimento comercial em frente do prédio identificado em 1) e que a impedia de dormir.

48. Desde 2013, e em razão do ruído que emana do prédio identificado em 4), a Autora e os seus filhos apresentaram diversas queixas à GNR, ao Município de ..., ao Provedor de Justiça, à Direção-Geral de Saúde, à Inspeção-Geral da Agricultura, do Mar, do Ambiente e do Ordenamento do Território e à Direção-Geral das Autarquias Locais.

49. Desde 2016, a Autora sente desgosto e angústia por não poder usufruir da casa identificada em 1) com a tranquilidade com que outrora o fazia.


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B. FACTOS NÃO PROVADOS

i. A Autora é comproprietária do prédio identificado em 1) dos factos provados.

ii. O ... do prédio identificado em 4) esteve arrendado à Ré F... Lda. desde 13 de janeiro de 2016 a 28 de fevereiro de 2019.

iii. Quando o Réu CC assumiu a gerência da F... Lda. já tinha conhecimento das reclamações feitas pela Autora e seus familiares junto de UU.

iv. O prédio identificado em 4) destina-se exclusivamente à habitação.

v. O horário afixado à porta do estabelecimento comercial F... é de segunda-feira a sábado das 11h00 às 02h00 e domingo das 12h00 às 02h00.

vi. O funcionamento do estabelecimento constitui uma fonte de emissão de gases de cozinha e outros saturados em monóxido de carbono e dioxinas, projetados diretamente sobre a via pública e as habitações circunvizinhas, por deficiência do sistema de evacuação de fumos, cheiros e vapores.

vii. Os clientes do estabelecimento comercial F... utilizam a Rua ..., em ... como mictório, atiram beatas de cigarros para o chão e deixam garrafas de plástico e de vidro vazias que ficam espalhadas pela rua, estacionando por vezes na entrada do prédio a Autora ou veículos de gama alta param com motor a funcionar e os ocupantes entram no estabelecimento e não demoram mais de 5 minutos.

viii. A Autora e os seus filhos, desde 8 de setembro de 2013, apresentaram um total de 77 queixas às autoridades.

ix. Na penúltima semana de dezembro de 2019, a GNR encerrou o estabelecimento comercial F... depois das 02h00, após queixa apresentada pelo filho da Autora.

x. A Autora deixou de poder arrendar parte da casa sita no prédio identificado em 1) pelo facto de existir um estabelecimento comercial de café/bar em frente.

xi. A última inquilina de uma parte da casa sita no prédio identificado em 1) pagou renda durante um ano e nunca lá conseguiu viver, tendo-a abandonado em 2014.

xii. O valor de mercado da renda mensal a pagar pela casa sita no prédio identificado em 1) é de €600,00.

xiii. O município de ... chegou a mandar retirar o estrado da esplanada, mas mais tarde voltou a autorizar a sua colocação, sendo o atual de maiores dimensões.

xiv. A colocação da esplanada exterior torna impossível o cruzamento de dois carros a circular.”


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DA ADMISSÃO DE DOCUMENTOS COM AS ALEGAÇÕES DE RECURSO

Vem a A. recorrente juntar, com as suas alegações de recurso, uma missiva remetida por seu filho ao Ministro da Administração Interna e datada de 2 de Janeiro de 2021. Não indica a recorrente a pertinência desta junção, nem os factos que o aludido documento pretende demonstrar, certo que não deduz impugnação da matéria de facto.

Ora, no que respeita à junção de documentos em fase de recurso, dispõe o artº 651 nº1 do C.P.C. que “As partes apenas podem juntar documentos às alegações nas situações excepcionais a que se refere o artigo 425º ou no caso da junção se ter tornado necessária em virtude do julgamento proferido na primeira instância.”

Por sua vez, o artº 425 do C.P.C., consigna que “Depois do encerramento da discussão só são admitidos, no caso de recurso, os documentos cuja apresentação não tenha sido possível até àquele momento.”, norma esta excepcional, semelhante à prevista no nº3 do artº 423, no que se reporta à fase de junção de documentos em sede de aferição da prova em julgamento.

Sendo esta uma fase excepcional, a junção de documentos em sede de recurso, depende da alegação, por parte do apresentante, de uma de duas situações:

-a impossibilidade de apresentação deste documento em momento anterior ao recurso. A superveniência em causa, pode ser objectiva ou subjectiva: é objectiva quando o documento foi produzido posteriormente ao momento do encerramento da discussão; é subjectiva quando a parte só tiver conhecimento da existência desse documento depois daquele momento;[3]

-o ter o julgamento efectuado na primeira instância introduzido na acção, um elemento adicional, não expectável, que tornou necessária esta junção, até aí inútil. Pressupõe esta situação, todavia, a novidade da questão decisória justificativa da junção pretendida, como questão operante (apta a modificar o julgamento) só revelada pela decisão, sendo que isso exclui que a decisão se tenha limitado a considerar o que o processo já desde o início revelava ser o thema decidendum.

Com efeito, como refere ABRANTES GERALDES, “podem (…) ser apresentados documentos quando a sua junção apenas se tenha revelado necessária por virtude do julgamento proferido, maxime quando este se revele de todo surpreendente relativamente ao que seria expectável em face dos elementos já constantes do processo.”[4]

Prossegue ainda este autor, em anotação ao artº 651 nº1, referindo que “a jurisprudência anterior sobre esta matéria não hesita em recusar a junção de documentos para provar factos que já antes da sentença a parte sabia estarem sujeitos a prova, não podendo servir de pretexto a mera surpresa quanto ao resultado” (ob.cit. p. 229[5].

Ainda a este respeito, ANTUNES VARELA[6], a propósito do regime anterior à Lei nº 41/2013, defendia que “A junção de documentos com as alegações da apelação, afora os casos da impossibilidade de junção anterior ou de prova de factos posteriores ao encerramento da discussão de 1ª instância, é possível quando o documento só se tenha tornado necessário em virtude do julgamento proferido em 1ª instância. E o documento torna-se necessário só por virtude desse julgamento (e não desde a formulação do pedido ou da dedução da defesa) quando a decisão se tenha baseado em meio probatório inesperadamente junto por iniciativa do tribunal ou em preceito jurídico com cuja aplicação as partes justificadamente não tivessem contado.”[7]

Volvendo ao caso concreto, a apelante não cumpre nenhum destes requisitos, não se vislumbrando sequer a intenção de junção deste documento, também não alegada, pelo que se impõe a sua rejeição.

Custas que se fixam em 1 U.C., nos termos do artigo 443º nº 1 e 527º nº 1, ambos do CPC e 1º e 7º nº 4, ambos do Regulamento das Custas Processuais.  


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DA CUMULAÇÃO (ILEGAL) DE PEDIDOS E DAS NULIDADES DA SENTENÇA
Vêm os RR. alegar que existe uma cumulação ilegal dos pedidos formulados pela A., por lhes corresponderem formas de processo diversas e incompatíveis, pelo que, por violação do disposto nos artºs 37, 555 e 576 do C.P.C., deveriam ter sido absolvidos da instância.
Alegam ainda que ao considerar admissível esta cumulação e ao adequar as providências de tutela de personalidade o Juiz incorreu em violação do disposto nos supra citados preceitos legais e do disposto no arts. 878 e segs. do C.P.C., pelo que a sentença é nula, quer por se pronunciar sobre questão que lhe estava vedado apreciar, quer por condenar em medida diversa do pedido, nulidades enquadráveis no nº1 do artº 615, alíneas d) e e), do C.P.C.
A pretensão recursória dos RR., pese embora sob diversas “vestes jurídicas” resume-se à mesma questão nuclear:
-é admissível a cumulação, em acção comum, de pedidos ressarcitórios com providências típicas da tutela da personalidade?

Sobre esta questão, o tribunal a quo, decidiu o seguinte: “Até à revisão ao Código de Processo Civil operada em 2013, o processo especial de tutela da personalidade, do nome e da correspondência confidencial, previsto nos artigos 1474.º e 1475.º, do Código de Processo Civil de 1961, estava inserido nos processos de jurisdição voluntária e correspondia a uma das vias possíveis de tutela judicial dos direitos de personalidade, a par das ações comuns e dos procedimentos cautelares.

Atualmente, a tutela da personalidade é o primeiro dos processos especiais – artigos 878.º a 880.º, do Código de Processo Civil -, tendo deixado de estar sujeito às regras próprias dos processos de jurisdição voluntária. Esta deslocação tem, naturalmente, consequências ao nível da tramitação processual e dos poderes de cognição do tribunal.

Por outro lado, com a mudança operada em 2013, têm sido suscitadas na doutrina duas discussões que cumpre sinalizar.

A primeira está relacionada com a (in)admissibilidade de cumulação, em processo comum, de pedidos de tutela da personalidade com pedidos comuns – concretamente, pretensões indemnizatórias, com base no instituto da responsabilidade civil.

A segunda diz respeito à (des)vinculação do juiz à concreta medida/providência requerida pela parte.

Revisitemos, de forma sucinta, as posições em confronto.

Quanto à problemática atinente à cumulação de pedidos típicos de processos com diferente natureza, alguma doutrina tem entendido que admitir essa cumulação significa ignorar quer a regra geral vertida no artigo 546.º, n.º 2 do Código de Processo Civil, que obsta à admissibilidade de pedidos de tutela da personalidade fora da via processual do artigo 878.º, quer a regra do artigo 37.º, n.º 1, do mesmo diploma legal, segundo a qual os pedidos de processo especial não são cumuláveis – neste sentido, vide Rui Pinto/Ana Alves Leal (coord.), Processos Especiais, vol. I, AAFDL Editora, 2020, p. 70.

Por sua vez, a prática jurisprudencial aponta para que se aceite o desvio à regra de que o processo comum só é aplicável na falta de processo especial (artigo 546.º, n.º 2, do Código de Processo Civil), aceitando-se que «as providências [destinadas à tutela da personalidade] possam ser cumuladas umas com as outras e com o pedido indemnizatório» - cf. Maria Pizarro Beleza, ob. cit., p. 75 e Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 14.07.2016, processo n.º 3446/14.3TBSXL.L1.S1 e de 30.09.2019, processo n.º 336/18.4T8OER.L1.S1.

No que diz respeito à segunda problemática apontada – que reveste, como se verá, especial importância no caso que ora nos cumpre decidir – alguma doutrina tem entendido que a intenção do legislador ao operar a retirada do processo especial de tutela de personalidade dos processos de jurisdição voluntária é, precisamente, a de vincular a interpretação dos artigos 70.º, n.º 2, do Código Civil e do artigo 879.º, n.º 4, do Código de Processo Civil à luz da limitação ao pedido e à legalidade estrita, ficando, por isso, o tribunal obrigado a julgar da adequação da providência concretamente requerida à ofensa em causa, não podendo condenar em medida diversa daquela que foi estritamente pedida, por a entender mais adequada – neste sentido, vide Rui Pinto/Ana Alves Leal (coord.), ob. cit., p. 68.

Em sentido oposto, Remédio Marques entende que «a recolocação desta tutela jurisdicional da personalidade humana nos processos especiais situados formalmente fora da jurisdição voluntária – se bem que supondo um conflito de interesses e uma lógica processual adversarial – não afasta, porém, a necessidade de o tribunal determinar o comportamento concreto a que o requerido fica sujeito (n.º 4, do artigo 879.º)» - cf. Remédio Marques, «Alguns aspetos processuais da tutela da personalidade humana no novo Código de Processo Civil de 2013» [Em linha], Lisboa: Centro de Estudos Judiciários, 2018, p. 207. No mesmo sentido vão Abrantes Geraldes/Paulo Pimenta/Luís Pires de Sousa que escrevem que o «o juiz decide na sentença sem necessária vinculação ao que tenha sido pedido» - cf. Abrantes Geraldes et al., vol. II, ob. cit., p. 309.

Do lado da jurisprudência, encontramos o recente Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 30.05.2019, processo n.º 336/18.4T8OER.L1.S1 no qual doutamente se diz que: «na tarefa de decisão em sede de processo especial de tutela de personalidade, o juiz não está vinculado a qualquer princípio de tipicidade e goza, por isso, de discricionariedade quanto à escolha das medidas mais eficazes para prevenir ou evitar a ofensa à personalidade».
Tomando posição nas duas discussões apontadas, aderimos, por um lado, à possibilidade de cumulação, no âmbito do processo comum, de pedidos destinados à tutela da personalidade, e, por outro lado, à possibilidade de modelação das providências requeridas em face do princípio da proporcionalidade, da adequação e da necessidade, porquanto é esse o caminho que tem vindo a ser percorrido pela jurisprudência dos nossos tribunais superiores.”
Concorda-se com a bem fundamentada decisão recorrida, na parte em que entende ser admissível a cumulação destes pedidos. Ao contrário do alegado pelos RR., os pedidos formulados pela A., embora possam encontrar enquadramento processual em processos de natureza comum e especial, não violam o disposto nos artºs 37 e 555 do C.P.C.
A A., na defesa dos seus direitos de personalidade, pode optar ou pela interposição de uma acção comum que, em cumulação com o pedido de cessação da ofensa cometida, permita a obtenção de uma indemnização pela violação dos seus direitos ou, pelas providências urgentes de tutela da personalidade a que corresponde a forma de processo especial, se entender ser este o meio mais expedito de por termo a esta ofensa sabendo, no entanto, que nesta forma especial lhe está vedado peticionar uma indemnização pelo dano decorrente da violação do seu direito de personalidade. 
Com efeito, o processo especial de tutela da personalidade previsto nos artsº 878 e segs. do C.P.C. constitui um meio de protecção expedito e urgente contra ameaças ou ofensas a direitos de personalidade, incluindo a previsão de uma providência cautelar integrada no próprio processo, para prevenir ou atenuar ofensa já cometida. Não assegura, no entanto, a reparabilidade do dano causado, pela impossibilidade de neste procedimento se incluir um pedido de indemnização.
Não se trata de processo introduzido apenas pela Lei 41/2013. O processo especial de tutela da personalidade mostrava-se já previsto no anterior código de processo civil, sob a epígrafe de “Tutela da personalidade, do nome e da correspondência confidencial”, regulado nos artºs 1474 e 1475 do C.P.C., mas integrado no elenco dos processos de jurisdição voluntária.
A inclusão destes processos de tutela da personalidade no elenco dos processos especiais de jurisdição voluntária e não contenciosa, permitia o alargamento dos poderes de cognição do tribunal, no que respeita aos factos e aos meios de prova que julgasse pertinentes serem prestados e permitia ainda, a adequação das medidas tomadas às especificidades do caso concreto. Em consequência, estas providências podiam ser alteradas, caso ocorressem circunstâncias supervenientes que o justificassem (cfr. artº 1410 do C.P.C.) e da decisão proferida não era admissível recurso para o STJ (artº 1411 do C.P.C.)
O actual processo especial de tutela da personalidade, na redacção da Lei 41/2013, assume natureza contenciosa, com importantes reflexos nos poderes do magistrado judicial, agora limitado pelos factos alegados pelas partes, condicionado pelos meios de prova requeridos (artºs 423, 552 nº2, 598 do C.P.C.) e pelo princípio do pedido (cfr. artº 552 nº1 e) e 609 do C.P.C.).
Constitui, conforme referem RUI PINTO e SAULO CHANOCA[8], uma acção declarativa de pedido atípico, tendo em conta a formulação do artº 878 do C.P.C. que não limita este pedido a uma mera condenação, mas nele inclui “uma função preventiva, de cariz inibitório da realização da ofensa e uma função de cariz repristinatório do estado anterior á ofensa.
A acção especial para tutela da personalidade prevista neste artº 878 do C.P.C., consagra actualmente uma tutela mais ampla e genérica dos direitos de personalidade física ou moral do ser humano, ou seja, visa conferir tutela processual aos direitos substantivos decorrentes do artº 70 do C.C., mas afastou-os da jurisdição voluntária, pelo que, neste actual modelo o magistrado está efectivamente limitado pelas concretas providências requeridas.
Estabelecida esta distinção entre o anterior modelo e o actual modelo, relevante para apurar se o juiz de primeira instância se manteve nos limites do pedido, há que não olvidar que este é um processo de natureza especial e que, tal como já ocorria no âmbito do anterior regime processual civil - sendo irrelevante para o caso a natureza de jurisdição voluntária ou contenciosa – se coloca a questão da possibilidade de cumulação das providências típicas deste processo especial, com pedidos de indemnização fundados na mesma ofensa, tendo em conta as exigências processuais referentes à admissibilidade de cumulação de pedidos, previstas no artº 37 do C.P.C. Como refere Maria dos Prazeres Pizarro Beleza[9]O obstáculo existe e, em abstracto, funciona nos dois sentidos, ou seja, quer a acção seja proposta como acção de responsabilidade, segundo o processo comum, quer o autor opte pela via do processo especial de tutela da personalidade; e não resulta da qualificação (ou não) de jurisdição voluntária.
É questão já debatida quer pela doutrina, quer pela jurisprudência, embora na anterior versão constante do artº 1474 e 1475 do anterior C.P.C., mas plenamente aplicável ao actual processo especial constante dos artºs 878 e segs do C.P.C.
A nossa jurisprudência sempre admitiu a opção do lesado pela acção comum ou pela acção especial, neste último caso com os limites e restrições que lhe estavam associados no que se reporta aos pedidos de indemnização. A inclusão deste processo na jurisdição contenciosa não veio alterar este entendimento jurisprudencial[10], embora alguma doutrina[11] se inclinasse para a tese da inadmissibilidade, com fundamento precisamente nas regras que impediam a cumulação de pedidos quando correspondessem formas de processo diversas, actualmente constantes dos artºs 37, 546 e 555 do C.P.C.
Ora, a tutela dos direitos de personalidade conferida pelo disposto no artº 70 do C.C. reclama que a ofensa a estes direitos possa ser prevenida ou objecto de reparação integral pelos meios mais adequados a esse objectivo, não existindo verdadeiro impedimento processual a que assim aconteça.
Ali´ss, o artº 37 nº2 do C.P.C., permite a cumulação sempre que não existam formas de processo manifestamente incompatíveis e em causa estejam interesses relevantes (como a tutela de direitos da personalidade).
Acresce que, o novel artº 547 do C.P.C. permite a adequação formal dos actos processuais, de forma a assegurar um processo equitativo, que impõe uma tutela efectiva e completa dos direitos e legítimos interesses dos seus titulares.
No entanto, esta possibilidade de adequação formal também defendida por Maria dos Prazeres Pizarro Beleza, apenas seria equacionada se “a previsão do processo especial de tutela da personalidade impedir a obtenção das medidas a que corresponde através da via do processo comum; e se a medida cautelar do nº 5 do artigo 879º citado excluir a admissibilidade de uma providência cautelar comum.” Prossegue esta autora e digna Conselheira que “ Não tem sido esse o sentido da jurisprudência e provavelmente não se justificará uma mudança de orientação; o que naturalmente implica que se aceite o desvio à regra de que o processo comum só é aplicável na falta de processo especial (nº 2 do artigo 546º do Código de Processo Civil) e que o processo de tutela da personalidade é de utilização facultativa, solução que, além do mais, permite ao requerente ponderar se a sua simplicidade é compatível com a devida apreciação da sua pretensão. Se assim for, parece que lhe será permitido optar por qualquer das vias até hoje admitidas: propositura do processo especial de tutela da personalidade ou de uma acção comum com uma providência cautelar associada, se houver urgência; na segunda alternativa, cumulando ou não um pedido de indemnização. Ou a propositura do processo especial seguido de uma acção comum de indemnização, beneficiando do caso julgado parcial.”[12]  
No presente caso, a A. alicerçou a sua acção na tutela dos seus direitos de personalidade, sustentando que a actividade desenvolvida no estabelecimento explorado em diversos momentos pelos 2º, 3º e 4º RR., produz um excesso de ruído que afecta o seu direito ao descanso, ao sossego e ao sono, o que consubstancia uma violação daqueles direitos de personalidade, garantidos pelos artºs 25º, n.º 1 da CRP e 70º, n.º 1 do Código Civil.
Nestes termos, de acordo com o citado artº. 70º, nºs 1 e 2 do Código Civil, a ofensa ilícita ou ameaça de ofensa à personalidade física ou moral de qualquer pessoa é juridicamente susceptível de ser prevenida ou reprimida por medidas jurisdicionais adequadas a evitar a consumação da ameaça, ou a atenuar ou fazer cessar os efeitos de ofensa já cometida, sem prejuízo da reparação a que haja lugar a título de responsabilidade civil.
Nestes termos, se tem de concluir que a tutela efectiva e integral destes direitos, garantida também pelo disposto no artº 20 nº1 da Constituição, pode ser exercida mediante a acção comum prevista nos artºs 552 e segs. do C.P.C. ou mediante os processos especiais de tutela da personalidade previsto nos artºs 878 e segs. do C.P.C.
A opção por um ou outro destes meios cabe ao lesado. Não permitindo estes processos especiais a integral reparação do dano causado pela ofensa, efectivada em sede de responsabilidade civil, nada impede que o lesado use o meio processual mais adequado de forma a obter não só a cessação da ofensa aos seus direitos de personalidade, mas também uma reparação pelos danos já causados, sem que lhe seja exigível que utilize dois processos distintos e sucessivos com vista a obter a cessação da lesão e a reparação do prejuízo sofrido.
Por último, não se vê que da admissibilidade de cumulação de pedidos resulte a violação de qualquer princípio ou direito constitucional da contraparte, estando todos os direitos associados ao princípio do contraditório, da igualdade e da proibição da indefesa assegurados, quer no âmbito da acção comum, quer no âmbito da acção especial.
Improcede assim este fundamento de recurso.

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Se existe nulidade da sentença, com fundamento no disposto no artº 615.º, n.º 1 alínea d) e e) do Código de Processo Civil
De igual forma não é esta sentença nula, por via do disposto no artº 615 nº1 d) e e) do C.P.C. porque apesar de remeter para a possibilidade de adequação das providências peticionadas (próprio da jurisdição voluntária), o juiz da causa se ter contido dentro do limite do pedido.   
Com efeito, a nulidade invocada está directamente relacionada com o artigo 608º, nº2, do Código de Processo Civil, segundo o qual “O juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras; não pode ocupar-se senão das questões suscitadas pelas partes, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras.”, bem como com o artº 609 nº1 do C.P.C. que impõe que o juiz, na decisão a proferir se contenha dentro do pedido, não lhe sendo lícito “condenar em quantidade superior ou em objecto diverso do que se pedir.”

Como refere ALBERTO DOS REIS[13] «O juiz não pode conhecer, em regra, senão das questões suscitadas pelas partes; na decisão que proferir sobre essas questões, não pode ultrapassar, nem em quantidade, nem em qualidade, os limites constantes do pedido formulado pelas partes.

            (...)

Também não pode condenar em objeto diverso do que se pediu, isto é, não pode modificar a qualidade do pedido. Se o autor pediu que o réu fosse condenado a pagar determinada quantia, não pode o juiz condená-lo a entregar coisa certa; se o autor pediu a entrega de coisa certa, não pode a sentença condenar o réu a presta um facto; se o pedido respeita à entrega de uma casa, não pode o juiz condenar o réu a entregar um prédio rústico, ou a entregar casa diferente daquela que o autor pediu; se o autor pediu a prestação de determinado facto (a construção dum muro, por hipótese), não pode a sentença condenar na prestação doutro facto (na abertura duma mina, por exemplo).»

Assim, a cominação de nulidade da sentença por alegada infração ao disposto na al. e) do n.º 1 do art. 615.º do CPC visa sancionar a infração ao dever que impende sobre o tribunal de, na sua pronúncia, se conter nos limites do pedido (cfr. art. 609.º do CPC), constituindo uma decorrência dos princípios da necessidade do pedido (cfr. art. 3.º, n.º 1, do CPC) e da vinculação do juiz ao pedido (congruência ou correspondência entre decisão e pedido - arts. 608.º, n.º 2 in fine e 609.º do CPC) e deriva da imposição ao julgador da obrigação de, na decisão a proferir, observar aquilo que é o petitório da ação.

Na definição legal (artigo 581.º, n.º 3, do Código de Processo Civil), pedido é o efeito jurídico que se pretende obter com a acção, traduzindo uma pretensão decorrente de uma causa, a causa de pedir, consubstanciada em factos concretos [artigos 552.º, alínea d), e 581.º, n.º 4, 1.ª parte, do Código de Processo Civil], sendo, pois, os dois elementos (pedido e causa de pedir) indissociáveis, como elementos identificadores da acção e delimitadores do seu objecto, do que resulta que o pedido se individualiza como a providência concretamente solicitada ao tribunal em função de uma causa de pedir.

Neste quadro, existirá excesso de pronúncia sempre que o tribunal condene ou absolva num pedido não formulado, bem como quando conhece de pedido em excesso parcial ou qualitativo, mormente, quando, utilizando fundamentos admissíveis, aprecie dum pedido que é quantitativa ou qualitativamente distinto daquele que foi formulado pela parte, condenando em quantidade superior ou em objeto diverso do pedido.
Quer isto dizer que o juiz está limitado pela pretensão material do A., o efeito jurídico que ele visa alcançar com a acção. Ora, conforme refere Ac. do S.T.J. de 07/04/16 [14]o que identifica a pretensão material do autor, o efeito jurídico que ele visa alcançar, enquanto elemento individualizador da acção, é o efeito prático-jurídico por ele pretendido e não a exacta caracterização jurídico-normativa da pretensão material, a sua qualificação ou subsunção no âmbito de certa figura ou instituto jurídico, sendo lícito ao tribunal, alterando ou corrigindo tal coloração jurídica, convolar para o decretamento do efeito jurídico adequado à situação litigiosa, sem que tal represente o julgamento de objecto diverso do peticionado.
Importa, todavia, estabelecer na medida do possível, quais os parâmetros dentro dos quais se move esta possibilidade de convolação jurídica, não se podendo olvidar que – continuando a ser a regra do dispositivo pedra angular do processo civil que nos rege – o decretamento de efeito jurídico diverso do especificamente peticionado pressupõe necessariamente uma homogeneidade e equiparação prática entre o objecto do pedido e o objecto da sentença proferida, assentando tal diferença de perspectivas decisivamente e apenas numa questão de configuração jurídico-normativa da pretensão deduzida.

E daqui decorre que não será possível ao julgador atribuir ao autor ou requerente bens ou direitos materialmente diferentes dos peticionados, não sendo de admitir a convolação sempre que entre a pretensão formulada e a que seria adequado decretar judicialmente exista uma essencial heterogeneidade, implicando diferenças substanciais que transcendam o plano da mera qualificação jurídica.”

Acrescenta-se ainda neste Acórdão o seguinte: “Note-se que (como salientamos no estudo O Princípio Dispositivo e os Poderes de Convolação do Juiz no Momento da Sentença, in Estudos em Homenagem ao Professor Doutor Lebre de Freitas, págs. 781 e segs.) a prevalência de uma visão que tende a sacralizar a regra do dispositivo, dando-lhe nesta sede uma supremacia tendencialmente absoluta, conduz a resultado profundamente lesivo dos princípios – também fundamentais em processo civil – da economia e da celeridade processuais: na verdade, a improcedência da ação inicialmente intentada e em que se formulou pretensão material juridicamente inadequada não obsta a que o autor proponha seguidamente a ação correta, em que formule o – diferente – pedido juridicamente certo e adequado, por tal ação ser objetivamente diversa da inicialmente proposta (e que naufragou em consequência da errada e insuprível perspetivação e enquadramento jurídico da pretensão); ora, sendo atualmente o principal problema da justiça cível o da morosidade na tutela efetiva dos direitos dos cidadãos, não poderá deixar de causar alguma perplexidade esta inelutável necessidade de repetir em juízo uma ação reportada a um mesmo litígio substancial, fundada exatamente nos mesmos factos e meios de prova, só para corrigir uma deficiente formulação jurídica da pretensão, através da qual se visa alcançar um resultado cujo conteúdo prático e económico era inteiramente coincidente ou equiparável ao pretendido na primeira causa…[15]

Intentada acção de processo comum, com vista à adopção de medidas tendentes a cessar ou minorar as ofensas aos direitos de personalidade da A. cumuladas com pedido indemnizatório, cumulação admissível, o juiz na sua decisão está limitado aos pedidos nela formulados, tendo em conta a forma comum adoptada e a alteração decorrente da inserção das medidas de tutela da personalidade na jurisdição contenciosa e não voluntária.

No entanto, examinada a decisão e, independentemente da posição que se adopte quanto à possibilidade de modelação e adequação das medidas em causa, verifica-se que o juiz não excedeu o pedido, nem decidiu coisa diversa.
Formulado pela A., a título principal, o pedido de encerramento do estabelecimento em causa, improcedendo este pedido principal, o decidido, restrição do horário de funcionamento do estabelecimento, situa-se dentro dos pedidos subsidiários formulados, mais concretamente do iv pedido, sobre os quais o tribunal se teria de pronunciar tendo em conta a improcedência do pedido principal (cfr. artº 554 nº1 do C.P.C.).
Nesta medida, nada impedia que o tribunal, considerando improcedente o pedido de encerramento do estabelecimento, por excessivamente oneroso e desadequado à gravidade da ofensa, fixasse uma redução do horário de laboração, que constitui um minus em relação ao peticionado. [16]
Não existe assim qualquer nulidade da sentença recorrida, pois que esta nem decidiu sobre matéria que lhe estava vedado conhecer, nem condenou em objecto diverso do pedido.
Improcede, assim, a arguição de nulidade da sentença recorrida.


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DA REAPRECIAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO


Insurgem-se os RR. recorrentes contra a decisão proferida pela primeira instância sobre a matéria de facto, impetrando:

-a alteração do ponto 41 da matéria de facto considerada como provada para “A Autora passou temporadas com o marido, filhos , netos e bisnetos no prédio identificado em 1), designadamente durante todo o mês de Agosto, parte dos meses de Setembro e Outubro, 15 dias durante as épocas festivas de Natal e fim de ano, 15 dias na Páscoa, o carnaval e alguns fins de semana, sendo que pelo menos desde 2016 a mesma raramente vem a ...”, com fundamento nas declarações de parte dos RR. CC e DD e nos depoimentos das testemunhas FF e GG;

-a alteração da matéria de facto dada como provada em 42 a 49, para não provada, com fundamento nas declarações de parte dos RR. CC e DD, do depoimento das testemunhas HH e FF e II.

Mais alega que deveria ter sido considerado provado que

-“O Hotel ... evidenciado em 36 da matéria de facto dada como provada confina com o estabelecimento F..., outrora C...;”

-“A Autora passou temporadas com o marido, filhos, netos e bisnetos no prédio identificado em 1), designadamente durante todo o mês de Agosto, parte dos meses de Setembro e Outubro, 15 dias durante as épocas festivas de Natal e fim de ano, 15 dias na Páscoa, o carnaval e alguns fins de semana, sendo que desde pelo menos 2016 a Autora tem vindo com menos regularidade a ...”;

-“A Rua ... , em ... é uma zona também ela habitacional e tranquila sendo que as únicas queixas existentes na vizinhança relativamente ao B... outrora C..., o foram apresentadas pelo filho da Autora, inexistindo quaisquer outras”.

-“O Réu DD no exercício da sua actividade económica actua de forma diligente”, este último facto com fundamento no depoimento das testemunhas JJ, KK, LL, que evidenciaram cuidado e preocupação do réu com a envolvência do estabelecimento no exercício da sua actividade profissional.

 

Cumpre-nos apreciar esta impugnação, começando por decidir

d) Se se verificam os requisitos para a alteração da matéria de facto e se esta deve ser alterada no sentido propugnado pelo recorrente;

Relativamente aos requisitos de admissibilidade do recurso quanto à reapreciação da matéria de facto pelo tribunal “ad quem”, versa o artº 640º, nº 1, do Código de Processo Civil, o qual dispõe que:

«Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:

a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;

b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;

c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.

No que toca à especificação dos meios probatórios, «Quando os meios probatórios invocados (…) tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes” (Artigo 640º, nº 2, al. a) do Código de Processo Civil).

No que respeita à observância dos requisitos constantes deste preceito legal, após posições divergentes na nossa jurisprudência, o Supremo Tribunal de Justiça tem vindo a pronunciar-se no sentido de que «(…) enquanto a especificação dos concretos pontos de facto deve constar das conclusões recursórias, já não se afigura que a especificação dos meios de prova nem, muito menos, a indicação das passagens das gravações devam constar da síntese conclusiva, bastando que figurem no corpo das alegações, posto que estas não têm por função delimitar o objeto do recurso nessa parte, constituindo antes elementos de apoio à argumentação probatória.» [17]

Assim, “O que verdadeiramente importa ao exercício do ónus de impugnação em sede de matéria de facto é que as alegações, na sua globalidade, e as conclusões, contenham todos os requisitos que constam do art. 640º do Novo CPC.

A saber:

- A concretização dos pontos de facto incorrectamente julgados;

- A especificação dos meios probatórios que no entender do Recorrente imponham uma solução diversa;

- E a decisão alternativa que é pretendida.”[18]

Por outro lado, não basta fazer uma impugnação genérica da matéria de facto, com remissão para meios de prova igualmente genéricos e sem os delimitar em relação a cada facto. As exigências contidas neste preceito impõem que “esta concretização seja feita relativamente a cada um daqueles factos e com indicação dos respectivos meios de prova, documental e/ou testemunhal e das passagens de cada um dos depoimentos”.[19]

Por último, no que toca à possibilidade e limites da reapreciação da matéria de facto, garantindo-se um efectivo duplo grau de jurisdição de forma a que este tribunal em sede de recurso, forme a sua própria convicção, tem este de ser enquadrado com o princípio da livre apreciação da prova pelo julgador, previsto no artº 607 nº 5 do C. P. Civil e com os princípios da oralidade e da mediação de que beneficiou o tribunal de primeira instância.

Como salienta Ana Luísa Geraldes[20]Em caso de dúvida, face a depoimentos contraditórios entre si e à fragilidade da prova produzida, deverá prevalecer a decisão proferida pela primeira Instância em observância aos princípios da imediação, da oralidade e da livre apreciação da prova”, de que este tribunal já não beneficia.

Acresce que, conforme acertadamente refere Miguel Teixeira de Sousa, in “Estudos Sobre o Novo Processo Civil”, pág. 347, “Algumas das provas que permitem o julgamento da matéria de facto controvertida e a generalidade daquelas que são produzidas na audiência final (…) estão sujeitas à livre apreciação do Tribunal (…) Esta apreciação baseia-se na prudente convicção do Tribunal sobre a prova produzida (art.º 655.º, n.º1), ou seja, as regras da ciência e do raciocínio e em máximas da experiência”.

Deste princípio da livre apreciação da prova, se excepcionam, cfr. dispõe o nº5 do artº 607 do C.P.C., os constantes de documentos com força probatória plena (quanto aos factos abrangidos nos termos do disposto no artº 371 do C.C.) os resultantes de documentos que, pese embora sem força probatória plena, sendo apresentados pelo declaratário contra o declarante, não tenham sido impugnados nos termos previstos no artº 376 do C.C. Neste caso, os factos compreendidos na declaração, consideram-se plenamente provados na medida em que sejam contrários aos interesses do declarante (sem prejuízo da indivisibilidade da confissão).

Por sua vez, as declarações de parte, estão igualmente sujeitas à livre apreciação do tribunal, conforme dispõe o artº 466 nº3 do C.P.C.

Recorde-se que, no âmbito do anterior C.P. a parte estava impedida de depor como testemunha e só era admitido o seu depoimento, nos termos previstos no artº 552 do C.P.C., quando se visasse obter a confissão de factos desfavoráveis ao depoente.

No entanto, conforme refere Pires de Sousa, “a inadmissibilidade da prestação de declarações de parte conduzia – com frequência – a assimetrias no exercício do direito à prova dificilmente compagináveis com o princípio da igualdade de armas ínsito no direito à prova. Constitui exemplo paradigmático o julgamento de acidente de viação em que o autor/condutor – por ser formalmente parte - não era ouvido quanto ao relato da dinâmica do acidente enquanto o segurado (e também condutor) da Ré (Seguradora) era sempre arrolado como testemunha. Por outro lado, existem factos integrantes do thema probandum que são por natureza revéis à prova documental, testemunhal e mesmo pericial, nomeadamente «factos de natureza estritamente doméstica e pessoal que habitualmente não são percecionados por terceiros de forma direta», factos respeitantes a «acontecimentos do foro privado, íntimo ou pessoal dos litigantes». No que tange a este tipo de factos demonstráveis por prova tendencialmente única, a recusa do tribunal em admitir e valorar livremente as declarações favoráveis do depoente pode implicar «uma concreta e intolerável ofensa do direito à prova, no quadro da garantia de um processo equitativo e da tutela jurisdicional efetiva dos direitos subjetivos e das demais posições jurídicas subjetivas.»[21].

 Assim se introduziu no novo CPC as declarações de parte, constando da respectiva exposição de motivos que “Prevê-se a possibilidade de prestarem declarações em audiência as próprias partes, quando face à natureza pessoal dos factos a averiguar tal diligência se justifique, as quais são livremente valoradas pelo juiz, na parte em que não representem confissão.

Sendo admitida a prestação de declarações das partes sobre factos pessoais de que tenham conhecimento, a credibilidade destas declarações, sujeitas à livre apreciação do tribunal, deve ser aferida em concreto, em conjunto com outros meios de prova juntos aos autos e efectuando uma análise crítica deste depoimento, sem que o julgador possa desconsiderar estes depoimentos, à partida, por provindos de quem tem interesse na causa, sob pena “de esvaziarmos a utilidade e a potencialidade deste novo meio de prova e de nos atermos, novamente, a raciocínios típicos da prova legal”. [22] [23]

Ou seja, as declarações da parte não devem ser desvalorizadas apenas por provir de quem tem interesse na causa, mas devem ser valoradas pelo tribunal nos mesmos moldes que são valorados outros meios de prova, igualmente sujeitos à livre apreciação do julgador: de acordo com regras de experiência, de verosimilhança e por a sua veracidade decorrer do confronto com outros meios de prova.[24]

Quanto ao depoimento de parte, que se não confunde nem tem o mesmo alcance que as declarações de parte, porque o depoimento de parte visa a confissão e, na medida em que este depoimento constituir confissão deve ser reduzido a assentada (cfr. 463 do C.P.C.), está este afastado da livre apreciação do julgador.
Nada obstando à apreciação deste recurso, este tribunal ouviu a integralidade da prova gravada produzida e dos docs, juntos aos autos.
O tribunal recorrido fez consignar o seguinte quanto à apreciação da prova perante si produzida: “Quanto à restante factualidade, o Tribunal, em conformidade com as regras da experiência e da normalidade do acontecer, apurou-a do depoimento de parte da Autora, das declarações de parte dos Réus e dos depoimentos prestados pelas testemunhas, todos depondo de forma tranquila e credível, com excepção da testemunha VV em termos que se referirão infra, tendo sido ouvidas as testemunhas:

1. HH

2. WW

3. VV

4. GG

5. QQ

6. XX

7. LL

8. KK

9. FF

10. YY

11. II

Em concreto, o depoimento de parte da Autora – cujo teor é passível de ser valorado pelo Tribunal, mesmo na parte não confessória - prestado no início da audiência de discussão e julgamento, começou por ser assertivo no que respeita à estima que sente pela casa de habitação sita no prédio identificado em 1), referindo que viveu a maior parte da sua vida naquela casa e que, não obstante residir habitualmente em ..., vinha a ... sempre que podia, designadamente acompanhada pelo seu marido até ao decesso deste e, posteriormente, pelos seus filhos. Assim, logrou dar-se como provados os factos vertidos em 39) e 40), os quais foram, aliás, corroborados pelas testemunhas QQ, PP e WW, respetivamente filhos e afilhado da Autora.

No que respeita aos factos descritos em 41), a Autora logrou concretizar – ainda que não exaustivamente - as alturas do ano que passa em ... com a sua família, frisando que, nos anos mais recentes, deixou de ir à praia, o que faz com que passe o mês de agosto em ..., onde aprecia estar. Mais referiu que durante os meses de setembro e outubro, por corresponderem à altura dos aniversários dos seus familiares, costuma reunir a família na casa de ..., à semelhança do que acontece no Natal, fim de ano, Páscoa e Carnaval.

Apesar de não conseguir circunscrever temporalmente os factos vertidos em 42) a 47), a Autora logrou convencer o Tribunal face aos comportamentos dos clientes do estabelecimento comercial em causa, desde logo por ser compatível com as regras da experiência que, de um estabelecimento com actividade noturna com musica, as pessoas falem num tom mais alto e com maior repercussão nesse mesmo horário em que a maior parte das pessoas se encontra a descansar. Por outro lado, a colocação da esplanada no exterior do estabelecimento eleva a probabilidade de serem escutadas as conversas dos clientes no interior do prédio identificado em 1), dada a proximidade de ambos os prédios. Por fim, também se afigura credível que o som da música que provém do interior do estabelecimento se ouça dentro da casa sita no prédio identificado em 1), mesmo que a Autora mantenha as janelas fechadas.

E se é indiscutível que a Autora tem interesse em que a solução do presente litígio lhe seja favorável, pretensão para a qual se mostram relevantes os factos que descreve, o Tribunal não poderá deixar de considerar este depoimento - atenta a postura da Autora - verossímil, claro e compatível com as regras do normal acontecer naquele pedaço de vida que descreve. Além disso, não se aponta qualquer hiperbolização na descrição dos factos ou dos sentimentos provocados na sua esfera íntima, mostrando-se compatíveis os sentimentos de desgosto e angústia que ficaram provados no facto 49). Com efeito, a prova dos chamados estados subjetivos faz-se através das chamadas presunções judiciais – artigo 351.º, do Código Civil -, sendo as mesmas admitidas nos casos e termos em que o é a prova testemunhal. Ora, o que está em causa é extrair de um facto apurado um outro facto com base naquilo que são as máximas da experiência, dos juízos correntes de probabilidade, nos princípios da lógica e nos próprios dados da intuição humana2. Assim, apurando-se os factos descritos em 40), 41) e 46) seria sempre de inferir o facto descrito em 50).
(…)

O facto descrito em 48) resulta das declarações das testemunhas QQ que afirmou ter sido o autor da maioria dessas queixas, o que foi corroborado pelas testemunhas HH, Presidente da Câmara ... desde 2013 que confirmou receber diversas queixas dos moradores do prédio em frente ao estabelecimento comercial sito no prédio identificado em 4), tendo, inclusive, reunido com o filho da Autora – a testemunha QQ. Mais afirmou esta testemunha, bem como a testemunha YY – Técnica Superior no Município de ... - que foi ponderado, ao nível da autarquia, fazer um ensaio de ruído na Rua ..., existindo um processo administrativo para esse fim.
   Ouvida a prova gravada, concorda-se com a apreciação que o tribunal recorrido fez dos depoimentos que justificam os factos que se deram como provados, embora se discorde da consideração do depoimento de parte da A. para fundamentar os factos que a própria alegava. Efectivamente é inegável que a A. se pronunciou em sentido conforme às estadias referidas no ponto 41, aos ruídos, provocações, obscenidades e impropérios por parte dos clientes do pub/café, que a impedem de sair pela porta principal da sua casa, situada em frente da porta deste estabelecimento e de abrir as janelas da sua casa, sobre a ocupação dos degraus da sua casa pelos clientes do café, sobre o facto de estes se encostarem à campainha da sua casa que fica a tocar em contínuo, sobre as pessoas alcoolizadas que ali ficam depois do encerramento do estabelecimento. É igualmente inegável que a depoente confirmou que o ruído incessante e a “maneira de falar” das pessoas, audível dentro de casa, mesmo com as janelas fechadas, a impedem de descansar.
No entanto, o depoimento de parte visa a confissão de factos desfavoráveis. Sendo os factos descritos nos pontos 41 a 49, favoráveis à A., porque por si alegados, a sua prova não poderia resultar deste depoimento, tendo em conta que não foram requeridas declarações de parte desta A.
Pese embora o acima referido, estes mesmos factos decorreram dos depoimentos da testemunha ZZ, filha da A., que igualmente confirmou as estadias da família, o barulho excessivo decorrente da música do estabelecimento, por falta de insonorização e das conversas na esplanada, encostando-se inclusive os clientes às paredes da moradia para conversarem, barulho que os impede de dormir e que inclusive os impede de se deslocarem a esta habitação em dias em que sabem que vai haver festas no referido estabelecimento. Confirmou ainda o ruído de petardos em dias de festa, os insultos à sua mãe por parte dos clientes do café, o que levou a que deixasse de sair pela porta de frente da sua casa e as queixas à GNR por causa do ruído da música e das conversas no café/pub.
Factos igualmente confirmados pela testemunha WW, afilhado da A. , que aqui relatou as estadias da família nesta casa, com quem vinha por vezes e o ruído incessante provindo do café.
A testemunha QQ, filho da A., confirmou o ruído incessante provindo do estabelecimento provocado pela música altíssima no seu interior, todas as tardes e noites, audível na via pública por não ter isolamento, sucessivas festas ou de música gravada ou de música ao vivo, com uma média de três concertos por mês, incluindo ruído provindo da esplanada mesmo depois do horário de encerramento, a existência de pessoas embriagadas a urinar e encostadas às paredes e à porta de casa e sentados nos degraus desta residência, bem como copos e lixo deixados à entrada de casa. Confirmou as sucessivas queixas apresentadas, quer por si, quer pela irmã, quer pela sua mãe, à GNR, à Câmara Municipal, à ASAE, ao Provedor de Justiça e às demais entidades referenciadas no ponto 48, o que foi confirmado aliás pelas testemunhas HH e YY.
É certo que o declarante de parte CC afirmou ter visto a A. nesta casa apenas duas ou três vezes e que o filho também se desloca à casa poucos dias por ano. Confirmou, no entanto, as sucessivas queixas apresentadas pelo marido da A. e pelo filho junto da Câmara Municipal e da ASAE, sendo sujeitos a sucessivas fiscalizações, mais referindo que bastava terem 10 pessoas dentro do estabelecimento que as pessoas da casa em frente (ou seja a A. seu marido e filhos) chamavam logo a GNR, razão por si apontada para o encerramento do estabelecimento a 30 de Setembro de 2018. Referiu ainda que nunca conseguiu ter esplanada com música até às 04h00, com licença especial de ruído, por causa das “n” queixas feitas pelas pessoas da casa da frente” que lhe moveriam uma autêntica perseguição. Mais confirmou a realização de festas, alegando ter sido obrigado inclusive a baixar o som da música para evitar queixas da A. e sua família sem resultado, porque segundo referiu continuaram as queixas constantes. Ora, não é esta versão compatível com a alegação de que a A. seu marido e filhos, não se deslocavam a esta casa, só o fazendo alguns dias por ano, nem é compatível com a existência de chamadas frequentes para a GNR, muito menos com a afirmação de que as janelas da casa são boas, mas têm um problema “porque no verão gostam de as abrir”, “queixam-se do barulho, mas depois têm sempre as janelas abertas”, o que indicia a utilização frequente desta casa, tal como afirmado pelas testemunhas acima referidas.
Por sua vez, o declarante de parte DD, afirmou ter assumido a exploração em Março de 2019, e que logo nessa ocasião, na Páscoa de 2019 viu a A. na casa em frente do estabelecimento, afirmando que, no seu entender, existe uma perseguição destas pessoas, em especial do filho da A., contra o estabelecimento. Confirmou a existência de festas com música ao vivo, afirmando ter realizado pelo menos seis eventos, com a presença da GNR pelo menos em 4 delas, por queixas do filho da A., que estaria nesta casa, onde vem frequentemente ao fim de semana e durante a semana.
Mais referiu que de cada vez que vinha o filho da A., chamava a GNR. Quanto ao ruído, afirmou que há sempre ruído, mas que sempre tentou acalmar os ânimos e os clientes, por causa das queixas do filho da A.
Destas declarações de parte dos RR. não resulta pois contraditado o teor dos depoimentos testemunhais referidos, que pese embora a sua ligação à A. se revelaram credíveis, prestados por quem vivenciou e assistiu aos factos. Pelo contrário, tem de se concluir que estas declarações de parte confirmam o alegado nos autos pela A. relativamente à música ao vivo e gravada, ao ruído proveniente deste estabelecimento não insonorizado e às queixas apresentadas pela A. e pelo filho que, no dizer dos RR. configuram “uma verdadeira perseguição”.
A testemunha HH, Presidente do Município de ..., confirmou a existência de “inúmeras queixas” desde que tomou posse em 2013, por parte dos proprietários da casa em frente do estabelecimento, cuja existência foi ainda confirmada pelo depoimento da testemunha YY, funcionária da C.M. ....
Por sua vez, a testemunha XX, que exerceu funções como contabilista da empresa F..., afirmou que existia cuidado com o ruído no estabelecimento, confirmando, no entanto, a existência de festas e de ruído, em especial por volta da 01h00. Mais confirmou que a GNR terá ido por diversas vezes ao bar/estabelecimento por queixas por parte dos moradores da casa em frente.
As testemunhas KK e LL, embora afirmassem que durante o dia o ambiente é sossegado, referiram que existem festas à noite e música ao vivo ou passada na televisão. Mais confirmou a primeira testemunha, que chegou a lá ver a GNR ... ou 3 vezes.
Por último a testemunha AAA, afirmou deslocar-se a este estabelecimento durante a manhã ou a seguir ao almoço e que não ouve ruído, mas também não o frequenta à noite e não se apurou nem o local, nem a distância da sua residência ao estabelecimento em causa.
Os depoimentos acima referidos não afastam a convicção do tribunal a quo e confirmam o teor dos factos 41 a 49, sendo que as declarações de parte dos RR., em benefício próprio, não são confirmadas por outros meios de prova e são contrariados pelos prestados.

Relativamente aos factos que os RR. pretendem ver aditados à matéria de facto, ou seja que “O Hotel ... evidenciado em 36 da matéria de facto dada como provada confina com o estabelecimento F..., outrora C...”, “A Rua ... , em ... é uma zona também ela habitacional e tranquila sendo que as únicas queixas existentes na vizinhança relativamente ao B... outrora C..., o foram apresentadas pelo filho da Autora, inexistindo quaisquer outras” e “O Réu DD no exercício da sua actividade económica actua de forma diligente”, tratam-se estes de factos que não foram expressamente alegados nos autos e que assim só poderiam ser introduzidos na matéria de facto por via do disposto no artº 5 nº2 do C.P.C.

Com efeito, incumbe às partes alegar, nos seus articulados, os factos essenciais que constituem a causa de pedir da acção ou de excepção oposta à acção, sem os quais a acção ou excepção improcederão e, incumbe ao julgador, para além destes (factos essenciais) considerar os demais factos que, ainda que não alegados, sejam factos instrumentais, concretizadores ou complementares (dos factos essenciais), desde que, em relação a estes últimos seja dada às partes a possibilidade de, sobre eles, se pronunciarem.

Factos instrumentais, na definição propugnada por Castro Mendes[25], são os que interessam indirectamente à solução do pleito por servirem para demonstrar a verdade ou falsidade dos factos essenciais, ou como refere Teixeira de Sousa[26], são aqueles que indiciam os factos essenciais. Por outras palavras, são factos secundários, não essenciais, mas que permitem aferir a ocorrência e a consistência dos factos principais.

Por sua vez, factos complementares são aqueles que são concretizadores dos que as partes alegaram como integrando a previsão normativa da pretensão deduzida, embora Teixeira de Sousa, venha defender que “não se pode admitir que os factos complementares que sejam alegados na sequência do convite ao aperfeiçoamento sejam factos integrantes da causa de pedir. Esta causa petendi tem de constar da petição inicial, sob pena de ineptidão deste articulado (art. 186.º, n.º 2, al. a), NCPC); assim, se a petição não é inepta por conter uma causa de pedir, nenhum facto que seja adquirido durante a tramitação da causa pode integrar essa mesma causa de pedir. O que já está completo na petição inicial não pode ser completado por nenhum outro facto.”[27]

Distinguem-se uns e outros, na medida em que são “factos principais aqueles que integram o facto ou factos jurídicos que servem de base à acção ou à excepção os quais se podem dividir em essenciais ou complementares (ou concretização dos que as partes alegaram), sendo os primeiros aqueles que constituem os elementos típicos do direito que se pretende fazer actuar em juízo, e os segundos aqueles que, de harmonia com a lei, lhes dão a eficácia jurídica necessária para fazer essa actuação, deixando-se registado que se são complemento ou concretização dos essenciais, em boa verdade e rigor lógico não se podem provar os segundos sem que os primeiros o estejam”[28]

Nestes termos, os factos complementares ou concretizadores são aqueles que especificam e densificam os elementos da previsão normativa em que se funda a pretensão do autor - a causa de pedir - ou do reconvinte ou a excepção deduzida pelo réu como fundamento da sua defesa, e, nessa qualidade, são decisivos para a viabilidade ou procedência da acção/reconvenção/defesa por excepção.

Os factos que os RR. recorrentes pretendem ver aditados, não se integram nem nos factos instrumentais, pois que são irrelevantes para a demonstração dos factos principais, nem nos factos complementares, sendo certo que os recorrentes não fundamentam esta pretensão de aditamento de factos, nem indicam a relevância dos mesmos.

Em todo o caso, não resultaram estes factos da instrução da causa, por não decorrer de qualquer depoimento ou outro meio de prova a concreta implantação e distanciamento do Hotel em relação ao estabelecimento em causa, nem é este facto adequado por si só a determinar o nível de ruído provindo do estabelecimento explorado pelos RR.

Por outro lado, que só existam queixas provindas do filho da A. ou da própria A. e seus filhos, não resultou provado nos autos, pois o não ter tido conhecimento de outras queixas não significa que não tenham existido e, por outro lado, é absolutamente irrelevante tal facto para a aferição da credibilidade das queixas da A. Não inibe a tutela que é concedida à A. para defesa dos seus direitos de personalidade, nem releva para a aferição do ruído e demais incómodos por estes alegados, tendo em conta que para além do Hotel e da habitação da testemunha AAA, a distância e em local que concretamente se desconhece, os demais locais referido no depoimento desta testemunha referiam-se a comércio ou serviços.

Por último, que o R. DD seja diligente no exercício da sua actividade comercial, é uma alegação genérica que não pode ser acolhida, não tendo sido indicado qualquer facto relevante para a boa decisão da causa, nomeadamente quanto à actuação deste R. para evitar ou fazer cessar ruídos ou outros comportamentos que pudessem causar danos a terceiros.

Indefere-se assim a impugnação da matéria de facto.


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FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO
Invocam os RR. que, em consequência dos factos que deveriam ter sido dados como provados, não ocorreu a violação de qualquer direito de personalidade da A., não estando reunidos os pressupostos da responsabilidade civil extra-contratual, prevista no artº 483.º do Código Civil;

A extensa e bem fundamentada sentença proferida em primeira instância analisou exaustivamente os pressupostos da responsabilidade civil extra-contratual dos RR., pessoas singulares e, da sociedade, pessoa colectiva, e concluiu que existindo uma violação culposa do direito da A. à saúde e repouso que se sobrepunha ao direito à exploração da actividade comercial por parte dos RR., se impunha a adopção de medidas adequadas e proporcionais à cessação da lesão, mantendo a actividade comercial do 4º R.

Mais considerou que os danos causados à A. eram imputáveis a estes RR. e susceptíveis de reparação monetária.

Considerou a decisão recorrida que “a produção de ruídos, geradora da designada poluição sonora e, por isso, manifestamente lesiva de direitos individuais e coletivos, pode ser encarada a partir de três óticas distintas, a saber: a do direito do ambiente, enquanto causa de poluição ambiental, na qual se insere o direito a um ambiente sadio e ecologicamente equilibrado - artigo 66.º, da Constituição da República Portuguesa; a visão clássica da tutela do direito de propriedade, no domínio das relações jurídicas de vizinhança, ao abrigo do artigo 1346.º, do Código Civil, permitindo ao proprietário de um prédio opor-se às emissões, provenientes de prédios vizinhos, que importem um prejuízo substancial para o uso do imóvel ou não resultem da utilização normal do prédio de que emanam; a dos direitos fundamentais de personalidade, consagrados, prima facie, no texto constitucional e recuperados no Código Civil, ao abrigo do artigo 70.º, que contempla a tutela geral da personalidade dos indivíduos contra qualquer ofensa ilícita ou ameaça de ofensa à sua personalidade física ou moral e que no caso dos autos “a perspetiva em que fundamentalmente se estriba a presente ação é precisamente a da verificação dos pressupostos da responsabilidade civil extracontratual por violação de direitos absolutos da Autora, afetados, de forma duradoura e relevante, pelas atividades ruidosas exercidas no interior do estabelecimento explorado pelos Réus e, ainda, pelas manifestações, também elas audíveis na habitação da Autora, levadas a cabo pelos clientes no exterior do referido estabelecimento.” Atitudes que sempre se teriam de incluir na esfera de responsabilidade dos RR., por tais manifestações decorrerem do exercício da sua actividade comercial.

A presente acção, conforme refere a sentença recorrida funda-se na violação ilícita e culposa dos direitos de personalidade da A., pelos ruídos produzidos no decurso e pela actividade comercial exercida pelos RR.

Está, assim, em causa o direito ao repouso, ao sono e à tranquilidade da A. e seu agregado familiar, enquadrados no âmbito dos direitos de personalidade, com previsão normativa na lei ordinária, no artº 70 do C.C. e nos arts. 2.º e 22.º da Lei n.º 11/87, de 07-04 (Leu de Bases do Ambiente) e do DL n.º 9/2007, de 17/01 (Regulamento Geral do Ruído).  

Constituem emanações dos direitos fundamentais à integridade moral e física, à protecção da saúde e a um ambiente de vida humano, sadio e ecologicamente equilibrado, corolário da dignidade humana e como tais com consagração constitucional nos artºs 25 e 64 nº1 e 66 da C.R.P.

Com efeito, o direito à integridade física e à saúde, a um ambiente sadio, à qualidade de vida e ao bem-estar, constituem direitos fundamentais de todos os cidadãos, reconhecidos ainda pelos artºs 3 e 25 da Declaração Universal dos Direitos do Homem.

Como tais, constituem direitos absolutos, beneficiando do regime aplicável aos direitos, liberdades e garantias consagrado nos artºs 17 e 18 da Constituição, tendo em conta que “a nossa Constituição, dando voz aos princípios proclamados na Declaração Universal dos Direitos do Homem, de 10/12/48 e na Convenção Europeia dos Direitos do Homem, de 04.11.1950, estabelece, no seu art. 1º, que a República Portuguesa, é «baseada na dignidade da pessoa humana», afirmando, no seu art. 25º, nº1 da CRP que «a integridade moral e física das pessoas é inviolável» (…) E se assim é, ou seja, se a nossa ordem jurídica assenta na “dignidade humana”, tal como se afirma no Acórdão do STJ, de 29.11.2016 (processo nº 7613/09.3TBCSC.L1.S1), torna-se inquestionável que, em caso de colisão entre direitos fundamentais, a busca do instrumento que melhor promova o valor supremo da dignidade da pessoa humana não pode deixar de constituir um instituto norteador da solução do caso concreto”.[29]

Nesta medida, em caso de violação, o seu titular pode lançar mão das providências adequadas a evitar a consumação da ameaça ou atenuar os efeitos da ofensa cometida. Assim, a prevalência destes direitos de personalidade sobre os direitos económicos e de propriedade privada, tendo em conta a interpretação que tem vindo a ser feita quanto aos aspectos integrados na garantia constitucional destes direitos, decorre da sua natureza absoluta e impõe a restrição destes últimos direitos, na medida necessária a salvaguardar os primeiros. Conforme refere HÖRSTER[30], dada a sua natureza de direitos absolutos, incindíveis do indivíduo, são protegidos contra qualquer ofensa ilícita, independentemente da intenção de prejudicar o ofendido.

Nestes termos, o direito da A. à integridade física, ao repouso e saúde e a um ambiente sadio[31], é um direito absoluto, que por essa via se sobrepõe aos direitos económicos, conforme expressamente prevê o artº 335 nº2 do C.C.

A respeito destes direitos e da sua natureza, esclarece GOMES CANTOTILHO E VITAL MOREIRA[32] que a “liberdade de iniciativa privada, tem um duplo sentido. Consiste, por um lado, na liberdade de iniciar uma actividade económica (direito à empresa, liberdade de criação de empresa) e, por outro lado, na liberdade de gestão e actividade da empresa (liberdade do empresário)”. Este direito económico, como esclarece este autor, está sujeito a limites, só podendo ser exercido “nos quadros definidos pela Constituição e pela lei e tendo em conta o interesse geral” (nº1 do artº 61), não constituindo assim um direito absoluto “nem tendo sequer os seus limites constitucionalmente garantidos, salvo no que respeita a um mínimo de conteúdo útil constitucionalmente relevante (…) de acordo, aliás, com um sector económico privado”.

Quer isto dizer que não é este um direito equiparado aos direitos liberdades e garantias e que, em caso de colisão deste direito com direitos absolutos de personalidade, prevalecem estes últimos, conforme decorre do disposto no artº 335 nº2 do C.C. e foi considerado na decisão sob recurso.

Por outro lado, ainda que se considerasse que desta actividade económica e dos seus rendimentos, beneficia o R. DD, estando assim em causa também o seu direito a uma vida condigna, direito também ele absolutos, mas não alegado nos autos, regeria ainda assim, o disposto no nº1 do artº 335 do C.C.

Em caso de colisão de direitos de igual espécie devem estes ceder no necessário para que todos produzam igualmente o seu efeito, sem maior detrimento para qualquer deles.

Daqui se conclui que em qualquer caso, deve ser assegurada à A. o direito ao sossego e ao repouso na sua habitação (ainda que secundária), sem intromissão de ruídos provindos do café/pub que impedem este descanso e repouso, com influência na sua saúde e do seu agregado familiar e na medida em que tal seja possível deve ser igualmente salvaguardado o direito do 4º R. de exploração económica do estabelecimento em causa, adoptando medidas que efectivamente cumpram este desiderato.

A tal não obsta o facto de este estabelecimento estar licenciado e autorizado a funcionar até às 02h00 e de ter autorização para a manutenção de uma esplanada que se situa exactamente em frente da porta de casa da A.

O licenciamento de actividade comercial e o cumprimento de regras administrativas pelos estabelecimentos comerciais, não isenta os respectivos gerentes, dos deveres de prevenção de ruídos que afectem o direito ao descanso e ao sossego de quem habita nas proximidades, conforme tem sido jurisprudência constante do STJ.[33]

Por outro lado, dos autos decorre que desde 2016, mesmo mantendo as janelas de sua casa fechadas, a Autora ouve a música proveniente do interior deste estabelecimento explorado pelos RR. e actualmente pelo 4º R, bem como as conversas entre os clientes que se encontram no exterior do estabelecimento, que em razão deste ruído, durante o mês de Agosto, a Autora deixou de poder abrir as janelas do seu quarto durante a noite, bem como da sala de jantar e que, ainda assim, mesmo com as janelas fechadas, é audível o ruído provindo este estabelecimento, que impede o seu repouso e sossego, forçando-a a levantar-se várias vezes durante a noite para pedir silêncio aos clientes do estabelecimento que se encontram na esplanada.

Em causa está assim o ruído decorrente da música no interior do estabelecimento (não insonorizado conforme decorre dos pontos 16 e 24) e das conversas no exterior do estabelecimento, mais concretamente da esplanada. Conforme considerou a decisão recorrida, “o ruído gerado pelas conversas efusivas dos clientes do estabelecimento – geradoras de danos na esfera íntima da Autora – são imputáveis aos Réus, pela circunstância de se tratar de um espaço por eles controlado – cf. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 29 de junho de 2017, processo n.º 117/13.1TBMLG.G1.S1. Com efeito, a jurisprudência tem entendido que «os deveres do dono do estabelecimento não se confinam ao ruído produzido no seu interior, cumprindo-lhe igualmente evitar que nos locais sob o seu domínio ocorram factos perturbadores dos referidos direitos de terceiros», dado que «os barulhos exteriores, enquanto inerentes ao funcionamento do estabelecimento, e causadores de incomodidade a terceiros, devem ser fundamento de responsabilidade civil extracontratual» (destaques nossos) – cf. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, 29 de novembro de 2012, que confirmou o Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, de 24 de abril de 2012 no processo n.º 1116/05.2TBEPS.G1.S1.”

Nesta medida, ainda que dos autos não resulte qualquer medição dos níveis de ruído provindos da música desde estabelecimento e das conversas dos seus clientes, quer no interior quer na esplanada, tem sido jurisprudência constante dos nossos tribunais[34] que o ruído que impede o sono, constitui violação de um direito de personalidade, direito ao repouso, ainda que este nível de ruído não exceda os limites fixados no regulamento. Conforme refere PAIS DE VASCONCELOS[35]o direito de personalidade não pode ser restringido por um simples regulamento. A compatibilização jurídica do Regulamento do Ruído com o direito de personalidade deve ser feita no sentido de todos devem limitar a emissão de ruídos, em geral ao estabelecido no Regulamento; mas desse Regulamento não resulta um «direito a fazer ruído» e muito menos a licitude do impedimento do repouso alheio. O Direito de personalidade prevalece sobre o regulamento do ruído.”.

Assim, decorrendo dos pontos de facto nºs 42 a 47 que este ruído afecta direitos de personalidade da A., constituindo um acto ilícito e directamente imputável aos RR. porque decorrente de actividade comercial por si exercida, constituindo-os não só no dever de indemnizar as lesões sofridas pela A., por via do disposto no artº 483 do C.C., como de adoptarem as medidas necessárias a prevenir e cessar, com salvaguarda se possível, do direito que também lhes assiste ao exercício desta actividade económica.

Por outro lado, o facto de a residência em causa ser secundária não constitui impedimento ao decretamento das providências adequadas e necessárias a cessar a violação dos direitos de personalidade da A.  

No entanto, as medidas adequadas a cessar a lesão terão de se adequar a esta realidade, mediante a necessária ponderação dos interesses em jogo, tendo em conta que a A. se desloca e permanece nesta habitação com o seu agregado familiar, conforme decorre do ponto 41, cerca de 3 meses por ano, a que acrescem alguns fins-de-semana. Ponderação que o tribunal recorrido efectuou, conforme decorre da sentença em recurso. A decisão recorrida considerou os períodos em que a casa é utilizada pela A. e seu agregado familiar, tendo adoptado medidas proporcionais a assegurar este direito sem impossibilitar ou comprimir em demasia o direito do 4º R. de prosseguir a sua actividade económica no bar/pub em causa.

Conforme se refere em Ac. desta Relação já citado de 12/03/2019 (proc. nº 148/13.1TBCBR.C2), proferido sobre situação muito semelhante, “ a violação do direito ao repouso e à saúde dos autores provocada pelos ruídos provenientes do estabelecimento de cafetaria/bar/restaurante – por se encontrar unicamente o incomodo que acarreta para os autores quando se encontram na varanda ou com as janelas abertas –, se poderá afirmar que não assume uma gravidade excecional, também, no outro lado da balança, o prolongamento do seu horário de funcionamento até às 02:00 h da manhã não se afigura minimamente necessário ou essencial ao exercício da sua atividade ou à rentabilidade de um estabelecimento deste. A essência e a finalidade do princípio da proporcionalidade é a preservação, tanto quanto possível, dos direitos fundamentais com amparo na Constituição e, em concreto, colidentes, através da harmonização e da otimização do meio escolhido com observação das seguintes regras e princípios: (i) a sua adequação ao fim em vista; (ii) a sua indispensabilidade em relação a esse fim (devendo ser, ainda, a que menos prejudica os cidadãos envolvidos ou a coletividade; (iii) a sua racionalidade, medida em função do balanço entre as respetivas vantagens e desvantagens.

Assim sendo, no caso em apreço, a imposição da proibição de funcionamento do estabelecimento para lá da 24:00, assegurando, por um lado, o direito ao descanso e à saúde dos autores, e implicando, por outro lado, uma compressão mínima e a nosso ver, perfeitamente razoável, do direito da Ré a manter em funcionamento o seu estabelecimento comercial aí instalado, afigura-se como representando uma solução equilibrada e adequada à ponderação dos interesses aqui em causa.”

Também neste caso, a solução encontrada pela decisão recorrida constitui a solução mais adequada à ponderação dos interesses em conflito: o direito ao repouso e sossego da A. e o direito ao exercício da actividade económica do 4º R., tendo restringido o último de forma assegurar o primeiro.


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Consideram ainda os 2º e 3º RR. que o tribunal recorrido não interpretou devidamente o disposto no artº 165 do C.C., por se não verificarem os pressupostos para responsabilização das pessoas colectivas e dos seus representantes, previstos no artº 165 do CC.  

A este respeito refere a sentença recorrida, “perante a matéria de facto apurada, por ser pessoalmente imputável aos Réus a produção de excesso de ruído no interior do próprio estabelecimento, audível no interior da residência de que a Autora é usufrutuária, durante o período de repouso noturno, verifica-se existência de um nexo de causalidade entre o comportamento dos Réus, a eles imputável por ocorrer num espaço por eles controlado, e os danos gerados na esfera íntima da Autora. E assim, perante tal situação de concausalidade, em que uma das causas da lesão e do dano sofrido pela Autora radica em facto ilícito e culposo dos próprios Réus, nada obsta a que estes sejam civilmente responsabilizados, na medida da sua contribuição causal e pessoal para os danos invocados.”

Não invocam os RR. qualquer fundamento jurídico que afaste esta qualificação efectuada pelo tribunal a quo, assentando a sua alegação única e exclusivamente na alteração da matéria de facto fixada em primeira instância.

Improcedente esta impugnação e decorrendo dos autos a lesão de direitos de personalidade da A., lesão esta ilícita, soçobra este argumento de recurso.


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Por último peticionam os RR. a condenação da A. como litigante de má fé, com fundamento no facto de esta ter alegado ser comproprietária, quando era usufrutuária e ter peticionado uma indemnização referente a períodos em que bem sabia ter estado este bar/pub, encerrado.

Esta pretensão soçobra igualmente por total falta de fundamento.

Em primeiro lugar o facto de a A. ser comproprietária ou usufrutuária do imóvel, é perfeitamente irrelevante para a sua pretensão que consiste na adopção de providências de tutela da personalidade e numa indemnização pelos danos sofridos. A tutela conferida pela A. é independente da sua qualidade de proprietária deste imóvel, certo que nele reside embora por períodos limitados no tempo.

Ora, só comportamentos da parte que violem o dever de probidade constante do artº 8 do C.P.C., relevantes, são susceptíveis de integração na previsão normativa do artº 542 do C.P.C.

Para além da inocuidade de tal alegação, acresce o facto de a própria A. juntar com a sua p.i., certidões de registo predial que demonstravam a sua qualidade de usufrutuária.

Por último, não resulta dos autos que a A. tenha deduzido pretensão que não poderia ignorar ser improcedente, sendo certo que para que se possa considerar que a parte litiga de má fé, nos termos previstos no nº2 deste preceito, é exigido que seja deduzida pretensão cuja falta de fundamento a parte não deveria ignorar (alínea a), ou seja, quando a parte defenda uma posição jurídica totalmente irrazoável, infundada, porque sem qualquer suporte na letra da lei e na opinião da doutrina ou jurisprudência, ainda que minoritária. Não basta, para o efeito, a mera “defesa convicta de uma perspectiva jurídica dos factos, diversa daquela que a decisão judicial acolhe” a qual “não implica, por si só, litigância censurável”,[36] mas antes a defesa de uma pretensão que a parte, actuando com um mínimo de diligência, deveria saber ser manifestamente improcedente.

Improcede, assim este último fundamento de recurso dos RR.


***

Conhecendo do recurso interposto pela A., insurge-se a recorrente quanto aos montantes fixados a título de indemnização por danos morais sofridos decorrentes da lesão aos seus direitos ao repouso e ao descanso, no que se reporta à sanção pecuniária compulsória fixada pelo tribunal recorrido que considera diminuta e que, por essa via, não satisfará os objectivos que lhe são inerentes.

Por último considera que o seu direito só ficará assegurado com a insonorização do estabelecimento em causa.

 

Dos danos não patrimoniais decorrentes da lesão aos direitos de personalidade da A.

Conforme se refere no Ac. do STJ de 22-05-2013[37]estando em causa a violação do direito ao repouso e ao descanso, impende sobre o seu infractor a responsabilidade civil por tal lesão, a qual se traduz na obrigação de proceder ao ressarcimento dos danos causados ao lesado, nos termos do preceituado no art. 483.º e segs. do CC.

No que se reporta à indemnização por danos morais, a sua ressarcibilidade decorre de um comportamento ilícito por parte dos Réus, omitindo estes um dever de diligência e de cuidado a que estavam obrigados, por forma a que da exploração deste estabelecimento, não resultasse ruído, provindo quer do seu interior quer da conversas ruidosas dos sues clientes, que configura uma conduta ilícita e culposa, porque violadora dos direitos de personalidade da A. (artº 483, e 487 nº2 do C.C.)

Verificados os pressupostos constantes dos artºs 483 e segs. do C.C., na obrigação de indemnizar incluem-se quer os danos patrimoniais, quer os danos de natureza não patrimonial que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito e que, por atingirem bens intangíveis, como a vida, a saúde, o bem estar, o nome, a honra, etc, apenas podem ser “compensados com a obrigação pecuniária imposta ao agente, sendo esta mais uma satisfação do que uma indemnização.”[38]

O artigo 496º do Código Civil, referindo-se à tutela dos danos não patrimoniais, dispõe no seu nº1 que “na fixação da indemnização deve atender-se aos danos não patrimoniais que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito” e no nº 3 que “o montante da indemnização será fixado equitativamente pelo tribunal, tendo em atenção, em qualquer caso, as circunstâncias referidas no artigo 494º”.

A sentença sob recurso, considerou que tendo em conta os períodos que a A. habita esta casa, “atendendo a todas as circunstâncias do caso, mormente as vertidas nos factos 14), 15) 16) 17), 18) e 38) a 49), no período compreendido entre 20 de setembro de 2016 e 30 de setembro de 2018, afigura-se justo e equilibrado arbitrar uma indemnização por danos não patrimoniais à Autora no montante de €500 (quinhentos euros), sendo solidariamente responsável a ré F... Lda. e o réu CC. Quanto ao período compreendido depois de 1 de março de 2019, atendendo igualmente à factualidade vertida em 38) a 49) e, ainda, aos factos descritos em 23) a 25), 27), 28), 31), 33) e 34), afigura-se justo e equilibrado atribuir uma indemnização à Autora por danos não patrimoniais no montante de €500,00 (quinhentos euros), sendo responsável o réu DD.

Decorre dos pontos 41 a 48 que a A. nos períodos em que habita a casa situada em frente do estabelecimento, cerca de 3 meses por ano e durante alguns fins de semana, viu violado o seu direito ao repouso, ao sono, que foi forçada a apresentar sucessivas queixas junto da GNR, Município de ... e outras entidades, deixou de poder sair pela porta da frente da sua própria casa, pela circunstância de ser insultada pelos clientes do estabelecimento em causa e que desde 2016 sente desgosto e angústia por não poder usufruir da casa identificada em 1) com a tranquilidade com que outrora o fazia.

São danos indemnizáveis que se não restringem apenas aos períodos em que a A. habita a casa, pois que o desgosto e angústia que sente por a não poder utilizar com tranquilidade e sem se sujeitar a ruídos e insultos por parte dos clientes do estabelecimento, não está limitado a determinados períodos coincidentes com a sua estadia.

O montante da indemnização fixada, tendo em conta os extensos períodos temporais em que decorreu esta lesão (desde pelo menos 2016) e as restrições que implicam para a A. no seu sossego e na vivência da sua própria casa (ainda que secundária) não assegura a integral reparabilidade do dano.

Nesta medida e tendo em conta os critérios definidos em situações semelhantes (cfr. Acs. citados na decisão recorrida), altera-se o montante de indemnização fixado para o montante de € 2500,00 para os 2º e 3º RR. e € 2500,00 para o 4º R.

Da insonorização do estabelecimento

Considerou a decisão recorrida a respeito deste pedido que “a medida peticionada sob o ponto 5.º do pedido subsidiário - insonorizar, no prazo de 60 (sessenta) dias, todo o interior do estabelecimento com isolamento acústico total de forma a não serem audíveis na rua os ruídos e/ou barulhos nele produzidos – será de improceder seja por não ter sido apresentado contra o dono do imóvel, seja por impossibilidade, ou manifesta dificuldade de garantir uma estanquicidade total, seja por desnecessidade em face do horário agora estabelecido, ficando os RR absolvidos do demais peticionado.”

Ao contrário do que considerou a decisão recorrida, a insonorização do estabelecimento não cabe ao proprietário do edifício ou fracção onde este se situa, mas antes à entidade que explora este estabelecimento, que deve adoptar todas as medidas necessárias e suficientes para evitar a propagação de ruídos provindos do estabelecimento que possam afectar terceiros. Não se trata esta de uma imposição ao proprietário de prédio poluente, mas antes de uma providência adequada à tutela de um direito de personalidade violado pela pessoa (singular ou colectiva) que explora estabelecimento comercial.

Aceitando-se que a insonorização não impede a propagação dos ruídos provenientes da esplanada, nem garante uma total estanquicidade do estabelecimento, até pela necessária circulação dos empregados e clientes entre a esplanada e este estabelecimento, diminui em grande medida estes ruídos e nessa medida, não se pode igualmente considerar que tal providência seja desnecessária em face do horário estabelecido.

São medidas com funções diversas.

A diminuição do horário de laboração, tem impacto na diminuição da lesão dos direitos de personalidade da A., assegurando o seu repouso aos fins de semana e vésperas de feriado a partir das 24 horas, mas não impede que no período de laboração, se ouçam dentro da sua habitação, ainda que com as janelas fechadas (com o inerente incómodo em qualquer época, mas em especial nos meses de maior calor) o som da música e das conversas ocorridas neste estabelecimento.

Ora, a tutela dos direitos de personalidade da A. impõe que sejam adoptadas medidas com vista à cessação da lesão. O direito ao repouso, ao sossego e à qualidade de vida, impõem que ninguém seja incomodado dentro da sua habitação por conversas e músicas alheias.  

Acresce que qualquer estabelecimento onde seja passada música ao vivo, ou proveniente de aparelhos de som, com potência suficiente para se fazer ouvir nas habitações vizinhas, deve proceder à sua insonorização. É esta a medida mais adequada a evitar e minorar os sons do interior do estabelecimento (que não da esplanada), pelo que se defere ao requerido, determinando que o R. DD seja condenado a insonorizar este estabelecimento no prazo de 60 dias.     

Da sanção pecuniária compulsória.

Dispõe o artº 829º-A do CC, no seu nº 1 que “Nas obrigações de prestação de facto infungível, positivo ou negativo, salvo nas que exigem especiais qualidades científicas ou artísticas do obrigado, o tribunal deve, a requerimento do credor, condenar o devedor ao pagamento de uma quantia pecuniária por cada dia de atraso no cumprimento ou por cada infracção, conforme for mais conveniente às circunstâncias do caso.”, acrescentando no seu nº2 que esta sanção, será fixada segundo “critérios de razoabilidade, sem prejuízo da indemnização a que houver lugar.”
A sanção pecuniária compulsória é fixada apenas nos casos de prestação de facto infungível sendo que a “infungibilidade da prestação de facto consiste na impossibilidade de ter lugar o seu cumprimento por terceiro, em função do interesse concreto do credor.”
Conforme decorre do disposto no artº 829-A do C.P.C., esta sanção não constitui um fim em si mesmo, uma vez que com a ela se visa obter a realização de uma prestação, judicialmente reconhecida, a que o credor tem direito, constituindo, por um lado, uma forma de protecção do credor contra o devedor relapso e por outro, no reforço da tutela específica do direito, induzindo o devedor a cumprir a obrigação a que se encontra adstrito e a obedecer à injunção judicial.

Como ensina Calvão da Silva[39], “A sanção pecuniária compulsória não é, pois, medida executiva ou via de execução da condenação principal do devedor a cumprir a obrigação que deve. Através dela, na verdade, não se executa a obrigação principal, mas somente se constrange o devedor a obedecer a essa condenação, determinando-o a realizar o cumprimento devido e no qual foi condenado“.

Na sua fixação, deve o julgador ponderar as possibilidades económicas do devedor, as vantagens resultantes do não cumprimento, e o real interesse do credor ao cumprimento.[40]

Por outro lado, tal como referido em acórdão desta Relação de 15/11/2016[41]sendo a sanção pecuniária compulsória um meio de coerção ao cumprimento e ao respeito de uma condenação judicial, o seu termo inicial não deve ocorrer antes do momento em que o cumprimento se tenha por definitivamente devido e a exequibilidade da decisão judicial foi adquirida;
Ora, o montante pecuniário fixado, afigura-se-nos diminuto, tendo em conta que constitui um meio de coerção ao cumprimento e ao respeito da decisão judicial ora proferida.
Nesta medida, fixa-se este montante em € 100,00 diários, montante mais adequado a servir de dissuasor de futuros incumprimentos por parte do 4º R.
Revoga-se, assim, nesta parte, a sentença recorrida, dando-se parcial provimento à apelação interposta pela A.
   


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DECISÃO


Pelo exposto, acordam os Juízes desta relação em considerar totalmente improcedente o recurso interposto pelos RR. e parcialmente procedente o recurso interposto pela A. e, em consequência:

a) Condenam os RR. F... Lda. e CC, solidariamente, a pagar à Autora a quantia de €2.500,00, a título de danos não patrimoniais.

b) Condenam o R. DD a pagar à Autora a quantia de €2.500,00, a título de danos não patrimoniais;

c) Condenam o R. DD a insonorizar no prazo de 60 dias, o interior do estabelecimento com isolamento acústico total, de forma a não serem audíveis na rua os ruídos e/ou barulhos nele produzidos.
d) Condenam o R. DD numa sanção pecuniária compulsória de € 100 por cada dia de não cumprimento desta decisão;
No demais mantêm a sentença recorrida.


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Custas pela A. e RR. na proporção do decaimento, que se fixa em 10% para a primeira e 90% para os segundos (artº 527 nº1 do C.P.C.).
                                                           Coimbra 28/06/22





[1] Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, Almedina, 2013, pp. 84-85.
[2] Abrantes Geraldes, Op. Cit., p. 87.
Conforme se refere no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 7.7.2016, Gonçalves Rocha, 156/12, «Efetivamente, e como é entendimento pacífico e consolidado na doutrina e na Jurisprudência, não é lícito invocar nos recursos questões que não tenham sido objeto de apreciação da decisão recorrida, pois os recursos são meros meios de impugnação das decisões judiciais pelos quais se visa a sua reapreciação e consequente alteração e/ou revogação». No mesmo sentido, cf. Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 4.10.2007, Simas Santos, 07P2433, de 9.4.2015, Silva Miguel, 353/13.
[3] Ac. Tribunal Relação de Coimbra de 20/01/2015, relator Henrique Antunes, proc. nº 2996/12.0TBFIG.C1, disponível in www.dgsi.pt
[4] ABRANTES GERALDES, António Santos, Recursos no Novo Código de Processo Civil, Almedina 2017, pág. 229.
[5] Neste sentido vidé Ac. Tribunal Relação de Coimbra de 18/11/14, relator Teles Pereira, proc. nº 628/13.9TBGRD.C1, disponível in www.dgsi.pt
[6] Revista de Legislação e Jurisprudência, Ano 115,º, pág. 95 e segs.

[7] Neste sentido vidé Ac. do S.T.J. de 26/09/12, relator Gonçalves Rocha, Proc. nº 174/08.2TTVFX.L1.S1, disponível in www.dgsi.pt


[8] PINTO; Rui e CHANOCA, Saulo, Processos Especiais, Vol. I, AAFDL, 2020, pág.

[9] BELEZA, Maria dos Prazeres Pizarro, O processo especial de tutela da personalidade, no Código de Processo Civil de 2013, Jurismat, Portimão, n.° 5, 2014, pág. 74.
[10] A título de exemplo vejam-se os Acs. do STJ de 14/07/2016, de que foi relatora Maria Clara Sottomayor, proferido no proc. nº 3446/14.3TBSXL.L1.S1, de 05/04/2018, de que foi relator Abrantes Geraldes, proferido no proc. nº 1853/11.2TBVFR.P2.S1 e de 30/09/2019, de que foi relatora Catarina Serra, proferido no proc. nº 336/18.4T8OER.L1.S1.; nesta Relação vide o Ac. de 14/11/2016, de que foi relator Fontes Ramos, proferido no proc. nº 136/16.6T8PNT.C1, todos disponíveis in www.dgsi.pt.
[11] Neste sentido vide VASCONCELOS, Pedro Pais de, Direito de Personalidade, Almedina, 2006, pág. 136,   FONSECA, Tiago Soares, Da Tutela Judicial Cível dos Direitos de Personalidade-Um Olhar Sobre a Jurisprudência, Revista da Ordem dos Advogados, ano 2006, ano 66, Vol. I, pág. 288 e, PINTO, ui, ob. cit., pág. 56. No entanto, este último autor, defende que, “como regra, o requerente não pode cumular pedidos do artigo 878º com outros pedidos, porquanto impede-o a primeira parte do artigo 37º, nº1, e 555º, nº1”, mas admite que em termos gerais, “o autor poderá requerer ao tribunal  a admissão da cumulação, ao abrigo do nº 2 do mesmo 37º e, também, do princípio da adequação formal do artigo 547º, justificando que a tramitação relativa a cada pedido não é manifestamente incompatível entre si, havendo ganhos de economia processual.” (pág. 57)
[12] BELEZA, Maria dos Prazeres Pizarro, ob cit, pág. 75.
[13] Código de Processo Civil Anotado, V Vol., pág. 67/68
[14] Ac. do S.T.J. de 07/04/16, relator Lopes do Rego, proferido no proc. nº 842/10.9TBPNF.P2.S1, disponível para consulta in www.dgsi.pt
[15] A este respeito vidé ainda os exemplos apresentados no Ac. de 5/11/09, proferido pelo STJ no P. 308/1999.C1.S1, disponível para consulta in www.dgsi.pt
[16] Neste sentido vide Acórdão do STJ, de 30-05-2013, proferida no Proc. n.º 2209/08.0TBTVD.L1.S1, relator Granja da Fonseca, disponível in www.dgsi.pt..
[17] Ac. STJ de 01.10.2015, proc. 824/11.3TTLRS.L1.S1, Ana Luísa Geraldes; Ac. STJ de 14.01.2016, proc. n.º 326/14.6TTCBR.C1.S1, Mário Belo Morgado; Ac. STJ de 11.02.2016, proc. n.º 157/12.8TUGMR.G1.S1, Mário Belo Morgado; Ac. STJ, datado de 19/2/2015, proc. nº 299/05, Tomé Gomes; Ac. STJ de 22.09.2015, proc. 29/12.6TBFAF.G1.S1, 6ª Secção, Pinto de Almeida; Ac. STJ, datado de 29/09/2015,proc. nº 233/09, Lopes do Rego; Acórdão de 31.5.2016, Garcia Calejo, proc. nº 1572/12; Acórdão de 11.4.2016, Ana Luísa Geraldes, proc. nº 449/410; Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 27.1.2015, Clara Sottomayor, proc. nº 1060/07, disponível in www.dgsi.pt.
[18] Ac. STJ. de 03.03.2016, Ana Luísa Geraldes, proc. nº 861/13.3TTVIS.C1.S, disponível in www.dgsi.pt.
[19] Ac. do STJ de 05/09/18, relator Gonçalves Rocha, proc. nº 15787/15.8T8PRT.P1.S2; no mesmo sentido vide Ac. do S.T.J. de 27/09/18, relator Sousa Lameira, proc. nº 2611/12.2TBSTS.L1.S1, disponível in www.dgsi.pt.
[20] Impugnação e reapreciação da decisão sobre a matéria de facto, Estudos em Homenagem ao Prof. Dr. Lebre de Freitas, Volume I, página 609.
[21] PIRES de SOUSA, Luís Filipe, AS DECLARAÇÕES DE PARTE. UMA SÍNTESE (WWW.TRL.MJ.PT) apud ELIZABETH FERNANDEZ, “Nemo Debet Essse Testis in Propria Causa? Sobre a (in)Coerência do Sistema Processual a Este Propósito”, in Julgar Especial, Prova Difícil, 2014, págs. 22 e 27 e 37 e REMÉDIO MARQUES, João Paulo “A Aquisição e a Valoração Probatória de Factos (Des) Favoráveis ao Depoente ou à Parte”, in Julgar, jan-abr. 2012, Nº16, págs. 167 e 168.
[22] PIRES de SOUSA, Luís Filipe, Prova Testemunhal, 2013, Almedina, págs. 364.
[23] Vide ainda os Acs. do Tribunal da Relação de Lisboa de 26/04/17, proferido no proc. nº 18591/15.0T8SNT.L1-7; do TRC de 05/06/18, proferido no proc. nº 1817/08.3TBPBL.C1, no qual se considera que cumpre ao ao julgador algum cuidado na análise crítica e valoração dessas declarações, as quais, no seu final, - e como meio legítimo de prova que são e com a força probatória que é idêntica àquelas outras provas igualmente sujeitas à livre apreciação do tribunal –, tanto poderão merecer do julgador muita, como pouca ou nenhuma credibilidade. (Cfr. nesse sentido, e por todos, Ac. da RG de 02/05/2016, in “proc. 2745/15.1T8VNFA.G1, disponível em dgsi.pt); por sua vez em Ac de 13/09/18, proferido no TRG, no proc. nº 159/17.8T8FAF.G1 é aceite que “em última instância, nada obsta a que as declarações de parte constituam o único arrimo para dar certo facto como provado desde que as mesmas logrem alcançar o standard de prova exigível para o concreto litígio em apreciação”.
[24] Neste sentido vide Ac. do TRG de 26/09/2019, proc. nº 1935/18.0T8CHV.G1, relator António Barroca Penha, e deste TRC de 23.06.2015, proc. n.º 1534/09.7TBFIG.C1, relator Henrique Antunes, ambos disponíveis em www.dgsi.pt.
[25] CASTRO MENDES, João, Direito Processual Civil, II Vol., p. 208.
[26] TEIXEIRA DE SOUSA, Miguel, Introdução ao Processo Civil, pág. 52.
[27] TEIXEIRA DE SOUSA, Miguel, “Algumas questões sobre o ónus de alegação e de impugnação em processo civil”, in Scientia Iuridica, Tomo LXII, n.º 332, 2013, p. 396.
[28] Ac. do TRC de 07/11/17, proferido no proc. nº 1335/13.8TBCBR.C1, disponível para consulta in www.dgsi.pt

[29] Citado Ac. do STJ de 03/10/2019.
[30] HÖRSTER, Heinrich Ewald, A Parte Geral do Código Civil Português-Teoria Geral do Direito Civil, Almedina, pág. 258.
[31] Decorre ainda do artº 5 da Lei 19/2014 de 19/04, que estabelece as Bases da Política do Ambiente, que “1 - Todos têm direito ao ambiente e à qualidade de vida, nos termos constitucional e internacionalmente estabelecidos.
2 - O direito ao ambiente consiste no direito de defesa contra qualquer agressão à esfera constitucional e internacionalmente protegida de cada cidadão, bem como o poder de exigir de entidades públicas e privadas o cumprimento dos deveres e das obrigações, em matéria ambiental, a que se encontram vinculadas nos termos da lei e do direito.

[32] GOMES CANOTILHO, VITAL MOREIRA; Constituição da República Portuguesa Anotada, 3ª edição, Coimbra Editora, pág. 327.

[33] Neste sentido vide, a título meramente exemplificativo, os Acórdãos do STJ: de 13/09/2007, proferido no proc. nº 07B2198, de que foi relator Alberto Sobrinho; de 15/05/2008, proferido no proc. nº 08B779, de que foi relator Mota Miranda; de 28/02/2012, proferido no proc. nº 4860/05.0TBBCL.G1.S1, de que foi relator Mário Mendes; de 17/04/2012, proferido no proc. nº 1529/04.7TBABF.E1.S1, de que foi relator Sousa Leite; de 30/10/2012, proferido no proc. nº 1767/06.8TBVNG.P1.S1,de que foi relator Hélder Roque; de 29/11/2012, proferido no proc. nº º 1116/05.2TBEPS.G1, de que foi relator Abrantes Geraldes e de 22/03/2018, proferido no proc. nº 184/13.8TBTND.C1.S2, de que foi relatora Maria Graça Trigo, todos disponíveis in www.dgsi.pt

[34] Vide a título de exemplo o Ac. desta Relação de 12/03/2019, proferido no porc. nº 148/13.1TBCBR.C2, de que foi relatora Maria João Areias; vide ainda a jurisprudência constante do STJ de que são exemplos os Acórdãos de 29-04-2014, proferido no Proc. n.º 166/05.3TBMIR.C1.S1, de que foi relator Moreira Alves;  de 15-12-2015, proc. nº 311/04.6TBENT.E1.S1, de que foi relator Hélder Roque   de 29-11-2016, proferido no proc. nº 7613/09.3TBCSC.L1.S1, de que foi relator Alexandre Reis e de 29-06-2017, proferido no proc. nº 117/13.1TBMLG.G1.S1,  relatado por Lopes do Rego, todos disponíveis in www.dgsi.pt.
[35] VASCONCELOS, Pedro Pais, ob.cit., pág. 71.
[36] Ac. do STJ de 11/09/2012, relator Fonseca Ramos, proferido no Proc. nº 2326/11.09TBLLE.E1.S1, disponível para consulta in www.dgsi.pt

[37] Proferido no proc. n.º 160/04.1TBSSB.L1.S1 - 6.ª Secção, de que foi relator Sousa Leite, disponível in www.dgsi.pt

[38] ANTUNES VARELA, Das Obrigações, 5ª ed., Vol. I, pág. 561.
[39] Calvão da Silva, Cumprimento e Sanção Pecuniária Compulsória, 1987, págs. 417/421
[40] CALVÃO DA SILVA, ob. cit., pág. 407.
[41] Proferido no proc. nº 975/14.2TBLRA.C1, de que foi relator Jorge Loureiro, disponível in www.dgsi.pt.